quarta-feira, setembro 21, 2011

sábado, setembro 17, 2011

uma “distorção” que deve ser corrigida

Falências na formação. Argentina discute Cursos de Economia
“Entendemos que é imprescindível recuperar uma formação do economista, qualquer que seja seu âmbito de inserção profissional, que lhe permita contribuir para o desenvolvimento de nossos países e nossos povos, afastando-se da aplicação irreflexiva de recomendações de políticas que desconhecem especificidades históricas e estruturais da região”. A afirmação é dos professores Karina L. Angeletti e Pablo Lavarello, das Cátedras Nacionales y Populares, em artigo publicado no Página/12.
(*) Texto em português publicado originalmente no IHU-Online. A tradução é do Cepat.

A reformulação do Plano de Estudos do curso de Licenciatura em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Nacional de La Plata proposta por parte das autoridades do Departamento de Economia deixa uma vez mais postergado o debate sobre qual deveria ser a formação dos economistas em um país como o nosso [a Argentina]. Nos últimos 30 anos esta Faculdade esteve enviesada para uma formação segundo a qual se procura explicar como é possível alcançar o máximo de bem-estar da sociedade a partir de uma concepção utópica de mercado. 
Qualquer desvio que houver entre essa concepção utópica e o funcionamento real dos mercados é considerado uma “distorção” que deve ser corrigida mediante a abertura, a desregulação e a liberalização da economia. Apenas naqueles casos pontuais em que existem “falhas de mercado” (exemplo: a presença de bens públicos) se justificaria algum tipo de política.
A proposta de reforma feita pelas autoridades da Faculdade consolida esta visão, transformando em opcionais as poucas matérias ainda existentes que permitiriam explicar os problemas econômicos a partir de outras perspectivas. Assim mesmo, se elimina a Sociologia como matéria, se reduz a uma única disciplina obrigatória a história econômica e se envia para cursarem a Faculdade de Humanidades aqueles estudantes que considerarem necessário ampliar a temática. 
Ao mesmo tempo em que se reduzem estes conteúdos, procura-se interpretar os conflitos reforçando a formação na Teoria dos Jogos. Embora se mantenha uma forte formação em ferramentas econométricas e matemáticas, as falências de uma formação teórica crítica desperdiçam seu potencial para se colocar questões e contrastar hipótese. A formação do graduado perde densidade teórica e se torna ahistórica e associal, aprofundando as falências que o plano vigente possui.
A preeminência desta visão, que denominamos de Teoria Econômica Padrão (TEE), leva a uma espécie de esquizofrenia na formação do economista. Esta visão não apenas impede a interpretação das crises internacionais, mas muitas vezes se encontra na sua origem. Tampouco permite explicar como um país como a Argentina que não segue suas recomendações conseguiu minimizar os efeitos da crise internacional em 2009 e manter nove anos de crescimento, iniciado em 2003. Muito menos consegue identificar os possíveis limites estruturais, como a limitada diversificação e a persistente heterogeneidade da estrutura produtiva, que podem atentar contra a sustentabilidade deste caminho. Problemas estruturais que reaparecem no debate econômico e que constituem o sintoma de uma nova realidade à qual a universidade deve responder com cabeça própria.
Acreditamos que é necessário avançar rumo a uma verdadeira reformulação dos Planos de Estudo introduzindo uma orientação que denominamos de Teoria Estrutural do Desenvolvimento (TED), que procura ir além de um conjunto delimitado de conteúdos heterodoxos, permitindo também a incorporação ao plantel docente de professores com formações diferentes da dominante. Para isso propomos um tronco comum de três anos e duas orientações para os dois últimos anos, uma em TEE e outra em TED, cada uma com uma coerência própria. Ambas as orientações compartilhariam vários cursos, possibilitando o debate entre ambas.
É de destacar que em nossa região já existe desde os anos 1950 um conjunto coerente de contribuições que buscou explicar os problemas estruturais que qualquer processo de desenvolvimento em um país periférico coloca. É o caso dos trabalhos dos pioneiros do desenvolvimento como Prebisch, Furtado, Hirschmann, Pinto, entrou outros. Nesta orientação, se incorporam as contribuições dos pós-keynesianos, regulacionistas, institucionalistas e evolucionistas, entre outros, que permitem introduzir as dinâmicas da mudança estrutural, acumulação de capital e os comportamentos em desequilíbrio nos fundamentos mesmos da formação do economista.
Entendemos que é imprescindível avançar nesta direção a fim de recuperar uma formação do economista, qualquer que seja seu âmbito de inserção profissional, que lhe permita contribuir para o desenvolvimento de nossos países e nossos povos, afastando-se para sempre da aplicação irreflexiva de recomendações de política que desconhecem especificidades históricas e estruturais da região.
Fonte: Carta Maior | Economia, 17/09/2011

pesquisas sobre a divisão da riqueza no mundo apontam para menos de 1% da população com 40% dos ativos

