Centro de Biotecnologia da Amazônia: impasse prejudica pesquisas
Pesquisadores da instituição vivem com bolsas e incubadora de empresas está ociosa
A demora na solução do problema institucional que afeta o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) prejudica o aproveitamento da biodiversidade da região na formação de cadeias produtivas e a capacitação de recursos humanos, segundo cientistas ouvidos pelo "Inovação Unicamp".
Desde 2002, o CBA está sob a responsabilidade da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e não tem personalidade jurídica própria. A falta de autonomia diminui a agilidade do centro na formalização de contratos com empresas e de convênios com instituições de ensino superior. Atualmente, está em tramitação no Executivo federal um relatório de um comitê interministerial que sugere a transformação do CBA em uma empresa pública.
Uma das instituições que desenvolvem pesquisas no CBA é a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O biólogo Spartaco Astolfi Filho, que participou da concepção do Centro em meados da década de 1990, lamenta a demora do Executivo federal na definição do modelo de gestão para o Centro. Para ele, a indefinição obrigou outras instituições a suprir lacunas deixadas por seu funcionamento parcial.
Para o pesquisador, que dirige o Centro de Apoio Multidisciplinar (CAM) da Ufam, o CBA deveria desempenhar um papel na parte final das cadeias produtivas, estimulando a interação de universidades com empresas, contribuindo para ampliar a escala dos processos e atuando nos testes clínicos, por exemplo. "O Centro não cumpre o papel para o qual foi desenhado", critica Astolfi. "Se cumpre uma parte, faz o CBA ter potência menor do que a necessária", continua.
Ele considera "inconcebível" que a instituição funcione sem um registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou um conselho científico que seja composto por instituições de pesquisa da Amazônia. Um dos papéis que caberia ao Centro seria a de incubadora de empresas, mas há apenas uma firma sendo incubada, do ramo alimentício.
"A Ufam montou uma incubadora de empresas. Nossos doutores estão saindo e criando as empresas na própria Universidade", afirma Astolfi. "A Ufam está fazendo o papel dela, mas poderia otimizar esses recursos." Há quatro empresas de biotecnologia incubadas atualmente na Universidade.
Astolfi é experiente na pesquisa na academia e na empresa. Na década de 1980, foi o principal pesquisador da Biobras, farmacêutica do empresário Guilherme Emmerich que desenvolveu uma tecnologia para fabricação de insulina sintética - uma das quatro patentes mundiais de fabricação do produto foi concedida à empresa.
Capacitação de pesquisadores
Na formação de recursos humanos para pesquisa, o CBA tem sido importante para a região amazônica, estima o professor da Ufam, principalmente nas áreas de farmacologia e toxicologia. No entanto, a falta de um sistema de gestão "dinâmico", entre outras coisas, tem causado um esvaziamento do quadro de funcionários.
Astolfi relata que são vários os casos de pesquisadores que trocam a instabilidade de uma bolsa de estudos no CBA por um concurso público. "O CBA começa agora a se esvaziar por essa falta de modelo de gestão", diz. "Se não tem um CNPJ, não pode ter um quadro de funcionários."
O mesmo problema de desestímulo para os pesquisadores foi detectado pelo engenheiro Tadao Takahashi, coordenador do Laboratório de Ensaios Avançados de Futuros (LEAF), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Entre junho e dezembro de 2009, a Suframa encomendou ao LEAF a elaboração de um plano diretor e de um plano de negócios para o CBA.
Ambos os documentos foram anexados no início de 2010 ao relatório final do comitê interministerial que decidiu pela transformação do CBA em uma empresa pública.
Para Takahashi, os recursos humanos que o centro de biotecnologia conseguiu formar nos últimos anos estão sendo subutilizados, o que tem levado profissionais a deixar a instituição. "Contrataram bolsistas, colocaram algumas linhas de pesquisa para frente, mas obviamente não é possível montar um modelo ambicioso e estável quando a própria entidade que quer montar isso sequer tem razão jurídica", constata o pesquisador da PUC-Rio.
Spartaco Astolfi, no entanto, reconhece que há profissionais importantes atuando no CBA. "Conseguimos excelentes pesquisadores seniores e bons pesquisadores doutores, que estão sendo mantidos com bolsas do MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], enquanto a Suframa tem colocado recursos para equipar e fazer a manutenção." Esses profissionais qualificados trabalham em temas de pesquisa ligados à biodiversidade. As amarras institucionais, observa Astolfi, impedem trabalhos científicos de maior relevo pela falta de interação com o ambiente privado.
