quarta-feira, setembro 21, 2011
"o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente"
Pequenos poderes, miseráveis poderes. Grandes poderes, podres poderes.
domingo, setembro 18, 2011
sábado, setembro 17, 2011
uma “distorção” que deve ser corrigida
Falências na formação. Argentina discute Cursos de Economia
por Karina L. Angeletti e Pablo Lavarello
- Página/12
(*) Texto em português publicado
originalmente no IHU-Online. A tradução é
do Cepat.
A reformulação do Plano de Estudos do curso de Licenciatura em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Nacional deLa Plata proposta por parte das
autoridades do Departamento de Economia deixa uma vez mais postergado o debate
sobre qual deveria ser a formação dos economistas em um país como o nosso [a
Argentina]. Nos últimos 30 anos esta Faculdade esteve enviesada para uma
formação segundo a qual se procura explicar como é possível alcançar o máximo
de bem-estar da sociedade a partir de uma concepção utópica de mercado.
A reformulação do Plano de Estudos do curso de Licenciatura em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Nacional de
Qualquer desvio que houver entre
essa concepção utópica e o funcionamento real dos mercados é considerado uma
“distorção” que deve ser corrigida mediante a abertura, a desregulação e a
liberalização da economia. Apenas naqueles casos pontuais em que existem
“falhas de mercado” (exemplo: a presença de bens públicos) se justificaria
algum tipo de política.
A proposta de reforma feita pelas
autoridades da Faculdade consolida esta visão, transformando em opcionais as
poucas matérias ainda existentes que permitiriam explicar os problemas
econômicos a partir de outras perspectivas. Assim mesmo, se elimina a
Sociologia como matéria, se reduz a uma única disciplina obrigatória a história
econômica e se envia para cursarem a Faculdade de Humanidades aqueles
estudantes que considerarem necessário ampliar a temática.
Ao mesmo tempo em que se reduzem
estes conteúdos, procura-se interpretar os conflitos reforçando a formação na
Teoria dos Jogos. Embora se mantenha uma forte formação em ferramentas
econométricas e matemáticas, as falências de uma formação teórica crítica
desperdiçam seu potencial para se colocar questões e contrastar hipótese. A
formação do graduado perde densidade teórica e se torna ahistórica e associal,
aprofundando as falências que o plano vigente possui.
A preeminência desta visão, que
denominamos de Teoria Econômica Padrão (TEE), leva a uma espécie de
esquizofrenia na formação do economista. Esta visão não apenas impede a
interpretação das crises internacionais, mas muitas vezes se encontra na sua
origem. Tampouco permite explicar como um país como a Argentina que não segue
suas recomendações conseguiu minimizar os efeitos da crise internacional em
2009 e manter nove anos de crescimento, iniciado em 2003. Muito menos consegue
identificar os possíveis limites estruturais, como a limitada diversificação e
a persistente heterogeneidade da estrutura produtiva, que podem atentar contra
a sustentabilidade deste caminho. Problemas estruturais que reaparecem no
debate econômico e que constituem o sintoma de uma nova realidade à qual a
universidade deve responder com cabeça própria.
Acreditamos que é necessário
avançar rumo a uma verdadeira reformulação dos Planos de Estudo introduzindo
uma orientação que denominamos de Teoria Estrutural do Desenvolvimento (TED),
que procura ir além de um conjunto delimitado de conteúdos heterodoxos,
permitindo também a incorporação ao plantel docente de professores com
formações diferentes da dominante. Para isso propomos um tronco comum de três
anos e duas orientações para os dois últimos anos, uma em TEE e outra em TED,
cada uma com uma coerência própria. Ambas as orientações compartilhariam vários
cursos, possibilitando o debate entre ambas.
É de destacar que em nossa região
já existe desde os anos 1950 um conjunto coerente de contribuições que buscou
explicar os problemas estruturais que qualquer processo de desenvolvimento em
um país periférico coloca. É o caso dos trabalhos dos pioneiros do
desenvolvimento como Prebisch, Furtado, Hirschmann, Pinto, entrou outros. Nesta
orientação, se incorporam as contribuições dos pós-keynesianos,
regulacionistas, institucionalistas e evolucionistas, entre outros, que
permitem introduzir as dinâmicas da mudança estrutural, acumulação de capital e
os comportamentos em desequilíbrio nos fundamentos mesmos da formação do
economista.
Entendemos que é imprescindível
avançar nesta direção a fim de recuperar uma formação do economista, qualquer
que seja seu âmbito de inserção profissional, que lhe permita contribuir para o
desenvolvimento de nossos países e nossos povos, afastando-se para sempre da
aplicação irreflexiva de recomendações de política que desconhecem
especificidades históricas e estruturais da região.
Fonte: Carta Maior |
Economia, 17/09/2011
pesquisas sobre a divisão da riqueza no mundo apontam para menos de 1% da população com 40% dos ativos
A marcha dos zumbis
Fantasmas que vagam pela noite morta
(crença afro-brasileira)
É uma visão futurista. Milhões de
zumbis vagando pelo planeta, a procura de suas mercadorias e marcas preferidas.
A temperatura já subiu mais de 1 grau, estamos chegando no ano 2050. A população beira os
9 bilhões. O último bilhão todo integrado à classe média, inclui brasileiros,
chineses, indianos, indonésios, africanos. Talvez isso aconteça em 2030, se
considerarmos a visão dos executivos de empresas globais como Coca-cola ou
McDonald’s. Mesmo o gigante financeiro Goldman Sachs, prevê que mais de 600
milhões de pessoas dos chamados países emergentes atingirão a classe média nos
próximos 20 anos. Aliás, a China será a maior economia do mundo com PIB de 70
trilhões de dólares, seguida pelos Estados Unidos, com 40 trilhões, depois a
Índia, seguida pelos cinco maiores europeus juntos, e em 5º lugar, o Brasil.
A preocupação de muitos
estudiosos, pesquisadores e cientistas é sobre o impacto deste crescimento nas
condições já degradadas do Planeta. Mas essa não é a realidade da elite
econômica deste mesmo Planeta. O que pensam os 1.011 bilionários da lista da
Forbes, de 2010, encabeçada pelo mexicano Carlos Slim, dono da telefonia na
América Latina (276 milhões de clientes), mas com negócios em petróleo,
imobiliárias, turismo, resumindo: representa 40% da Bolsa de Valores do México,
país com 112 milhões de habitantes, 50% na linha de pobreza. Certamente, em
como manter o crescimento econômico indefinidamente, como pregam os clássicos
da economia ortodoxa. Crescimento ao infinito, para um planeta fisicamente
finito.
Número de milionários aumenta
As pesquisas divergem em detalhes,
mas todas realizadas sobre a divisão da riqueza no mundo, apontam para menos de
1% da população com 40% dos ativos. O estudo da Boston Consulting Group, de
Nova York, registrou em 2010 de US$121,8 trilhões em ativos globais sob gestão,
um crescimento de 8%, na comparação com o ano anterior. O número de famílias
estava em 12,5 milhões, com um aumento liderado por Cingapura, uma ilha com 5
milhões de habitantes, mas o maior percentual de milionários do mundo. Seguida
por Suíça, Qatar e Arábia Saudita, que registra o maior número de
arquimilionários - possuem mais de 100 milhões de dólares investidos.
A definição de milionários na
pesquisa envolveu 62 países, de pessoas com mais de 1 milhão de dólares, fora o
patrimônio, investido em algum mercado. São 120 empresas globais administrando
os investimentos dos milionários. Com um detalhe importante: US$7,8 trilhões
investidos fora do país de origem. Quase a mesma cifra que está depositada nos
bancos da Praça de Genebra (Suíça), que é de US$6,8 trilhões. Apesar da fama, a
Suíça detém apenas 23% do mercado de fortunas “offshore” (fora de origem), no
mundo.
Mais um número que auxilia na
compreensão dos caminhos impostos ao Planeta nas últimas décadas, desde os
chamados “30 gloriosos”, período entre 1950-1980, de grande crescimento
econômico e riqueza na Europa e Estados Unidos. Trata-se de um levantamento
realizado por Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário
Internaciona(FMI). Entre os anos 2000-2008, algumas pessoas no comando das 14
principais instituições financeiras do mundo, receberam em dinheiro (salário,
bonificações e valor das ações vendidas) em torno de US$2,6 bilhões. Desse
total US$2 bilhões foram recebidos pelas 5 mais bem pagas e também foram as
peças principais na criação das estruturas de ativos de alto risco que levaram
o sistema à beira do abismo. São elas: Sandy Weil, desenvolveu o Citigroup, que
implodiu logo após sua saída; Hank Paulson, expandiu o Goldman Sachs, fez lobby
para garantir mais alavancagem dos bancos, depois virou Secretário do Tesouro e
ajudou a salvar os bancos; Angelo Mozilo, desenvolveu a Country Wide, peça
central na concessão irresponsável de hipotecas; Dick Fuld, comandou o Lehman
Brothers até a falência e Jimmy Cayune, comandou o Bear Stearns até a falência.