A marcha dos zumbis
por Najar Tubino
Fantasmas que vagam pela noite morta (crença afro-brasileira)
É uma visão futurista. Milhões de zumbis vagando pelo planeta, a procura de suas mercadorias e marcas preferidas. A temperatura já subiu mais de 1 grau, estamos chegando no ano 2050. A população beira os 9 bilhões. O último bilhão todo integrado à classe média, inclui brasileiros, chineses, indianos, indonésios, africanos. Talvez isso aconteça em 2030, se considerarmos a visão dos executivos de empresas globais como Coca-cola ou McDonald’s. Mesmo o gigante financeiro Goldman Sachs, prevê que mais de 600 milhões de pessoas dos chamados países emergentes atingirão a classe média nos próximos 20 anos. Aliás, a China será a maior economia do mundo com PIB de 70 trilhões de dólares, seguida pelos Estados Unidos, com 40 trilhões, depois a Índia, seguida pelos cinco maiores europeus juntos, e em 5º lugar, o Brasil.
A preocupação de muitos estudiosos, pesquisadores e cientistas é sobre o impacto deste crescimento nas condições já degradadas do Planeta. Mas essa não é a realidade da elite econômica deste mesmo Planeta. O que pensam os 1.011 bilionários da lista da Forbes, de 2010, encabeçada pelo mexicano Carlos Slim, dono da telefonia na América Latina (276 milhões de clientes), mas com negócios em petróleo, imobiliárias, turismo, resumindo: representa 40% da Bolsa de Valores do México, país com 112 milhões de habitantes, 50% na linha de pobreza. Certamente, em como manter o crescimento econômico indefinidamente, como pregam os clássicos da economia ortodoxa. Crescimento ao infinito, para um planeta fisicamente finito. 
Número de milionários aumenta
As pesquisas divergem em detalhes, mas todas realizadas sobre a divisão da riqueza no mundo, apontam para menos de 1% da população com 40% dos ativos. O estudo da Boston Consulting Group, de Nova York, registrou em 2010 de US$121,8 trilhões em ativos globais sob gestão, um crescimento de 8%, na comparação com o ano anterior. O número de famílias estava em 12,5 milhões, com um aumento liderado por Cingapura, uma ilha com 5 milhões de habitantes, mas o maior percentual de milionários do mundo. Seguida por Suíça, Qatar e Arábia Saudita, que registra o maior número de arquimilionários - possuem mais de 100 milhões de dólares investidos.
A definição de milionários na pesquisa envolveu 62 países, de pessoas com mais de 1 milhão de dólares, fora o patrimônio, investido em algum mercado. São 120 empresas globais administrando os investimentos dos milionários. Com um detalhe importante: US$7,8 trilhões investidos fora do país de origem. Quase a mesma cifra que está depositada nos bancos da Praça de Genebra (Suíça), que é de US$6,8 trilhões. Apesar da fama, a Suíça detém apenas 23% do mercado de fortunas “offshore” (fora de origem), no mundo.
Mais um número que auxilia na compreensão dos caminhos impostos ao Planeta nas últimas décadas, desde os chamados “30 gloriosos”, período entre 1950-1980, de grande crescimento econômico e riqueza na Europa e Estados Unidos. Trata-se de um levantamento realizado por Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internaciona(FMI). Entre os anos 2000-2008, algumas pessoas no comando das 14 principais instituições financeiras do mundo, receberam em dinheiro (salário, bonificações e valor das ações vendidas) em torno de US$2,6 bilhões. Desse total US$2 bilhões foram recebidos pelas 5 mais bem pagas e também foram as peças principais na criação das estruturas de ativos de alto risco que levaram o sistema à beira do abismo. São elas: Sandy Weil, desenvolveu o Citigroup, que implodiu logo após sua saída; Hank Paulson, expandiu o Goldman Sachs, fez lobby para garantir mais alavancagem dos bancos, depois virou Secretário do Tesouro e ajudou a salvar os bancos; Angelo Mozilo, desenvolveu a Country Wide, peça central na concessão irresponsável de hipotecas; Dick Fuld, comandou o Lehman Brothers até a falência e Jimmy Cayune, comandou o Bear Stearns até a falência.
Os prejuízos públicos em comparação aos ganhos deles, ressalta Simon Johnson, foram gigantescos: 8 milhões de empregos nos Estados Unidos e cerca de US$ 6 trilhões, contando apenas o aumento das dívidas do governo federal americano.
Era do hiperconsumo
Esse modelo, agora, implantado nos países emergentes, já proporcionou uma nova vida para 447 mil milionários na China. Ou 126 mil famílias com disponibilidade de investir mais de 1 milhão de dólares na Índia. A classe média indiana será formada por 583 milhões de pessoas até 2030. Cerca de quase outro 500 milhões continuarão na linha da pobreza, conforme pesquisa do Banco Mundial – seria o terceiro maior país em termos populacionais, porém os números não traduzem a expressão do capitalismo desregulado, atualmente em voga na economia mundial. O que expressa um novo sentido às massas, segundo a visão do filósofo francês, Gilles Lipovetsky, um estudioso do consumismo, é a vontade de comprar, o “acesso democrático às marcas globais”.
- A felicidade é o valor central, o grande ideal celebrado sem tréguas pela civilização consumista. Cada vez mais mercado, cada vez mais estimulações, viver melhor, cada vez mais indivíduo, cada vez mais exigência de felicidade”.
Vivemos a era do hiperconsumo, o reinado da mercadoria efêmera, o ápice do hedonismo, a vontade individual de viver, sem horizontes. Tudo isso multiplicado por cada membro da família, como a época é de “cada um com seus objetos”. Aumentou ainda mais com a expansão dos equipamentos eletrônicos, celulares e similares. A era do hiperconsumidor e do pluriequipamento. Mais de 5 bilhões de celulares, cerca de 245 milhões de computadores vendidos anualmente no mundo, 20 mil aviões e 10 mil navios circulando pelo globo, com 3 bilhões de passageiros aéreos. Além de 62 milhões de carros, já passamos de 1 bilhão em termos mundiais, 50 milhões de toneladas de papel, 240 milhões de toneladas de plástico e mais de 1 bilhão de toneladas de aço.
O mundo precisa de crescimento e o consumo das famílias é o motor que movimenta a economia. No caso dos Estados Unidos 70%. Mesmo assim, somando todo o consumo da Ásia, com mais de 2 bilhões de habitantes, ele atinge apenas 40% do consumo dos pouco mais de 310 milhões de estadunidenses.
Ocidentalização do mundo
Traçar um modelo de consumidor mundial é um dos objetivos deste texto, embasado em informações dos jornais de economia dos últimos dois anos. A versão é global porque as marcas são globais. Toda segunda-feira, Bob Macdonald, executivo-chefe da Procter & Gamble, formado na Academia Militar de West Point, se reúne com membros da sua equipe, na frente de um mapa mundi digital. Capaz de identificar a situação dos 250 principais produtos da corporação nos 50 maiores mercados disputados por eles. 
Marcas que estão no avião do Faustão, na promoção da Rede Globo: fraldas Pampers, Gillet, Ariel, Pantene. São marcas bilionárias, puxadas pelas fraldas que vende US$8,8 bilhões no Planeta. O xampu divulgado por Gisele Bunchen (Pantene), rende US$3,1 bilhões. A P&G como é reconhecida fatura US$79 bilhões e tem 4,2 bilhões de clientes. Aumentou de tamanho em 2007 com a compra da Gillete por US$56 bilhões, representa 10% do seu faturamento.
Até 2015 espera atingir 5 bilhões de clientes. Aposta nos emergentes. Quer os indianos consumindo Mach 3 (lâmina de barbear), ao invés de fazer a barba na rua, um costume tradicional na Índia. Os africanos devem usar produtos de higiene ocidentais. Os brasileiros mais pasta de dente, e os americanos mais branqueadores para os dentes. Em termos de faturamento, a rede de supermercados Walmart é a maior com 4,6 mil lojas espalhadas por vários continentes e US$420 bilhões em vendas. O último lance foi a compra de uma rede de supermercados na África do Sul.
As lanchonetes Mcdonald’s são 32 mil no mundo, sendo 1.300 na China e mais de 200 na Índia, que inclui cidades pequenas no interior, onde o aluguel é mais barato, e eles vendem o Mc Aloo Tikki, com ervilhas e purê de batata. Tudo pela ocidentalização global, como destaca o economista francês Daniel Cohen no livro, “A Prosperidade do Vício”.
- A elite mundial busca apenas um objetivo: tornar o modelo único, incluir costumes culturais, comida e bens duráveis.
É claro que o momento é de balanço no capitalismo desregulado, compensado pelo crescimento nos países que também procuram um lugar ao sol. Serão responsáveis pelo crescimento nos próximos anos. Um outro economista, também já foi chefe do FMI, Joseph Stiglitz, em seu livro, “O Mundo em Queda Livre, onde aborda a crise de 2008, quando a banca internacional quase despencou precipício abaixo, traz uma informação importante. A renda dos americanos médios tem caído desde o ano 2000, em torno de 4% (está em torno de 38 mil dólares). O modelo implantado nos “30 gloriosos” de compras ilimitadas, baseada no crédito imobiliário, ou seja, minha casa vale tanto, posso pegar outro tanto emprestado. Furou, naufragou.
