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terça-feira, junho 21, 2011

os países europeus serão governados por governos de direita

Para Hobsbawm, crise explica deriva à direita na Europa

O blog do italiano Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm no dia do seu 94º aniversário. Hobsbawm, que faz questão de dizer que é um historiador, não um futurologista – fala, entre outros assuntos, sobre o que é hoje o marxismo e a crise na União Europeia. Hobsbawm acredita que, no futuro próximo, praticamente todos ou quase todos os países europeus serão governados por governos de direita, de um tipo ou de outro. Para ele, a crise econômica que se arrasta desde 2008, tem muito a ver com a deriva à direita na Europa. "Acho que, hoje, só quatro economias na Europa, na União Europeia, estão sob governos de centro ou de esquerda".
O blog de Beppe Grillo entrevistou Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores marxistas vivo. A entrevista aconteceu no dia do seu 94º aniversário, quando esteve em Roma para o lançamento da tradução italiana de seu livro How to Change the World - Why rediscover the inheritance of Marxism. Hobsbawm analisa a possibilidade de uma deriva rumo à direita nos próximos anos na Europa, por razões relacionadas com a depressão econômica, a ânsia por segurança e a estagnação da União Europeia, arcada sob o peso da obrigação de ser cada vez maior e maior e pela falta de visão política comum. Além disso, os movimentos de resistência têm crescido mais em regiões onde há um maior número de jovens – por exemplo no norte da África e nos países em desenvolvimento, não na Europa. Mas, acima de tudo, Hobsbawm, que faz questão de dizer que é um historiador, não um futurologista – fala-nos sobre o que é hoje o marxismo e sobre os seus efeitos.
1.      Sobre o marxismo hoje
Eric Hobsbawm: Sou o Eric Hobsbawm. Sou um historiador muito velho. Como tal, telefona-me no dia do meu 94º aniversário. Durante toda a minha vida escrevi principalmente sobre a história dos movimentos sociais, a história geral da Europa e do mundo dos séculos XIX e XX. Acho que todos os meus livros estão traduzidos para italiano e alguns foram até bastante bem recebidos.
Blog de Beppe Grillo: A nossa primeira pergunta é sobre o seu livro. O marxismo é considerado um fenômeno pós-ideológico. Poderia explicar-nos porquê? E quais serão as consequências dessa mudança? 
Eric Hobsbawm: Eu não usei exatamente a expressão “fenômeno pós-ideológico” para marxismo, mas é verdade que, no momento, o marxismo deixou de ser o principal sistema de crenças associado aos grandes movimentos políticos de massa em toda a Europa. Apesar disso, acho que sobrevivem alguns pequenos movimentos marxistas. Nesse sentido, houve uma grande mudança no papel político que o marxismo desempenha na política da Europa. Há algumas partes do mundo, por exemplo, a América Latina, em que as coisas não se passaram do mesmo modo. A consequência daquela mudança, na minha opinião, é que agora todos podemos concentrar-nos mais e melhor nas mudanças permanentes que o marxismo provocou, nas conquistas permanentes do marxismo. 
Essas conquistas permanentes, na minha opinião, são as seguintes: Primeiro, Marx introduziu algo que foi considerado novidade e ainda não se realizou completamente, a saber, a crença de que o sistema econômico que conhecemos não é permanente nem destinado a durar eternamente; que é apenas uma fase, uma etapa no desenvolvimento histórico que acontece de um determinado modo e deixará de existir e converter-se-á noutra coisa ao longo do tempo. 
Segundo, acho que Marx concentrou-se na análise do específico modus operandi, do modo como o sistema operou e se desenvolveu. Em particular, concentrou-se no curioso e descontinuo modo através do qual o sistema cresceu e desenvolveu contradições, que por sua vez produziram grandes crises.