Os prejuízos públicos em
comparação aos ganhos deles, ressalta Simon Johnson, foram gigantescos: 8
milhões de empregos nos Estados Unidos e cerca de US$ 6 trilhões, contando
apenas o aumento das dívidas do governo federal americano.
Era do hiperconsumo
Esse modelo, agora, implantado nos
países emergentes, já proporcionou uma nova vida para 447 mil milionários na
China. Ou 126 mil famílias com disponibilidade de investir mais de 1 milhão de
dólares na Índia. A classe média indiana será formada por 583 milhões de
pessoas até 2030. Cerca de quase outro 500 milhões continuarão na linha da
pobreza, conforme pesquisa do Banco Mundial – seria o terceiro maior país em
termos populacionais, porém os números não traduzem a expressão do capitalismo
desregulado, atualmente em voga na economia mundial. O que expressa um novo
sentido às massas, segundo a visão do filósofo francês, Gilles Lipovetsky, um
estudioso do consumismo, é a vontade de comprar, o “acesso democrático às
marcas globais”.
- A felicidade é o valor central,
o grande ideal celebrado sem tréguas pela civilização consumista. Cada vez mais
mercado, cada vez mais estimulações, viver melhor, cada vez mais indivíduo,
cada vez mais exigência de felicidade”.
Vivemos a era do hiperconsumo, o
reinado da mercadoria efêmera, o ápice do hedonismo, a vontade individual de
viver, sem horizontes. Tudo isso multiplicado por cada membro da família, como
a época é de “cada um com seus objetos”. Aumentou ainda mais com a expansão dos
equipamentos eletrônicos, celulares e similares. A era do hiperconsumidor e do
pluriequipamento. Mais de 5 bilhões de celulares, cerca de 245 milhões de
computadores vendidos anualmente no mundo, 20 mil aviões e 10 mil navios
circulando pelo globo, com 3 bilhões de passageiros aéreos. Além de 62 milhões
de carros, já passamos de 1 bilhão em termos mundiais, 50 milhões de toneladas
de papel, 240 milhões de toneladas de plástico e mais de 1 bilhão de toneladas
de aço.
O mundo precisa de crescimento e o
consumo das famílias é o motor que movimenta a economia. No caso dos Estados
Unidos 70%. Mesmo assim, somando todo o consumo da Ásia, com mais de 2 bilhões
de habitantes, ele atinge apenas 40% do consumo dos pouco mais de 310 milhões
de estadunidenses.
Ocidentalização do mundo
Traçar um modelo de consumidor
mundial é um dos objetivos deste texto, embasado em informações dos jornais de
economia dos últimos dois anos. A versão é global porque as marcas são globais.
Toda segunda-feira, Bob Macdonald, executivo-chefe da Procter & Gamble,
formado na Academia Militar de West Point, se reúne com membros da sua equipe,
na frente de um mapa mundi digital. Capaz de identificar a situação dos 250
principais produtos da corporação nos 50 maiores mercados disputados por eles.
Marcas que estão no avião do
Faustão, na promoção da Rede Globo: fraldas Pampers, Gillet, Ariel, Pantene.
São marcas bilionárias, puxadas pelas fraldas que vende US$8,8 bilhões no
Planeta. O xampu divulgado por Gisele Bunchen (Pantene), rende US$3,1 bilhões.
A P&G como é reconhecida fatura US$79 bilhões e tem 4,2 bilhões de
clientes. Aumentou de tamanho em 2007 com a compra da Gillete por US$56
bilhões, representa 10% do seu faturamento.
Até 2015 espera atingir 5 bilhões
de clientes. Aposta nos emergentes. Quer os indianos consumindo Mach 3 (lâmina
de barbear), ao invés de fazer a barba na rua, um costume tradicional na Índia.
Os africanos devem usar produtos de higiene ocidentais. Os brasileiros mais
pasta de dente, e os americanos mais branqueadores para os dentes. Em termos de
faturamento, a rede de supermercados Walmart é a maior com 4,6 mil lojas
espalhadas por vários continentes e US$420 bilhões em vendas. O último lance
foi a compra de uma rede de supermercados na África do Sul.
As lanchonetes Mcdonald’s são 32
mil no mundo, sendo 1.300 na China e mais de 200 na Índia, que inclui cidades
pequenas no interior, onde o aluguel é mais barato, e eles vendem o Mc Aloo
Tikki, com ervilhas e purê de batata. Tudo pela ocidentalização global, como
destaca o economista francês Daniel Cohen no livro, “A Prosperidade do Vício”.
- A elite mundial busca apenas um
objetivo: tornar o modelo único, incluir costumes culturais, comida e bens
duráveis.
É claro que o momento é de balanço
no capitalismo desregulado, compensado pelo crescimento nos países que também
procuram um lugar ao sol. Serão responsáveis pelo crescimento nos próximos
anos. Um outro economista, também já foi chefe do FMI, Joseph Stiglitz, em seu
livro, “O Mundo em Queda Livre ”,
onde aborda a crise de 2008, quando a banca internacional quase despencou
precipício abaixo, traz uma informação importante. A renda dos americanos médios
tem caído desde o ano 2000, em torno de 4% (está em torno de 38 mil dólares). O
modelo implantado nos “30 gloriosos” de compras ilimitadas, baseada no crédito
imobiliário, ou seja, minha casa vale tanto, posso pegar outro tanto
emprestado. Furou, naufragou.
- Os americanos, diz ele, não
podem mais viver neste modelo no século XXI. O consumo terá que ser reduzido em
10%, pelo menos.
Ou seja, a economia dos Estados
Unidos vai continuar patinando por muito tempo, e nunca mais será a mesma. O
problema como acentua o cronista do jornal The New York
Times, Thomas Friedman, no livro “Quente, Plano e
Lotado...” "é que surgiram muitos outros americanos e
o Planeta não tem recursos suficientes para sustentar o modelo".
Vinho francês com gelo
Friedman na verdade não está
somente preocupado com o mundo, mas com a perda da liderança dos Estados Unidos
que deveriam “liderar a revolução verde”. Mas esse ainda é um detalhe. Afinal,
todos têm direito ao crescimento e, por conseqüência, ao resto do pacote, que
inclui modelos de todos os tipos: roupas, sapatos, malas, perfumes, carros,
relógios, iates, vinhos, uísque, apartamentos (que agora estão com os preços
reduzidos na Europa e nos EUA). As empresas globais mudam de foco. Os lucros
não crescem no território de origem, então vamos onde ele está. As griffes
famosas, Louis Vuitton, do conglomerado LVMH, do bilionário francês Bernard
Arnaut (4 na lista da Forbes com 40 bilhões de dólares de patrimônio líquido,
também é acionista do Carrefour), Gucci, do outro conglomerado francês PPR, e
montadoras como a Mercedez Bens, a maior em vendas de carros de luxo, já se
instalaram na China. A Mercedez transferiu o centro de criação do Japão para
Pequim. O luxo é um mercado de US$238 bilhões, em termos globais.
Os chineses gastaram US$114
milhões em vinhos da região de Bordeaux, em 2010. Um banqueiro brasileiro jura
que já viu chineses em Xangai tomando vinho francês caríssimo com gelo e
emborcando uma taça, como se fosse “baijuu”, a cachaça nativa feita de arroz ou
sorgo. Simples questão de adaptação. Afinal de contas, quem pagou US$232 mil em Hong Kong num leilão da
Sotheby’s em 2010, por uma garrafa do Chateau Lafite, safra 1869, não está nem
aí para parâmetros de preços ou convenções ocidentais. Por sinal, os chineses
milionários, onde já foi criada a categoria dos “princelings” (princepezinhos
nascidos na era atual), acostumados a gastar US$1 mil numa garrafa de uísque
escocês, também são apaixonados por relógios. Mantém a média de 4 Cartier por
proprietário.
Um joalheiro privado de São Paulo,
da Griftin, não atende ao público, tem uma definição psicológica para o caso:
- O desejo das pessoas é algo
muito interessante. O desejo de comprar era irresistível para o dono desse
relógio, que custa duas centenas de milhar de dólares, explica ele ao repórter
do jornal Valor (ainda estava com a proteção na pulseira). Depois de satisfeito
esse desejo, o objeto quase que perdeu totalmente o valor para ele”.
Pré-histórico do turboconsumidor
As compras podem ser impulsivas,
principalmente depois que o império da publicidade se instalou no Planeta.
Assim como o luxo se tornou um mercado bilionário, a publicidade abocanhou
US$447 bilhões em 2010, 39,2% para a televisão, segundo os dados do Grupo
Publicis, o terceiro maior do mundo que acabou de comprar a agência de
publicidade DPZ, de São Paulo. O filósofo, Gilles Lipovetsky, diz que a
publicidade nasceu em 1880, nos Estados Unidos – em 1882 a Coca-cola gastou 11
mil dólares para divulgar seu produto. Em 1929 foram quase US$4 milhões. As
mercadorias, até então, eram vendidas anonimamente e a granel, na maioria dos
casos. Sem embalagem, sem marca, em mercados localizados. Somente a partir de
1930 surgiram os supermercados. Embora ainda no final do século XIX, na França,
surgissem os grandes magazines, como Le Bon Marché (1865).