- Os americanos, diz ele, não podem mais viver neste modelo no século XXI. O consumo terá que ser reduzido em 10%, pelo menos.
Ou seja, a economia dos Estados Unidos vai continuar patinando por muito tempo, e nunca mais será a mesma. O problema como acentua o cronista do jornal The New York Times, Thomas Friedman, no livro “Quente, Plano e Lotado...” "é que surgiram muitos outros americanos e o Planeta não tem recursos suficientes para sustentar o modelo".
Vinho francês com gelo
Friedman na verdade não está somente preocupado com o mundo, mas com a perda da liderança dos Estados Unidos que deveriam “liderar a revolução verde”. Mas esse ainda é um detalhe. Afinal, todos têm direito ao crescimento e, por conseqüência, ao resto do pacote, que inclui modelos de todos os tipos: roupas, sapatos, malas, perfumes, carros, relógios, iates, vinhos, uísque, apartamentos (que agora estão com os preços reduzidos na Europa e nos EUA). As empresas globais mudam de foco. Os lucros não crescem no território de origem, então vamos onde ele está. As griffes famosas, Louis Vuitton, do conglomerado LVMH, do bilionário francês Bernard Arnaut (4 na lista da Forbes com 40 bilhões de dólares de patrimônio líquido, também é acionista do Carrefour), Gucci, do outro conglomerado francês PPR, e montadoras como a Mercedez Bens, a maior em vendas de carros de luxo, já se instalaram na China. A Mercedez transferiu o centro de criação do Japão para Pequim. O luxo é um mercado de US$238 bilhões, em termos globais.
Os chineses gastaram US$114 milhões em vinhos da região de Bordeaux, em 2010. Um banqueiro brasileiro jura que já viu chineses em Xangai tomando vinho francês caríssimo com gelo e emborcando uma taça, como se fosse “baijuu”, a cachaça nativa feita de arroz ou sorgo. Simples questão de adaptação. Afinal de contas, quem pagou US$232 mil em Hong Kong num leilão da Sotheby’s em 2010, por uma garrafa do Chateau Lafite, safra 1869, não está nem aí para parâmetros de preços ou convenções ocidentais. Por sinal, os chineses milionários, onde já foi criada a categoria dos “princelings” (princepezinhos nascidos na era atual), acostumados a gastar US$1 mil numa garrafa de uísque escocês, também são apaixonados por relógios. Mantém a média de 4 Cartier por proprietário.
Um joalheiro privado de São Paulo, da Griftin, não atende ao público, tem uma definição psicológica para o caso:
- O desejo das pessoas é algo muito interessante. O desejo de comprar era irresistível para o dono desse relógio, que custa duas centenas de milhar de dólares, explica ele ao repórter do jornal Valor (ainda estava com a proteção na pulseira). Depois de satisfeito esse desejo, o objeto quase que perdeu totalmente o valor para ele”.
Pré-histórico do turboconsumidor
As compras podem ser impulsivas, principalmente depois que o império da publicidade se instalou no Planeta. Assim como o luxo se tornou um mercado bilionário, a publicidade abocanhou US$447 bilhões em 2010, 39,2% para a televisão, segundo os dados do Grupo Publicis, o terceiro maior do mundo que acabou de comprar a agência de publicidade DPZ, de São Paulo. O filósofo, Gilles Lipovetsky, diz que a publicidade nasceu em 1880, nos Estados Unidos – em 1882 a Coca-cola gastou 11 mil dólares para divulgar seu produto. Em 1929 foram quase US$4 milhões. As mercadorias, até então, eram vendidas anonimamente e a granel, na maioria dos casos. Sem embalagem, sem marca, em mercados localizados. Somente a partir de 1930 surgiram os supermercados. Embora ainda no final do século XIX, na França, surgissem os grandes magazines, como Le Bon Marché (1865).
Eram templos deslumbrantes, de luzes e cores, onde a mercadoria estava disponível diretamente aos consumidores, sem intermediários. A sensação de comprar e gastar já se tornava estimulante, sensual e gratificante. Segundo Gilles, o consumidor moderno começou o “shopping”, a olhar vitrines, nesta época. Nasceu o pré-histórico do turboconsumidor dos tempos atuais. Marca, embalagem, distribuição, mais a publicidade instauraram o que desde 1920 se decidiu chamar de “sociedade do consumo”, hoje, extrapolada ao máximo. A publicidade não vende mais uma mercadoria, vende uma visão do mundo, uma necessidade psicológica, uma vontade de viver ou de quase sucumbir, no caso daqueles que não tem a disponibilidade financeira para comprar, de fato, grande parte da população do mundo. Onde 1 bilhão moram em favelas, segundo a ONU, e 2 bilhões não tem acesso a água.
No caso do Brasil temos mais 35 milhões na classe média, mas 8 milhões não tem banheiro, e 40 milhões não tem água tratada em casa, conforme o IBGE. Sem contar os 14 milhões de analfabetos.
600 fábricas terceirizadas
Entretanto, o modelo de consumismo está implantado e só cresce. A Coca-cola tem como objetivo em 2020 vender 30 bilhões de litros na China, onde detém 15% do mercado, é a líder no segmento dos refrigerantes. Os chineses tomam apenas 34 garrafas pequenas por ano, muito longe do líder, os mexicanos, que consomem 674. O Brasil é o quarto com 229 garrafas. A Nike, por exemplo, com suas 600 fábricas terceirizadas, em 48 países, montou seus centros de treinamento no Vietnã e Sry Lanka, depois de sucessivas denúncias de exploração de mão de obra infantil. Continuará sua expansão no modelo aprimorado de marca globalizada sem dispor de uma única fábrica própria, mas tendo 800 mil trabalhadores na confecção dos seus cobiçados tênis. Foram alvo das revoltas na Grã-Bretanha, recentemente.
Também pode ser o mercado de diamantes, que já movimentou US$65 bilhões, mas registrou queda depois da crise financeira, quando mais de mil joalherias fecharam as portas nos Estados Unidos – 40% do mercado, onde os noivos obrigatoriamente compram anéis de diamantes na consumação do compromisso. Voltou a crescer em 2010, porém as marcas globais que dominam o mercado, como a Tiffanys tiveram que entrar no negócio da mineração. A empresa abriu uma lapidadora de diamantes em Botsuana para diminuir os custos.
Quem está preocupado com a redução do faturamento (US$720 bilhões no mundo) são os executivos da indústria farmacêutica, não pela redução no número de doenças, pela quebra de patentes e venda de genéricos. Um Planeta degradado enfrenta cada vez mais o aumento de doenças, seja pelo crescimento da obesidade, já atinge 1,6 bilhão de pessoas no mundo, conforme dados da Organização Mundial de Saúde, sendo 400 milhões de obesos, seja pelos efeitos da mudança climática, secas e inundações, que desorganizam os sistemas vivo.
PIB mundial vezes 6
Daniel Cohen fez uma conta futura sobre o crescimento do Planeta em 2050. Se a expansão dos emergentes continuar, e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos (dados de 2005), o PIB global teria que sair dos US$70 trilhões para o patamar de US$420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as conseqüências imagináveis. Por exemplo, a Siemens, multinacional alemã, especializada em energia e saúde, faturamento de US$70 bilhões prevê para 2025 cerca de 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes – atualmente são 21. Como definiu o presidente da empresa, Peter Loscher “serão imensas manchas humanas, com muitos problemas para resolver. As cidades no Planeta ocupam apenas 1% da área e consomem 80% da energia.
Na contramão, o Relatório Repensando a Pobreza, divulgado pela ONU, no ano passado, apontava:
- Mais de 80% da população mundial vive em países onde os diferenciais de renda estão se ampliando. Os 40% mais pobres na população mundial reponde por apenas 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos representam 75%. “Para os pobres do mundo, o lema negócios como sempre jamais foi uma opção aceitável”.
Ao mesmo tempo, em Dubai, o xeque Al Maktoum pretendia criar uma opção de investimento para ricos globais, lançou centenas de projetos imobiliários (mais de 400 cancelados no pós crise), mas um, mundialmente conhecido: o Burj Khalifa, o edifício mais alto com 834 metros. É preciso esclarecer que o nome oficial do prédio era Burj Dubai. Mas surgiu uma conta urgente do emirado para pagar no valor de US$10 bilhões, e o Khalifa de Abhu Dabi pagou e trocaram o nome do prédio, afinal o patrocinador pagou a conta. Símbolo do poder global envolve 1.044 apartamentos, 160 para um hotel com quartos projetados por Georgio Armani, piscinas, uma mesquita, a mais alta do mundo, em seus 200 andares de opulência.
