quinta-feira, fevereiro 02, 2012

a realidade do que vai ser subtraído do setor público

Privatização dos aeroportos: vergonha nacional!

A estatística dos 3 aeroportos a serem privatizados (Guarulhos, Brasília e Campinas) reflete bem a realidade do que vai ser subtraído do setor público. Eles são responsáveis por 30% do total dos passageiros, 57% do total das cargas e 19% das aeronaves em todo o País.
O próximo fim de semana certamente será palco de muitas reuniões a portas fechadas, encontros discretos e momentos de tensão. Não me refiro aqui aos efeitos da violenta desocupação de Pinheirinho, nem às repercussões da desastrada operação na Cracolândia e muito menos à retomada dos trabalhos no Congresso Nacional. Na verdade, trata-se da tentativa de ressuscitar o nada saudoso processo de privatização de bens e serviços públicos aqui em nosso País. Eis mais uma incongruência que o governo traz à agenda, uma medida tão polêmica quanto anacrônica nos mundos de hoje, em que alguns dos principais dogmas do neoliberalismo estão sendo colocados em xeque, até mesmo por seus ideólogos nos países centrais. Mas aqui em solo tupiniquim, as coisas parecem funcionar ao revés. A bola da vez é a Infraero, empresa pública que se encarrega da gestão e operação dos aeroportos em todo o território nacional. 
O “lobby” pela privatização dos aeroportos 
O pesado “lobby” que atua a favor da privatização dos serviços aeroportuários é antigo e conhecido. Desde os tempos de ouro da hegemonia da agenda do Consenso de Washington que os representantes do setor privado vêem com olhos gordos essa verdadeira mina de fazer dinheiro fácil, às custas do monopólio dos bens públicos. Nos tempos em que o discurso contra a presença do Estado na atividade econômica era considerado irreparável esse foi um setor que conseguiu resistir e não ser repassado à exploração pelo capital. Uma das razões para tal fato refere-se, sem sombra de dúvida, à natureza estratégica dos aeroportos e de sua tangência evidente com as questões de segurança e soberania nacionais. 
E, ao que tudo indica, setores expressivos das Forças Armadas nunca foram muito simpáticos à idéia de transferir tal atividade ao setor privado. Mas os interesses empresariais não haviam desistido de tal projeto e estavam apenas à espreita para saltar em cena no momento adequado. Quis a ironia da historia, que tal oportunidade fosse oferecida, assim de bandeja, justamente por um governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores. 
O caminho foi sendo pavimentado aos poucos, sem muita pressa. Todos nos lembramos da forma como os meios de comunicação têm tratado a questão do chamado “apagão aéreo” ao longo dos últimos anos. É preciso reconhecer que o quadro dos aeroportos tem ficado cada vez mais crítico. Mas isso ocorreu por um verdadeiro sucateamento a que foi submetido o setor. Ou seja, a situação a que chegaram os aeroportos brasileiros contou com a conivência do próprio Estado. A política de arrocho orçamentário e de cortes nas rubricas de investimento em infra-estrutura contribuiu para aprofundar as dificuldades de oferta de condições adequadas para a operação aeroportuária em nosso País. No entanto, a versão oferecida para a maioria da população, como sempre, acentua apenas a suposta incapacidade do setor público em gerir o setor com padrões de eficiência. A solução seria a bem conhecida panacéia para todos os males: transferir para o setor privado. Aliás, estamos cansados de assistir às demonstrações de tal eficácia do capital na crise atual que assola o planeta. Na hora do aperto, sempre grita pela ajuda do Estado! 
Por outro lado, a realização da Copa do Mundo em 2014 e os compromissos assumidos pelo Brasil perante a FIFA e a comunidade internacional passaram a atuar como elemento de reforço da versão catastrofista. E mais uma vez o discurso em favor da eficiência do setor privado prevalece. O tempo é curto, as necessidades são urgentes, não existe alternativa viável que não seja a privatização - os argumentos se repetem. Assim, em função de um fluxo aéreo extraordinário e concentrado durante tão somente um mês da competição, decide-se por transferir toda a operação dos aeroportos, por décadas, para o capital privado. 
O leilão marcado para dia 6/2 
Agora a cena toda está montada para a segunda-feira, dia 6 de fevereiro, quando deverão ser realizados os leilões para a privatização de alguns dos principais aeroportos do Brasil. Apesar de todos os protestos e manifestações contrárias ao processo por parte de entidades do movimento sindical, de especialistas na matéria, de órgãos da sociedade civil organizada e até mesmo do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo permaneceu irredutível na manutenção da data e das condições previamente estabelecidas desde meados do ano passado. 
Serão leiloadas as concessões dos aeroportos de Guarulhos (SP), Brasília (DF) e Campinas (SP). Esses três são considerados dentre os mais rentáveis e os menos problemáticos de todo o conjunto da Infraero. As condições são as melhores possíveis para os interessados. Tanto que o preço inicial solicitado no leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) foi largamente superado durante o leilão realizado em agosto de 2011. Naquela espécie de experiência piloto dessa nova onda de privatização, o valor pago pelo consórcio vencedor foi quase 230% superior ao preço inicial fixado pelo governo. 
Guarulhos tem um lance mínimo fixado em R$ 3,4 bilhões, com concessão de 20 anos. Viracopos tem um valor inicial estipulado em R$ 1,5 bilhão e prazo de uso de 30 anos. Brasília teve o lance mínimo arbitrado em R$ 582 milhões, com prazo de uso de 30 anos. As regras prevêem que seja formada uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) com o objetivo de gerir o excelente negócio. Na verdade, trata-se de um eufemismo jurídico para a famosa Parceria Público Privada (PPP), onde o capital privado fica com 51% dos votos e a Infraero com 49%. Como há necessidade de realizar investimentos para ampliação e modernização, com certeza a SPE receberá empréstimos do BNDES e de outras fontes federais com todas as facilidades e juros subsidiados. E o que mais impressiona é que o edital admite até mesmo a possibilidade de participação de empresas estrangeiras na gestão dos aeroportos. Uma verdadeira irresponsabilidade, dada a natureza estratégica desse tipo de atividade e os riscos envolvidos com a questão de segurança nacional. 
O Estado tem recursos para investir 
O principal argumento utilizado pelo governo para lançar mão da privatização é a tão propalada falta de verbas para investimento. Porém, a verdade dos fatos desmente essa versão enganosa. Recursos sobram no Orçamento! O problema é a prioridade definida pelas autoridades para sua utilização. Encerradas as contas de 2011, por exemplo, apurou-se que o Estado brasileiro forçou a geração de um superávit primário no valor de R$ 130 bilhões ao longo do ano. Uma loucura! Mais de 3% do PIB destinados exclusivamente para o pagamento de juros da dívida pública. Um número que se revela 30% mais elevado do que o superávit de 2011. E agora basta uma simples comparação. A operação de privatização desses 3 aeroportos vai render R$ 240 milhões por ano aos cofres da União. Ou seja, se houvesse destinado apenas minguados 0,2% do superávit a cada ano para esse importante compromisso, não precisaria transferir a concessão dos aeroportos ao capital privado. Mas a vida é feita de escolhas. E elas revelam a essência de nossas verdadeiras vontades. 
A Infraero é responsável pela gestão de 66 aeroportos em todo o território nacional, Eles representam 97% do movimento do transporte aéreo regular, o que corresponde a 2,6 milhões de pouso e decolagens, transportando mais de 155 milhões de passageiros por ano. Como esse serviço não é o mercado da batatinha (“não gostei do serviço, vou aqui no aeroporto da esquina”...), a SPE tem assegurada a renda das tarifas por passageiro embarcado e aeronave na pista. Um negócio com perspectivas crescentes de ganho e rentabilidade, inclusive porque em 2011, pela primeira vez, a população brasileira passou a utilizar mais o avião do que o ônibus para o transporte interestadual. 
Apesar de todas estas evidências, a opção foi de repassar à exploração privada os aeroportos mais promissores, sem nenhuma exigência de contrapartida, como a responsabilização do consórcio ganhador por aeroportos de menor fluxo, mas de grande importância no trânsito regional. É o caso das unidades da Amazônia, por exemplo. A estatística dos 3 aeroportos a serem privatizados reflete bem a realidade do que vai ser subtraído do setor público. Eles são responsáveis por 30% do total dos passageiros, 57% do total das cargas e 19% das aeronaves em todo o País. Assim, fica claro que a Infraero deverá perder parcela significativa de sua fonte de receitas, pois boa parte dos demais aeroportos apresenta baixo faturamento, que tem como principal fonte as taxas aeroportuárias cobradas das empresas e dos passageiros. 
Assim, a pergunta que todos nos fazemos é simples e direta: por que a Presidenta Dilma decidiu, então, pela privatização? Como os argumentos relativos à escassez de recursos não resistem ao exame atento dos números do orçamento, a única explicação plausível é de que ela teria sido convencida de que a gestão aeroportuária não seria mesmo uma atividade típica de Estado. E aí o quadro ficaria bem mais complicado, abrindo margem para especulação a respeito da existência de lista contendo outros setores que poderiam vir a sofrer o mesmo tratamento.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 02/02/2012