Eram templos deslumbrantes, de
luzes e cores, onde a mercadoria estava disponível diretamente aos
consumidores, sem intermediários. A sensação de comprar e gastar já se tornava
estimulante, sensual e gratificante. Segundo Gilles, o consumidor moderno
começou o “shopping”, a olhar vitrines, nesta época. Nasceu o pré-histórico do
turboconsumidor dos tempos atuais. Marca, embalagem, distribuição, mais a
publicidade instauraram o que desde 1920 se decidiu chamar de “sociedade do consumo”,
hoje, extrapolada ao máximo. A publicidade não vende mais uma mercadoria, vende
uma visão do mundo, uma necessidade psicológica, uma vontade de viver ou de
quase sucumbir, no caso daqueles que não tem a disponibilidade financeira para
comprar, de fato, grande parte da população do mundo. Onde 1 bilhão moram em
favelas, segundo a ONU, e 2 bilhões não tem acesso a água.
No caso do Brasil temos mais 35
milhões na classe média, mas 8 milhões não tem banheiro, e 40 milhões não tem
água tratada em casa, conforme o IBGE. Sem contar os 14 milhões de analfabetos.
600 fábricas terceirizadas
Entretanto, o modelo de consumismo
está implantado e só cresce. A Coca-cola tem como objetivo em 2020 vender 30
bilhões de litros na China, onde detém 15% do mercado, é a líder no segmento
dos refrigerantes. Os chineses tomam apenas 34 garrafas pequenas por ano, muito
longe do líder, os mexicanos, que consomem 674. O Brasil é o quarto com 229
garrafas. A Nike, por exemplo, com suas 600 fábricas terceirizadas, em 48
países, montou seus centros de treinamento no Vietnã e Sry Lanka, depois de
sucessivas denúncias de exploração de mão de obra infantil. Continuará sua
expansão no modelo aprimorado de marca globalizada sem dispor de uma única
fábrica própria, mas tendo 800 mil trabalhadores na confecção dos seus
cobiçados tênis. Foram alvo das revoltas na Grã-Bretanha, recentemente.
Também pode ser o mercado de
diamantes, que já movimentou US$65 bilhões, mas registrou queda depois da crise
financeira, quando mais de mil joalherias fecharam as portas nos Estados Unidos
– 40% do mercado, onde os noivos obrigatoriamente compram anéis de diamantes na
consumação do compromisso. Voltou a crescer em 2010, porém as marcas globais
que dominam o mercado, como a Tiffanys tiveram que entrar no negócio da
mineração. A empresa abriu uma lapidadora de diamantes em Botsuana para
diminuir os custos.
Quem está preocupado com a redução
do faturamento (US$720 bilhões no mundo) são os executivos da indústria
farmacêutica, não pela redução no número de doenças, pela quebra de patentes e
venda de genéricos. Um Planeta degradado enfrenta cada vez mais o aumento de
doenças, seja pelo crescimento da obesidade, já atinge 1,6 bilhão de pessoas no
mundo, conforme dados da Organização Mundial de Saúde, sendo 400 milhões de
obesos, seja pelos efeitos da mudança climática, secas e inundações, que
desorganizam os sistemas vivo.
PIB mundial vezes 6
Daniel Cohen fez uma conta futura
sobre o crescimento do Planeta em 2050. Se a expansão dos emergentes continuar,
e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos (dados
de 2005), o PIB global teria que sair dos US$70 trilhões para o patamar de
US$420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as
conseqüências imagináveis. Por exemplo, a Siemens, multinacional alemã,
especializada em energia e saúde, faturamento de US$70 bilhões prevê para 2025
cerca de 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes – atualmente são
21. Como definiu o presidente da empresa, Peter Loscher “serão imensas manchas
humanas, com muitos problemas para resolver. As cidades no Planeta ocupam
apenas 1% da área e consomem 80% da energia.
Na contramão, o Relatório
Repensando a Pobreza, divulgado pela ONU, no ano passado, apontava:
- Mais de 80% da população mundial
vive em países onde os diferenciais de renda estão se ampliando. Os 40% mais
pobres na população mundial reponde por apenas 5% da renda mundial, enquanto os
20% mais ricos representam 75%. “Para os pobres do mundo, o lema negócios como
sempre jamais foi uma opção aceitável”.
Ao mesmo tempo, em Dubai, o xeque
Al Maktoum pretendia criar uma opção de investimento para ricos globais, lançou
centenas de projetos imobiliários (mais de 400 cancelados no pós crise), mas
um, mundialmente conhecido: o Burj Khalifa, o edifício mais alto com 834 metros . É preciso
esclarecer que o nome oficial do prédio era Burj Dubai. Mas surgiu uma conta
urgente do emirado para pagar no valor de US$10 bilhões, e o Khalifa de Abhu
Dabi pagou e trocaram o nome do prédio, afinal o patrocinador pagou a conta.
Símbolo do poder global envolve 1.044 apartamentos, 160 para um hotel com
quartos projetados por Georgio Armani, piscinas, uma mesquita, a mais alta do
mundo, em seus 200 andares de opulência.
Não por muito tempo. Na Arábia Saudita,
a construtora da família Bin Laden e o príncipe Al Waleed, considerado o árabe
mais rico (US$20 bilhões de patrimônio líquido), tem 7% da News Corp., de
Rupert Murdoch é um grande acionista do Citigroup, quer construir um novo
edifício, que será o maior do maior do mundo, com um quilômetro de altura. O
recorde anterior estava em Taipei, na Ásia, um predinho de menos de 500 metros .
Modelos extravagantes
Modelos extravagantes imobiliários
são uma febre entre os ricos e os muito ricos no Planeta. E atraem emergentes.
O Aman Resort, considerado um projeto para os muito ricos (850 apartamentos no
mundo, em formato de bangalôs, choupanas ou vilas de arrozeiros na Tailândia),
mandou um executivo ao Brasil para vender “villas”, no arquipélago de Turks &
Caicos, território britânico no Caribe, que custam entre US$ 9 e 16 milhões, de
4 a 5 quartos , chef de
cozinha exclusivo, carrinho de golfe, assessoras para marcar mergulhos e etc.
Adrian Zecha, um indonésio, começou o negócio em Cingapura, maior acionista do
Aman, diz que se interessou pelo Brasil, quando viu brasileiros pagando diárias
entre US$5 e 10 mil em seus resorts.
Não chega nem perto dos US$100
milhões que o bilionários russo Yuri Milner pagou por uma mansão de estilo
francês no Vale do Silício (Califórnia), novo recorde de valor para uma casa
nos Estados Unidos. O ucraniano Rinat Akhmetov comprou dois dos mais caros
apartamentos já vendidos em Londres por US$222,5 milhões. Em Paris, uma
princesa do Golfo Pérsico gastou US$96,5 milhões em 2010 por uma mansão com
pátio, jardim e capela, na margem esquerda do rio Sena. Como escreveu o
comentarista do The Wall Street Journal: “são os estrangeiros milionários
aproveitando a queda nos preços dos imóveis dos países ricos”.
A incorporadora e corretora
Fortune International investiu no Brasil para vender o edifício de 50 andares,
Jade Ocean, com piscinas infinity, cinema prive, área para crianças com mobília
Philipe Starck, coberturas duplex custam entre US$2,9 e 5 milhões – 85% dos
apartamentos vendidos a estrangeiros.
A vida é uma festa
Também podemos relacionar, não com
tanta extravagância, os mais de US$5,9 bilhões que os brasileiros gastaram em
2010 nos Estados Unidos, 423 mil visitaram Nova York, onde gastaram quase 6 mil
dólares por cabeça, ocupando a quarta posição entre os turistas globais. Duas
coisas chamam a atenção no modelo mundial de consumo. A extravagância
registrada pelos emergentes, como bem definiu o executivo do grupo Publicis,
recentemente, em visita ao Brasil, Maurice Levy:
- Nesses países temos,
normalmente, duas situações distintas. Uma parte da população ainda vive abaixo
da linha de pobreza. Mas a fatia que integrou a classe média tem como modelo de
consumo o ocidental: eles querem tudo rápido, as últimas marcas, o que está
mais na moda, os carros e os relógios mais luxuosos. Nesse caso é uma
oportunidade para os anunciantes que “é preciso aproveitar”.
E a outra: a mediocridade de
copiar tudo dos países ricos e de sua elite. Em Xangai, por exemplo, a Diageo,
maior na venda de destilados do mundo (dona da marca de uísque Johnny Walker)
reformou um palacete colonial com paredes de cevada e garrafas de uísque.
Gastou US$3,2 milhões. Para ensinar os novos bebedores, e também aos barzeiros,
como se deve beber o precioso líquido. Incluir chá verde pode. Na China o
consumo maior é The Johnny Walker, a garrafa custa 3 mil dólares. Na Índia, a
empresa dona da marca Contreau (conglomerado PPR), patrocina eventos sociais,
com integrantes da elite de Nova Déli, para divulgar suas bebidas. Um desses
promotores, Vikrant Nath, diz que a vida é uma festa, ao receber 25 prósperos
profissionais, todos vestidos a moda ocidental, conforme relato da Associated
Press, interessados em bebidas finas.