Não por muito tempo. Na Arábia Saudita, a construtora da família Bin Laden e o príncipe Al Waleed, considerado o árabe mais rico (US$20 bilhões de patrimônio líquido), tem 7% da News Corp., de Rupert Murdoch é um grande acionista do Citigroup, quer construir um novo edifício, que será o maior do maior do mundo, com um quilômetro de altura. O recorde anterior estava em Taipei, na Ásia, um predinho de menos de 500 metros.
Modelos extravagantes
Modelos extravagantes imobiliários são uma febre entre os ricos e os muito ricos no Planeta. E atraem emergentes. O Aman Resort, considerado um projeto para os muito ricos (850 apartamentos no mundo, em formato de bangalôs, choupanas ou vilas de arrozeiros na Tailândia), mandou um executivo ao Brasil para vender “villas”, no arquipélago de Turks & Caicos, território britânico no Caribe, que custam entre US$ 9 e 16 milhões, de 4 a 5 quartos, chef de cozinha exclusivo, carrinho de golfe, assessoras para marcar mergulhos e etc. Adrian Zecha, um indonésio, começou o negócio em Cingapura, maior acionista do Aman, diz que se interessou pelo Brasil, quando viu brasileiros pagando diárias entre US$5 e 10 mil em seus resorts.
Não chega nem perto dos US$100 milhões que o bilionários russo Yuri Milner pagou por uma mansão de estilo francês no Vale do Silício (Califórnia), novo recorde de valor para uma casa nos Estados Unidos. O ucraniano Rinat Akhmetov comprou dois dos mais caros apartamentos já vendidos em Londres por US$222,5 milhões. Em Paris, uma princesa do Golfo Pérsico gastou US$96,5 milhões em 2010 por uma mansão com pátio, jardim e capela, na margem esquerda do rio Sena. Como escreveu o comentarista do The Wall Street Journal: “são os estrangeiros milionários aproveitando a queda nos preços dos imóveis dos países ricos”.
A incorporadora e corretora Fortune International investiu no Brasil para vender o edifício de 50 andares, Jade Ocean, com piscinas infinity, cinema prive, área para crianças com mobília Philipe Starck, coberturas duplex custam entre US$2,9 e 5 milhões – 85% dos apartamentos vendidos a estrangeiros.
A vida é uma festa
Também podemos relacionar, não com tanta extravagância, os mais de US$5,9 bilhões que os brasileiros gastaram em 2010 nos Estados Unidos, 423 mil visitaram Nova York, onde gastaram quase 6 mil dólares por cabeça, ocupando a quarta posição entre os turistas globais. Duas coisas chamam a atenção no modelo mundial de consumo. A extravagância registrada pelos emergentes, como bem definiu o executivo do grupo Publicis, recentemente, em visita ao Brasil, Maurice Levy:
- Nesses países temos, normalmente, duas situações distintas. Uma parte da população ainda vive abaixo da linha de pobreza. Mas a fatia que integrou a classe média tem como modelo de consumo o ocidental: eles querem tudo rápido, as últimas marcas, o que está mais na moda, os carros e os relógios mais luxuosos. Nesse caso é uma oportunidade para os anunciantes que “é preciso aproveitar”.
E a outra: a mediocridade de copiar tudo dos países ricos e de sua elite. Em Xangai, por exemplo, a Diageo, maior na venda de destilados do mundo (dona da marca de uísque Johnny Walker) reformou um palacete colonial com paredes de cevada e garrafas de uísque. Gastou US$3,2 milhões. Para ensinar os novos bebedores, e também aos barzeiros, como se deve beber o precioso líquido. Incluir chá verde pode. Na China o consumo maior é The Johnny Walker, a garrafa custa 3 mil dólares. Na Índia, a empresa dona da marca Contreau (conglomerado PPR), patrocina eventos sociais, com integrantes da elite de Nova Déli, para divulgar suas bebidas. Um desses promotores, Vikrant Nath, diz que a vida é uma festa, ao receber 25 prósperos profissionais, todos vestidos a moda ocidental, conforme relato da Associated Press, interessados em bebidas finas.
- Queremos saber sobre a boa vida e aprender a receber as pessoas – diz a esposa Akka, na entrada da casa de três andares. Isso inclui aprender mais sobre as grifes de luxo, que são vendidas na Índia. O número de indianos com patrimônio de US$1 milhão para investir cresceu 51%, depois da crise de 2008, segundo levantamento da Merryl Linch. São 126 mil pessoas. O produtor Nath faz entre 15 e 20 eventos por mês. A Índia, ainda segundo a agência de notícias é a maior fabricante de bebidas alcoólicas da Ásia produzidas ilegalmente, são 700 milhões de caixas. E uma percentagem de 5% da população (60 milhões de pessoas) são consideradas alcoólatras.
Última tentativa: testosterona
Boomers são os nascidos do pós-guerra, na década de 1950, nos Estados Unidos. Muitos enriqueceram e ficaram conhecidos por seus gastos. Comenta-se que sustentaram as vendas de Mercedez Bens e BMW antes da crise (a Mercedez vendeu 245 mil carros até 2007). Viraram modelo para os emergentes. Embora um tanto envelhecidos ainda sustentam os gastos de novidades nos Estados Unidos. Nesse caso, da indústria farmacêutica. A última moda da indústria antienvelhecimento é a venda de produtos a base de testosterona (hormônio masculino). As vendas desse segmento chegam a US$80 bilhões. Surgiram problemas com algumas embalagens, como cremes, podem colar em outras pessoas ou diluir na água. É a última tentativa de manter de pé os 70% do consumo, já que a dívida das famílias estadunidenses é quase tão grande quanto a dívida do país – mais de US$13 trilhões. 
Os consumidores dos EUA recebiam até 2007, mais de 6 bilhões de cartões de crédito pelo correio. O número caiu para 1,4 bilhão depois da crise. Um dos quatro bancões (Bofa, Citi, Goldman, JP Morgan) anunciava na televisão: “aprovado ao nascer”. Na era do neuromarketing, quando as glândulas sudoríparas dos humanos são monitoradas, e suas áreas cerebrais fotografadas, os consumidores são enquadrados por categorias desde o nascimento: bebê, infantil, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto e sênior. Nada escapa. Como acentua Gilles Lipovetsky, no livro “A Felicidade Paradoxal”:
- Enquanto a vida cotidiana for dominada por esse sistema de referência a menos que se enfrente um cataclisma ecológico ou econômico, a sociedade de hiperconsumo prossegue em sua trajetória... antropólogos analisarão no futuro a civilização esclarecida em que o homo sapiens prestava culto a um deus tão derrisório quanto fascinante: a mercadoria efêmera”.
Não deixa de ter razão. A velocidade do crescimento dos shopping no Brasil, futura quinta economia, é impressionante. Em 2008, eram 377. Em 2011, serão 422. Em Porto Velho, capital de Rondônia, onde duas hidrelétricas serão inauguradas a partir do próximo ano colocaram tapete vermelho na inauguração. Tem mais 30 projetos em lançamento no Brasil. Custa em média R$200 milhões a construção de um shopping.
Marcha rumo à felicidade
A China pretende adquirir 200 milhões de carros até 2020, em 2010 produziram 18 milhões. A história universal tem um sentido, diz Gilles Lipovetsky, ela não é mais que o progresso rumo ao infinito da humanidade, a marcha desta rumo à felicidade mais completa. 
Cada um escolhe a marcha que acha mais provável. Eric Hobsbawn, historiador inglês, no final de “A Era dos Extremos”, onde analisou os acontecimentos do século XX, incluindo as duas guerras mundiais (50 milhões de mortos) ”se a humanidade repetir o que já fez nos séculos passados e no presente, só tem um futuro: a escuridão”.
Em 1970, quando a NASA lançou o projeto da Estação Espacial Internacional, os cientistas e políticos da época falavam do futuro da humanidade. Em breve os foguetes viajariam rapidamente ao espaço, por preços baratos. A Estação Espacial seria a plataforma para alcançar outros planetas. Quarenta anos depois, ao finalizar o programa do ônibus espacial – 202 bilhões de dólares de custo -, sem contar os US$100 bilhões da própria Estação, o que temos? Cadê os outros planetas. A facilidade da tecnologia que nos levaria ao infinito espacial?
A viagem, agora, custará ao governo dos EUA, nas cápsulas russas da nave Soyus, US$43 milhões por astronauta. A NASA agendou 45 assentos até 2016. O ônibus lançou o telescópio Hubble, que nos deu imagens belíssimas do Universo. Na Estação, experiências importantes, sem gravidade, são praticadas. E o resto? Essa prepotência da tecnologia, o domínio da técnica sobre tudo, se compara a arrogância da economia ortodoxa, responsável pela sustentação desse sistema no Planeta. Quer levar as compras à eternidade, mesmo sabendo com antecedência, que esta marcha pode ser a dos zumbis, fantasmas que vagam pela noite morta, quando o Planeta não suportar mais o peso do modelo.
(*) Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O Equilíbrio, publicado em 2005. E-mail: najartubino@yahoo.com.br 
Fonte: Carta Maior | Economia, 16/09/2011