Não há nada de acadêmico nisso


O 'FIM DA CRISE' E O OXÍMORO ORTODOXO
A expressão 'contração fiscal expansionista' sugere um simples oxímoro, mas representa mais que uma contradição vocabular quando se sabe que abriga a viga mestra da proposta conservadora  para a crise mundial. Pulsa nesse paradoxo, ademais, uma visão de desenvolvimento recorrente em terras brasileiras, baseada na hipótese de que um bom arrocho nas despesas públicas e nas políticas sociais é pré-condição para se  'liberar' espaço à queda dos juros e, ato contínuo, festejar o 'crescimento saudável' capitaneado pelo setor privado.
O tacão de Angela Merkel sobre os parceiros do euro; a decadência inglesa sob Cameron; a pobre Espanha com 48,5% da juventude desempregada; Portugal do extremismo conservador  que flertou com a volta da mais valia absoluta e a sofrida Grécia das crianças que desmaiam de fome em sala de aula, sem esquecer o embate orçamentário nos EUA, são protagonistas  da gigantesca massa de interesses e sacrifícios em ebulição no interior desse inocente  jogo de palavras. 
No fundo, estamos novamente às voltas com o bordão do Estado mínimo adaptado às condições da maior crise do capitalismo desde 1929. Não há nada de acadêmico nisso. A resiliência de um marco divisor que esfarela direitos e cospe desemprego planeta afora, em troca de uma improvável redenção purgativa  da economia, é a evidência mais óbvia de que o colapso neoliberal  ainda não produziu um antídoto ancorado em forças sociais aptas a inaugurar um novo ciclo histórico. 
É desse horizonte escuro e inóspito  que  irrompem sinais bruxelantes  de  uma 'recuperação' trombeteada pela mídia, na qual bancos e grandes corporações emergem leves, líquidos e lucrativos. Mas a renda,  a qualidade do emprego, os direitos e a subjetividade despencam na maioria das nações. Bancos e grandes corporações acumulam cerca de US$ 13 trilhões em caixa no mundo rico. Mas não emprestam, não investem, nem contratam. Coube ao Presidente do Santander, Emilio Botín, elucidar esse desencontro com uma explicação que desmente o suposto poder regenerador  do oxímoro ortodoxo: " O crédito não flui e não emprestamos mais porque não há demanda solvente na sociedade", justificou Don Botín na 3ª feira, em Madrid.
Em resumo, a 'contração' vai bem, já a contrapartida expansionista patina --justamente porque a contração vai bem.
Fonte: Carta Maior, 02/02/2012

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

E não é só o Brasil.

Por que a América Latina não cresce como a Ásia?

Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. A avaliação é de Gabriel Palma, professor chileno da Universidade de Cambridge, em entrevista à Carta Maior.
Londres - Ao fim de 2011 a economia brasileira teve crescimento nulo. No princípio deste ano, um prestigioso instituto britânico, o Centre for Economic and Busines Research, colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” economias do mundo e previu que, em 2020, sua economia superaria à da Alemanha, hoje segundo exportador mundial depois da China. Carta Maior dialogou com Gabriel Palma, acadêmico chileno da Universidade de Cambridge, na Grã Bretanha, especialista em política econômica comparada, que há anos procura desentranhar por que os países da Ásia têm um crescimento sustentável que não existe na América Latina.
No Brasil o copo está meio vazio ou meio cheio?
Gabriel Palma – Que a economia brasileira em termos de Produto Bruto Interno tenha passado a do Reino Unido não é tão significativo como pareceria à primeira vista porque o Brasil tem três vezes a população britânica. Se for comparado este dado com outras estatísticas brasileiras como a desaceleração, a desindustrialização, a "commoditificação" da economia, o panorama muda. Meu ponto de partida é outro. O que venho me perguntando faz tempo é por que os países da América Latina não podem crescer como os da Ásia. Na Coréia, Singapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Indonésia e China, o crescimento foi de dois dígitos durante décadas. Na América Latina não. Dá-se um crescimento de dois dígitos que dura uns anos e depois se esvazia. E não acontece só no Brasil. Acontece no Chile, na Argentina, no resto da região.
E qual é a resposta a essa pergunta?
Gabriel Palma – Como você pode imaginar é muito complexa. Mas os dados são muito claros. Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. O caso do México, que nos anos 80 se propôs um desenvolvimento exportador com as montadoras. Hoje tem a mesma proporção de montadoras que 30 anos atrás. 
A China, que também teve este modelo exportador nos anos 80, hoje exporta a metade de sua produção com produtos de alto valor agregado. Há uma ambição econômica na Ásia que contrasta com a inércia que se sente na América Latina. Isso não quer dizer que não há tentativas. Na Argentina se está experimentando algo diferente. No Brasil, Mantega está tentando, mas se choca com o Banco Central. Na Ásia todos parecem querer se superar. 
Entretanto, no caso do Brasil se calcula que uns 10 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza na última década, sinal de que houve avanços. 
Gabriel Palma – No Brasil como no Chile e na Argentina, houve avanços, tanto neste sentido como na redução do desemprego. No Brasil temos o salário mínimo e o bolsa-família que dará a 11 milhões de famílias subsídios que lhes permitam baixar os níveis de pobreza. A questão é que todo este bolsa-família é 0,5% do PIB. Agora, se com 0,5% do PIB se consegue esta redução da pobreza, por que não se tenta com 1% do PIB que não é nada do outro mundo e que reduziria em 11 milhões mais a pobreza? Segundo um estudo da CEPAL, há seis países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil e o Chile, nos quais custaria menos de 1% do PIB terminar com a pobreza. Se falarmos da Índia, com 500 milhões de pobres, a tarefa é titânica: custa 10% do PIB terminar com a pobreza. Na América Latina não. No Chile, com 20 anos de governo da Concertação se reduziu primeiro a pobreza de 40% a 20% e, uma década mais tarde, 10%. Hoje voltou a dar um salto a 15%. Inclusive com governos progressistas, que têm uma vontade política neste sentido, com contas fiscais em ordem e um boom de commodities, o avanço é muito menor do que poderia ser.
Há um assunto que trata do desenvolvimento também. A pobreza está inevitavelmente vinculada com o modelo econômico que se aplica. 
Gabriel Palma – Não resta dúvida. No Brasil há uma crescente "commoditificação" da economia. Há 10 anos as commodities representavam 25% do total. Hoje constituem 50%. Há um grande desenvolvimento das commodities, mas com poucos produtos processados e com um abandono da indústria manufatureira que é lamentável. O atual modelo econômico, que começou nos anos 80, aprofundou-se com Cardozo e continuou com Lula, se baseia em um tipo de câmbio sobrevalorizado e na entrada de capital, o que vem causando a desindustrialização do país. Não há país asiático que siga esta política macro.
O governo lançou o programa Brasil Maior para revitalizar a indústria. O caminho pode ser este?
Gabriel Palma – Se parar a decadência já me conformo. Ao olhar a taxa de investimento total – nacional, estrangeira, pública e privada – por trabalhador no Brasil, se percebe que hoje são menores do que nos anos 80. Ao comparar com a China se percebe que o investimento aumentou 12 vezes com respeito aos anos 80. O Brasil vem há 30 anos com um investimento público menor que 3% do PIB. Hoje a infra-estrutura está caindo aos pedaços. E as taxas de juro são usurárias. No último estudo da Federação de Comercio de São Paulo, a taxa de juros média do cartão de crédito batia em 230 % anual. Fala-se muito da criação de una nova classe média graças ao acesso ao crédito, mas além de acesso ao consumo o que eu vejo é um grande endividamento com taxas de mora muito altas. 
Há uma bomba-relógio no setor financeiro do Brasil?
Gabriel Palma – Não acho que seja como a dos Estados Unidos e Europa. Há problemas, mas as contas fiscais são sustentáveis, a dívida externa caiu, o setor produtivo não tem grandes dívidas. O melhor que se pode dizer do Brasil é que não há nenhuma bomba-relógio financeira nos próximos cinco anos. Mas também está claro que não vai haver um crescimento de mais de três ou 4 % e terá um grande desenvolvimento do setor financeiro e das commodities. O último informe global do Banco Santander é muito interessante neste sentido. No Brasil estão 15% de seus ativos e 30 % de seus lucros mundiais. Por isso todos receberam Lula como um herói em Davos.
Que impacto pode ter esta situação do Brasil em seus vizinhos em meio à atual crise econômica?
Gabriel Palma – A grande vantagem dos países latino-americanos é que a demanda das commodities vai continuar. Isto amortiza o impacto de uma crise externa. Acho que a atual crise mundial vai deixar lembranças, não tanto pela profundidade, mas pelo tempo que vai custar para sair. Neste sentido, a América Latina teria que se preparar para cinco ou dez anos de dificuldades no setor externo e se concentrar mais em potencializar seu mercado doméstico. 
Tradução: Libório Junior
Fonte: Carta Maior | Economia| 01/02/2012