- Queremos saber sobre a boa vida
e aprender a receber as pessoas – diz a esposa Akka, na entrada da casa de três
andares. Isso inclui aprender mais sobre as grifes de luxo, que são vendidas na
Índia. O número de indianos com patrimônio de US$1 milhão para investir cresceu
51%, depois da crise de 2008, segundo levantamento da Merryl Linch. São 126 mil
pessoas. O produtor Nath faz entre 15 e 20 eventos por mês. A Índia, ainda
segundo a agência de notícias é a maior fabricante de bebidas alcoólicas da
Ásia produzidas ilegalmente, são 700 milhões de caixas. E uma percentagem de 5%
da população (60 milhões de pessoas) são consideradas alcoólatras.
Última tentativa: testosterona
Boomers são os nascidos do
pós-guerra, na década de 1950, nos Estados Unidos. Muitos enriqueceram e
ficaram conhecidos por seus gastos. Comenta-se que sustentaram as vendas de
Mercedez Bens e BMW antes da crise (a Mercedez vendeu 245 mil carros até 2007).
Viraram modelo para os emergentes. Embora um tanto envelhecidos ainda sustentam
os gastos de novidades nos Estados Unidos. Nesse caso, da indústria farmacêutica.
A última moda da indústria antienvelhecimento é a venda de produtos a base de
testosterona (hormônio masculino). As vendas desse segmento chegam a US$80
bilhões. Surgiram problemas com algumas embalagens, como cremes, podem colar em
outras pessoas ou diluir na água. É a última tentativa de manter de pé os 70%
do consumo, já que a dívida das famílias estadunidenses é quase tão grande
quanto a dívida do país – mais de US$13 trilhões.
Os consumidores dos EUA recebiam
até 2007, mais de 6 bilhões de cartões de crédito pelo correio. O número caiu
para 1,4 bilhão depois da crise. Um dos quatro bancões (Bofa, Citi, Goldman, JP
Morgan) anunciava na televisão: “aprovado ao nascer”. Na era do neuromarketing,
quando as glândulas sudoríparas dos humanos são monitoradas, e suas áreas
cerebrais fotografadas, os consumidores são enquadrados por categorias desde o
nascimento: bebê, infantil, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto e
sênior. Nada escapa. Como acentua Gilles Lipovetsky, no livro “A Felicidade Paradoxal”:
- Enquanto a vida cotidiana for
dominada por esse sistema de referência a menos que se enfrente um cataclisma
ecológico ou econômico, a sociedade de hiperconsumo prossegue em sua
trajetória... antropólogos analisarão no futuro a civilização esclarecida em
que o homo sapiens prestava culto a um deus tão derrisório quanto fascinante: a
mercadoria efêmera”.
Não deixa de ter razão. A
velocidade do crescimento dos shopping no Brasil, futura quinta economia, é
impressionante. Em 2008, eram 377. Em 2011, serão 422. Em Porto Velho , capital
de Rondônia, onde duas hidrelétricas serão inauguradas a partir do próximo ano
colocaram tapete vermelho na inauguração. Tem mais 30 projetos em lançamento no
Brasil. Custa em média R $200
milhões a construção de um shopping.
Marcha rumo à felicidade
A China pretende adquirir 200
milhões de carros até 2020, em 2010 produziram 18 milhões. A história universal
tem um sentido, diz Gilles Lipovetsky, ela não é mais que o progresso rumo ao
infinito da humanidade, a marcha desta rumo à felicidade mais completa.
Cada um escolhe a marcha que acha
mais provável. Eric Hobsbawn, historiador inglês, no final de “A Era dos
Extremos”, onde analisou os acontecimentos do século XX, incluindo as duas
guerras mundiais (50 milhões de mortos) ”se a humanidade repetir o que já fez
nos séculos passados e no presente, só tem um futuro: a escuridão”.
Em 1970, quando a NASA lançou o
projeto da Estação Espacial Internacional, os cientistas e políticos da época
falavam do futuro da humanidade. Em breve os foguetes viajariam rapidamente ao
espaço, por preços baratos. A Estação Espacial seria a plataforma para alcançar
outros planetas. Quarenta anos depois, ao finalizar o programa do ônibus
espacial – 202 bilhões de dólares de custo -, sem contar os US$100 bilhões da
própria Estação, o que temos? Cadê os outros planetas. A facilidade da
tecnologia que nos levaria ao infinito espacial?
A viagem, agora, custará ao
governo dos EUA, nas cápsulas russas da nave Soyus, US$43 milhões por
astronauta. A NASA agendou 45 assentos até 2016. O ônibus lançou o telescópio
Hubble, que nos deu imagens belíssimas do Universo. Na Estação, experiências
importantes, sem gravidade, são praticadas. E o resto? Essa prepotência da
tecnologia, o domínio da técnica sobre tudo, se compara a arrogância da
economia ortodoxa, responsável pela sustentação desse sistema no Planeta. Quer
levar as compras à eternidade, mesmo sabendo com antecedência, que esta marcha
pode ser a dos zumbis, fantasmas que vagam pela noite morta, quando o Planeta
não suportar mais o peso do modelo.
(*) Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos
últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O
Equilíbrio, publicado em 2005. E-mail: najartubino@yahoo.com.br
Fonte: Carta Maior | Economia, 16/09/2011
sexta-feira, setembro 16, 2011
o homem tem uma consciência angustiada e trágica
A
trágica e angustiante consciência da finitude da vida
José María Aguirre Oraá fala sobre o pensamento de autores como Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset e José Luis Aranguren
Durante
a primeira fase do Ciclo de Estudos Perspectivas do Humano, promovido pelo IHU,
nos dias 16, 17 e 18 de agosto, esteve à frente dos debates o professor José
María Aguirre Oraá, catedrático de Filosofia Moral da Universidade de La Rioja,
Espanha. Na ocasião, ele apresentou o pensamento de Miguel de Unamuno,
filósofo, reitor da Universidade de Salamanca, exilado da ditadura de Franco e
morto na França. Depois, expôs o pensamento de José Ortega y Gasset,
catedrático de filosofia de Madri; e por último apresentou o pensamento de José
Luis Aranguren, que foi catedrático de ética na Universidade Complutense,
Madri.
Sobre
o pensamento desses autores, José María Aguirre Oraá concedeu uma entrevista pessoalmente à IHU
On-Line, quando falou também sobre Ignacio Ellacuría. Aguirre
explica que “a concepção do humano em Unamuno é a de que o homem tem uma
consciência angustiada e trágica, porque realmente há o fim da vida. A vida
acaba na morte, e o homem se rebela contra essa realidade. E o faz com razão,
pois não pode encontrar uma resposta à morte, afinal a razão nos diz que
começamos e acabamos”. O professor ainda destaca que “uma sociedade realmente
humana é aquela em que é preciso construir não um estado de bem-estar, mas um
estado de justiça”. E continua: “o fundamental não é construir um estado formalmente
de direito, mas um estado de justiça no qual realmente a democracia política
acompanhe a democracia econômica, cultural e social. Mais do que um sistema
concreto de governo, a democracia deve ser composta por valores democráticos do
povo, que devem ser soberanos, com participação política genuína, espaços de
debate político, determinação de valores solidários e fraternos”.
José
María Aguirre Oraá é professor de Filosofia
Moral na Universidade de La Rioja desde 1996. Na Universidade de Lovaina, Bélgica,
estudou Filosofia, doutorando-se em 1990. É autor de livros como La philosophie
en Amerique Latine (Lovaina: Ciaco, 1986); Pensamiento crítico, ética y
Absoluto (Vitoria: Eset, 1990); Filosofía: historia y presente (Vitoria: Eset,
1993); Raison critique ou raison herméneutique? Une analyse de la controverse
entre Habermas et Gadamer (París; Cerf, 1998); e Pluralismo y tolerancia. Un
desafío a las sociedades liberales (Logroño; Claridad, 2004). Seus campos de
pesquisa estão centrados na Filosofia Moral, Filosofia Política, Filosofia da
Religião e na Antropologia Filosófica. Confira
a entrevista.
IHU
On-Line – Qual é a concepção do humano em Miguel de Unamuno?
José
María Aguirre Oraá – A concepção do humano em
Unamuno é a de que o homem tem uma consciência angustiada e trágica,
porque realmente há o fim da vida. A vida acaba na morte, e o homem se rebela
contra essa realidade. E o faz com razão, pois não pode encontrar uma resposta
à morte, afinal a razão nos diz que começamos e acabamos. A razão questiona
nossa existência e só nesse sentido a fé permite uma abertura ao mistério de
Deus. Diante da situação trágica da existência humana, para querer crer em
Deus, é preciso deixar que Deus seja importante em nossa vida.
IHU
On-Line – Qual é a atualidade desse pensador para refletirmos sobre o humano em
nosso tempo?
José
María Aguirre Oraá – Talvez a concepção das
pessoas anônimas, que são quem realmente constroem a história, é algo que
continua sendo atual, apesar de tanto glamour e fachada política ou econômica.