sexta-feira, setembro 16, 2011

o homem tem uma consciência angustiada e trágica

A trágica e angustiante consciência da finitude da vida
José María Aguirre Oraá fala sobre o pensamento de autores como Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset e José Luis Aranguren 
por Graziela Wolfart e Márcia Junges
Durante a primeira fase do Ciclo de Estudos Perspectivas do Humano, promovido pelo IHU, nos dias 16, 17 e 18 de agosto, esteve à frente dos debates o professor José María Aguirre Oraá, catedrático de Filosofia Moral da Universidade de La Rioja, Espanha. Na ocasião, ele apresentou o pensamento de Miguel de Unamuno, filósofo, reitor da Universidade de Salamanca, exilado da ditadura de Franco e morto na França. Depois, expôs o pensamento de José Ortega y Gasset, catedrático de filosofia de Madri; e por último apresentou o pensamento de José Luis Aranguren, que foi catedrático de ética na Universidade Complutense, Madri.
Sobre o pensamento desses autores, José María Aguirre Oraá concedeu uma entrevista pessoalmente à IHU On-Line, quando falou também sobre Ignacio Ellacuría. Aguirre explica que “a concepção do humano em Unamuno é a de que o homem tem uma consciência angustiada e trágica, porque realmente há o fim da vida. A vida acaba na morte, e o homem se rebela contra essa realidade. E o faz com razão, pois não pode encontrar uma resposta à morte, afinal a razão nos diz que começamos e acabamos”. O professor ainda destaca que “uma sociedade realmente humana é aquela em que é preciso construir não um estado de bem-estar, mas um estado de justiça”. E continua: “o fundamental não é construir um estado formalmente de direito, mas um estado de justiça no qual realmente a democracia política acompanhe a democracia econômica, cultural e social. Mais do que um sistema concreto de governo, a democracia deve ser composta por valores democráticos do povo, que devem ser soberanos, com participação política genuína, espaços de debate político, determinação de valores solidários e fraternos”.
José María Aguirre Oraá é professor de Filosofia Moral na Universidade de La Rioja desde 1996. Na Universidade de Lovaina, Bélgica, estudou Filosofia, doutorando-se em 1990. É autor de livros como La philosophie en Amerique Latine (Lovaina: Ciaco, 1986); Pensamiento crítico, ética y Absoluto (Vitoria: Eset, 1990); Filosofía: historia y presente (Vitoria: Eset, 1993); Raison critique ou raison herméneutique? Une analyse de la controverse entre Habermas et Gadamer (París; Cerf, 1998); e Pluralismo y tolerancia. Un desafío a las sociedades liberales (Logroño; Claridad, 2004). Seus campos de pesquisa estão centrados na Filosofia Moral, Filosofia Política, Filosofia da Religião e na Antropologia Filosófica. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a concepção do humano em Miguel de Unamuno?
José María Aguirre Oraá – A concepção do humano em Unamuno  é a de que o homem tem uma consciência angustiada e trágica, porque realmente há o fim da vida. A vida acaba na morte, e o homem se rebela contra essa realidade. E o faz com razão, pois não pode encontrar uma resposta à morte, afinal a razão nos diz que começamos e acabamos. A razão questiona nossa existência e só nesse sentido a fé permite uma abertura ao mistério de Deus. Diante da situação trágica da existência humana, para querer crer em Deus, é preciso deixar que Deus seja importante em nossa vida.
IHU On-Line – Qual é a atualidade desse pensador para refletirmos sobre o humano em nosso tempo?
José María Aguirre Oraá – Talvez a concepção das pessoas anônimas, que são quem realmente constroem a história, é algo que continua sendo atual, apesar de tanto glamour e fachada política ou econômica. Menos mal que existem homens e mulheres que, todos os dias, vão para o trabalho e estudam. São os que sustentam a sociedade. As sociedades ocidentais, inclusive a América Latina, possuem um forte sentimento religioso, e Unamuno continua nos inquietando sobre essa situação humana de que somos limitados e finitos. E a questão de que sentido tem nossa existência diante da dor, da doença e da morte, continua sendo atual, apesar de que o estado de bem-estar nos permite que vivamos bem.
IHU On-Line – De que forma essa concepção dialoga e debate com o pós-humano que se delineia atualmente?
José María Aguirre Oraá – Sou um tanto crítico com relação a essa concepção de pós-humanismo, pós-modernidade. O positivo da crítica pós-moderna é que tem se dedicado a criticar as concepções totalizantes de visões como o hegelianismo, o marxismo, o cristianismo. No entanto, não podemos cair no relativismo de que “tudo vale” ou de que uma coisa é igual à outra. É preciso ter critérios de valor para que uma coisa valha mais do que outra. Nesse sentido, Unamuno pode continuar nos provocando a pensar que a partir da existência humana é preciso ter em conta as questões de vida, de mortalidade, de sentido. E essa pode ser uma questão de ontem, antes de ontem, que o homem está sempre a buscar e precisa encontrar uma resposta. Unamuno é muito crítico com o racionalismo e com a tecnologia desenfreada. Inclusive ele fala que na Europa se tem usado muito a “Kultura”, com “k”, no sentido de ser muito bárbara, muito forte, anulando essa inquietude humana e trágica de perguntar pelo sentido da existência. Ele não está contra a ciência, a técnica, mas contra essa absorção e essa anulação das questões vitais humanas.
IHU On-Line – Em que medida o sentimento trágico da vida ajuda a compreender nossa finitude e nossa importância cosmológica?
José María Aguirre Oraá – O sentimento trágico significa reconhecer duas coisas. Uma é nossa finitude, nossa limitação, nossa situação humilde como humanos no cosmos. E a outra é o potencial de superação que implica em querer viver ao máximo a vida, em querer ser imortal, a partir de um “prolongamento” por intermédio da fama, do poder, dos filhos, dos escritos, deixando algo para a história. No entanto, Unamuno aponta aqui o problema do “meu eu” e da minha consciência que se acaba na essência da imortalidade. Essa luta para o sustento da existência é algo que precisamos ter em conta. Entre nós há pessoas que sofrem muito durante a vida pensando nisso, pois não podem aspirar à fama, ao poder, refletindo o sentimento trágico da existência.
IHU On-Line – Como podemos compreender a perspectiva raciovitalista de Ortega y Gasset? 
José María Aguirre Oraá – Ortega y Gasset  insiste precisamente contra o racionalismo, o idealismo, e creio que às vezes de maneira um tanto parcial, mas escreve de maneira estupendamente bem do ponto de vista literário. Trata da insistência de que a filosofia que  parte da existência humana – um pouco como Unamuno, mas com outro sentido – significa partir da vida humana, no sentido de tudo o que a vida é. Para alguns, a existência está na circunstância de terminar. E daí temos a frase “eu sou eu e minhas circunstâncias”; “tenho uma vida, mas com uma circunstância cultural, social, econômica”. A partir disso, a razão começa a mobilizar e a perguntar, porque a vida necessita de explicações, de ciência, de sentido. Daí a expressão “raciovitalismo”: partir da vida para que a razão esclareça a quantidade de questões vitais que a nós surgem.
IHU On-Line – Em que medida esse raciovitalismo aponta para as possibilidades e as fronteiras do humano?
José María Aguirre Oraá – Essa é uma pergunta difícil, pois aponta para uma fronteira que se divide em dois pontos: a razão não é o fundamental no homem (nesse sentido, se critica Descartes , que diz “penso, logo existo”; não, não, não. O correto seria “existo, logo penso”); e em segundo lugar também a razão é uma doutrina do perspectivismo, ou seja, cada um tem uma perspectiva da realidade, e não a perspectiva da realidade. A realidade seria aquilo que atribuiríamos a Deus, porque Deus é aquele que vê tudo, mas o homem não. Talvez nós sejamos os diferentes olhos de Deus que veem a realidade. A razão tem muitas possibilidades: ciência, tecnologia, estética, ética, mas elas surgem da lógica da vida, ou seja, a razão não é o fundamental no homem; e ela tem seus limites enquanto cerceada do ponto de vista das diversas perspectivas. 
IHU On-Line – Como ética e política se unem no pensamento de José Luis Aranguren?
José María Aguirre Oraá – Aranguren é um estudioso da moral e, nesse sentido, da ética, de filosofia moral. Um descobrimento que ele faz a partir do que lhe foi transmitido por Xavier Zubiri  é que o homem é constitutivamente moral. A moral não é um ornamento da existência humana; não é um luxo. A existência humana não é como a existência animal. Podemos raciocinar de diferentes maneiras diante de uma mesma situação, porque não temos um comportamento determinado. Evidentemente o homem não é um indivíduo: é um ser social. Ao se comportar moralmente, deve justificar suas preferências. Ao desejar algo não basta dizer “porque sim”. Deve justificar por determinadas razões. E na lógica social e política do homem, enquanto ser social, entra a questão ética. É preciso ver que estruturas sociais e políticas são adequadas para a existência humana. Nesse sentido, surge a democracia e toda a lógica da sociedade. Por isso ética e política são diferentes, mas estão unidas.
IHU On-Line – Qual é o nexo entre esses dois aspectos e as perspectivas do humano nesse pensador?
José María Aguirre Oraá – Uma sociedade realmente humana é aquela em que é preciso construir não um estado de bem-estar, mas um estado de justiça. É preciso saltar de um estado de bem-estar, o que com frequência é defendido pelas perspectivas liberais. O fundamental não é construir um estado formalmente de direito, mas um estado de justiça no qual realmente a democracia política acompanhe a democracia econômica, cultural e social. Mais do que um sistema concreto de governo, a democracia deve ser composta por valores democráticos do povo, que devem ser soberanos, com participação política genuína, espaços de debate político, determinação de valores solidários e fraternos.
IHU On-Line – Esses valores surgem onde? O ser humano os aprende onde? 
José María Aguirre Oraá – São valores que os homens aprendem e desaprendem em todos os lugares onde se socializam: escola, bairro, família, meios de comunicação, igrejas, universidades. Tudo depende dos pontos de vista com os quais se depara. As boas famílias são aquelas onde se aprendem valores humanos importantes; o mesmo ocorre com as boas igrejas, boas escolas, boas sociedades. Os poderes econômicos dirigem e dominam nossas vidas e os poderes midiáticos também. Não acreditamos mais no que diz o pai, a mãe, a igreja, o governo, apenas por serem o que são. O sentido crítico e ético do ser humano avançou mais. Não somos mais ingênuos. O que temos é uma crise da autoridade moral das instituições.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado? 
José María Aguirre Oraá – Estou muito contente pela oportunidade de proferir palestras na Sala Ignacio Ellacuría, aqui na Unisinos, pois eu conheci Ellacuría. Estive com ele em dois congressos, já que ele era amigo do meu orientador de tese. Ellacuría me enviou um artigo, que publiquei num livro coletivo em 1989. Creio que foi o último artigo que ele escreveu antes de ser assassinado. Ellacuría conseguiu “latino-americanizar” Xavier Zubiri, seu orientador de tese, porque era seu discípulo. Zubiri dizia que o homem é um “animal de realidades”. Ele busca a realidade, que é complexa, afetiva, com sentido intelectivo. Ellacuría concordou, mas reelaborou a ideia de seu mestre. Para ele, primeiramente era preciso se dar conta da realidade; mas isso seria muito “externo”, como se a realidade estivesse lá e eu aqui. Além de se dar conta, seria preciso incorporar e internalizar essa realidade, afinal, essa realidade é minha. E, em terceiro lugar, colocar-se a serviço desta realidade, ou seja, o que eu posso fazer para modificá-la, no sentido de que essa realidade depende de mim para sua transformação. Ellacuría desenvolveu essas três lógicas de maneira muito criativa. Por isso também o assassinaram, porque ele estimulava as pessoas a se darem conta e a se comprometerem com a justiça e com os pobres.
Fonte: IHU On-line, 373 Ano XI 12.09.2011

