O FUTURO DA HISTÓRIA HUMANA COMO UMA CIÊNCIA*
*resumo desse capítulo, do livro de Jared Diamond “Armas, Germes e Aço”, pp. 404-427.
(continuação)
Agora, compare esses acontecimentos na China com o que ocorreu quando as frotas de exploração começaram a sair da Europa politicamente fragmentada. Cristóvão Colombo, um italiano de nascimento, transferiu sua lealdade para o duque de Anjou, na França, depois para o rei de Portugal. Quando este recusou seu pedido de embarcações para explorar o oeste, Colombo voltou-se para o duque de Medina-Sedonia, que também recusou, depois para o conde de Medina-Celi, que fez o mesmo, e, finalmente, para o rei e a rainha de Espanha, que negaram seu primeiro pedido, mas acabaram cedendo a seu novo apelo. Se a Europa estivesse unificada sob qualquer um dos três primeiros governantes, sua colonização das Américas poderia ter sido natimorta.
De fato, justamente porque a Europa era fragmentada, Colombo teve êxito em sua quinta tentativa de persuadir um das centenas de príncipes europeus a patrociná-lo. Depois que a Espanha iniciou assim a colonização européia da América, outros Estados europeus viram a riqueza fluindo para a Espanha, e outros seis passaram a participar da colonização da América. A história se repetiu com o canhão da Europa, a iluminação elétrica, a imprensa, as armas de fogo pequenas e outras incontáveis inovações: cada uma, no início, era rejeitada ou combatida em algumas partes da Europa por razões idiossincráticas, mas depois que era adotada em uma área, acabava se difundindo pelo resto da Europa.
Essas consequências da desunião da Europa formam um acentuado contraste com as consequências da unidade da China. De vez em quando a corte chinesa decidia interromper outras atividades além da navegação ultramarina: ela abandonou o desenvolvimento de uma sofisticada máquina de fiar movida a água, retrocedeu à beira de uma revolução industrial no século XIV, destruiu ou praticamente aboliu os relógios mecânicos depois de ser líder mundial na fabricação de relógios e retirou-se da indústria de dispositivos mecânicos e da tecnologia em geral depois do fim do século XV. Esses efeitos potencialmente prejudiciais da unidade foram desencadeados novamente na China moderna, durante a loucura da Revolução Cultural nas décadas de 1960 e 1970, quando uma decisão de um ou de alguns líderes fechou todas as escolas no país inteiro durante cinco anos.
A freqüente unidade da China e a eterna desunião da Europa têm uma longa história. As regiões mais produtivas da China moderna uniram-se politicamente pela primeira vez em 221 a.C. e assim permaneceram a maior parte do tempo desde então. A China só teve um sistema de escrita desde os primórdios da alfabetização do mundo, uma única língua dominante por muito tempo e uma unidade cultural significativa durante dois mil anos. Por outro lado, a Europa nunca chegou nem perto de uma unificação política: ela ainda estava dividida em mil pequenos Estados independentes no século XIV, 500 em 1500, caiu para um mínimo de 25 Estados na década de 1980, e está agora com quase 40 no momento em que escrevo esta frase. A Europa ainda tem 45 línguas, cada uma com seu próprio alfabeto modificado, e uma diversidade cultural ainda maior. As divergências que continuam a frustrar até tentativas modestas de unificação européia pela Comunidade Econômica Européia (CEE) são sintomas do arraigado compromisso da Europa com a desunião.
Consequentemente, a verdadeira dificuldade para se compreender por que a China perdeu a primazia política e tecnológica para a Europa é entender a unidade crônica da China e a desunião crônica da Europa. A resposta é sugerida novamente pelos mapas. A Europa tem um litoral muito recortado, com cinco grandes penínsulas que são quase ilhas em seu isolamento, todas as quais desenvolveram línguas, grupos étnicos e governos independentes: Grécia, Itália, Ibéria, Dinamarca e Noruega/Suécia. O litoral da China é muito mais homogêneo, e só a península coreana próxima atingiu importância isolada. A Europa tem duas ilhas (a Inglaterra e a Irlanda) suficientemente grandes para afirmarem sua independência política e manter suas próprias línguas e etnicidades, e uma delas (a Inglaterra) bastante grande e fechada para se tornar uma importante potência independente. As duas ilhas maiores da China, Taiwan e Hainan, têm cada uma menos da metade da área da Irlanda; nenhuma das duas era independente e importante até Taiwan se destacar nas últimas décadas; e o isolamento geográfico do Japão o manteve, até recentemente, muito mais isolado politicamente do continente asiático do que a Inglaterra do continente europeu. A Europa é dividida em unidades lingüísticas, étnicas e políticas independentes por altas montanhas (Alpes, Pirineus, Cárpatos e as montanhas da fronteira norueguesa), ao passo que as montanhas da China a leste do planalto tibetano são barreiras muito menos assustadoras. A área central da China é limitada de leste a oeste por dois extensos sistemas fluviais navegáveis em vales aluviais ricos (os rios Yang-Tsé e Amarelo), e é unida de norte a sul por conexões relativamente fáceis entre essas duas redes fluviais (finalmente ligadas por canais). Em consequência, a China foi dominada muito cedo por duas imensas áreas geográficas centrais de alta produtividade, apenas vagamente separadas uma da outra e, que acabaram fundidas em um único núcleo. Os dois maiores rios da Europa, o Reno e o Danúbio, são menores e ligam uma pequena parte da Europa. Ao contrário da China, a Europa tem muitos núcleos pequenos espalhados, nenhum suficientemente grande pra dominar os demais, e cada um é o centro de Estados cronicamente independentes.