segunda-feira, janeiro 30, 2012

a personificação direta do “intelecto coletivo”

A revolta da burguesa assalariada

Em tempos de crise, o candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente) privilegiada.
Embora os protestos sociais em curso nos países ocidentais desenvolvidos pareçam indicar o renascimento de um movimento emancipatório radical, uma análise mais detalhada nos compele a elaborar uma série de distinções precisas que, de alguma forma, embaçam essa clara imagem.
Três coisas caracterizam o capitalismo de hoje: a tendência de longo prazo de transformação do lucro em renda (em suas duas principais formas: a renda do “conhecimento comum” privatizado e a renda pelos recursos naturais); o papel estrutural mais forte do desemprego (a própria chance de ser “explorado” em um emprego duradouro é percebida como um privilégio); e a ascensão de uma nova classe que Jean-Claude Milner chama de “burguesia assalariada” [Veja Jean-Claude Milner, Clartes de tout, Paris, Verdier, 2011].
Para explicar a relação entre estas características, comecemos com Bill Gates: como ele se tornou o homem mais rico do mundo? Sua riqueza não tem nada a ver com o custo de produção daquilo que a Microsoft vende (pode-se até mesmo argumentar que a Microsoft paga a seus trabalhadores intelectuais um salário relativamente alto), isto é, a riqueza de Gates não é o resultado de seu sucesso em produzir bons softwares por preços mais baixos do que seus concorrentes ou por uma “maior exploração” de seus trabalhadores intelectuais contratados. 
Se este fosse o caso, a Microsoft teria ido a falência há muito tempo: as pessoas teriam optado massivamente por programas como Linux que são de graça e, de acordo com especialistas, de melhor qualidade que os programas da Microsoft. Por que, então, existem milhões de pessoas que ainda compram Microsoft? Porque a Microsoft se impôs como um padrão quase universal, “quase” monopolizando o setor, uma espécie de personificação direta daquilo que Marx chamou de General Intellect (Intelecto Coletivo), o conhecimento coletivo em todas as suas dimensões, da ciência ao prático know how. 
Gates se tornou o homem mais rico em algumas décadas através da apropriação da renda pela permissão de que milhões participem na forma do “intelecto coletivo” que ele privatizou e controla.
Deve-se transformar criticamente o aparato conceitual de Marx: por causa de sua negligência em relação à dimensão social do “intelecto coletivo”, Marx não vislumbrou a possibilidade de privatização do próprio “intelecto coletivo”. É isto que está no coração da luta contemporânea pela propriedade intelectual: a exploração tem cada vez mais a forma de renda, ou, como diz Carlo Vercellone, o capitalismo pós-industrial é caracterizado pelo “tornar-se renda do lucro” [Veja Capitalismo cognitivo, editado por Carlo Vercellone, Roma, manifestolibri, 2006]. 
Em outras palavras, quando, por conta do papel crucial do “intelecto coletivo” (conhecimento e cooperação social) na criação de riqueza, as formas de riqueza se tornam cada vez mais desproporcionais em relação ao tempo de trabalho diretamente empregado na produção, o resultado não é, como Marx parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a transformação gradual do lucro gerado pela exploração da força de trabalho em renda apropriada pela privatização do “intelecto coletivo”. 
O mesmo acontece com os recursos naturais: sua exploração é uma das maiores fontes de renda hoje, acompanhada da luta permanente pra saber quem ficará com esta renda – os povos do Terceiro Mundo ou as corporações ocidentais (a suprema ironia é que, para explicar a diferença entre força de trabalho – que, em seu uso, produz mais-valia sobre seu próprio valor – e outras mercadorias – que somente consomem seu próprio valor em seu uso e, portanto, não envolvem exploração -, Marx menciona como exemplo de uma mercadoria ordinária o petróleo, a própria mercadoria que hoje é a fonte de extraordinários “lucros”…). 
Aqui também não faz sentido vincular as altas e baixas do preço do petróleo com altos e baixos custos de produção ou preços do trabalho explorado – custos de produção são negligenciáveis, o preço que pagamos pelo petróleo é a renda que pagamos para os proprietários deste recurso por conta de sua escassez e oferta limitada.
A consequência deste crescimento na produtividade alavancado pelo impacto exponencialmente crescente do conhecimento coletivo é a transformação do papel do desemprego: embora o “desemprego seja estruturalmente inseparável da dinâmica de acumulação e expansão que constitui a própria natureza do capitalismo enquanto tal” [Fredric Jameson, em Representing Capital, Londres, Verso Books, 2011, p. 149], o desemprego adquiriu atualmente um papel qualitativamente diferente. 
Naquilo que, possivelmente, é o ponto extremo da “unidade dos opostos” na esfera da economia, é o próprio sucesso do capitalismo (crescimento produtivo etc.) que produz desemprego (produz mais e mais trabalhadores inúteis) – o que deveria ser uma benção (menos trabalho duro necessário) se torna uma sina. O mercado global é, assim, em relação a sua dinâmica imanente, “um espaço no qual todos já foram, um dia, trabalhadores produtivos, e no qual o trabalho, em todos os lugares, foi aos poucos retirando-se do sistema” [Fredric Jameson, em Valences of the Dialetic, Londres, Verso Books, 2009, p. 580-1]. 
Isso é, no atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados adquire uma nova qualidade além da clássica noção de “exército industrial de reserva”: devemos considerar em relação a categoria do desemprego “aquelas enormes populações, que ao redor do mundo foram ‘expulsas da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do capitalismo de primeiro mundo e apagadas como casos terminais sem esperança” [Jameson, em Representing Capital, p. 149]: os assim chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, presos a “rancores étnicos” pseudo-arcaicos, objetos da filantropia e das ONGs, ou (frequentemente os mesmos personagens) da “guerra contra o terror”. 
A categoria dos desempregados deve assim ser expandida para agregar uma população de largo alcance, dos temporariamente desempregados, passando pelos não mais empregáveis, até pessoas vivendo nas favelas e outras formas de guetos (todos aqueles desconsiderados pelo próprio Marx como “lúmpem-proletariado”) e, finalmente, áreas inteiras, populações ou estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços em branco nos mapas antigos.
Mas esta nova forma de capitalismo não traz também uma nova perspectiva de emancipação? Nisto reside a tese de Hardt e Negri em Multidão: guerra e democracia na Era do Império [Rio de Janeiro: Record, 2005] onde eles pretendem radicalizar Marx, para quem o capitalismo corporativo altamente organizado já era uma forma de “socialismo dentro do capitalismo” (uma espécie de socialização do capitalismo, com os proprietários tornando-se cada vez mais supérfluos), de maneira que seria necessário apenas cortar a cabeça do proprietário nominal e nós teríamos socialismo. 
Para Hardt e Negri, entretanto, a limitação de Marx foi estar historicamente limitado ao trabalho industrial mecanicamente industrializado e hierarquicamente organizado, razão pela qual a sua visão de “intelecto coletivo” seria como uma agência central de planejamento; somente hoje, com a elevação do trabalho imaterial ao padrão hegemônico, a transformação revolucionária se torna “objetivamente possível”. Esse trabalho imaterial se desdobra entre dois pólos: trabalho (simbólico) intelectual (produção de ideias, códigos, textos, programas, figuras etc. por escritores, programadores…) e trabalho afetivo (aqueles que lidam com afecções corpóreas, de médicos a babás e aeromoças). 
O trabalho imaterial é hoje hegemônico no sentido preciso em que Marx proclamou que, no capitalismo do século XIX, a produção industrial em larga escala era hegemônica, como a cor específica dando o tom da totalidade – não quantitativamente, mas cumprido um papel chave, emblematicamente estrutural. Assim, o que surge é um inédito vasto domínio dos “comuns”: conhecimento compartilhado, formas de cooperação e comunicação etc. que não podem mais ser contidos na forma da propriedade privada – por quê? Na produção imaterial, os produtos já não são objetos materiais, mas novas relações sociais (interpessoais) – em suma, a produção imaterial já é diretamente biopolítica, produção de vida social.
A ironia é que Hardt e Negri se referem aqui ao próprio processo que os ideólogos do capitalismo “pós-moderno” celebram como a passagem da produção material para a simbólica, da lógica centralista-hierárquica para a lógica da autopóiese e da auto-organização, cooperação multi-centralizada etc. Negri é aqui efetivamente fiel a Marx: o que ele tenta provar é que Marx estava certo, que a ascensão do intelecto coletivo é, em longo prazo, incompatível com o capitalismo. 
Os ideólogos do capitalismo pós-moderno estão afirmando exatamente o oposto: é a teoria marxista (e sua prática) que permanecem dentro dos limites de uma lógica hierárquica e sob controle centralizado do Estado, e assim não conseguem lidar com os efeitos sociais da nova revolução informacional. Existem boas razões empíricas para esta afirmação: de novo, a suprema ironia da história é que a desintegração do Comunismo é o exemplo mais convincente da validade da tradicional dialética marxista entre forças produtivas e relações de produção com a qual o marxismo contou na sua tentativa de superar o capitalismo. 