um modelo de saúde que fosse público e de atendimento universal

Urgência na saúde
O momento atual é de defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. A urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.
Ao longo do processo de reconstrução da ordem político-institucional, no período que sucedeu ao fim da ditadura militar, o Brasil ofereceu ao mundo um exemplo significativo de arranjo na ordem social. Caminhando na contracorrente de todo o movimento desregulamentador e mercantilizador que se apoiava nas idéias e propostas do chamado neoliberalismo, os consensos construídos para a votação do texto da nova Constituição no final da década de 1980 tentavam recuperar as propostas de um Estado de Bem Estar Social.
No caso específico da saúde, o processo também chama a atenção, principalmente se analisado numa perspectiva histórica e levando em consideração as dificuldades ideológicas daquele momento. Mas o fato é que a defesa de um modelo de saúde que fosse público e de atendimento universal ultrapassou os muros da polêmica político-partidária, em função da atuação fundamental de uma articulação que passou a ser conhecida como “PS” - o chamado “partido dos sanitaristas”.
Reunindo políticos de diversas orientações e filiações, sua ação unitária dava-se na defesa do modelo que veio a ser incorporado ao texto constitucional, entre os capítulos 196 e 200, que trata justamente da Seção da Saúde, no Capítulo da Seguridade Social. O Brasil apresentava ao mundo o Sistema Único de Saúde - SUS, com base naquilo que havia sido construído a partir da articulação de distintos setores da sociedade interessados em montar um sistema de natureza pública, com um amplo atendimento, com financiamento público e fundado num sistema federativo de repartição de atribuições e recursos. Apesar de sintético, o texto dos 5 capítulos é bastante claro quanto às intenções dos representantes na Constituinte. A seguir, alguns exemplos:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
“O sistema único de saúde será financiado (...) com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” [1]
Porém, as dificuldades começaram já mesmo a partir da implementação do modelo do SUS. Havia - e ainda há! - uma série de questões complexas a serem solucionadas, tais como:
i)        a garantia de fontes orçamentárias de financiamento;
ii)      a definição clara da repartição entre as atribuições e as origens de recursos entre União, Estados e Municípios;
iii) os limites e as tangências entre a presença do setor privado e o setor público na oferta de serviços de saúde; entre outras. Exatamente por estar sendo construído num período em que o paradigma hegemônico da ordem social e econômica no mundo era baseado na idéia da supremacia absoluta do privado sobre o público e na tentativa de reduzir a presença do Estado a uma dimensão mínima, o SUS já nasceu sendo bombardeado por setores comprometidos com tal visão reducionista das políticas públicas.
Os conceitos teóricos que algumas correntes da economia haviam criado em torno da idéia de bens públicos (saúde, educação, saneamento, etc) sofreram forte oposição e a idéia de transformar todos esses direitos da cidadania em simples mercadoria passou a ganhar força. O mercado privado atuante na área da saúde recebeu grande impulso, a partir da idéia de “complementaridade” ou “suplementaridade” à ação do Estado. Ao lado das antigas e tradicionais instituições da filantropia, cresceu bastante a atuação de grupos empresariais privados, que passam a operar no setor com a lógica pura e simples da acumulação de capital e da obtenção de lucros. E o acesso a esses hospitais, maternidades, laboratórios, centros clínicos passa a contar com a sofisticação dos planos privados de saúde e os seguros de saúde. Tudo baseado em preços, contratos, condições, exceções, carências e outros elementos que confluem para reduzir a despesa e aumentar a receita. A saúde deixa cada vez mais de ser um direito e se transforma numa mercadoria.
O espaço de disputa desse novo campo de negócio, obviamente, dá-se com a própria rede do SUS. Colabora para tanto um processo de sucateamento do sistema público, cujo principal instrumento de atuação ocorre por meio de redução de seus recursos orçamentários. Com isso, a rede pública não consegue avançar a contento em termos de equipamentos e de pessoal. E os meios de comunicação complementam com seu papel de desconstruir o modelo, apontando as falhas e as ineficiências de atendimento da população, com a mensagem sub-reptícia de que isso ocorre em função de sua natureza pública, estatal.
Mas o fato é que pouco a pouco vão sendo reduzidos os gastos estatais com a saúde, enquanto que os gastos privados passam a crescer a cada ano. A política de ajustes fiscais a qualquer custo - que se tornou mais evidente a partir do Plano Real, em 1994 - terminou por estrangular os orçamentos da seguridade social como um todo, aí incluído o drama da saúde. Assim, em 1997 o governo federal acaba por lançar mão de um tributo específico e emergencial para dar conta da falta de recursos orçamentários para essas áreas. Foi aprovada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas parte dos recursos ficava retida para contingenciamento e outros dribles com objetivo de contribuir para o superávit primário. Após compartilhar a dotação com previdência e assistência social, menos da metade dos recursos ficava com a área da Saúde.
Esse tributo resistiu por quase 10 anos, quando foi finalmente suspenso em 2007, em votação ocorrida no âmbito do Congresso Nacional. O discurso generalizado dos setores ligados ao mundo empresarial e das forças conservadoras em geral acabou prevalecendo, na figura da falsa imagem da “elevada carga tributária”. Na verdade, o grande incômodo do sistema financeiro era mesmo a possibilidade de rastreamento de todas as suas operações, uma vez que a contribuição incidia sobre as mesmas. E isso permite ao poder público uma maior capacidade de controle e fiscalização, inclusive para reduzir a prática de operações ilegais, Tendo perdido essa fonte de recursos, o SUS voltou a sofrer ainda mais o risco do sucateamento. Desde 2008 tramita no legislativo um projeto para recriar uma fonte específica para a Saúde (não mais para o conjunto da Seguridade Social). O princípio é bastante semelhante à CPMF: trata-se da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Tal tributo incidiria sobre as transações financeiras, a exemplo da anterior, mas teria uma alíquota inferior: 0,10% ao invés de 0,38%.
Alguns especialistas já apontam a necessidade de um índice mais elevado, dada a urgência de recursos para o SUS. De qualquer maneira, o mais importante é assegurar que as verbas sejam direcionadas para o gasto na ponta do sistema e não fiquem esquentando o caixa do Tesouro Nacional para formar o superávit primário e pagar os juros da dívida. Além disso, faz-se necessário criar algum mecanismo para atenuar a regressividade implícita na CSS. Isso porque todas as camadas de renda da população sofrem a incidência do tributo, pois vivemos em um mundo marcado pela generalização das atividades bancárias e financeiras. Assim, seria importar promover uma medida de justiça tributária e isentar as faixas de renda mais baixa.
A situação é de extrema urgência! Caso contrário, corre-se o risco da saúde sofrer processo análogo ao do ensino fundamental e médio. Ao longo das últimas décadas, em razão do sucateamento da rede pública de ensino, setores expressivos da classe média passaram a optar por estabelecimentos privados de educação para seus filhos. A rede pública, salvo raras exceções, padecia de falta de verbas, com baixo investimento na construção, equipamento e, principalmente, no estímulo aos professores. Estes setores médios tendem a ser vistos como “caixa de ressonância da opinião pública” e com maior capacidade de pressão sobre os representantes políticos. Como eles deixaram de pressionar pela melhoria da qualidade do ensino público pré-universitário, isso contribuiu para a situação ter chegado ao quadro atual de difícil e urgente recuperação.
O momento atual é defesa do SUS como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento universal e gratuito. Um direito de cidadania, um dever do Estado. É claro que muito ainda há para ser realizado no sentido de aperfeiçoar a sua gestão, com o intuito também de reduzir as perdas do sistema. O mesmo vale para a necessidade de redefinir os cálculos dos gastos com saúde, tal como previsto pela famosa Emenda Constitucional n° 29, que estabelece percentuais orçamentários mínimos para que os governos federal, estaduais e municipais apliquem no sistema. E também para introduzir maior grau de justiça social na forma de apropriação dos recursos, inclusive físicos do SUS. E aqui entram aspectos como a atual renúncia tributária para setores que gastem com saúde privada, o uso descontrolado da rede privada dos setores de excelência da rede pública nas áreas de alta complexidade a baixo custo, as facilidades de isenção tributária para os grupos empresariais que operam no sistema privado de saúde, entre tantos outros aspectos.
Enfim, as tarefas são muitas e complexas. Mas a urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte específica de recursos orçamentários para a Saúde.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 15/09/2011

