Privatização dos aeroportos: vergonha nacional!
Paulo Kliass
O próximo fim de semana certamente será palco de
muitas reuniões a portas fechadas, encontros discretos e momentos de tensão.
Não me refiro aqui aos efeitos da violenta desocupação de Pinheirinho, nem às
repercussões da desastrada operação na Cracolândia e muito menos à retomada dos
trabalhos no Congresso Nacional. Na verdade, trata-se da tentativa de
ressuscitar o nada saudoso processo de privatização de bens e serviços públicos
aqui em nosso País.
Eis mais uma incongruência que o governo traz à agenda, uma
medida tão polêmica quanto anacrônica nos mundos de hoje, em que alguns dos
principais dogmas do neoliberalismo estão sendo colocados em xeque, até mesmo
por seus ideólogos nos países centrais. Mas aqui em solo tupiniquim, as coisas
parecem funcionar ao revés. A bola da vez é a Infraero, empresa pública que se
encarrega da gestão e operação dos aeroportos em todo o território nacional.
O “lobby” pela privatização dos aeroportos
O pesado “lobby” que atua a favor da privatização dos serviços aeroportuários é antigo e conhecido. Desde os tempos de ouro da hegemonia da agenda do Consenso de Washington que os representantes do setor privado vêem com olhos gordos essa verdadeira mina de fazer dinheiro fácil, às custas do monopólio dos bens públicos. Nos tempos em que o discurso contra a presença do Estado na atividade econômica era considerado irreparável esse foi um setor que conseguiu resistir e não ser repassado à exploração pelo capital. Uma das razões para tal fato refere-se, sem sombra de dúvida, à natureza estratégica dos aeroportos e de sua tangência evidente com as questões de segurança e soberania nacionais.
O pesado “lobby” que atua a favor da privatização dos serviços aeroportuários é antigo e conhecido. Desde os tempos de ouro da hegemonia da agenda do Consenso de Washington que os representantes do setor privado vêem com olhos gordos essa verdadeira mina de fazer dinheiro fácil, às custas do monopólio dos bens públicos. Nos tempos em que o discurso contra a presença do Estado na atividade econômica era considerado irreparável esse foi um setor que conseguiu resistir e não ser repassado à exploração pelo capital. Uma das razões para tal fato refere-se, sem sombra de dúvida, à natureza estratégica dos aeroportos e de sua tangência evidente com as questões de segurança e soberania nacionais.
E, ao que tudo indica, setores expressivos das
Forças Armadas nunca foram muito simpáticos à idéia de transferir tal atividade
ao setor privado. Mas os interesses empresariais não haviam desistido de tal
projeto e estavam apenas à espreita para saltar em cena no momento adequado.
Quis a ironia da historia, que tal oportunidade fosse oferecida, assim de
bandeja, justamente por um governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores.
O caminho foi sendo pavimentado aos poucos, sem
muita pressa. Todos nos lembramos da forma como os meios de comunicação têm
tratado a questão do chamado “apagão aéreo” ao longo dos últimos anos. É
preciso reconhecer que o quadro dos aeroportos tem ficado cada vez mais
crítico. Mas isso ocorreu por um verdadeiro sucateamento a que foi submetido o
setor. Ou seja, a situação a que chegaram os aeroportos brasileiros contou com
a conivência do próprio Estado. A política de arrocho orçamentário e de cortes
nas rubricas de investimento em infra-estrutura contribuiu para aprofundar as
dificuldades de oferta de condições adequadas para a operação aeroportuária em nosso País. No
entanto, a versão oferecida para a maioria da população, como sempre, acentua
apenas a suposta incapacidade do setor público em gerir o setor com padrões de
eficiência. A solução seria a bem conhecida panacéia para todos os males:
transferir para o setor privado. Aliás, estamos cansados de assistir às
demonstrações de tal eficácia do capital na crise atual que assola o planeta.
Na hora do aperto, sempre grita pela ajuda do Estado!
Por outro lado, a realização da Copa do Mundo em
2014 e os compromissos assumidos pelo Brasil perante a FIFA e a comunidade
internacional passaram a atuar como elemento de reforço da versão
catastrofista. E mais uma vez o discurso em favor da eficiência do setor
privado prevalece. O tempo é curto, as necessidades são urgentes, não existe
alternativa viável que não seja a privatização - os argumentos se repetem.
Assim, em função de um fluxo aéreo extraordinário e concentrado durante tão
somente um mês da competição, decide-se por transferir toda a operação dos
aeroportos, por décadas, para o capital privado.
O leilão marcado para dia 6/2
Agora a cena toda está montada para a segunda-feira, dia 6 de fevereiro, quando deverão ser realizados os leilões para a privatização de alguns dos principais aeroportos do Brasil. Apesar de todos os protestos e manifestações contrárias ao processo por parte de entidades do movimento sindical, de especialistas na matéria, de órgãos da sociedade civil organizada e até mesmo do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo permaneceu irredutível na manutenção da data e das condições previamente estabelecidas desde meados do ano passado.
Agora a cena toda está montada para a segunda-feira, dia 6 de fevereiro, quando deverão ser realizados os leilões para a privatização de alguns dos principais aeroportos do Brasil. Apesar de todos os protestos e manifestações contrárias ao processo por parte de entidades do movimento sindical, de especialistas na matéria, de órgãos da sociedade civil organizada e até mesmo do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo permaneceu irredutível na manutenção da data e das condições previamente estabelecidas desde meados do ano passado.