O que arruinou efetivamente os regimes comunistas foi sua inabilidade em acomodar-se à nova lógica social sustentada pela “revolução informacional”: eles tentaram dirigir esta revolução com um novo projeto de planejamento estatal centralizado de larga escala. O paradoxo, assim, é que aquilo que Negri celebra como chance única de superação do capitalismo, é exatamente o que os ideólogos da “revolução informacional” celebram como ascensão de um novo capitalismo “sem fricção”.
A análise de Hardt e Negri possui três pontos fracos que, em sua combinação, explicam como o capitalismo pode sobreviver ao que deveria ser (em termos marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o tornaria obsoleto. Ela subestima a extensão do sucesso do capitalismo contemporâneo (pelo menos em curto prazo) de privatizar o “conhecimento comum”, assim como a extensão com que, mais do que a burguesia, são os próprios trabalhadores que se tornam “supérfluos” (número cada vez maior deles torna-se não somente desempregado, mas estruturalmente inempregável). 
Além disso, mesmo que seja verdade, em princípio, que a burguesia está progressivamente se tornando desfuncional, deve-se qualificar esta afirmação – desfuncional para quem? Para o próprio capitalismo. Isto quer dizer que, se o velho capitalismo envolvia idealmente um empreendedor que investia dinheiro (seu ou emprestado) em produção organizada e dirigida por ele próprio, recolhendo o lucro, hoje está surgindo um novo tipo ideal: não mais o empreendedor que possui sua própria empresa, mas o gerente especialista (ou um conselho administrativo presidido por um CEO) de uma empresa de propriedade dos bancos (também dirigidos por gerentes que não possuem os bancos) ou investidores dispersos. Neste novo tipo ideal de capitalismo sem burguesia, a velha burguesia desfuncional é refuncionalizada como gerentes assalariados – a nova burguesia recebe cotas, e mesmo se ela possui uma parte na empresa, eles recebem as ações como parte da remuneração pelo trabalho (“bônus por sua gerência bem sucedida”).
Esta nova burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas da forma mistificada daquilo que Milner chama de “mais-salário”: em geral, a eles é pago mais do que o salário mínimo do proletário (este ponto de referência imaginário – frequentemente mítico – cujo único verdadeiro exemplo na economia global de hoje é o salário de um trabalhador numa sweat-shop na China ou na Indonésia), e é esta diferença em relação aos proletários comuns, esta distinção, que determina seu status. A burguesia no sentido clássico, assim, tende a desaparecer. Os capitalistas reaparecem como um subconjunto dos trabalhadores assalariados – gerentes qualificados para ganhar mais por sua competência (razão pela qual a “avaliação” pseudo-científica que legitima os especialistas a ganharem mais é crucial hoje em dia). 
A categoria dos trabalhadores que recebem mais-salário não está, obviamente, limitada aos gerentes: ela se estende a todos os tipos de especialistas, administradores, funcionários públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais, artistas… O excesso que eles recebem tem duas formas: mais dinheiro (para gerentes etc.), mas também menos trabalho, isto é, mais tempo livre (para alguns intelectuais, mas também para setores da administração estatal).
O procedimento de avaliação que qualifica alguns trabalhadores para receberem mais-salário é, claramente, um mecanismo arbitrário de poder e ideologia sem nenhuma ligação séria com a competência real – ou, como diz Milner, a necessidade de mais-salário não é econômica, mas política: para manter uma “classe média” com o propósito de estabilidade social. A arbitrariedade da hierarquia social não é um erro, mas todo o seu propósito, de forma que a arbitrariedade da avaliação cumpre um papel homólogo à arbitrariedade do sucesso de mercado. Isto é, a violência ameaça explodir não quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta eliminar esta contingência. 
É neste nível que se deve buscar pelo que se pode chamar de, em termos um tanto vagos, a função social da hierarquia. Jean-Pierre Dupuy [em La marque du sacre, Paris, Carnets Nord, 2008] concebe a hierarquia como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) cuja função é fazer com que a relação de superioridade não seja humilhante para os subordinados: a hierarquia (a ordem externamente imposta de papéis sociais em clara contraposição ao valor imanente dos indivíduos – eu, portanto, experimento meu menor status social como totalmente independente do meu valor intrínseco); a desmistificação (o procedimento crítico-ideológico que demonstra que as relações de superioridade/inferioridade não estão fundamentadas na meritocracia, mas são resultado de lutas objetivamente ideológicas e sociais: meu status social depende de processos sociais objetivos, não de méritos – como diz Dupuy sarcasticamente, a desmistificação social “cumpre o mesmo papel, em nossas sociedades igualitárias, competitivas e meritocráticas do que a hierarquia nas sociedades tradicionais” [p. 208] – isto nos permite evitar a conclusão dolorosa de que “a superioridade do outro é o resultado de seus méritos e conquistas”; a contingência (o mesmo mecanismo, porém sem a sua forma crítico-social: nossa posição em escala social depende de uma loteria natural e social – sortudos são aqueles que nascem com melhores disposições e em famílias ricas); a complexidade (superioridade ou inferioridade dependem de um processo social complexo independente das intenções ou méritos dos indivíduos – digamos, a mão invisível do mercado pode causar o meu fracasso ou o sucesso do meu vizinho, mesmo que eu tenha trabalhado muito mais e seja muito mais inteligente). 
Ao contrário do que parece, todos estes mecanismos não contestam ou sequer ameaçam a hierarquia, mas a tornam palatável, uma vez que “o que desencadeia o turbilhão da inveja é a ideia de que o outro merece a sua sorte e não a ideia oposta, a única que pode ser abertamente expressa” [p.211]. Dupuy extrai desta premissa a conclusão (óbvia, para ele) de que é um grande erro pensar que uma sociedade que seja justa e que se perceba como justa será assim livre de todo o ressentimento – ao contrário, é precisamente em tal sociedade que aqueles que ocupam posições inferiores encontraram uma válvula de escape para seu orgulho ferido em violentas explosões de ressentimento.
Aí reside um dos maiores impasses da China hoje: o objetivo ideal das reformas de Deng Xiaoping era introduzir um capitalismo sem burguesia (como classe dominante); agora, entretanto, os líderes chineses estão descobrindo dolorosamente que o capitalismo sem hierarquia estável (conduzida pela burguesia como nova classe) gera permanente instabilidade – portanto, que caminho tomará a China? Mais genericamente, esta é possivelmente a razão pela qual (ex-)comunistas reaparecem como os mais eficientes gestores do capitalismo: sua histórica inimizade com a burguesia enquanto classe se encaixa perfeitamente na tendência do capitalismo contemporâneo em direção a um capitalismo gerencial sem burguesia – em ambos os casos, como Stalin disse a muito tempo, “os quadros decidem tudo” (está surgindo também uma diferença interessante entre a China de hoje e a Rússia: na Rússia os quadros universitários eram ridiculamente mal pagos, eles de fato se confundiam com os proletários, enquanto na China eles são bem remunerados com um “mais-salário” como meio de garantir sua docilidade). 
Além disso, esta noção de “mais-salário” também nos permite lançar novas luzes sobre os atuais protestos “anti-capitalistas”. Em tempos de crise, o candidato óbvio para “apertar os cintos” são os níveis mais baixos da burguesia assalariada: uma vez que o seu mais-salário não cumpre nenhum papel econômico imanente, a única coisa que permite diferenciá-los do proletariado são seus protestos políticos. Embora estes protestos sejam nominalmente dirigidos pela lógica brutal do mercado, eles efetivamente protestam contra a gradual corrosão de sua posição econômica (politicamente) privilegiada. 
Lembremos da fantasia ideológica favorita de Ayn Rand (de seu Atlas Shrugged), a de “criativos” capitalistas em greve – esta fantasia não encontra sua realização perversa nas greves de hoje, que em sua maioria são greves da privilegiada “burguesia assalariada” motivada pelo medo de perder seu privilégio (o excedente sobre o salário mínimo)? Não são protestos proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido à condição proletária. Isto quer dizer: quem ousa se manifestar hoje, quando ter um emprego permanente já se tornou um privilégio? Não os trabalhadores mal pagos (no que sobrou) da indústria têxtil etc. mas o estrato de trabalhadores privilegiados com empregos garantidos (muitos da administração estatal, como a polícia e os fiscais da lei, professores, trabalhadores do transporte público etc.). Isto também vale para a nova onda de protestos estudantis: sua maior motivação é o medo de que a educação superior não mais lhes garanta um mais-salário na vida futura.
Está claro, obviamente, que o enorme renascimento dos protestos no último ano, da Primavera Árabe ao Leste Europeu, do Occupy Wall Street à China, da Espanha à Grécia, não devem definitivamente ser desconsiderados como uma revolta da burguesia assalariada – eles guardam potenciais muito mais radicais, de forma que devemos nos engajar numa análise concreta caso a caso. Os protestos estudantis contra a reforma universitária em curso no Reino Unido são claramente opostos às barricadas do Reino Unido em agosto de 2011, este carnaval consumista de destruição, a verdadeira explosão dos excluídos. 
Em relação aos levantes do Egito, pode-se argumentar que, no começo, houve um momento de revolta da burguesia assalariada (jovens bem educados protestando contra a falta de perspectiva), mas isto foi parte de um amplo protesto contra um regime opressivo. Entretanto, até que ponto o protesto conseguiu mobilizar trabalhadores e camponeses pobres? Não seria a vitória eleitoral dos islâmicos também uma indicação da base social estreita do protesto secular original? 
A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas surgiu uma nova “burguesia assalariada” (especialmente na administração estatal superdimensionada) graças à ajuda financeira e empréstimos da União Europeia, e muitos dos protestos atuais, mais uma vez, reagem à ameaça de perda destes privilégios.
Além disso, esta proletarização da baixa “burguesia assalariada” vem acompanhada do excesso oposto: as remunerações irracionalmente altas dos grandes executivos e banqueiros (remunerações economicamente irracionais, uma vez que, como demonstraram as investigações nos Estados Unidos, elas tendem a ser inversamente proporcionais ao sucesso da empresa). É verdade, parte do preço pago por essa super remuneração é o fato dos executivos ficarem totalmente disponíveis 24 horas por dia, vivendo assim num estado de emergência permanente. Mais do que submeter estas tendências a uma crítica moralista, deveríamos interpretá-las como a indicação de como o próprio sistema capitalista não é mais capaz de encontrar um nível interno de estabilidade autorregulada e de como esta circulação ameaça sair do controle.
(*) Artigo publicado originalmente no blog da Boitempo
Traduzido por Chrysantho Sholl e Fernando Marcelino
Fotos: Recriação do jogo Monopoly instalada por Banksy no acampamento do Occupy London 
Fonte: Carta Maior | Internacional| 30/01/2012