Menos mal que existem homens e mulheres que, todos os dias, vão para o trabalho
e estudam. São os que sustentam a sociedade. As sociedades ocidentais,
inclusive a América Latina, possuem um forte sentimento religioso, e Unamuno
continua nos inquietando sobre essa situação humana de que somos limitados e
finitos. E a questão de que sentido tem nossa existência diante da dor, da
doença e da morte, continua sendo atual, apesar de que o estado de bem-estar
nos permite que vivamos bem.
IHU
On-Line – De que forma essa concepção dialoga e debate com o pós-humano que se
delineia atualmente?
José
María Aguirre Oraá – Sou um tanto crítico com
relação a essa concepção de pós-humanismo, pós-modernidade. O positivo da
crítica pós-moderna é que tem se dedicado a criticar as concepções totalizantes
de visões como o hegelianismo, o marxismo, o cristianismo. No entanto, não
podemos cair no relativismo de que “tudo vale” ou de que uma coisa é igual à
outra. É preciso ter critérios de valor para que uma coisa valha mais do que
outra. Nesse sentido, Unamuno pode continuar nos provocando a pensar que a
partir da existência humana é preciso ter em conta as questões de vida, de
mortalidade, de sentido. E essa pode ser uma questão de ontem, antes de ontem,
que o homem está sempre a buscar e precisa encontrar uma resposta. Unamuno é
muito crítico com o racionalismo e com a tecnologia desenfreada. Inclusive ele
fala que na Europa se tem usado muito a “Kultura”, com “k”, no sentido de ser
muito bárbara, muito forte, anulando essa inquietude humana e trágica de
perguntar pelo sentido da existência. Ele não está contra a ciência, a técnica,
mas contra essa absorção e essa anulação das questões vitais humanas.
IHU
On-Line – Em que medida o sentimento trágico da vida ajuda a compreender nossa
finitude e nossa importância cosmológica?
José
María Aguirre Oraá – O sentimento trágico
significa reconhecer duas coisas. Uma é nossa finitude, nossa limitação, nossa
situação humilde como humanos no cosmos. E a outra é o potencial de superação
que implica em querer viver ao máximo a vida, em querer ser imortal, a partir
de um “prolongamento” por intermédio da fama, do poder, dos filhos, dos
escritos, deixando algo para a história. No entanto, Unamuno aponta aqui o
problema do “meu eu” e da minha consciência que se acaba na essência da
imortalidade. Essa luta para o sustento da existência é algo que precisamos ter
em conta. Entre nós há pessoas que sofrem muito durante a vida pensando nisso,
pois não podem aspirar à fama, ao poder, refletindo o sentimento trágico da
existência.
IHU
On-Line – Como podemos compreender a perspectiva raciovitalista de Ortega y
Gasset?
José
María Aguirre Oraá – Ortega y Gasset
insiste precisamente contra o racionalismo, o idealismo, e creio que às vezes
de maneira um tanto parcial, mas escreve de maneira estupendamente bem do ponto
de vista literário. Trata da insistência de que a filosofia que parte da
existência humana – um pouco como Unamuno, mas com outro sentido – significa
partir da vida humana, no sentido de tudo o que a vida é. Para alguns, a
existência está na circunstância de terminar. E daí temos a frase “eu sou eu e
minhas circunstâncias”; “tenho uma vida, mas com uma circunstância cultural,
social, econômica”. A partir disso, a razão começa a mobilizar e a perguntar,
porque a vida necessita de explicações, de ciência, de sentido. Daí a expressão
“raciovitalismo”: partir da vida para que a razão esclareça a quantidade de
questões vitais que a nós surgem.
IHU
On-Line – Em que medida esse raciovitalismo aponta para as possibilidades e as
fronteiras do humano?
José
María Aguirre Oraá – Essa é uma pergunta
difícil, pois aponta para uma fronteira que se divide em dois pontos: a razão
não é o fundamental no homem (nesse sentido, se critica Descartes , que diz
“penso, logo existo”; não, não, não. O correto seria “existo, logo penso”); e
em segundo lugar também a razão é uma doutrina do perspectivismo, ou seja, cada
um tem uma perspectiva da realidade, e não a perspectiva da realidade. A
realidade seria aquilo que atribuiríamos a Deus, porque Deus é aquele que vê
tudo, mas o homem não. Talvez nós sejamos os diferentes olhos de Deus que veem
a realidade. A razão tem muitas possibilidades: ciência, tecnologia, estética,
ética, mas elas surgem da lógica da vida, ou seja, a razão não é o fundamental
no homem; e ela tem seus limites enquanto cerceada do ponto de vista das
diversas perspectivas.
IHU On-Line – Como ética e
política se unem no pensamento de José Luis Aranguren?
José
María Aguirre Oraá – Aranguren é um estudioso da
moral e, nesse sentido, da ética, de filosofia moral. Um descobrimento que ele
faz a partir do que lhe foi transmitido por Xavier Zubiri é que o homem é
constitutivamente moral. A moral não é um ornamento da existência humana; não é
um luxo. A existência humana não é como a existência animal. Podemos raciocinar
de diferentes maneiras diante de uma mesma situação, porque não temos um
comportamento determinado. Evidentemente o homem não é um indivíduo: é um ser
social. Ao se comportar moralmente, deve justificar suas preferências. Ao
desejar algo não basta dizer “porque sim”. Deve justificar por determinadas
razões. E na lógica social e política do homem, enquanto ser social, entra a
questão ética. É preciso ver que estruturas sociais e políticas são adequadas
para a existência humana. Nesse sentido, surge a democracia e toda a lógica da
sociedade. Por isso ética e política são diferentes, mas estão unidas.
IHU
On-Line – Qual é o nexo entre esses dois aspectos e as perspectivas do humano
nesse pensador?
José
María Aguirre Oraá – Uma sociedade realmente
humana é aquela em que é preciso construir não um estado de bem-estar, mas um
estado de justiça. É preciso saltar de um estado de bem-estar, o que com
frequência é defendido pelas perspectivas liberais. O fundamental não é
construir um estado formalmente de direito, mas um estado de justiça no qual
realmente a democracia política acompanhe a democracia econômica, cultural e
social. Mais do que um sistema concreto de governo, a democracia deve ser
composta por valores democráticos do povo, que devem ser soberanos, com
participação política genuína, espaços de debate político, determinação de
valores solidários e fraternos.
IHU
On-Line – Esses valores surgem onde? O ser humano os aprende onde?
José
María Aguirre Oraá – São valores que os homens
aprendem e desaprendem em todos os lugares onde se socializam: escola, bairro,
família, meios de comunicação, igrejas, universidades. Tudo depende dos pontos
de vista com os quais se depara. As boas famílias são aquelas onde se aprendem
valores humanos importantes; o mesmo ocorre com as boas igrejas, boas escolas,
boas sociedades. Os poderes econômicos dirigem e dominam nossas vidas e os
poderes midiáticos também. Não acreditamos mais no que diz o pai, a mãe, a
igreja, o governo, apenas por serem o que são. O sentido crítico e ético do ser
humano avançou mais. Não somos mais ingênuos. O que temos é uma crise da
autoridade moral das instituições.
IHU
On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
José
María Aguirre Oraá – Estou muito contente pela
oportunidade de proferir palestras na Sala Ignacio Ellacuría, aqui na Unisinos,
pois eu conheci Ellacuría. Estive com ele em dois congressos, já que ele era
amigo do meu orientador de tese. Ellacuría me enviou um artigo, que publiquei
num livro coletivo em 1989. Creio que foi o último artigo que ele escreveu
antes de ser assassinado. Ellacuría conseguiu “latino-americanizar” Xavier
Zubiri, seu orientador de tese, porque era seu discípulo. Zubiri dizia que o
homem é um “animal de realidades”. Ele busca a realidade, que é complexa,
afetiva, com sentido intelectivo. Ellacuría concordou, mas reelaborou a ideia
de seu mestre. Para ele, primeiramente era preciso se dar conta da realidade;
mas isso seria muito “externo”, como se a realidade estivesse lá e eu aqui.
Além de se dar conta, seria preciso incorporar e internalizar essa realidade,
afinal, essa realidade é minha. E, em terceiro lugar, colocar-se a serviço
desta realidade, ou seja, o que eu posso fazer para modificá-la, no sentido de
que essa realidade depende de mim para sua transformação. Ellacuría desenvolveu
essas três lógicas de maneira muito criativa. Por isso também o assassinaram,
porque ele estimulava as pessoas a se darem conta e a se comprometerem com a
justiça e com os pobres.
Fonte: IHU On-line, 373 Ano XI 12.09.2011
um modelo de saúde que fosse público e de atendimento universal
Urgência na saúde
por Paulo Kliass
Ao longo do processo de
reconstrução da ordem político-institucional, no período que sucedeu ao fim da
ditadura militar, o Brasil ofereceu ao mundo um exemplo significativo de
arranjo na ordem social. Caminhando na contracorrente de todo o movimento
desregulamentador e mercantilizador que se apoiava nas idéias e propostas do
chamado neoliberalismo, os consensos construídos para a votação do texto da nova
Constituição no final da década de 1980 tentavam recuperar as propostas de um
Estado de Bem Estar Social.
