Europa entra numa era de austeridade
Victor Mallet, Financial Times, de Madri
14/05/2010
Em meio a brados de indignação e expressões de descrença, uma nova era de austeridade chegou à Europa.
Enquanto os governos da zona do euro impõem cortes numa escala sem paralelo em décadas, a Grécia, considerada epicentro da crise, já foi palco de manifestações violentas e greves gerais. Agora há crescente temor de que essas manifestações de ira pública se tornem mais generalizadas.
Sindicatos espanhóis ameaçavam ontem com greves e protestos em todo o país. O choque é palpável nos países que passaram da pobreza à prosperidade nas décadas de crescimento quase ininterrupto após a Segunda Guerra e sempre gozaram dos benefícios materiais da adesão à União Europeia (UE).
"Duas coisas são difíceis de acreditar: posso ser demitido e terei de trabalhar até 65 anos para me aposentar", disse Yannis Adamopoulos, vigia numa estatal grega. Outro grego, Fotis Magriotis, engenheiro civil autônomo, pôs sua picape à venda. Está difícil encontrar trabalho e os impostos sobre a gasolina dobraram. "Não há alternativa a um enxugamento ", diz ele.
Tais declarações inspiram humor sarcástico na metade setentrional da Europa, onde insegurança no emprego, aposentadoria aos 65 anos, carros pequenos e gasolina cara não são incomuns.
Em última instância, foram os mercados financeiros, e não os austeros alemães, os "donos da bola" na zona euro, que expuseram a vulnerabilidade de Grécia, Espanha e Portugal e desencadearam o pacote de socorro de € 750 bilhões acertado do domingo passado.
O plano de socorro veio sob condicionantes da UE, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos EUA: após a farra de gastos fiscais nos dois anos que se seguiram à crise financeira de 2008 e que tornaram a vida mais fácil durante a recessão, os governos serão obrigados a cortar seus déficits, e cortá-los duramente.
Pela primeira vez desde que a ajuda da UE começou a afluir livremente, na década de 80, os gregos sofrerão uma queda significativa nos padrões de vida. A economia grega deverá encolher 4% neste ano e outros 2,6% em 2011.
A nova realidade imposta pelo governo socialista grego - corte de 12% no salário dos funcionários públicos, redução na aposentadoria e o espectro de demissões no setor público - atordoou os servidores no inchado setor estatal.
Um ajuste similar, mas menos severo, está sendo imposto pelo governo socialista espanhol. O primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero, irritou nesta semana seus antigos aliados no movimento sindical ao recuar de suas promessas e cortar em 5% a remuneração do funcionalismo público a partir de junho, como parte de um esforço para conter o déficit.
Economistas ortodoxos e oponentes conservadores de Zapatero dizem que o governo e o povo espanhol custaram a perceber a importância de um setor privado dinâmico para custear o Estado de bem-estar social. "Os espanhóis querem pensar como cubanos e viver como ianques", diz Lorenzo Bernaldo de Quirós, economista e consultor de empresas.
No norte, os alemães mantiveram sua reputação de trabalhadores diligentes, prudentemente conscientes do eterno dilema serviços versus impostos. Muitos eleitores no pleito realizado no Estado de Renânia do Norte-Vestefália no domingo passado disseram preferir pagar mais impostos do que ver o fechamento da piscina ou jardim de infância locais.
"Os alemães são muito mais favoráveis à estabilidade e austeridade, e não a gastos deficitários", diz Jürgen Falter, professor de ciência política na Universidade de Mainz. "Isso faz parte da memória coletiva, que remonta à hiperinflação que destruiu a poupança de seus avós na década de 20".
A divisão norte-sul, no entanto, não é tão gritante quanto parece.
A França tem regiões no norte e no sul da Europa e poderá ser palco de protestos contra o congelamento, por três anos, dos gastos do governo. Irlanda e Reino Unido, no noroeste da Europa, estão entre os países mais perdulários da Europa, onde bolhas no mercado imobiliário e no setor de serviços financeiros incharam insustentavelmente nos anos frenéticos anteriores ao colapso do Lehman Brothers.
Em Dublin, pelo menos, os duros cortes anunciados para por em ordem as finanças públicas estão começando a se fazer sentir. Pertinho dos edíficios públicos, o sapateiro John Myley reclama que muitos de seus clientes estão com dificuldades para pagar. "Todo mundo está tentando manter as aparências. Mas, neste momento, posso lhe garantir, tenho 14 pares de sapatos "pendurados", de pessoas que não podem pagar até que recebam [o salário] no final do mês".
O governo britânico anterior e o novo propuseram amplos cortes nos gastos públicos, mas a questão não foi muito discutida na campanha eleitoral e os detalhes permanecem em segredo. Não há meios de saber, ainda, até que ponto o Reino Unido aceitará bem seu destino. Porém, mesmo pequenos cortes de 500 milhões de libras nas verbas destinadas a universidades, neste ano, provocaram protesto.
E os europeus meridionais não são, necessariamente, tão perdulários como sugerem alguns.
Os italianos sentem que seu cinto vem sendo apertado já há algum tempo, embora a palavra austeridade não tenha entrado no vocabulário político italiano, pois o primeiro-ministro Silvio Berlusconi gosta de manter o clima de otimismo. Nos últimos cinco anos, governos tanto de centro-esquerda como de centro-direita mantiveram os gastos sob controle relativamente severo, mantendo o déficit fiscal dentro de limites administráveis em relação ao PIB.
Em Portugal, a população economicamente conservadora está reagindo às duras medidas de austeridade economizando, buscando honrar o financiamento imobiliário e defendendo seu emprego.
Tal como em recessões anteriores, quando milhares de pessoas trabalharam durante meses sem remuneração, o país optou por aguentar o tranco, em vez de revoltar-se. A poupança doméstica está crescendo, e o nível de inadimplência nos financiamentos habitacionais continua baixo.
No entanto, após uma década de baixo crescimento econômico na zona euro, os portugueses estão prevendo mais quatro anos de aperto de cintos. A frustração é crescente.
O mesmo vale para a maior parte da Europa ocidental. Cada país da zona do euro está tomando as medidas que deve ou pode implementar - da repressão à evasão fiscal na Espanha e na Grécia à redução das deduções por número de dependentes na Irlanda e o controle dos gastos públicos em quase todos os países - para atingir a meta de 3% do PIB para o déficit orçamentário nos próximos três ou quatro anos.
O risco é de que uma Europa acuada pelas forças de mercado tenha agido tarde demais e que essas grandes doses de austeridade asfixiarão os primeiros sinais de renovado crescimento econômico, agravando assim os problemas orçamentários futuros, a uma recaída recessiva.
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