“Quem controla a água controla a vida”

"Acesso à água desencadeará as grandes guerras do século." Boaventura de Sousa Santos

Se as guerras do século XX foram motivadas pela exploração do petróleo, os conflitos do século XXI estarão centrados no controle dos hídricos, previu o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Quem controla a água controla a vida”, disse.
A reportagem é de Micael Vier B. e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 27-01-2012.
Boaventura apresentou palestra em São Leopoldo, hoje, no Fórum Social Temático 2012, evento preparatório para a Cúpula dos Povos da Rio + 20. Ele fez um apelo para que o tema da água motive a agregação dos movimentos sociais, reunindo em torno dele povoados rurais e urbanos, movimentos de mulheres e indígenas.
Ao sinalizar dois grandes paradigmas em torno da temática, o sociólogo disse que enquanto comunidades consideram a água um bem comum vinculado à sua história, identidade e espiritualidade, a tese defendida pelo Banco Mundial submeteu a exploração da água às leis do mercado.
As dimensões do problema revelam que 17% da população mundial não possuem acesso à água potável, enquanto 40% dos moradores do planeta não têm saneamento básico. Mesmo Manaus, cidade cercada com a maior quantidade de água doce no mundo, apresenta problemas de coleta e tratamento de esgoto.
Em países do continente africano, afirmou Boaventura, o problema aflige diretamente a população feminina, na medida em que muitas mulheres chegam a consumir seis horas diárias na busca por alguns litros de água. “Essas pessoas realizam um esforço extraordinário para garantir a sustentabilidade de suas famílias”, enfatizou.
Dados oferecidos na palestra indicam que entre 40 a 90 milhões de pessoas foram deslocadas de suas propriedades no último século em decorrência de grandes projetos de mineração e barragem, a exemplo do que ocorre atualmente no Estado do Pará com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Como alternativa, Boaventura enalteceu o surgimento de um novo conceito de segurança humana, pautado pela democratização da água, pelo respeito ao valor atribuído a ela pelas diferentes culturas e por um processo de implementação do que denominou de uma “cultura da água”, a começar nas escolas.
Segundo o sociólogo, daqui a dez anos a humanidade estará travando esse mesmo diálogo em torno do ar, que já começa a ser explorado enquanto mercadoria, embora seja, assim como a água, uma falsa mercadoria na medida em que não é produzido pelo homem, mas a ele concedido de forma gratuita.
Fonte: Ecodebate, 30/01/2012 publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

sexta-feira, janeiro 27, 2012

a face mais evidente e mais importante do sistema globalizado é a do universo financeiro

Ainda há espaço para bancos bons?

Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC?
A péssima imagem do financeiro
Um dos problemas derivados da profunda crise por que passa o sistema econômico mundial nos tempos atuais é o aumento contínuo da descrença em suas próprias instituições. Como a face mais evidente e mais importante do sistema globalizado é a do universo financeiro, todas as ações e organizações a ele ligadas acabam tendo sua própria credibilidade colocada em xeque. Falou em qualquer coisa que leve o adjetivo “financeiro”: pronto! Entrou em estado de “desgraça”.
A coisa acaba ficando mais complicada, pois nas manchetes do mal-feito acabam confundindo-se todos os elementos do próprio sistema. A crise foi provocada pela ação irresponsável das grandes corporações financeiras. Os maiores beneficiários da crise são os grandes bancos. As bolsas de valores e de mercadorias representam o lócus por excelência da especulação financeira. 
A crise teve início com o sistema das hipotecas no mercado imobiliário estadounidense, onde a incapacidade de honrar os compromissos dos empréstimos era mascarada pelos mercados de títulos secundários. A solução para o fenômeno evidente da bolha do mercado de imóveis era empurrada com a barriga, por meio do lançamento de mais operações, envolvendo maior risco, como nos jogos de pirâmide. As agências de “rating” – que deveriam bem avaliar o risco embutidos nas operações financeiras – exercem, ao contrário, função ativa no processo da especulação. Os esforços realizados pelos governos dos Estados Unidos e da Europa têm sido na direção do salvamento dos bancos, sempre à custa de sacrifício imposto à maioria da população. E por aí vai.
E nessa toada, acaba-se correndo o risco de generalizações que, muitas vezes, acabam por dificultar a análise concreta de cada caso, de cada agente, de cada instituição. Apenas demonizar o conjunto das instituições do sistema financeiro, por conta da crise e do comportamento mais visível de seus gigantes, é algo que não contribui para bem compreender a dinâmica de funcionamento da economia contemporânea. Na verdade, seria uma atitude similar a condenar o conjunto das atividades do setor da agricultura, por exemplo, em razão do comportamento predatório do latifundiário plantador de soja transgênica. Ou então de denunciar todo o ramo da indústria de confecções em função dos conhecidos empresários que realizam o seu lucro com base na exploração do trabalho escravo. Ou ainda responsabilizar todas as empresas atuantes no ramo da construção civil pela ação irresponsável das grandes e conhecidas construtoras na área da construção residencial ou das grandes obras encomendadas pelo setor público. Ou mesmo uma condenação de qualquer tentativa de constituição de novos agentes na área de comunicação, dada a péssima atuação dos integrantes do oligopólio atual em televisão, rádio, imprensa escrita, etc.
A atividade bancária em suas origens
No caso do sistema financeiro, a identificação mais imediata que realizamos em nosso imaginário é com as instituições bancárias. A formulação da falsa identidade “financeiro = banco” termina por criar um sentimento contra os bancos, de natureza quase figadal por parte da maioria da população (ainda que perfeitamente compreensível, em função da ação concreta da maior parte deles). E, assim, surge a pergunta que não quer calar, embutida no título: mas, afinal, não haveria mais espaço para atuação de “bons bancos” em nossa economia?
Para ensaiar algum caminho de resposta, seria necessário buscar compreender melhor qual a função do banco na economia capitalista. Na verdade, a função clássica e tradicional das instituições bancárias é o da concessão de crédito e de empréstimos. Em sua versão mais tradicional, o banco recolheria os recursos monetários sobrantes na sociedade em determinado momento, ou seja, a chamada poupança. Os indivíduos, as famílias, as empresas e até mesmo o Estado deixariam ali os valores que não foram consumidos em suas contas bancárias (por oposição à imagem de deixar o dinheiro debaixo do colchão). Em tese, para assegurar que os recursos fiquem por mais tempo sem movimentação, os bancos podem oferecer uma remuneração, que se efetua com base na taxa de juros que eles oferecem aos depositantes. No jargão do financês, são as assim denominadas “taxas de juros passivas”. Na outra ponta, estariam os chamados agentes econômicos que necessitam de mais recursos do que dispõem para suas atividades – os tomadores de empréstimos. E eles se dirigem aos bancos, que justamente oferecem os valores que os demais haviam deixado para depósito. No caso, a concessão do crédito envolve a cobrança das “taxas de juros ativas” – normalmente maiores do que as anteriores. A diferença entre ambas é o chamado “spread” e serve como base para constituição dos ganhos da atividade bancária.
Assim, em uma versão assim simplificada, os bancos podem vir a cumprir uma função importante na economia: a de intermediação de recursos monetários. Mas por se tratar de um setor sensível e estratégico, a atividade bancária quase sempre esteve sujeita à regulação e à fiscalização do poder público. Afinal, o banco opera com aquilo que não é seu. Ele recolhe valores de uns e empresta esses mesmos recursos para outros. Com o agravante de que ele pode até emprestar mais do que tem em sua carteira. Ele teria o poder, assim, de criar moeda de forma, digamos, artificial. É o que no financês se chama de “multiplicador bancário”. O risco desse tipo de possibilidade é o da chamada “corrida bancária”: se todos que aplicaram na instituição forem reclamar o seu depósito ao mesmo tempo, o banco não tem como honrar os compromissos. É por isso que os órgãos de regulação do sistema financeiro estabelecem o “depósito compulsório”. Ou seja, uma parte do valor depositado fica retida junto à autoridade monetária e o banco não pode usar para emprestar. É uma tentativa de reduzir o risco da exposição bancária exagerada.
Assim, em condições de boa regulação e operando com taxas de ganho razoáveis, é possível que a atividade bancária cumpra seu papel de forma adequada na economia contemporânea. Isso significa intermediar recursos de quem poupa e emprestá-los a quem deles necessite. E menciono aqui dois casos típicos em que a atividade pode muito bem cumprir sua função social, até de forma relevante e saudável. Trata-se dos bancos públicos e das cooperativas de crédito.
Bancos públicos podem ser diferentes
O comportamento empresarial dos bancos públicos é definido por seu dono, o governo. Ora, se a autoridade pública tiver interesse em moralizar as atividades desenvolvidas no interior do sistema financeiro, nada mais adequado do que utilizar os bancos de sua propriedade para tanto. No Brasil, o governo federal é acionista majoritário de duas das maiores instituições bancárias: o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Além disso, detém também a capacidade de comando sobre outras importantes instituições de empréstimo e crédito: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os bancos de desenvolvimento regional – Banco da Amazônia (BASA) e o Banco do Nordeste (BNB).
Ora, com um potencial de influência de mercado como esse, o que falta é apenas a vontade política de transformar a prática e a gestão das instituições bancárias. Por exemplo, decidindo diminuir o “spread” cobrado em suas operações de crédito, onde chegam a impor ao cliente diferenças abissais entre o juro que eles remuneram e o juro que eles recebem. Ou ainda reduzindo de forma drástica os ganhos com as tarifas abusivas cobradas pelos serviços oferecidos. Ou então estabelecendo regras para não mais enganar a clientela com oferta de produtos financeiros escandalosamente irresponsáveis e especulativos. Assim, os bancos estatais poderiam recuperar sua credibilidade pública e contribuir para que a própria concorrência privada fosse obrigada a redefinir seu “modus operandi”, sob pena de perder parte da clientela. Nada justifica que o BB ou a CEF apresentem resultados escandalosamente elevados em seus lucros anuais. Por serem bancos de propriedade do governo federal, seria de se esperar que fossem obrigados por este a que melhor cumprissem com sua missão: prestar um serviço ao conjunto da sociedade de menor custo e de melhor qualidade.
A alternativa das cooperativas de crédito
O outro exemplo é o das cooperativas de crédito. Trata-se de uma importante experiência histórica no movimento bancário em todo o mundo. Boa parte do sistema financeiro europeu atual, por exemplo, tem suas origens no movimento cooperativo, que surge ainda no final do século XIX e início do século XX em países como Alemanha, França, entre outros. Na maioria dos casos, a iniciativa estava vinculada a cooperativas ligadas à atividade agrícola. E que depois, pouco a pouco, foram ampliando a sua área de atuação. No caso brasileiro também houve momentos de fortalecimento desse tipo de alternativa de financiamento. No entanto, a falta de controle dos órgãos públicos envolvidos e a ausência de transparência no interior das próprias cooperativas de crédito terminaram por manchar a imagem desse setor, jogando-o na vala comum do escândalo geral da corrupção. 
Atualmente, em função inclusive dos elevados custos financeiros, vive-se uma retomada desse tipo de iniciativa. Afinal, se a cooperativa pertence aos seus associados e não visa lucro, qual o sentido de cobrar taxas extorsivas em suas operações ou buscar rentabilidade máxima na apuração de seus resultados operacionais? Basta que elas tenham escala em termos do número de participantes e credibilidade junto ao mercado para que seu funcionamento seja simples e eficiente.
Qual o cliente que não se sente lesado por estar pagando mais de 200% ao ano em cada momento que entra no vermelho em sua conta corrente? Qual empresário industrial não se sente prejudicado com as absurdas taxas cobradas em seus empréstimos, em níveis muito superiores à já elevada taxa oficial da SELIC? Qual comerciante não se sente injustiçado com as tarifas abusivas cobradas pelas empresas operadoras de cartão de crédito, todas elas pertencentes aos próprios bancos?
Portanto, caberia ao governo federal cumprir sua missão e moralizar a ação dos bancos. Em primeiro lugar, recomendando ao COPOM que reduzisse de forma efetiva a taxa oficial de juros. Depois, orientando os dirigentes dos bancos públicos a romperem com a lógica mercadista em seu comportamento empresarial. Ou seja, não mais buscar a acumulação de lucros sem qualquer princípio ético ou de respeito ao País, à sociedade e a seus cliente.
Finalmente, recomendando maior rigor da parte dos órgãos reguladores do sistema financeiro, para reduzir a margem das manobras de natureza especulativa e impondo limites legais à prática do “spread”. Assim, todos ganharíamos. Principalmente, as futuras gerações que passariam a viver em uma sociedade menos contaminada pelo vício do rentismo, a esperteza de viver usufruindo apenas dos ganhos da atividade financeira parasita. Sim, é possível e necessário que haja espaço para “bons bancos”. Basta que sejam, em sua essência, apenas bancos e nada mais.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 27/01/2012