A principal vantagem da análise que o marxismo permite fazer é que considera o capitalismo como um sistema que origina periodicamente contradições internas que geram crises de diferentes tipos que, por sua vez, têm de ser superadas mediante uma transformação básica ou alguma modificação menor do sistema. Trata-se desta descontinuidade, deste reconhecimento de que o capitalismo opera não como sistema que tende a se auto-estabilizar, mas que é sempre instável e eventualmente, portanto, requere grandes mudanças. Esse é o principal elemento que ainda sobrevive do marxismo. 
Terceiro, e acho que aí está a preciosidade do que se poderá chamar de fenômeno ideológico, o marxismo é baseado, para muitos marxistas, num senso profundo de injustiça social, de indignação contra a desigualdade social entre os pobres e os ricos e poderosos. 
Quarto, e último, acho que talvez se deva considerar um elemento – que Marx talvez não reconhecesse – mas que esteve sempre presente no marxismo: um elemento de utopia. A crença de que, de um modo ou de outro, a sociedade chegará a uma sociedade melhor, mais humana, do que a sociedade na qual todos vivemos atualmente. 
2.      Uma deriva à direita na Europa?
Blog: No norte da África e em alguns países europeus – Espanha, Grécia e Irlanda – alguns movimentos de jovens que nasceram na internet e usam redes, por exemplo Twitter e Facebook, estão aproximando-se da política. São movimentos que exigem mais envolvimento e mudanças radicais nas escolhas das sociedades. Mas, ao mesmo tempo, a Espanha tende à direita; a Dinamarca votou pelo encerramento das fronteiras com a Hungria; e na Finlândia, e até mesmo na França, com Marie Le Pen, estão surgindo partidos nacionalistas de extrema-direita. Não é isto uma contradição?
Eric Hobsbawm: Não, não acho. Acho que são fenômenos diferentes. Acho que, na maioria dos países ocidentais, hoje, os jovens são uma minoria politicamente ativa, largamente por efeito de como a educação é construída. Por exemplo: os estudantes sempre foram, ao longo dos séculos, elementos ativistas. Ao mesmo tempo, a juventude educada hoje é muito mais familiarizada com modernas tecnologias de informação, que transformaram a agitação política transnacional e a mobilização política transnacional.
Mas há uma diferença entre (a) esses movimentos de jovens educados nos países do ocidente, onde, em geral, toda a juventude é fenômeno de minoria, e (b) movimentos similares de jovens em países islâmicos e em outros lugares, nos quais a maioria da população tem entre 25 e 30 anos. Nesses países, portanto, muito mais do que na Europa, os movimentos de jovens são politicamente muito mais massivos e podem ter maior impacto político. O impacto adicional na radicalização dos movimentos de juventude acontece porque os jovens hoje, em período de crise econômica, são desproporcionalmente afetados pelo desemprego e, portanto, estão desproporcionalmente insatisfeitos. Mas não se pode adivinhar que rumos tomarão esses movimentos. No todo, os movimentos dessa juventude educada não são, politicamente falando, movimentos da direita. Mas eles só, eles pelos seus próprios meios, não são capazes de definir o formato da política nacional e todo o futuro. Creio que, nos próximos dois meses, assistiremos aos desdobramentos desse processo.
Os jovens iniciaram grandes revoluções, mas não serão eles que necessariamente decidirão a direção geral pela qual andarão aquelas revoluções. Cada direção, claro, depende do país e da região. Obviamente as revoluções serão muito diferentes nos países islâmicos, do que são na Europa ou, claro, nos EUA.
E é verdade que na Europa e provavelmente nos EUA pode haver uma deriva para a direita, na política. Mas isso, parece-me, será assunto da terceira pergunta.
     3.  A crise econômica
Blog: Sim, a próxima pergunta é sobre a crise econômica em que vivemos desde 2008. As crises de 29, 33, levaram o fascismo ao poder. Prevê algum risco de a crise atual ter os efeitos que tiveram as crises de 28, 29, 33?