No caso específico da saúde, o
processo também chama a atenção, principalmente se analisado numa perspectiva
histórica e levando em consideração as dificuldades ideológicas daquele
momento. Mas o fato é que a defesa de um modelo de saúde que fosse público e de
atendimento universal ultrapassou os muros da polêmica político-partidária, em
função da atuação fundamental de uma articulação que passou a ser conhecida
como “PS” - o chamado “partido dos sanitaristas”.
Reunindo políticos de diversas
orientações e filiações, sua ação unitária dava-se na defesa do modelo que veio
a ser incorporado ao texto constitucional, entre os capítulos 196 e 200, que
trata justamente da Seção da Saúde, no Capítulo da Seguridade Social. O Brasil
apresentava ao mundo o Sistema Único de Saúde - SUS, com base naquilo que havia
sido construído a partir da articulação de distintos setores da sociedade
interessados em montar um sistema de natureza pública, com um amplo
atendimento, com financiamento público e fundado num sistema federativo de
repartição de atribuições e recursos. Apesar de sintético, o texto dos 5
capítulos é bastante claro quanto às intenções dos representantes na Constituinte.
A seguir, alguns exemplos:
“A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.”
“O sistema único de saúde será
financiado (...) com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” [1]
Porém, as dificuldades começaram
já mesmo a partir da implementação do modelo do SUS. Havia - e ainda há! - uma
série de questões complexas a serem solucionadas, tais como:
i)
a garantia de fontes orçamentárias de
financiamento;
ii)
a definição clara da repartição entre as
atribuições e as origens de recursos entre União, Estados e Municípios;
iii)
os limites e as tangências entre a presença do setor privado e o setor público
na oferta de serviços de saúde; entre outras. Exatamente por estar sendo
construído num período em que o paradigma hegemônico da ordem social e
econômica no mundo era baseado na idéia da supremacia absoluta do privado sobre
o público e na tentativa de reduzir a presença do Estado a uma dimensão mínima,
o SUS já nasceu sendo bombardeado por setores comprometidos com tal visão
reducionista das políticas públicas.
Os conceitos teóricos que algumas
correntes da economia haviam criado em torno da idéia de bens públicos (saúde,
educação, saneamento, etc) sofreram forte oposição e a idéia de transformar
todos esses direitos da cidadania em simples mercadoria passou a ganhar força.
O mercado privado atuante na área da saúde recebeu grande impulso, a partir da
idéia de “complementaridade” ou “suplementaridade” à ação do Estado. Ao lado
das antigas e tradicionais instituições da filantropia, cresceu bastante a
atuação de grupos empresariais privados, que passam a operar no setor com a
lógica pura e simples da acumulação de capital e da obtenção de lucros. E o
acesso a esses hospitais, maternidades, laboratórios, centros clínicos passa a
contar com a sofisticação dos planos privados de saúde e os seguros de saúde.
Tudo baseado em preços, contratos, condições, exceções, carências e outros
elementos que confluem para reduzir a despesa e aumentar a receita. A saúde
deixa cada vez mais de ser um direito e se transforma numa mercadoria.
O espaço de disputa desse novo
campo de negócio, obviamente, dá-se com a própria rede do SUS. Colabora para
tanto um processo de sucateamento do sistema público, cujo principal
instrumento de atuação ocorre por meio de redução de seus recursos
orçamentários. Com isso, a rede pública não consegue avançar a contento em
termos de equipamentos e de pessoal. E os meios de comunicação complementam com
seu papel de desconstruir o modelo, apontando as falhas e as ineficiências de
atendimento da população, com a mensagem sub-reptícia de que isso ocorre em
função de sua natureza pública, estatal.
Mas o fato é que pouco a pouco vão
sendo reduzidos os gastos estatais com a saúde, enquanto que os gastos privados
passam a crescer a cada ano. A política de ajustes fiscais a qualquer custo -
que se tornou mais evidente a partir do Plano Real, em 1994 - terminou por
estrangular os orçamentos da seguridade social como um todo, aí incluído o
drama da saúde. Assim, em 1997 o governo federal acaba por lançar mão de um
tributo específico e emergencial para dar conta da falta de recursos
orçamentários para essas áreas. Foi aprovada a Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF), mas parte dos recursos ficava retida para
contingenciamento e outros dribles com objetivo de contribuir para o superávit
primário. Após compartilhar a dotação com previdência e assistência social,
menos da metade dos recursos ficava com a área da Saúde.
Esse tributo resistiu por quase 10
anos, quando foi finalmente suspenso em 2007, em votação ocorrida no âmbito do
Congresso Nacional. O discurso generalizado dos setores ligados ao mundo
empresarial e das forças conservadoras em geral acabou prevalecendo, na figura
da falsa imagem da “elevada carga tributária”. Na verdade, o grande incômodo do
sistema financeiro era mesmo a possibilidade de rastreamento de todas as suas
operações, uma vez que a contribuição incidia sobre as mesmas. E isso permite
ao poder público uma maior capacidade de controle e fiscalização, inclusive
para reduzir a prática de operações ilegais, Tendo perdido essa fonte de
recursos, o SUS voltou a sofrer ainda mais o risco do sucateamento. Desde 2008
tramita no legislativo um projeto para recriar uma fonte específica para a Saúde
(não mais para o conjunto da Seguridade Social). O princípio é bastante
semelhante à CPMF: trata-se da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Tal
tributo incidiria sobre as transações financeiras, a exemplo da anterior, mas
teria uma alíquota inferior: 0,10% ao invés de 0,38%.
Alguns especialistas já apontam a
necessidade de um índice mais elevado, dada a urgência de recursos para o SUS.
De qualquer maneira, o mais importante é assegurar que as verbas sejam
direcionadas para o gasto na ponta do sistema e não fiquem esquentando o caixa
do Tesouro Nacional para formar o superávit primário e pagar os juros da
dívida. Além disso, faz-se necessário criar algum mecanismo para atenuar a
regressividade implícita na CSS. Isso porque todas as camadas de renda da população
sofrem a incidência do tributo, pois vivemos em um mundo marcado pela
generalização das atividades bancárias e financeiras. Assim, seria importar
promover uma medida de justiça tributária e isentar as faixas de renda mais
baixa.
A situação é de extrema urgência!
Caso contrário, corre-se o risco da saúde sofrer processo análogo ao do ensino
fundamental e médio. Ao longo das últimas décadas, em razão do sucateamento da
rede pública de ensino, setores expressivos da classe média passaram a optar
por estabelecimentos privados de educação para seus filhos. A rede pública,
salvo raras exceções, padecia de falta de verbas, com baixo investimento na
construção, equipamento e, principalmente, no estímulo aos professores. Estes
setores médios tendem a ser vistos como “caixa de ressonância da opinião
pública” e com maior capacidade de pressão sobre os representantes políticos.
Como eles deixaram de pressionar pela melhoria da qualidade do ensino público
pré-universitário, isso contribuiu para a situação ter chegado ao quadro atual
de difícil e urgente recuperação.
O momento atual é defesa do SUS
como modelo inspirador para uma rede pública para a saúde, com atendimento
universal e gratuito. Um direito de cidadania, um dever do Estado. É claro que
muito ainda há para ser realizado no sentido de aperfeiçoar a sua gestão, com o
intuito também de reduzir as perdas do sistema. O mesmo vale para a necessidade
de redefinir os cálculos dos gastos com saúde, tal como previsto pela famosa
Emenda Constitucional n° 29, que estabelece percentuais orçamentários mínimos
para que os governos federal, estaduais e municipais apliquem no sistema. E
também para introduzir maior grau de justiça social na forma de apropriação dos
recursos, inclusive físicos do SUS. E aqui entram aspectos como a atual
renúncia tributária para setores que gastem com saúde privada, o uso
descontrolado da rede privada dos setores de excelência da rede pública nas
áreas de alta complexidade a baixo custo, as facilidades de isenção tributária
para os grupos empresariais que operam no sistema privado de saúde, entre
tantos outros aspectos.
Enfim, as tarefas são muitas e
complexas. Mas a urgência do momento é assegurar, no mínimo, condições para o
funcionamento do SUS. E para tanto, torna-se essencial a aprovação de uma fonte
específica de recursos orçamentários para a Saúde.
Paulo
Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior |
Colunistas | Debate Aberto, 15/09/2011
quinta-feira, setembro 15, 2011
a violência existe porque muitos lucram com ela
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A “Guerra do Rio” acompanhada por todos os brasileiros através
do “show midiático” em novembro de 2010 “faz parte de um projeto que está
sendo montado há muito tempo, o qual não desmonta a estrutura da violência,
porque ela está dentro do próprio aparelho do Estado”, diz José
Cláudio Alves à IHU On-Line.