Serão leiloadas as concessões dos aeroportos de
Guarulhos (SP), Brasília (DF) e Campinas (SP). Esses três são considerados
dentre os mais rentáveis e os menos problemáticos de todo o conjunto da
Infraero. As condições são as melhores possíveis para os interessados. Tanto
que o preço inicial solicitado no leilão do aeroporto de São Gonçalo do
Amarante (RN) foi largamente superado durante o leilão realizado em agosto de
2011. Naquela espécie de experiência piloto dessa nova onda de privatização, o
valor pago pelo consórcio vencedor foi quase 230% superior ao preço inicial
fixado pelo governo.
Guarulhos tem um lance mínimo fixado em R$ 3,4
bilhões, com concessão de 20 anos. Viracopos tem um valor inicial estipulado em
R$ 1,5 bilhão e prazo de uso de 30 anos. Brasília teve o lance mínimo arbitrado
em R$ 582 milhões, com prazo de uso de 30 anos. As regras prevêem que seja
formada uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) com o objetivo de gerir o
excelente negócio. Na verdade, trata-se de um eufemismo jurídico para a famosa
Parceria Público Privada (PPP), onde o capital privado fica com 51% dos votos e
a Infraero com 49%. Como há necessidade de realizar investimentos para
ampliação e modernização, com certeza a SPE receberá empréstimos do BNDES e de
outras fontes federais com todas as facilidades e juros subsidiados. E o que
mais impressiona é que o edital admite até mesmo a possibilidade de
participação de empresas estrangeiras na gestão dos aeroportos. Uma verdadeira
irresponsabilidade, dada a natureza estratégica desse tipo de atividade e os
riscos envolvidos com a questão de segurança nacional.
O Estado tem recursos para investir
O principal argumento utilizado pelo governo para lançar mão da privatização é a tão propalada falta de verbas para investimento. Porém, a verdade dos fatos desmente essa versão enganosa. Recursos sobram no Orçamento! O problema é a prioridade definida pelas autoridades para sua utilização. Encerradas as contas de 2011, por exemplo, apurou-se que o Estado brasileiro forçou a geração de um superávit primário no valor de R$ 130 bilhões ao longo do ano. Uma loucura! Mais de 3% do PIB destinados exclusivamente para o pagamento de juros da dívida pública. Um número que se revela 30% mais elevado do que o superávit de 2011. E agora basta uma simples comparação. A operação de privatização desses 3 aeroportos vai render R$ 240 milhões por ano aos cofres da União. Ou seja, se houvesse destinado apenas minguados 0,2% do superávit a cada ano para esse importante compromisso, não precisaria transferir a concessão dos aeroportos ao capital privado. Mas a vida é feita de escolhas. E elas revelam a essência de nossas verdadeiras vontades.
O principal argumento utilizado pelo governo para lançar mão da privatização é a tão propalada falta de verbas para investimento. Porém, a verdade dos fatos desmente essa versão enganosa. Recursos sobram no Orçamento! O problema é a prioridade definida pelas autoridades para sua utilização. Encerradas as contas de 2011, por exemplo, apurou-se que o Estado brasileiro forçou a geração de um superávit primário no valor de R$ 130 bilhões ao longo do ano. Uma loucura! Mais de 3% do PIB destinados exclusivamente para o pagamento de juros da dívida pública. Um número que se revela 30% mais elevado do que o superávit de 2011. E agora basta uma simples comparação. A operação de privatização desses 3 aeroportos vai render R$ 240 milhões por ano aos cofres da União. Ou seja, se houvesse destinado apenas minguados 0,2% do superávit a cada ano para esse importante compromisso, não precisaria transferir a concessão dos aeroportos ao capital privado. Mas a vida é feita de escolhas. E elas revelam a essência de nossas verdadeiras vontades.
A Infraero é responsável pela gestão de 66
aeroportos em todo o território nacional, Eles representam 97% do movimento do
transporte aéreo regular, o que corresponde a 2,6 milhões de pouso e
decolagens, transportando mais de 155 milhões de passageiros por ano. Como esse
serviço não é o mercado da batatinha (“não gostei do serviço, vou aqui no
aeroporto da esquina”...), a SPE tem assegurada a renda das tarifas por
passageiro embarcado e aeronave na pista. Um negócio com perspectivas
crescentes de ganho e rentabilidade, inclusive porque em 2011, pela primeira
vez, a população brasileira passou a utilizar mais o avião do que o ônibus para
o transporte interestadual.
Apesar de todas estas evidências, a opção foi de
repassar à exploração privada os aeroportos mais promissores, sem nenhuma
exigência de contrapartida, como a responsabilização do consórcio ganhador por
aeroportos de menor fluxo, mas de grande importância no trânsito regional. É o
caso das unidades da Amazônia, por exemplo. A estatística dos 3 aeroportos a serem
privatizados reflete bem a realidade do que vai ser subtraído do setor público.
Eles são responsáveis por 30% do total dos passageiros, 57% do total das cargas
e 19% das aeronaves em todo o País. Assim, fica claro que a Infraero deverá
perder parcela significativa de sua fonte de receitas, pois boa parte dos
demais aeroportos apresenta baixo faturamento, que tem como principal fonte as
taxas aeroportuárias cobradas das empresas e dos passageiros.
Assim, a pergunta que todos nos fazemos é simples e
direta: por que a Presidenta Dilma decidiu, então, pela privatização? Como os
argumentos relativos à escassez de recursos não resistem ao exame atento dos
números do orçamento, a única explicação plausível é de que ela teria sido
convencida de que a gestão aeroportuária não seria mesmo uma atividade típica
de Estado. E aí o quadro ficaria bem mais complicado, abrindo margem para
especulação a respeito da existência de lista contendo outros setores que
poderiam vir a sofrer o mesmo tratamento.
Paulo Kliass é Especialista
em Políticas
Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal
e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto,
02/02/2012
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