Bancos: lucros, mais lucros e muito mais lucros
por Paulo Kliass
Imagino que a maioria de nós já deva ter se
deparado com a conhecida inscrição no pára-choque da perua ou do caminhão ali na
frente: “Não me inveje! Trabalhe!” Pois é, felizmente não tenho nenhum problema
dessa ordem, pois não sinto o menor desejo pelos ganhos auferidos pelas
instituições financeiras em
nosso País. No entanto, é difícil aceitar que os resultados
sucessivamente obtidos ao longo dos últimos anos se devam apenas ao volume de
trabalho e à capacidade empresarial e de gestão de seus dirigentes. Na verdade,
o Estado brasileiro – este ente tão demonizado pelo discurso pretensamente
liberal das nossas elites – dá uma grande e generosa contribuição para
viabilizar tamanha acumulação de capital em um setor tão distante da produção
de bens.
Como gostava de dizer o ex-Presidente Lula, “nunca
antes na História deste País” os bancos ganharam tanto dinheiro e de forma tão
fácil! A cada mês de fevereiro que se aproxima, os balanços relativos ao ano
anterior começam a ser divulgados. E aí, a liturgia do anúncio tem virado
rotina nos últimos anos: a cada novo exercício, mais recordes são batidos. Por
se tratar de um setor altamente concentrado e oligopolizado, aqui vale a máxima
de “poucos e enormes”. Verdadeiros mastodontes das finanças!
Ao longo de 2011, os cinco maiores bancos obtiveram
a fantástica soma de R$ 51 bilhões sob a forma de lucros líquidos! Uma loucura!
E observem que cada um desses resultados é minuciosamente elaborado segundo as
regras e as recomendações do assim chamado “planejamento tributário”. Ou seja,
um nome pomposo para a adoção de técnicas e procedimentos destinados a reduzir
o pagamento de impostos devidos, aproveitando-se de todas as facilidades e
brechas previstas na legislação e nas regulamentações. Na verdade, trata-se de
um difícil equilíbrio entre evitar o pagamento de tributos e apresentar um
lucro polpudo para melhorar a imagem da empresa e repartir recursos entre os
acionistas na forma dos dividendos.
Os resultados dos lucros foram os seguintes:
i) Itaú - R$ 14,6 bi;
ii) Banco do Brasil (BB) - R$ 12,1 bi;
iii) Bradesco - R$ 11 bi;
iv) Santander - R$ 7,8 bi;
v) Caixa Econômica Federal (CEF) - R$ 5,2 bi.
ii) Banco do Brasil (BB) - R$ 12,1 bi;
iii) Bradesco - R$ 11 bi;
iv) Santander - R$ 7,8 bi;
v) Caixa Econômica Federal (CEF) - R$ 5,2 bi.
Os 3 primeiros colocados costumam ficar alternando
entre si os lugares no pódio, de acordo com os anos. Mas o Banco do Brasil é a
instituição mais robusta, com o maior patrimônio entre todos. A empresa de
economia mista, subordinada ao Ministério da Fazenda, deve atingir outra
façanha inédita ainda agora no mês de fevereiro, talvez até durante o
Carnaval... Ele chegará à marca de R$ 1 trilhão na forma de seus ativos. A
monstruosidade dos valores dificulta a real compreensão, mas a cifra equivale a
25% do PIB do Brasil.
À primeira vista, pode parecer estranho que a
performance do setor financeiro brasileiro esteja assim tão exuberante,
enquanto que as instituições similares nos Estados Unidos e na Europa estejam
passando pelas dificuldades que todos acompanhamos nos últimos anos. E antes de
mais nada, é importante evitarmos as interpretações oportunistas, como aquela
que tende a colocar num patamar superior a capacidade empresarial dos gestores
de tais instituições em solo tupiniquim, como se a lógica de busca de
rentabilidade local não fosse um elemento integrante do processo de
globalização. Os bancos operando aqui respondem ao ambiente econômico, social,
legal, cultural do Brasil. E se conseguem bons resultados por esses lados, é
porque a especificidade daqui lhes é favorável. Aliás, o que ocorre com os
bancos estrangeiros é a remessa dos resultados aqui obtidos para ajudar a
reduzir as perdas do grupo em escala global. Na verdade, há duas ordens de
fatores a explicar o fenômeno do bom desempenho dos agentes do sistema
financeiro aqui instalado.
O primeiro conjunto de razões é uma contradição em termos. Poderíamos
resumir com a frase provocadora: os bancos ganham muito dinheiro e não sofrem
os efeitos da crise internacional pelo simples fato de que, aqui no Brasil,
eles não operam como bancos. Apesar da aparência de erro na construção da tese,
a realidade é essa mesmo! Os nossos bancos estavam, e ainda estão, muito pouco
expostos ao risco sistêmico, pois não se atrevem a entrar fundo na concessão de
empréstimo e crédito, a atividade bancária por excelência. E a principal causa
para tal possibilidade é o elevado patamar da taxa de juros oficial, a SELIC.
Em razão da opção da política econômica, desde a adoção do Plano Real lá em
1994, ter sido pela obediência cega aos parâmetros da ortodoxia monetarista, o
Brasil vem mantendo, desde então, a liderança mundial no quesito taxa de juros.