"Há atividade de pesquisa no CBA, mas tudo isso poderia estar sendo feito com muito mais potência e interação com as universidades, com o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e com as empresas se o CBA tivesse autonomia", afirma Astolfi, que costuma utilizar as instalações da instituição com seu grupo de pesquisa da Ufam, principalmente o Laboratório de Ressonância Magnética Nuclear da Central Analítica.
"Como não há grandes projetos transcorrendo no CBA com envolvimento de empresas grandes, como farmacêuticas ou empresas químicas, certamente a estrutura está sendo subutilizada", concorda Takahashi.
No trabalho de levantamento dos problemas que afetaram o CBA na última década, Takahashi concluiu que, desde que foi oficialmente criado, em 1998, o centro de biotecnologia foi "atropelado" várias vezes. Por exemplo, pelo impasse na criação de uma legislação sobre o acesso aos recursos genéticos e à biodiversidade; também pelas discussões sobre modelos de propriedade intelectual.
"Resumindo a história, em 2010, existe uma entidade que deveria ser absolutamente essencial para o país e que está em uma situação de 'vai, não vai', 'funciona, não funciona'", afirma o coordenador do LEAF. "Por incrível que pareça, de 2003 até 2009 não houve nenhuma decisão institucional acerca de o que fazer com o CBA."
Histórico tumultuado
A repercussão negativa do "acordo de bioprospecção", firmado em 2000, entre a empresa suíça Novartis e a Bioamazônia, organização social criada para colaborar com a implantação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Probem/Amazônia) e do CBA, marca o início dos impasses do Centro. Incumbida de atuar no desenvolvimento integrado da biotecnologia da Amazônia por meio de uma rede nacional, a Bioamazônia poderia também fazer convênios e participar de consórcios com instituições nacionais e estrangeiras.
O acordo consistia no isolamento de microorganismos da biodiversidade amazônica, que seriam enviados ao exterior para pesquisa e desenvolvimento de produtos farmacêuticos pela Novartis. O contrato acabou sendo suspenso por questões legais naquele mesmo ano pelo governo federal em meio às críticas ao negócio feitas por setores da sociedade civil, principalmente da comunidade científica. A controvérsia ia além da questão da bioprospecção e envolvia também os direitos das comunidades tradicionais da Amazônia sobre a biodiversidade da região.
"Muita coisa atrapalhou o CBA, desde o início conturbado. O acordo com a Novartis foi interpretado por muitos como uma iniciativa que iria comprometer a Amazônia", disse a "Inovação Unicamp" Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Esse início atrasou tremendamente o CBA."
Para ele, a "alternância de poder político" também foi um dos fatores que "condenaram" o CBA. "Ele ficou existindo sob o estigma de ser uma instituição cujo primeiro contrato seria responsável por um escândalo total de entregar nossos recursos genéticos e nossa biodiversidade para uma multinacional”.
Spartaco Astolfi Filho participou da criação do Probem. Em meados da década de 1990, quando era professor da Universidade de Brasília (UnB), Astolfi trabalhou em um primeiro plano do que viria a se transformar no CBA, a convite do então governador amazonense Gilberto Mestrinho (na gestão 1991-1994), com o objetivo de desenhar o desenvolvimento da biotecnologia amazônica. Depois, em 1995, Astolfi se transferiu para a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Com os ideais de agregar valor aos produtos da floresta, desenvolver bioprocessos e contribuir para a conservação da Amazônia, o Probem definiu um desenho final do CBA que acrescentava a questão da integração nacional nas pesquisas. "Depois que a Bioamazônia, que era uma organização social, se desqualificou para gerir o CBA, nunca mais se conseguiu ajustar o modelo de gestão", explica o professor da Ufam.
Ainda na expectativa sobre os desdobramentos da tramitação no Executivo e no Legislativo da proposta de criação da empresa CBA S/A, Astolfi se diz otimista com as perspectivas futuras do centro amazônico de biotecnologia. "A ideia original era de que uma OS é que seria adequada, mas parece que esse governo não aceita mais criar OSs", diz Astolfi, apesar de considerar o modelo de empresa pública satisfatório.
"Sou muito otimista. O CBA vai funcionar sim, mas gostaríamos que ele não demorasse mais três anos para funcionar, porque o tempo está correndo e o pessoal está derrubando a Amazônia. Nós temos que agregar valor aos produtos da floresta, não podemos esperar mais três anos." (G.G.)
(Guilherme Gorgulho)
(Inovação Unicamp, 23/8)
Fonte: Jornal da Ciência, 24 de Agosto de 2010.
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