quarta-feira, janeiro 25, 2012

tal cor sinaliza depressão; outra... as formas patológicas da angústia

O florescente mercado das ‘desordens psicológicas’

 Surgido há 50 anos, o uso de antipsicóticos, a despeito de seus pobres resultados, tornou-se maciço na medicina psiquiátrica norte-americana. Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo
por Olivier Appaix, no Le Monde Diplomatique Brasil
Criada em 2008, em Denver (Colorado), a empresa de exames médicos de imagem CereScan pretende diagnosticar os problemas mentais por meio de imagens do cérebro. Um documentário exibido no canal Public Broadcasting Service (PBS)1 mostra seu funcionamento. Sentado entre os pais, um menino de 11 anos espera, silencioso, o resultado da IRM2 de seu cérebro. A assistente social pergunta se ele está nervoso. Não, ele responde. Ela mostra então as imagens à família: “Vocês estão vendo? Aqui está vermelho, e aqui, alaranjado. Mas deveria estar verde e azul”. Tal cor sinaliza depressão; outra, os problemas bipolares ou as formas patológicas da angústia.
A CereScan satisfaz as demandas crescentes de uma sociedade que parece suportar cada vez menos os sinais de desvio. A empresa afirma que um em cada sete norte-americanos com idade entre 18 e 54 anos sofre de uma “‘desordem’ ou ‘problema’ patológico ligado à angústia”, ou seja, 19 milhões de pessoas.3Um mercado para o qual ela vê um futuro brilhante: CereScan prevê abrir vinte novos centros nos Estados Unidos. Antes de partir para a conquista dos cérebros do resto do mundo?
As normas que definem o comportamento esperado não são claramente estabelecidas, mas os critérios de diagnóstico dos desvios ou transtornos considerados patológicos − como o “déficit de atenção” − são, esses sim, muito precisamente enunciados e classificados pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM, na sigla em inglês). Referência absoluta dos profissionais nos Estados Unidos, e cada vez mais em outros lugares do mundo, esse manual permite identificar os “transtornos patológicos” em idades cada vez menores. Nos Estados Unidos, desde o começo dos anos 2000, 1 milhão de crianças foram diagnosticadas com transtorno bipolar. Abaixo dos 16 mil em 1992, o número de autistas entre 6 e 22 anos passou para 293 mil em 2008, ou para 338 mil se incluirmos as crianças de 3 a 6 anos – uma categoria de idade que passou a figurar nas estatísticas em 2000.
Na população geral, 1.100 pessoas (850 adultos e 250 crianças) se unem todos os dias à lista dos destinatários da ajuda financeira federal por motivo de problema mental severo. O pente fica cada vez mais fino. E, no entanto, os testes clínicos realizados nos adultos se revelam bem pouco conclusivos quanto aos benefícios a longo prazo da resposta farmacoterapêutica às doenças mentais. Se, em algumas semanas, reações positivas podem aparecer (geralmente equivalentes, no entanto, àquelas provocadas pelos placebos), os efeitos por um período mais longo incluem alterações irreversíveis do cérebro e discinesias tardias.4
A resposta farmacoterapêutica às doenças mentais apareceu nos anos 1950, a partir dos trabalhos de um médico francês, Henri Laborit, sobre o paludismo, a tuberculose e a doença do sono. No último, ele constata a “quietude eufórica” provocada pela prometazina. Em 1951, ele qualifica de “lobotomia medicinal” a intervenção cirúrgica que destrói as conexões do córtex pré-frontal5 inventada pelo neurologista português Egas Moniz, Prêmio Nobel de Medicina em 1949. A utilização do primeiro antipsicótico (nomeado mais tarde de Largactil) se espalhou rapidamente pelos asilos psiquiátricos, depois atravessou o Atlântico, assim como a lobotomia. Introduziu-se então a ideia de que os transtornos mentais resultam de um desequilíbrio químico do cérebro. Por isso, os efeitos “miraculosos” do lítio e das fórmulas que o sucederam, do Prozac (colocado no mercado em 1988) ao Zoloft, passando pelo Zyprexa, são então exaltados pela mídia em geral ao grande público.
A aparição dos antipsicóticos dá aos psiquiatras, e depois ao pessoal de enfermagem e assistência social, um status de prescritores de medicamentos dos quais eles estavam amplamente desprovidos, marginalizando a resposta psicoterapêutica e as outras numerosas soluções possíveis: exercício, melhor nutrição, socialização etc. A partir de então, tem início a escalada farmacológica. O campo da patologia é compreendido e densificado com o DSM, e a resposta farmacêutica se intensifica, com a bênção das autoridades sanitárias.
Os laboratórios se tornaram mestres na arte da comunicação, e na maior parte das vezes não revelam tudo o que sabem sobre os efeitos dos remédios. A mensagem dirigida aos pais, às crianças ou aos jovens afetados por um episódio de transtorno mental se resume ao seguinte: “Você precisa de medicamentos como o diabético necessita de insulina”. Tendo se beneficiado por anos da generosidade da indústria farmacêutica, da qual ele era um dos mais fiéis promotores, o doutor Daniel Carlat atualmente denuncia sua influência:6 “Dizem aos pacientes que eles têm um desequilíbrio químico no cérebro, porque é preciso tornar medicinalmente plausível a seus olhos o fato de que estão doentes. Mas sabemos que isso não foi provado”.7
Críticos são deixados de fora
Os estudos longitudinais (que não são feitos pelos laboratórios) mostram que os efeitos dos antipsicóticos param com o tempo, que as crises reaparecem, frequentemente mais fortes, e que os sintomas se agravam, ainda mais que nos pacientes tratados com placebos. Os profissionais concluem, com base nisso, que as doses são… insuficientes, ou a terapia é inapropriada; passam então para algo mais forte. Os transtornos se agravam e a deficiência se aprofunda. Milhões de pessoas nos Estados Unidos sucumbem a essa engrenagem infernal, que se assemelha com frequência às “lobotomias medicinais” descritas por Laborit desde 1951.
Diante dessas incômodas constatações, laboratórios e pesquisadores não hesitam às vezes em deturpar os testes clínicos ou a apresentação de seus resultados, ou até mesmo a mentir por omissão. Uma equipe da Universidade do Texas publicou assim falsos resultados sobre o medicamento Paxil, administrado em adolescentes, omitindo o grande aumento do risco de suicídio dos pacientes estudados. Os profissionais seguiram a linha, louvando a tolerância do medicamento pelos adolescentes. GlaxoSmithKline, o fabricante, tinha inclusive reconhecido num documento interno que seu remédio não valia mais que um placebo. Acusada judicialmente de promoção fraudulenta, a empresa preferiu pagar uma indenização: um processo implicaria o risco de macular consideravelmente sua imagem e seus lucros.8 Uma prática corrente nessa indústria, que nisso lembra a do tabaco.