Eric Hobsbawm: Bem, não há dúvidas de que a crise, a crise econômica que se arrasta desde 2008, tem muito a ver com a deriva à direita na Europa. Acho que, hoje, só quatro economias na Europa, na União Europeia, estão sob governos de centro ou de esquerda. Algumas daquelas devem perder. A Espanha provavelmente também se moverá em direção à direita. Nesse sentido, parece verdade. Não acho que haja aí qualquer risco de ascensão do fascismo, como nos anos 1930s. O perigo do fascismo nos anos 1930s foi, em grande medida, resultado da conversão de um país em particular, um país decisivo politicamente, nomeadamente a Alemanha sob a alçada de Hitler.
Não há sinal de que nada disso esteja a acontecer hoje. Nenhum dos países importantes, segundo me parece, dá qualquer sinal nessa direção. Nem nos EUA, onde há um forte movimento direitista, pode-se concluir que aquele movimento ganhe poder nas urnas. Nem, tampouco, no caso dos partidos e movimentos de extrema-direita nos países europeus. Apesar de serem fortes, têm-se mantido como fortes minorias sem grandes hipóteses de se tornarem maiorias. Mas, sim, creio que, no futuro próximo, praticamente todos ou quase todos os países europeus serão governados por governos de direita, de um tipo ou de outro. Recorde-se que um dos efeitos logo termo da crise econômica dos anos 1930s foi que praticamente toda a Europa tornou-se democrata e de esquerda, como jamais antes acontecera. Mas isso levou algum tempo. Portanto, há um risco, mas não é o mesmo risco que havia nos anos 1930. O risco é antes o de não se agir o suficiente para lidar com os problemas básicos, enaltecidos pelo capitalismo dos últimos 40 e enfatizados pelo renascimento dos estudos marxistas.
Blog: O que pensa sobre a União Europeia e sobre o que já foi conseguido? A União Europeia conseguirá consolidar-se ou voltará a ser uma simples reunião de estados?
Eric Hobsbawm: Acho que a esperança de que a União Europeia venha a ser algo mais que uma aliança de estados e área de livre comércio, essa, não tem grande futuro. Não irá muito além do que já foi até aqui, mas não acho que seja destruída.
Acho que o que já se fez, um grau de livre comércio, um grau muito mais importante de jurisprudência comum e lei comum permanecerão. A principal fraqueza da União Europeia, parece-me, razão do fracasso, foi o conflito entre a economia e a base social da União Europeia. Um conflito que resultou da tentativa para eliminar a guerra entre a França e a Alemanha e unificar economicamente as partes mais ricas e desenvolvidas da Europa. Esse objetivo foi alcançado. Tal foi misturado em seguida com um objetivo político associado à Guerra Fria e ao desenvolvimento após o fim deste período, nomeadamente o objetivo de extensão das fronteiras a todo o continente e mais além. Este processo dividiu a Europa em partes que já não são facilmente coordenáveis.
Economicamente, as grandes crises são ambas muito parecidas no que diz respeito às aquisições para a União Europeia desde os anos 1970s, na Grécia, em Portugal e na Irlanda, por exemplo. Mesmo politicamente, as diferenças entre os antigos estados comunistas e os antigos estados não comunistas da Europa enfraqueceram a capacidade de a Europa continuar a desenvolver-se. Se a Europa continuará a conseguir manter-se como está, eu não o sei. Não creio, contudo, que a União Europeia deixe de existir e acho que continuaremos a viver numa Europa mais coordenada do que a que conhecemos, digamos, desde a II Guerra Mundial. 
De qualquer modo, devo dizer que está fazendo-me perguntas enquanto historiador mas sobre o futuro. Infelizmente, os historiadores sabem tanto sobre o futuro quanto qualquer outra pessoa. Por isso, as minhas previsões não são fundadas em nenhuma especial vocação que eu tenha para prever o futuro.
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Fonte: Carta Maior | Internacional, 18/06/2011 