Em entrevista concedida por telefone, o sociólogo explica que
parte significativa da sociedade civil apoia a repressão e o controle
policial nas favelas porque a concepção de segurança pública está relacionada
com o combate ao crime. “Para a sociedade, bandido bom é bandido morto. Essa
é a ideologia
predominante, porque rende dividendos para todos os lados. Quanto mais se
matam pobres, negros, favelados de comunidades pobres – isso em uma sociedade
segregada como a nossa –, mais se gera um rendimento político, porque a
sociedade pensa que o Estado está trabalhando para eliminar o mal, o bandido,
o crime organizado”.
A instalação de Unidades
da Polícia Pacificadora – UPPs nas favelas tem um impacto pequeno
no combate à violência, se comparada à adesão de policiais à “estrutura de
corrupção”. “Esta rede rende algo em torno de 11 bilhões de reais ao Rio de
Janeiro. (...) A economia formal também se beneficia com o tráfico de armas e
de drogas. O jogo do bicho, por exemplo, é uma das formas mais bem
estruturadas do crime organizado: uma família pode lucrar, por semana, com o
caça níqueis e o jogo do bicho, dois milhões e meio de reais, algo em torno
de dez milhões de reais por mês. A violência existe porque muitos lucram com
ela”, reitera.
De acordo com José Cláudio Alves, por trás da
imagem de cidade maravilhosa, configura-se no Rio de Janeiro a cidade
segregada, “onde as pessoas sabem claramente qual é o seu espaço, onde
devem estar, que locais podem frequentar, que horário devem sair, que horas
devem voltar”.
José
Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos
Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutor na
mesma área pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor concorda com a informação de que a
polícia carioca é a que mais mata no mundo?
José Cláudio Alves – Sim. Essa informação já vem repercutindo há muitos anos
no Rio de Janeiro. Em
2008, foram publicados dados referentes ao número de mortes provocadas pela
polícia e, naquele período, ela já era considerada letal. Há uma cultura que,
de um lado, é homicida e, de outro, é suicida: a polícia que mais mata é
também a que mais morre.
IHU On-Line – Qual é a opinião pública diante da
instalação de Unidades de Polícia Pacificadoras – UPPs nas favelas cariocas?
José Cláudio Alves – Analiso o quadro do crime
organizado no Rio de Janeiro, do tráfico de drogas, grupos de extermínio,
a construção dos grupos paramilitares, das milícias, etc. e a minha
interpretação está voltada para perceber o quanto essa estrutura foi
articulada, organizada e montada pelo próprio Estado. Portanto, a instituição
estatal está na base, na origem da construção dessa estrutura de violência e
de organização do crime.
A lógica da polícia reforça a militarização e o uso da violência
extrema nas questões ligadas à segurança. Há também uma lógica de
espetacularização, em que os meios de comunicação transformam a questão da
segurança pública num grande show midiático. Os atentados que ocorreram em
novembro de 2010 e a ocupação do Complexo
do Alemão televisionada
pela mídia e denominada de a “Guerra do Rio” fazem parte de um projeto que
está sendo montado há muito tempo, o qual não desmonta a estrutura da
violência, porque ela está dentro do próprio aparelho do Estado. É o Estado
que dá à estrutura de violência a sua condição mais adequada, mais favorável,
mais intransponível e impune, já que não se consegue acessar e punir a
própria estrutura do crime, que está dentro dos aparatos
policiais.
Opinião pública
Nessas operações policiais, é possível prender pessoas, mas a
estrutura é muito mais ampla do que se possa imaginar, porque ela funciona há
muito tempo e se mantém. A população apoia a ocupação das comunidades, a
execução sumária televisionada, a guerra explícita e aberta com o uso de
equipamento bélico, porque o combate ao crime já foi “trabalhado” na concepção
social de segurança. Para a sociedade, bandido bom é bandido morto. Essa
é a ideologia predominante, porque rende dividendos para todos os lados.
Quanto mais se matam pobres, negros, favelados de comunidades pobres – isso
em uma sociedade segregada como a nossa –, mais se gera um rendimento
político porque a sociedade pensa que o Estado está trabalhando para eliminar
o mal, o bandido, o crime organizado. Então, a população, que não tem
referenciais em relação à segurança pública – porque nunca teve acesso à
segurança pública – acredita neste projeto político-midiático como a melhor
forma de resolver o problema.
IHU On-Line – Qual o interesse do Estado na militarização
e na espetacularização do crime e em manter a estrutura de violência cíclica?
Percebe diferentes formas de controlar e disciplinar as massas empobrecidas?
José Cláudio Alves – A militarização e a forma violenta de tratar a questão da
segurança já têm sido construídas desde a ditadura militar e serve a uma
grande rede de interesses. O Estado segrega populações inteiras de
comunidades pobres quando controla entradas e saídas das pessoas das favelas
e quando controla o que acontece nestas comunidades. Então, quando a milícia
ou um grupo paramilitar entram em uma área segregada, eles podem operar em
inúmeros serviços e ganhar muito dinheiro. Para se ter uma ideia, eles vendem
água pública, terra de barrancos – desmontam barrancos de morros para aterrar
áreas pantanosas para que as pessoas possam construir suas barracas –, vendem
gás, internet. Como se percebe, um conjunto de serviços urbanos que operam
hoje, na cidade do Rio de Janeiro, são oriundos das áreas segregadas.
A polícia
até consegue prender alguns traficantes, mas a adesão de policiais à
estrutura de corrupção é mais ampla. Essa estrutura se associa a outras
estruturas tradicionais do crime como o roubo de carro, de casa, tráfico de
armas e de drogas. Portanto, esta rede rende algo em torno de 11 bilhões de
reais ao Rio de Janeiro. Um quilo de cocaína custa cerca de sete mil reais.
Ao misturar essa quantidade com fermento para bolo, fazem-se 47 mil, o que
significa que se têm sete vezes o valor investido inicialmente. Quem faz
essas operações de milhões não são os pequenos traficantes que estão presos
e, sim, os empresários, banqueiros, pessoas que estão totalmente vinculadas à
economia formal. Portanto, a economia formal também se beneficia com o
tráfico de armas e de drogas. O jogo do bicho, por exemplo, é uma das formas
mais bem estruturadas do crime organizado: uma família pode lucrar, por
semana, com o caça níqueis e o jogo do bicho, dois milhões e meio de reais,
algo em torno de dez milhões de reais por mês. A violência
existe porque muitos lucram
com ela.
IHU On-Line – Quais foram os desdobramentos do combate ao
tráfico de drogas, da ocupação militar no complexo do Alemão e da implantação
de UPPs nas favelas cariocas no ano passado?
José Cláudio Alves – Depois da pacificação de algumas favelas, os traficantes
continuaram tendo acesso a armas porque a polícia revendeu o material para
eles.
Para entendermos o crime no Rio
de Janeiro, é necessário compreender a história de cada área para poder
avaliar este grande tabuleiro. A facção criminosa Comando
Vermelho, que é a hegemônica do crime organizado do
tráfico de drogas, está sendo empurrada para a periferia, para atuar na Baixada Fluminense, na área
da Leopoldina. O Comando Vermelho está tentando impedir essa
transferência e por isso acontecem os confrontos a que estamos assistindo.
As UPPs estão em aproximadamente 69
comunidades, das mil comunidades existentes na cidade. A partir desses dados,
se vê que elas estão concentradas em áreas de interesse do Estado, as quais
vão receber investimentos para a Copa
do Mundo. Além disso, asUPPs estão
sendo instaladas em áreas que não são as mais violentas. As áreas violentas
estão nas periferias da Baixada
Fluminense e na Zona Oeste
do Rio de Janeiro. Estas, pelo contrário, não receberam nenhum tipo de
política que pudesse reduzir a violência.
Não posso negar que nos locais em que se instalaram as UPPs os confrontos armados, as
vitimizações e os tiroteios foram reduzidos. Entretanto, o crime continua sendo
organizado
nestas comunidades e está
operando sem tiroteio. As UPPs reintroduziram o debate sobre a
remoção de favelas e comunidades, o qual tinha desaparecido. Percebe-se
também a politização das políticas públicas, quer dizer, as comunidades
recebem políticas através da polícia, e não mais por meio da liderança da
comunidade. A pior forma de se resolver a questão da segurança é
militarizá-la e colocá-la de cima para baixo. É isso que as UPPs fazem.
IHU On-Line – Qual seria a alternativa à ocupação da
polícia nas favelas? Em que consistiria uma política de segurança pública
eficaz no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – Seria necessária uma construção social para se discutir o
problema da comunidade, compreender quem são aquelas pessoas, que lideranças
elas formam, etc.
IHU On-Line – O que favorece o surgimento de milícias
nesses ambientes?
José Cláudio Alves – A convivência, ao longo de vinte anos, do aparato
policial nas favelas com o crime organizado. Sempre houve uma relação direta
entre a polícia e o tráfico de armas e drogas nestas comunidades. Portanto,
esta convivência permitiu a construção de um projeto.
Com a introdução das milícias nas favelas, não se precisam mais
arregimentar pessoas empobrecidas para instruí-las como se deve usar uma
arma; o policial já tem este entendimento. Então, não existem confrontos
armados porque não há confrontos entre milícias e a estrutura policial. As
milícias estão encontrando um cenário extremamente favorável de
lucratividade, de controle sobre as comunidades, sem nenhuma ação que possa
impedi-las de continuar funcionando.