quinta-feira, setembro 15, 2011

a violência existe porque muitos lucram com ela



 Entrevista especial com José Cláudio Alves 
“A pior forma de se resolver a questão da segurança é militarizá-la e colocá-la de cima para baixo. É isso que as UPPs fazem”, constata o sociólogo.
Confira a entrevista.
A “Guerra do Rio” acompanhada por todos os brasileiros através do “show midiático” em novembro de 2010 “faz parte de um projeto que está sendo montado há muito tempo, o qual não desmonta a estrutura da violência, porque ela está dentro do próprio aparelho do Estado”, diz José Cláudio Alves à IHU On-Line.
Em entrevista concedida por telefone, o sociólogo explica que parte significativa da sociedade civil apoia a repressão e o controle policial nas favelas porque a concepção de segurança pública está relacionada com o combate ao crime. “Para a sociedade, bandido bom é bandido morto. Essa é a ideologia predominante, porque rende dividendos para todos os lados. Quanto mais se matam pobres, negros, favelados de comunidades pobres – isso em uma sociedade segregada como a nossa –, mais se gera um rendimento político, porque a sociedade pensa que o Estado está trabalhando para eliminar o mal, o bandido, o crime organizado”.
A instalação de Unidades da Polícia Pacificadora – UPPs nas favelas tem um impacto pequeno no combate à violência, se comparada à adesão de policiais à “estrutura de corrupção”. “Esta rede rende algo em torno de 11 bilhões de reais ao Rio de Janeiro. (...) A economia formal também se beneficia com o tráfico de armas e de drogas. O jogo do bicho, por exemplo, é uma das formas mais bem estruturadas do crime organizado: uma família pode lucrar, por semana, com o caça níqueis e o jogo do bicho, dois milhões e meio de reais, algo em torno de dez milhões de reais por mês. A violência existe porque muitos lucram com ela”, reitera.
De acordo com José Cláudio Alves, por trás da imagem de cidade maravilhosa, configura-se no Rio de Janeiro a cidade segregada, “onde as pessoas sabem claramente qual é o seu espaço, onde devem estar, que locais podem frequentar, que horário devem sair, que horas devem voltar”.
José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutor na mesma área pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor concorda com a informação de que a polícia carioca é a que mais mata no mundo?
José Cláudio Alves – Sim. Essa informação já vem repercutindo há muitos anos no Rio de Janeiro. Em 2008, foram publicados dados referentes ao número de mortes provocadas pela polícia e, naquele período, ela já era considerada letal. Há uma cultura que, de um lado, é homicida e, de outro, é suicida: a polícia que mais mata é também a que mais morre.
IHU On-Line – Qual é a opinião pública diante da instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras – UPPs nas favelas cariocas?
José Cláudio Alves – Analiso o quadro do crime organizado no Rio de Janeiro, do tráfico de drogas, grupos de extermínio, a construção dos grupos paramilitares, das milícias, etc. e a minha interpretação está voltada para perceber o quanto essa estrutura foi articulada, organizada e montada pelo próprio Estado. Portanto, a instituição estatal está na base, na origem da construção dessa estrutura de violência e de organização do crime.
A lógica da polícia reforça a militarização e o uso da violência extrema nas questões ligadas à segurança. Há também uma lógica de espetacularização, em que os meios de comunicação transformam a questão da segurança pública num grande show midiático. Os atentados que ocorreram em novembro de 2010 e a ocupação do Complexo do Alemão televisionada pela mídia e denominada de a “Guerra do Rio” fazem parte de um projeto que está sendo montado há muito tempo, o qual não desmonta a estrutura da violência, porque ela está dentro do próprio aparelho do Estado. É o Estado que dá à estrutura de violência a sua condição mais adequada, mais favorável, mais intransponível e impune, já que não se consegue acessar e punir a própria estrutura do crime, que está dentro dos aparatos policiais.
Opinião pública
Nessas operações policiais, é possível prender pessoas, mas a estrutura é muito mais ampla do que se possa imaginar, porque ela funciona há muito tempo e se mantém. A população apoia a ocupação das comunidades, a execução sumária televisionada, a guerra explícita e aberta com o uso de equipamento bélico, porque o combate ao crime já foi “trabalhado” na concepção social de segurança. Para a sociedade, bandido bom é bandido morto. Essa é a ideologia predominante, porque rende dividendos para todos os lados. Quanto mais se matam pobres, negros, favelados de comunidades pobres – isso em uma sociedade segregada como a nossa –, mais se gera um rendimento político porque a sociedade pensa que o Estado está trabalhando para eliminar o mal, o bandido, o crime organizado. Então, a população, que não tem referenciais em relação à segurança pública – porque nunca teve acesso à segurança pública – acredita neste projeto político-midiático como a melhor forma de resolver o problema.
IHU On-Line – Qual o interesse do Estado na militarização e na espetacularização do crime e em manter a estrutura de violência cíclica? Percebe diferentes formas de controlar e disciplinar as massas empobrecidas?
José Cláudio Alves – A militarização e a forma violenta de tratar a questão da segurança já têm sido construídas desde a ditadura militar e serve a uma grande rede de interesses. O Estado segrega populações inteiras de comunidades pobres quando controla entradas e saídas das pessoas das favelas e quando controla o que acontece nestas comunidades. Então, quando a milícia ou um grupo paramilitar entram em uma área segregada, eles podem operar em inúmeros serviços e ganhar muito dinheiro. Para se ter uma ideia, eles vendem água pública, terra de barrancos – desmontam barrancos de morros para aterrar áreas pantanosas para que as pessoas possam construir suas barracas –, vendem gás, internet. Como se percebe, um conjunto de serviços urbanos que operam hoje, na cidade do Rio de Janeiro, são oriundos das áreas segregadas.
A polícia até consegue prender alguns traficantes, mas a adesão de policiais à estrutura de corrupção é mais ampla. Essa estrutura se associa a outras estruturas tradicionais do crime como o roubo de carro, de casa, tráfico de armas e de drogas. Portanto, esta rede rende algo em torno de 11 bilhões de reais ao Rio de Janeiro. Um quilo de cocaína custa cerca de sete mil reais. Ao misturar essa quantidade com fermento para bolo, fazem-se 47 mil, o que significa que se têm sete vezes o valor investido inicialmente. Quem faz essas operações de milhões não são os pequenos traficantes que estão presos e, sim, os empresários, banqueiros, pessoas que estão totalmente vinculadas à economia formal. Portanto, a economia formal também se beneficia com o tráfico de armas e de drogas. O jogo do bicho, por exemplo, é uma das formas mais bem estruturadas do crime organizado: uma família pode lucrar, por semana, com o caça níqueis e o jogo do bicho, dois milhões e meio de reais, algo em torno de dez milhões de reais por mês. A violência existe porque muitos lucram com ela.
IHU On-Line – Quais foram os desdobramentos do combate ao tráfico de drogas, da ocupação militar no complexo do Alemão e da implantação de UPPs nas favelas cariocas no ano passado?
José Cláudio Alves – Depois da pacificação de algumas favelas, os traficantes continuaram tendo acesso a armas porque a polícia revendeu o material para eles.
Para entendermos o crime no Rio de Janeiro, é necessário compreender a história de cada área para poder avaliar este grande tabuleiro. A facção criminosa Comando Vermelho, que é a hegemônica do crime organizado do tráfico de drogas, está sendo empurrada para a periferia, para atuar na Baixada Fluminense, na área da Leopoldina. O Comando Vermelho está tentando impedir essa transferência e por isso acontecem os confrontos a que estamos assistindo.
As UPPs estão em aproximadamente 69 comunidades, das mil comunidades existentes na cidade. A partir desses dados, se vê que elas estão concentradas em áreas de interesse do Estado, as quais vão receber investimentos para a Copa do Mundo. Além disso, asUPPs estão sendo instaladas em áreas que não são as mais violentas. As áreas violentas estão nas periferias da Baixada Fluminense e na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Estas, pelo contrário, não receberam nenhum tipo de política que pudesse reduzir a violência.
Não posso negar que nos locais em que se instalaram as UPPs os confrontos armados, as vitimizações e os tiroteios foram reduzidos. Entretanto, o crime continua sendo organizado nestas comunidades e está operando sem tiroteio. As UPPs reintroduziram o debate sobre a remoção de favelas e comunidades, o qual tinha desaparecido. Percebe-se também a politização das políticas públicas, quer dizer, as comunidades recebem políticas através da polícia, e não mais por meio da liderança da comunidade. A pior forma de se resolver a questão da segurança é militarizá-la e colocá-la de cima para baixo. É isso que as UPPs fazem.
IHU On-Line – Qual seria a alternativa à ocupação da polícia nas favelas? Em que consistiria uma política de segurança pública eficaz no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – Seria necessária uma construção social para se discutir o problema da comunidade, compreender quem são aquelas pessoas, que lideranças elas formam, etc.
IHU On-Line – O que favorece o surgimento de milícias nesses ambientes?