Alguns pesquisadores demonstraram a ineficiência dos antipsicóticos ou até mesmo sua contribuição para o aumento das taxas de suicídio das pessoas tratadas; eles foram marginalizados.9 Em grande parte financiados pelos laboratórios, os departamentos universitários de psiquiatria vivem um conflito de interesses patente e correm o risco de sofrer com o descrédito lançado sobre os medicamentos e seus fabricantes. Assim, entre 2000 e 2007, o chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Emory (Atlanta) recebeu – sem declarar – mais de US$ 2,8 milhões como consultor para companhias farmacêuticas, em retribuição a centenas de conferências. Um antigo diretor do Instituto Americano de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) recebeu US$ 1,3 milhão da GlaxoSmithKline entre 2000 e 2008 para promover os “estabilizadores de humor”. Ele também era apresentador de um programa de rádio muito popular numa emissora de rádio pública (NPR). Interrogado sobre essas práticas, ele respondeu ao New York Times que “todo mundo [na sua área] faz isso”.10 Se a declaração das fontes de financiamento e dos valores recebidos é obrigatória, pelo menos no caso dos cientistas, as fraudes são numerosas.
Sem remédios, resultados melhores
Os laboratórios, e junto com eles um bom número de médicos, encorajam um consumo cada vez mais intenso, prolongado e diversificado de psicotrópicos e outros antipsicóticos. A Novartis foi condenada a pagar uma multa de US$ 422,5 milhões por ter levado, entre 2000 e 2004, ao consumo de Trileptal (um remédio contra a epilepsia) para o tratamento de transtorno bipolar e dores nervosas – indicações não aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA). São corriqueiras as conferências em que médicos que prescrevem muito certo medicamento são generosamente pagos para discorrer a seu respeito diante de uma plateia de colegas também paga para escutar. O custo astronômico desse marketing, em última análise, repercute no custo dos medicamentos e, portanto, no bolso dos doentes.
Como fixar as fronteiras do que é considerado patológico? A modalidade da resposta ilustra os excessos de um sistema de saúde que leva ao superconsumo de medicamentos e até mesmo ao diagnóstico exagerado, com a multiplicação das categorias de “transtornos”. O sistema encoraja, ainda por cima, um cuidado menos personalizado (o objetivo são os “números”, principalmente nos sistemas de pagamento imediato), a utilização de testes de diagnósticos pesados e uma resposta química automática. No entanto, são cada vez mais numerosos os estudos longitudinais a estabelecer a superioridade do tratamento de doenças mentais sem produtos farmacêuticos, incluindo a esquizofrenia – exceto em casos muito minoritários e por tempo limitado.11 A longo prazo, o exercício, a socialização e o trabalho tornam a vida das pessoas afetadas por transtornos mentais bem mais suportável. A ruptura do vínculo social, a discriminação no seio da família ou da comunidade são as primeiras causas da loucura. Estudos transculturais realizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) dos anos 1970 a 1990 sobre a esquizofrenia e a depressão em todo o mundo mostraram que as pessoas não submetidas a uma farmacoterapia seriam beneficiadas com um “melhor estado de saúde geral” a médio e longo prazo.12
Mas os antipsicóticos contribuíram em grande escala para o crescimento espantoso das vendas e dos lucros das companhias farmacêuticas. Esse setor é um dos mais rentáveis dos Estados Unidos nos últimos cinquenta anos. As legislações atuais são favoráveis a eles. Durante a discussão do projeto de lei da reforma do sistema de saúde em 2009, US$ 544 milhões foram gastos para garantir, junto aos legisladores, os interesses dos planos de saúde, das empresas farmacêuticas e dos fornecedores de tratamentos. Os que ganham muito veem com maus olhos, historicamente, a intervenção do poder público em seu território. A saúde mental representa o primeiro lugar nos gastos com a saúde, com US$ 170 bilhões em 2009. Um número que deve aumentar para US$ 280 bilhões em 2015.13
Paradoxalmente, se a farmacoterapia dos transtornos mentais se massifica, centenas de milhares de pessoas sofrendo desses problemas não são beneficiadas por nenhum tipo de assistência: as que não têm cobertura médica (16% da população) – a reforma iniciada por Barack Obama só vai começar de fato em 2014 – e aquelas que estão encarceradas. Estima-se que meio milhão de detentos tenham necessidade de ajuda, ainda mais porque o aprisionamento e as condições de encarceramento agravam os transtornos. Mas as instituições carcerárias não estão preparadas para isso de jeito nenhum. Uma vez em liberdade, esses presos se voltam ao uso de drogas como forma de terapia e, num círculo vicioso, caem de novo na delinquência.
Olivier Appaix é economista da saúde.
Ilustração: Daniel Kondo
1 The medicated child, documentário do programa Frontline, Boston, jan. 2008.
2 Sigla de imagem por ressonância magnética. Nos Estados Unidos, uma IRM do cérebro custa de US$ 1.500 a mais de US$ 3.000 por um procedimento que dura de quarenta a sessenta minutos.
3 “Anxiety disorder”, 2009. Disponível em: www.brainmattersinc.com
4 A discinesia se caracteriza por movimentos incontroláveis do rosto, principalmente da mandíbula, e a protrusão repetitiva da língua.
5 A lobotomia tratava os pacientes que sofriam de certas doenças mentais como a esquizofrenia. Hoje em dia é proibida na maior parte dos países.
6 Daniel Carlat, Unhinged, the trouble with psychiatry. A doctor’s revelations about a profession in crisis [Desequilibrado, o problema da psiquiatria. Revelações de um doutor sobre uma profissão em crise], Free Press, Nova York, 2010.
7 Entrevista de Daniel Carlat em Fresh Air, National Public Radio, 13 jul. 2010.
8 “When drug companies hide data” [Quando farmacêuticas escondem dados], New York Times, 6 jun. 2004. A mesma empresa acaba de pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma série de processos
relativos a seus produtos, entre eles o Paxil.
Cf. New York Times, 3 nov. 2011.
9 Robert Whitaker, Anatomy of an epidemic. Magic bullets, psychiatric drugs, and the astonishing rise of mental illness in America [Anatomia de uma epidemia. Balas mágicas, drogas psiquiátricas e o impressionante crescimento de doenças mentais nos Estados Unidos], Crown, Nova York, 2010, p.304-307.
10 New York Times, 22 nov. 2008.
11 Robert Whitaker, op. cit.
12 Estudos citados por Whitaker. O estado de saúde segundo a OMS inclui a saúde física, mental e social. 
13 Centers for Medicare and Medicaid Services (www.cms.gov).
Fonte: EcoDebate, 25/01/2012

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