Enquanto as facções
criminosas enfrentam dificuldades porque
disputam territórios entre si, as milícias possuem um comando mais organizado
e hierarquizado por dentro da estrutura do Estado, sem confrontos abertos
contra o aparato policial. A sociedade carioca vive uma situação muito
dramática e a população não entende o que está acontecendo. Assim, ela apoia
aquilo que midiaticamente é mais forte e acaba reforçando esta estrutura da
violência. É fundamental qualificar a população e fazê-la compreender esta
realidade para agir melhor frente a tudo isto.
IHU On-Line – Qual é a herança da ditadura militar na
polícia carioca? Como o senhor vê a utilização das Forças Armadas para
assegurar a segurança pública interna no Rio de Janeiro?
José Cláudio Alves – A estrutura militar nunca foi desmontada. Em 1967,
concebeu-se a polícia militar da forma que ela atua hoje: repreensiva,
ostensiva. Além disso, a polícia nunca foi, de fato, limitada no uso do
poder.
Do total de homicídios do Rio de Janeiro, apenas 7,8% são
investigados pela polícia. Havia uma meta do Ministério Público de
solucionar todos os crimes de homicídio cometidos até de 2007. Entretanto,
descobriu-se que, no de Rio Janeiro, 96% de todos estes casos foram
arquivados pelo Ministério Público.
Um comandante da Polícia Militar quer semanalmente em suas mãos
20 talvez 30 mil reais. Este dinheiro é obtido através de propina de crimes
que foram cometidos. Além disso, os policiais sequestram traficantes e cobram
para liberá-los. Eles pedem dinheiro dos comerciantes, dos banqueiros, dos
empresários. Essa estrutura é corporativa e respaldada em uma
lógica de violência crescente. Portanto, achar que uma tropa
incorruptível como o BOPE está isenta disto é uma ilusão. Em
2005, o BOPE alugou o “caveirão” para que
traficantes de uma favela sequestrassem oito jovens da comunidade de Vigário Geral. Estes jovens
nunca foram encontrados.
Forças armadas
As Forças Armadas seguem a mesma lógica de que a
violência se resolve a partir da militarização. O Exército é qualificado para
uma lógica de confronto sem derrota: a tropa jamais pode voltar derrotada.
Então, amplia-se mais ainda a violência.
As tropas que ocuparam o Complexo do Alemão foram treinadas por anos no Haiti e
possuem uma concepção de atuação muito mais brutal. Esta é uma prática muito
antiga nos Estados Unidos: eles sempre treinaram suas tropas em confrontos
exteriores para depois utilizá-las em confrontos internos. Foi assim nos
confrontos em 1994 em Los
Angeles e em Nova Orleans depois do Furacão Katrina. O Brasil
está ensaiando este modelo, sobretudo por causa dos futuros eventos que
acontecerão no Rio de
Janeiro.
IHU On-Line – Como entender a aceitação da população em
relação à atuação da polícia, quando se sabe que existe milícia, corrupção? A
aceitação é apenas em função da mídia?
José Cláudio Alves – Outros fatores explicam essa aceitação: há uma ausência
de alguma política coerente ou significativa de segurança pública. Nós
estamos falando com uma população que não tem acesso a isso, uma população
que muitas vezes está entregue à ferocidade. As pessoas nunca perceberam o
que seria conviver numa outra realidade. Logo, a sua concepção é essa lógica
da execução sumária.
Os traficantes e a polícia, que controlaram a violência nessas
comunidades, usam dessa violência para fazer o controle. Vou dar um exemplo:
se um traficante cometer algum crime contra a própria população da favela e o
líder daquela facção tiver consciência disso, ele punirá violentamente o
garoto para que sirva de exemplo para aquela comunidade. Portanto, as pessoas
estabelecem uma segurança
calcada na violência. Assim, como essas comunidades vão perceber outra
forma de segurança? Não há para eles esse universo.
IHU On-Line – Como vê a imbricação entre favelas e
grandes centros no Rio de Janeiro? Como se dá essa relação entre a população?
Diferentemente de outros estados brasileiros, percebe no Rio de Janeiro uma
separação classista? Como essa discriminação contribui para propagar a
violência?
José Cláudio Alves – O Rio de
Janeiro foi constituído
assim: é a cidade maravilhosa, mas também é a cidade de chumbo. Para entender
essa construção histórica, temos de nos remeter ao início do século XX, às
políticas que seguiram nos moldes de remoção, como o Plano Agache. Mais tarde,
surgiu o projeto populista com Getúlio
Vargas, que tentou romper com essa modalidade de segregação e de remoção.
A partir daí, permitiu-se, através da lógica populista de votação do
operariado negro, a construção de espaços de comunidades empobrecidas dentro
das áreas de interesse econômico com o objetivo de reconhecer e valorizar o
trabalhador urbano pobre. Então, é assim que se consolidam as grandes favelas
no Rio de Janeiro em 1940 e
A lógica segregadora sempre existiu no Rio de Janeiro. Há um
discurso de que o carioca é o homem cordial, mas por trás dessa imagem existe
uma cidade segregrada, em que as pessoas sabem claramente qual é o seu
espaço, onde devem estar, que locais podem frequentar, que horário devem
sair, que horas devem voltar. O Rio de Janeiro é o maior campo
de concentração sem arame farpado do
mundo, porque um terço da população extremamente empobrecida é controlado a
partir de uma polícia criminosa. É uma estrutura muito eficiente e com
baixíssimo custo.
Eu moro em Vigário Geral e canso de ver as pessoas dizendo
que moram no bairro Jardim América, que fica próximo. Há essa tentativa
de ludibriar. Alguns moram em Pavão ou Pavãozinho, mas dizem que
moram em Copacabana. O
Rio é uma grande ilusão: permite-se a criação de uma imagem de prazer, da
beleza, mas o preço que se paga para manter essa imagem é elevadíssimo e
ninguém quer discutir o assunto.
IHU On-Line – Qual a importância de manter uma cultura do
medo coletivo para a construção das sociedades urbanas no Brasil? Como esse
medo se instaura na sociedade? A polícia é suficiente para apaziguar esse
sentimento?
José Cláudio Alves – O medo se transformou na grande chave desse processo de
controle. A fronteira dessa estrutura política e econômica de dominação se
volta para as próprias periferias que ela construiu em termos espaciais. O
Estado e o capital precisam da extração de uma mais-valia cada vez maior e
com riscos cada vez menores em cima desses segmentos. E, para conseguir isso,
utilizam-se de formas de controle, sobretudo a partir da violência, da
execução sumária, de projetos de segregação. Esse modelo nos diz que, para
que o novo salto tecnológico e econômico aconteça, é preciso consolidar
populações que vão ser efetivamente segregadas, eliminadas, executadas.
O medo
é determinante e nos impede
de fazer denúncias e questionamentos. Esse medo que nos amedronta todos os
dias quando olhamos jovens, pobres, negros, moradores de periferias,
moradores de favelas, nos distanciam dessas pessoas. Os ricos e a classe
média não frequentam mais os locais onde a população pobre está. Por outro
lado, essa parcela da população também não consegue mais se aproximar porque
sabem o lugar deles, sabem do risco que é fazer essa aproximação.
A sociedade enlouqueceu
Esse medo vai corroendo toda a possibilidade de solidariedade,
compaixão, de alianças no campo político ou econômico, elementos que pudessem
construir outro projeto de nação. É difícil de derrubá-lo, porque o medo não
é algo racional: as pessoas alimentam uma visão sobre o mundo e começam a
encaixar tudo o que veem no mundo dentro dessa visão. Então, alguém pode
estar vendo algo que não é nada daquilo que acha que está vendo e, mesmo
assim, achar que é aquilo. O medo
impede de ir além daquela
concepção: as pessoas sentem pavor, se isolam, se fecham, reduzem o núcleo de
relacionamentos, reduzem a área de expansão, começam a olhar para as
populações que são criminalizadas ou criminalizáveis de uma forma
absolutamente distinta, sem que tenha o menor interesse em se aproximar delas
e até endossando toda essa política de eliminação, de execução sobre elas.
Para mudar esse comportamento, as ações precisam ser conduzidas
em várias direções: nas políticas de segurança voltadas para as áreas sociais
na educação. Seria necessário construir linhas de comunicação entre as
comunidades, para que pudessem interromper essa segregação. E, no campo da
subjetividade humana, temos que construir elementos que estão desaparecendo,
como a solidariedade, a compaixão, o colocar-se no lugar do outro, o ser
capaz de olhar para o próprio medo. A violência está mexendo exatamente com a
sobrevivência de todos nós. O medo nos impede de fazer esses movimentos, e aí
surgem todas as doenças da modernidade porque a sociedade enlouqueceu.
Normalmente, tenho dito isso: nós enlouquecemos porque tudo virou motivo para
ações violentas. As pessoas perdem o senso; elas perderam as suas
referências.
(Por Patricia Fachin, Rafaela Kley e Stéfanie Telles)
Fonte: IHU,
15/09/2011
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