Como a lógica de funcionamento da economia
capitalista está baseada na busca da rentabilidade elevada e da acumulação
segura, os dirigentes dos bancos não precisam ousar para obter resultados muito
superiores a qualquer outra praça no mundo. No limite, isso ocorre porque
emprestar para o governo brasileiro é uma atividade com pouco risco e alto
retorno. E esse comportamento de viés financista se espalha para o conjunto da
sociedade, sejam grandes empreendedores, sejam pequenos poupadores. A
dependência de natureza quase-química a altas taxas de retorno inibe a
iniciativa para novos empreendimentos. De um lado, porque esse nível de taxa de
juros torna o investimento mais caro para quem vai tomar empréstimos. De outro
lado, pois o retorno elevado que é proporcionado pela aplicação parasitária na
esfera financeira torna os atores sociais mais passivos, sempre no aguardo do
retorno alto e seguro.
O segundo conjunto de fatores relaciona-se à
leniência e à conivência com que as instituições do aparelho de Estado sempre
trataram o setor. Se não fosse por nenhuma outra causa, basta recordarmos o
passado bem recente, quando a presidência do Banco Central foi ocupada por
Henrique Meirelles durante os 8 anos de Lula. Com aquela opção, o posto de
fiscalizador e regulador do setor foi confiado a ninguém menos que o ex
presidente internacional do Bank of Boston, à época uma instituição financeira
de primeira linha no mundo das finanças e com grandes interesses aqui no
Brasil. Ou seja, um banqueiro para tomar conta dos seus pares. No popular, foi
sopa no mel para todo mundo que atua na área.
Esse episódio serve bem para ilustrar a forma
especial de deferência com que o setor financeiro tem sido tratado pelo Estado
há muito tempo. Como se trata de uma atividade estratégica e cada vez mais
presente no cotidiano do conjunto da sociedade, esse segmento deveria merecer
muito maior controle e rigor de fiscalização por parte do setor público, na
defesa dos elos mais fracos na cadeia – os consumidores, as pequenas e médias
empresas, os trabalhadores, os aposentados. No entanto, o que se tem observado
é exatamente o contrário. Em nome da suposta e enganosa “liberdade de mercado”,
o Banco Central tem se recusado sistematicamente a enfrentar questões básicas
como a prática de “spreads” escandalosos e a cobrança de tarifas absurdas pelos
serviços prestados.
É difícil compreender as razões que levam o governo
a aceitar passivamente esse estado de coisas. O sistema financeiro privado,
aqui no Brasil, é considerado como um tipo de atividade que contribui muito
pouco para o desenvolvimento social e econômico do País. O comportamento
empresarial da maioria de seus integrantes se define pela lógica da acumulação
privada do excedente proporcionado, pelas distorções acima mencionadas. Função
social dos bancos na concessão do crédito? A idéia passa bem longe das decisões
de seus dirigentes. Diante desse quadro, quando todos os setores são chamados
pelo governo a contribuir com sua cota de sacrifício, os resultados
apresentados pelos bancos soam como um acinte, um verdadeiro insulto à maioria
da sociedade. Em especial, surpreende o comportamento imprimido pelas
autoridades aos bancos públicos, que passam a competir com os privados no campo
deles, a chamada “bradesquização” da CEF e do BB. Assim, abandona-se um
excelente instrumento de política econômica, que seria tais empresas
proporcionarem a todos nós, de forma efetiva, o seu diferencial. Ou seja,
operando com espírito público, reduzindo “spreads” e taxas no seu cotidiano
operacional.
Do ponto de vista político, caberia o reforço do
movimento pela aplicação da Taxa Tobin, uma tributação que incidiria sobre as
transações financeiras. E mais do que isso, a aplicação de mecanismos para que
parcela desses R$ 51 bilhões dos lucros dos bancos contribuísse para a efetiva
melhoria da distribuição de renda em nosso País – por exemplo, por meio da elevação da
alíquota do Imposto de Renda devido pelo setor. Afinal, foi desse mesmo
montante o valor decidido pelo governo federal para impor os cortes ao
Orçamento de 2012, enviado pelo Executivo e aprovado pelo Congresso Nacional na
virada do ano.
Afinal, não faz o menor sentido cortar horizontalmente
os gastos públicos com saúde, educação, saneamento e demais urgências na área
social. E muito menos ainda quando o argumento é o do “esforço fiscal”, para
gerar o famigerado superávit primário. Corta-se nas rubricas dos setores
prioritários para a maioria da população, com o objetivo de assegurar os gastos
com juros e rolagem da dívida pública. Ou seja, destinam-se mais recursos
orçamentários para as instituições financeiras, que voltarão a apresentar novos
lucros recordes ao longo de 2012. É passada a hora de romper esse círculo
vicioso de benefício a poucos. Caberia promover a distribuição de uma parcela
dos lucros dos bancos pelo conjunto da sociedade.
Os instrumentos existem e estão à disposição do
governo. Basta a coragem política de implementar as medidas voltadas a corrigir
esse nível de desigualdade social e econômica. Nesse caso, a disparidade é
gritante: entre a pujança dos poucos bancos e a precariedade da imensa maioria
da população brasileira.
Paulo Kliass é Especialista
em Políticas Públicas
e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto,
16/02/2012
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