Quando a China foi finalmente unificada, em 221 a.C., nenhum outro Estado independente teve oportunidade de surgir e persistir por muito tempo na China. Embora períodos de desunião tenham ocorrido várias vezes após esta data, eles sempre acabavam em reunificação. Mas a unificação da Europa resistiu aos esforços de conquistadores determinados com Carlos Magno, Napoleão e Hitler; nem mesmo o império romano em seu auge conseguiu controlar mais que metade da área da Europa.
Assim, a ligação geográfica e a existência de barreiras internas apenas modestas deram à China uma vantagem inicial. China setentrional, China meridional, o litoral e o interior contribuíram com culturas agrícolas, criações de gado, tecnologias e características culturais diferentes para a China unificada. Por exemplo, o cultivo do milhete, a tecnologia do bronze e a escrita surgiram na China setentrional, enquanto o plantio do arroz e a tecnologia do ferro fundido apareceram na China meridional. Em grande parte deste livro, enfatizei a difusão da tecnologia que ocorre na ausência de grandes barreiras. Mas a conectividade da China acabou se tornando uma desvantagem, porque uma decisão tomada por um déspota podia, e repentinamente conseguiu, deter a inovação. Já a balcanização geográfica da Europa resultou em muitos pequenos Estados independentes e rivais, e centros de inovação. Se um Estado não tratasse de descobrir uma determinada inovação, outro o faria, obrigando os Estados vizinhos a fazer o mesmo, do contrário seriam conquistados ou deixados para trás no aspecto econômico. As barreiras da Europa eram suficientes pra evitar a unificação política, mas insuficientes para deter a expansão de tecnologia e idéias. Nunca houve um déspota que pudesse fechar a torneira para toda a Europa, como aconteceu na China.
Essas comparações sugerem que a conexão geográfica provocou efeitos positivos e negativos na evolução tecnológica. (...). Naturalmente, outros fatores contribuíram para que a história tivesse rumos diversos em partes diferentes da Eurásia. (...) Fatores ambientais incluem também a localização geográfica intermediária do Crescente Fértil, controlando as rotas de comércio que uniam a China e a Índia à Europa, e a localização mais distante da China em relação a outras civilizações avançadas da Eurásia, fazendo a China praticamente uma ilha gigantesca dentro de um continente. O isolamento relativo da China é especialmente importante para sua adoção das tecnologias, e depois para a rejeição delas, que tanto lembram a rejeição na Tasmânia e em outras ilhas (Capítulos 13 e 15). Mas essa breve discussão pode, pelo menos, mostrar a importância dos fatores ambientais para os padrões da história de menor escala e de prazo mais curto, assim como para seu padrão mais geral.
As histórias do Crescente Fértil e da China também oferecem uma lição saudável para o mundo moderno: as circunstâncias mudam, e a primazia passada não é garantia de primazia futura. Alguém pode se perguntar se o raciocínio geográfico usado ao longo deste livro acabou se tornando totalmente irrelevante no mundo moderno, agora que as idéias se difundem imediatamente para todos os lugares pela Internet e as cargas são habitualmente despachadas de avião da noite para o dia entre os continentes. Pode parecer que as regras completamente novas se apliquem à competição entre os povos do mundo, e que, por isso novas potências estejam emergindo, com Taiwan, Coréia, Malásia e, especialmente o Japão.
Refletindo, nós vemos, entretanto, que as regras supostamente novas são apenas variações das antigas. Sim, o transistor, inventado na Bell Labs, no leste dos Estados Unidos, em 1947, saltou quase 12 mil quilômetros para iniciar a indústria eletrônica no Japão, mas não deu um salto menor para fundar novas indústrias no Zaire ou no Paraguai. As nações que surgem com novas potências ainda são aquelas que estavam incorporadas, milhares de anos atrás, aos velhos centros de domínio baseados na produção de alimentos, ou que foram repovoadas por povos desses centros. Ao contrário do Zaire ou do Paraguai, o Japão e outras novas potências conseguiram explorar o transistor rapidamente porque suas populações já tinham uma longa história de alfabetização, maquinaria de metal e governo centralizado. Os dois centros de produção de alimentos mais antigos do mundo, o Crescente Fértil e a China, ainda dominam o mundo moderno, ou por meio de seus Estados sucessores imediatos (a China moderna), ou por meio de Estados situados em regiões vizinhas influenciados por esses dois centros (Japão, Coréia, Malásia e Europa), ou por Estados repovoados ou governados por emigrantes deles (Estados Unidos, Austrália, Brasil). As perspectivas de domínio mundial dos africanos subsaarianos, aborígines australianos e ameríndios permaneceram obscuras. A mão do curso da história em 8000 a.C. recai pesadamente sobre nós.
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