José Cláudio Alves – A convivência, ao longo de vinte anos, do aparato policial nas favelas com o crime organizado. Sempre houve uma relação direta entre a polícia e o tráfico de armas e drogas nestas comunidades. Portanto, esta convivência permitiu a construção de um projeto.
Com a introdução das milícias nas favelas, não se precisam mais arregimentar pessoas empobrecidas para instruí-las como se deve usar uma arma; o policial já tem este entendimento. Então, não existem confrontos armados porque não há confrontos entre milícias e a estrutura policial. As milícias estão encontrando um cenário extremamente favorável de lucratividade, de controle sobre as comunidades, sem nenhuma ação que possa impedi-las de continuar funcionando.
Enquanto as facções criminosas enfrentam dificuldades porque disputam territórios entre si, as milícias possuem um comando mais organizado e hierarquizado por dentro da estrutura do Estado, sem confrontos abertos contra o aparato policial. A sociedade carioca vive uma situação muito dramática e a população não entende o que está acontecendo. Assim, ela apoia aquilo que midiaticamente é mais forte e acaba reforçando esta estrutura da violência. É fundamental qualificar a população e fazê-la compreender esta realidade para agir melhor frente a tudo isto.
IHU On-Line – Qual é a herança da ditadura militar na polícia carioca? Como o senhor vê a utilização das Forças Armadas para assegurar a segurança pública interna no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – A estrutura militar nunca foi desmontada. Em 1967, concebeu-se a polícia militar da forma que ela atua hoje: repreensiva, ostensiva. Além disso, a polícia nunca foi, de fato, limitada no uso do poder.
Do total de homicídios do Rio de Janeiro, apenas 7,8% são investigados pela polícia. Havia uma meta do Ministério Público de solucionar todos os crimes de homicídio cometidos até de 2007. Entretanto, descobriu-se que, no de Rio Janeiro, 96% de todos estes casos foram arquivados pelo Ministério Público.
Um comandante da Polícia Militar quer semanalmente em suas mãos 20 talvez 30 mil reais. Este dinheiro é obtido através de propina de crimes que foram cometidos. Além disso, os policiais sequestram traficantes e cobram para liberá-los. Eles pedem dinheiro dos comerciantes, dos banqueiros, dos empresários. Essa estrutura é corporativa e respaldada em uma lógica de violência crescente. Portanto, achar que uma tropa incorruptível como o BOPE está isenta disto é uma ilusão. Em 2005, o BOPE alugou o “caveirão” para que traficantes de uma favela sequestrassem oito jovens da comunidade de Vigário Geral. Estes jovens nunca foram encontrados.
Forças armadas
As Forças Armadas seguem a mesma lógica de que a violência se resolve a partir da militarização. O Exército é qualificado para uma lógica de confronto sem derrota: a tropa jamais pode voltar derrotada. Então, amplia-se mais ainda a violência.
As tropas que ocuparam o Complexo do Alemão foram treinadas por anos no Haiti e possuem uma concepção de atuação muito mais brutal. Esta é uma prática muito antiga nos Estados Unidos: eles sempre treinaram suas tropas em confrontos exteriores para depois utilizá-las em confrontos internos. Foi assim nos confrontos em 1994 em Los Angeles e em Nova Orleans depois do Furacão Katrina. O Brasil está ensaiando este modelo, sobretudo por causa dos futuros eventos que acontecerão no Rio de Janeiro.
IHU On-Line – Como entender a aceitação da população em relação à atuação da polícia, quando se sabe que existe milícia, corrupção? A aceitação é apenas em função da mídia?
José Cláudio Alves – Outros fatores explicam essa aceitação: há uma ausência de alguma política coerente ou significativa de segurança pública. Nós estamos falando com uma população que não tem acesso a isso, uma população que muitas vezes está entregue à ferocidade. As pessoas nunca perceberam o que seria conviver numa outra realidade. Logo, a sua concepção é essa lógica da execução sumária.
Os traficantes e a polícia, que controlaram a violência nessas comunidades, usam dessa violência para fazer o controle. Vou dar um exemplo: se um traficante cometer algum crime contra a própria população da favela e o líder daquela facção tiver consciência disso, ele punirá violentamente o garoto para que sirva de exemplo para aquela comunidade. Portanto, as pessoas estabelecem uma segurança calcada na violência. Assim, como essas comunidades vão perceber outra forma de segurança? Não há para eles esse universo.
IHU On-Line – Como vê a imbricação entre favelas e grandes centros no Rio de Janeiro? Como se dá essa relação entre a população? Diferentemente de outros estados brasileiros, percebe no Rio de Janeiro uma separação classista? Como essa discriminação contribui para propagar a violência?
José Cláudio Alves – O Rio de Janeiro foi constituído assim: é a cidade maravilhosa, mas também é a cidade de chumbo. Para entender essa construção histórica, temos de nos remeter ao início do século XX, às políticas que seguiram nos moldes de remoção, como o Plano Agache. Mais tarde, surgiu o projeto populista com Getúlio Vargas, que tentou romper com essa modalidade de segregação e de remoção. A partir daí, permitiu-se, através da lógica populista de votação do operariado negro, a construção de espaços de comunidades empobrecidas dentro das áreas de interesse econômico com o objetivo de reconhecer e valorizar o trabalhador urbano pobre. Então, é assim que se consolidam as grandes favelas no Rio de Janeiro em 1940 e 1950. A ditadura militar retoma a ideia das remoções, e aí acontecem as remoções do Morro da Catacumba e de áreas do centro do Rio de Janeiro.
A lógica segregadora sempre existiu no Rio de Janeiro. Há um discurso de que o carioca é o homem cordial, mas por trás dessa imagem existe uma cidade segregrada, em que as pessoas sabem claramente qual é o seu espaço, onde devem estar, que locais podem frequentar, que horário devem sair, que horas devem voltar. O Rio de Janeiro é o maior campo de concentração sem arame farpado do mundo, porque um terço da população extremamente empobrecida é controlado a partir de uma polícia criminosa. É uma estrutura muito eficiente e com baixíssimo custo.
Eu moro em Vigário Geral e canso de ver as pessoas dizendo que moram no bairro Jardim América, que fica próximo. Há essa tentativa de ludibriar. Alguns moram em Pavão ou Pavãozinho, mas dizem que moram em  Copacabana. O Rio é uma grande ilusão: permite-se a criação de uma imagem de prazer, da beleza, mas o preço que se paga para manter essa imagem é elevadíssimo e ninguém quer discutir o assunto.
IHU On-Line – Qual a importância de manter uma cultura do medo coletivo para a construção das sociedades urbanas no Brasil? Como esse medo se instaura na sociedade? A polícia é suficiente para apaziguar esse sentimento?
José Cláudio Alves – O medo se transformou na grande chave desse processo de controle. A fronteira dessa estrutura política e econômica de dominação se volta para as próprias periferias que ela construiu em termos espaciais. O Estado e o capital precisam da extração de uma mais-valia cada vez maior e com riscos cada vez menores em cima desses segmentos. E, para conseguir isso, utilizam-se de formas de controle, sobretudo a partir da violência, da execução sumária, de projetos de segregação. Esse modelo nos diz que, para que o novo salto tecnológico e econômico aconteça, é preciso consolidar populações que vão ser efetivamente segregadas, eliminadas, executadas.
O medo é determinante e nos impede de fazer denúncias e questionamentos. Esse medo que nos amedronta todos os dias quando olhamos jovens, pobres, negros, moradores de periferias, moradores de favelas, nos distanciam dessas pessoas. Os ricos e a classe média não frequentam mais os locais onde a população pobre está. Por outro lado, essa parcela da população também não consegue mais se aproximar porque sabem o lugar deles, sabem do risco que é fazer essa aproximação.
A sociedade enlouqueceu
Esse medo vai corroendo toda a possibilidade de solidariedade, compaixão, de alianças no campo político ou econômico, elementos que pudessem construir outro projeto de nação. É difícil de derrubá-lo, porque o medo não é algo racional: as pessoas alimentam uma visão sobre o mundo e começam a encaixar tudo o que veem no mundo dentro dessa visão. Então, alguém pode estar vendo algo que não é nada daquilo que acha que está vendo e, mesmo assim, achar que é aquilo. O medo impede de ir além daquela concepção: as pessoas sentem pavor, se isolam, se fecham, reduzem o núcleo de relacionamentos, reduzem a área de expansão, começam a olhar para as populações que são criminalizadas ou criminalizáveis de uma forma absolutamente distinta, sem que tenha o menor interesse em se aproximar delas e até endossando toda essa política de eliminação, de execução sobre elas.
Para mudar esse comportamento, as ações precisam ser conduzidas em várias direções: nas políticas de segurança voltadas para as áreas sociais na educação. Seria necessário construir linhas de comunicação entre as comunidades, para que pudessem interromper essa segregação. E, no campo da subjetividade humana, temos que construir elementos que estão desaparecendo, como a solidariedade, a compaixão, o colocar-se no lugar do outro, o ser capaz de olhar para o próprio medo. A violência está mexendo exatamente com a sobrevivência de todos nós. O medo nos impede de fazer esses movimentos, e aí surgem todas as doenças da modernidade porque a sociedade enlouqueceu. Normalmente, tenho dito isso: nós enlouquecemos porque tudo virou motivo para ações violentas. As pessoas perdem o senso; elas perderam as suas referências.
(Por Patricia Fachin, Rafaela Kley e Stéfanie Telles)
Fonte: IHU, 15/09/2011

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