domingo, dezembro 12, 2010

o abandono da moeda única !

Crise da dívida força Portugal a recordar os custos da saída do euro
por Sérgio Aníbal
Abandono da moeda única teria consequências drásticas e caóticas. Taxas de juro a níveis insustentáveis, bancos nacionalizados e preços altos mudariam a nossa vida. 

Foto: Marcelo Del Pozo/Reuters
Instalado na casa que adquiriu com recurso ao crédito, a conduzir o carro de marca estrangeira ou a comprar produtos de todo o mundo, o português médio já deixou há muito de fazer as contas em escudos. E já se esqueceu também do que significou a chegada do euro em 1999 para os seus hábitos de consumo: crédito a taxas de juro baixas, inflação reduzida e grande diversidade de produtos importados a preços acessíveis. Agora, com a moeda única a enfrentar a maior crise da sua existência e com Portugal no centro dos problemas, é melhor começar a fazer um esforço de memória.
É verdade que a saída do euro e o regresso ao escudo estão muito longe de ser uma inevitabilidade. Mas a crise da dívida pública europeia veio lembrar que o sucesso da união monetária na Europa não está ainda garantido.
O euro, no actual cenário, corre o risco de se desintegrar por um de dois motivos: ou os países do Norte da Europa, principalmente a Alemanha, se cansam de transferir dinheiro para os países do Sul que estão a ser pressionados pelos mercados devido aos seus desequilíbrios orçamentais; ou estes países mais periféricos, como Portugal, se cansam de ter de pôr em prática as medidas de austeridade que lhes são impostas para receberem o dinheiro e exigem a sua autonomia monetária e cambial de volta. E se, neste momento, todos os políticos europeus declaram querer defender a todo o custo o projecto do euro, o prolongamento da crise por vários anos pode começar a testar a paciência das opiniões públicas e a capacidade de resistência dos políticos.
É por isso que uma pergunta que era, até este ano, quase só académica passou a ser feita por muita gente: o que significaria ter de voltar a viver sem o euro?
"Durante uns anos, seria o caos completo", responde sem hesitações José Silva Lopes, ex-governador do Banco de Portugal. Queda abrupta do poder de compra, subida drástica do preço dos bens importados, incapacidade das famílias, empresas, bancos e Estado para fazerem face às suas dívidas, congelamento do financiamento externo e do crédito interno, falências, nacionalizações e subida a pique do desemprego. Todas estas seriam, de acordo com os economistas contactados pelo PÚBLICO, consequências possíveis de curto prazo de um cenário em que a economia portuguesa perdia a estabilidade cambial do euro e ficava com uma divisa sujeita a uma forte desvalorização.
E são estes custos, com consequências imprevisíveis a nível social, que fazem com que mesmo os eurocépticos não aconselhem uma saída rápida e sem qualquer tipo de apoio do euro. "Fui contra a entrada de Portugal no euro, mas agora não sou a favor de uma saída imediata pelos custos elevadíssimos que comportaria" diz o economista João Ferreira do Amaral.
Haveria, claro, um outro lado da moeda. "Dava-nos a possibilidade de manipular as taxas de câmbio a favor da nossa competitividade", assinala Silva Lopes. João Ferreira do Amaral calcula que, agora, o regresso ao escudo seria acompanhado de "uma desvalorização situada entre os 30 e os 40 por cento", o que ajudaria as empresas a compensar no exterior a queda drástica que se registaria na procura interna. "A economia teria de se reindustrializar outra vez", diz.
Silva Lopes reconhece estes efeitos, embora tenha dúvidas quanto à capacidade de Portugal aproveitar estas vantagens. "A curto prazo, a perspectiva seria de catástrofe; a longo prazo, não tenho bem a certeza", diz. 
O exemplo argentino
O caso mais recente que pode servir de exemplo para o que aconteceria a Portugal vem da América do Sul. A Argentina nunca fez parte de uma união monetária como a do euro, mas durante os anos 90 viveu com a sua divisa fixada ao dólar. Tal como Portugal ou a Espanha, beneficiou, devido a essa política, de taxas de juro baixas, crédito fácil e consumo abundante. Mas, em contrapartida, as suas empresas foram perdendo competitividade face ao exterior. 
No início deste século, os mercados acharam que não podiam emprestar mais dinheiro. Ao início, a Argentina tentou manter a todo o custo a ligação do peso ao dólar. O FMI emprestou dinheiro e exigiu uma política de forte austeridade. A economia não resistiu a essa receita e os problemas orçamentais não se resolveram. O que se passou a seguir foi o caos, semelhante àquele de que fala Silva Lopes. O Governo deixou a divisa cair, deixou de pagar as suas dívidas ao estrangeiro, os argentinos correram aos bancos para levantar o seu dinheiro, o sistema financeiro fechou as portas e foi intervencionado pelo Estado. A economia parou, o desemprego subiu e os problemas sociais dispararam. Com o passar dos anos, a Argentina recuperou a sua competitividade com a ajuda de um peso menos forte e os mercados internacionais voltaram, aos poucos, a confiar no país. 
Poderia ser um percurso semelhante a este o que Portugal teria de percorrer se entretanto não conseguisse resolver os seus problemas orçamentais ou se deixasse de poder contar com o actual apoio financeiro do Banco Central Europeu e dos seus parceiros da zona euro. Neste tipo de processos, a imprevisibilidade é, contudo, uma imagem de marca.
Soluções más e menos más
Se a saída do euro tem custos quase incontroláveis, a manutenção da moeda única também não oferece perspectivas de facilidade. "Cenários bons para Portugal, não há neste momento. Há cenários maus e cenários menos maus", diz João Ferreira do Amaral. "É um caminho muito doloroso o que temos pela frente, com o período de saída da crise a ser sempre muito prolongado", concorda Silva Lopes.
Mantendo o euro, o impacto não será tão drástico como o da saída, mas o país não se livraria de anos de contenção salarial muito forte, de limitação no acesso ao crédito externo e de subida das taxas de juro. O reequilíbrio das contas externas teria de ser feito através de uma subida da produtividade ou, como sugere Ferreira do Amaral, com a Europa a entregar a Portugal "a possibilidade de seguir uma política de "discriminação positiva" dos seus bens transaccionáveis", algo que agora não é possível.
Uma coisa parece certa: os portugueses vão ter de modificar os seus hábitos de consumo e de voltar a encontrar um equilíbrio entre aquilo que é produzido e aquilo que é importado. O caminho para chegar lá é que é muito diferente com ou sem o euro.
Fonte: Público 20 | Economia, 12/12/2010

terça-feira, outubro 26, 2010

écoutez la colere du peuple


A greve francesa

por Jaldes Reis de Meneses*
Há um belo soneto do grande poeta francês Charles Baudelaire que começa assim: a rua em torno era um frenético alarido (A uma passante).
Paris, Lyon, Marseille, julho, 1789; fevereiro, 1848; maio, 1968; outubro, 2010: tão longe, tão perto. 
Sem dúvida, o alarido das multidões nas ruas vem a ser, junto com o vinho e os queijos, uma moderna tradição francesa. A explicação estrutural do fenômeno de protestar nas ruas e erguer barricadas deita no próprio processo da revolução francesa de 1789: na radicalização jacobino (1792), os franceses fizeram uma reforma agrária ousada, fatiando os antigos feudos em pequenas propriedades camponesas. Dessa maneira, a acumulação primitiva de capitais no campo foi relativamente lenta, tendo em vistas o acelerado processo inglês. Ou seja: a transferência de renda e capital do campo para a cidade se deu de modo constante, mas num ritmo equilibrado, tanto que até os dias de hoje os pequenos proprietários rurais são uma voz política importante na França.
Qual a conexão da evolução das estruturas econômicas da industrialização francesa com o mundo da política? O processo de revolução na França configurou um tipo de hegemonia no qual as figuras do camponês e do artesão, lado a lado com as formas sociais novas do operário fabril e do burguês, tiveram que estabelecer formas de convivência, certamente conflituosas, de hegemonia burguesa, decerto incorporadora, embora muitas vezes assumindo contornos bonapartistas, das demandas sociais dos de baixo. Enfim, o paradoxo do processo de revolução burguesa na Franca lídimo e simples: o desmoronamento dos estamentos aristocráticos, e do clero, requisitou de um amplo consentimento social.
Foi esta sui generis configuração da econômica com a política, o solo no qual germinaram as idéias radicais republicanas e socialistas que tanto agradou o jovem Marx e tanto ódio despertou, em uníssono, de todos os membros, sem exceção, do pensamento conservador, numa escala de Burke a Nietzsche. Neste ínterim, é o caso de recordar o pensamento corporativista de Saint-Simon – fundamento ideológico do Estado Social Francês –, atentando ao fato de que o corporativismo pregava a paz social, mas a partir do acordo entre as partes litigantes.
Deve-se perceber que as raízes do Estado de Bem Estar Social francês estão arraigadas na cultura política do país. Desmontá-lo, portanto, se assemelha a uma autêntica operação de guerra. Por isso, o atual movimento grevista contra a lei de Sarkozy, que eleva a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos (na verdade, o fio do novelo de outras medidas), conta a adesão, conforme pesquisas, de 71% da população.
É fato que as bases definitivas do Estado Providência Francês é relativamente recente: adveio dos chamados acordos de Grenoble, acordo corporativo entre o Estado gaulista e os sindicatos comunistas que selou o fim dos movimentos de 1968, reiterando a tradição dos acordos de classe se seguirem aos estertores do movimento revolucionário.
Para entender Sarkozy e os acontecimentos da greve francesa, talvez seja o caso de recuar a maio de 1968.
No movimento do século passado, tínhamos a circunstância da irrupção de surpresa de um protesto juvenil, nascido nas Universidades, que se espalhou como um barril de pólvora para muito próximo de uma classe operária fabril compacta, massiva e sindicalizada. Mais ainda: a aliança entre operários e estudantes estava acompanhada de um audacioso projeto de emancipação social e humana – a imaginação histórica estava funcionando a pleno vapor –, no qual os intelectuais tiveram um papel de destaque, sem comparação em nenhum movimento político recente, na Europa ocidental.
Não devemos fantasiar 1968, até porque tínhamos a outra face da moeda, afinal vitoriosa. Do ponto de vista político, rememorando as melhores tradições bonapartistas francesas, tivemos a atuação do General de Gaulle, que sabia ser fundamental que o aparelho de Estado e as elites agissem sob um comando único (o seu) durante a crise, sem apresentar sequer nesgas de dissidências.
Todos deram carta branca ao comando unipessoal do general, que agiu em dois flancos: não pestanejou no uso dos instrumentos constitucionais de exceção ao seu dispor; porém, a dissuasão aos movimentos de rua foi dura, mas a repressão policial seguinte relativamente branda, poucas pessoas foram presas e ninguém condenado – “não se pode prender Sartre, não se pode prender Voltaire” disse o general em plena crise, uma frase de efeito que denota uma estratégia.
Resultado: o movimento deixou poucas cicatrizes (é lembrado até com bom humor e saudosismo), e algumas bandeiras do movimento foram sendo paulatinamente absorvidas pelo establishment – ao menos em sua dinâmica cultural e comportamental –, contíguo com boa parte das lideranças estudantil e os intelectuais, sendo perfeitamente integrados.
Revendo a poeira de 1968, Nicolas Sarkozy, estava ao lado do Estado e contra as barricadas. Não mudou de lado. Contudo, há uma novidade de perfil. Trata-se de um político-camaleão sem medo de usar o discurso da externa direita.
Bem define Sarkosy, no atual momento da Europa, o sociólogo Pierre Rosanvallon, “Houve, sucessivamente, o sarkozysmo liberal, o nacional-colbertista [protecionista], o securitário e o quase xenófobo. Berlusconi, na Itália, e Cameron, no Reino Unido, são parecidos. Representam uma direita conquistadora e sem complexos.
O verdadeiro fenômeno na Europa é essa guinada geral à direita. Desde junho de 2009, quando houve as últimas eleições para o Parlamento europeu, os 13 pleitos legislativos nacionais que ocorreram na Europa deram vitória à direita.
Mas, ao contrário da direita social e republicana de gente como Jacques Chirac, a ruptura que Sarkozy representa não é somente uma questão de estilo.
Sarkozy não hesita em tomar emprestado parte da linguagem e da agenda da extrema direita. Mas, aí também, é algo comum a todos os países europeus. Até a Suécia, fortaleza social-democrata, viu a extrema-direita se impor como fiel da balança na última eleição”.
Sarkozy, até o momento, não dispõe da unidade da assustada classe média e das elites, como De Gaulle em 1968. Virá a ter no futuro próximo? Dificilmente, pois a crise econômica atual é mais grave e profunda que a de 68.
Na greve atual, ao contrário da irrupção de surpresa do passado, que paralisa os operários, os transportes públicos, as refinarias, as escolas, os hospitais, enfim, a maioria dos serviços estatais, era uma queda de braço anunciada pelo menos desde a crise econômica de 2008. A atitude inicial de parecer um político “durão” foi um completo desastre. Passava pela cabeça do marido de Carla Bruni o ganho simbólico de derrotar o antagonismo dos sindicatos, cabeça ceifada a ser exibida ao mundo dos negócios, e aos consortes chefes de Estado da União Européia.
Qualquer que seja o desfecho, o Presidente Francês encontra-se encurralado. Evidentemente, ele sabe que depois de um ápice, em algum momento, a greve vai arrefecer. Talvez negocie algumas reivindicações secundárias dos grevistas, sem abrir mão do essencial: o aumento no tempo de aposentadoria. De todo modo, o desgaste é irremediável. Não é pouco, quando se sabe que a direita européia tem sido vitoriosa em todas as eleições recentes, depois de 2008. Pode-se abrir um espaço para a esquerda e até para a emersão de um projeto político de classe em um país fundamental do capitalismo mundial.
Tivemos uma greve geral dos serviços públicos na Franca em 2007. É impressionante como a opinião pública se deslocou de lá para cá: dois anos passados, era difícil explicar aos usuários a greve nos serviços públicos. Hoje, o apoio é generalizado. Criou-se uma greve de força popular, no qual a situação dos sindicatos é de ofensiva. Quando é criada uma situação dessas, sem negociar as reivindicações, caso o movimento se mantenha firme e unitário, no limite só resta uma alternativa ao poder do Estado: a repressão e até o Estado de Sítio. Vamos aguardar os próximos acontecimentos.
*Jaldes Reis de Meneses é Professor de Teoria da História (UFPB). 
Fonte: Blog Campo de Ensaio, 20/10/2010

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