A crítica da ciência ao novo Código Florestal
O evento na Fapesp: projeto não tem fundamentação científica, dizem especialistas.
Especialistas reunidos na Fapesp contestam projeto em tramitação no Congresso Nacional e protestam contra a falta de participação da comunidade científica na elaboração do documento que interfere na biodiversidade brasileira
Uma carta assinada por diversos cientistas e enviada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Academia Brasileira de Ciências (ABC); documentos dirigidos a políticos; uma carta publicada na renomada revista Science; um encontro técnico-científico para debater os impactos que o novo Código Florestal poderá trazer à sociedade. Essas ações são apenas o começo de um embate que movimenta não só os ambientalistas, mas toda a comunidade científica brasileira.
O texto do Projeto de Lei aprovado no início de julho por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados ainda será votado em plenário, o que só deverá ocorrer após as eleições. Mas, se depender dos pesquisadores presentes no debate realizado no dia 3 na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), muita coisa deverá ser revista no texto da nova legislação ambiental.
“Impactos potenciais das alterações do Código Florestal Brasileiro na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos” foi o tema do evento. “Absurdo”, “um tiro no pé”, “sem fundamento científico”, “consolidação do desmatamento” foram alguns termos utilizados pelos cientistas para definir o substitutivo.
Alguns dos mais renomados especialistas apresentaram estudos mostrando de que forma determinadas resoluções prejudicarão o equilíbrio hídrico, a recarga de aquíferos, a produção de peixes, a fauna, a flora, a biodiversidade em geral e a própria agricultura. Entre as resoluções mais polêmicas está a que reduz de 30 metros para 15 metros a faixa mínima estabelecida para conservação de áreas de proteção permanente (APPs), como as matas ciliares. Entre outras mudanças, o novo texto não considera mais topos de morros, montes, montanhas e serras como APPs e desobriga a recomposição vegetal de área desmatada até 22 de julho de 2008.
Os ruralistas comemoraram a aprovação do PL porque este regulariza cerca de 60% das propriedades agrícolas, conforme declarou à imprensa o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho da Silva. Alguns negócios vinham sofrendo para viabilizar os Termos de Ajustamento de Conduta propostos pelo Ministério Público e órgãos ambientais. Além disso, o Decreto 6.514/08 impunha a toda a agricultura brasileira multas diárias de R$ 500,00 por hectare pela falta de averbação de Reserva Legal.
Representantes de instituições de pesquisa e ensino não só analisaram os mecanismos por trás das propostas para o ambiente, mas também fizeram um mea-culpa por não terem agido antecipadamente na atualização do Código Florestal, em vigor desde 1965.
Para alguns dos debatedores, o substitutivo teria sido baseado em “um ou outro trabalho científico escolhido a dedo”, com a chancela de “alguns pesquisadores pinçados isoladamente”, como frisou o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.
“O protesto não é sobre a ausência de um modelo, mas sobre a total falta de consulta à comunidade científica. Precisamos colocar essas discussões num patamar institucional e toda a sociedade deve trabalhar na construção de uma nova proposta”, disse ao final dos debates o biólogo Thomas Lewinsohn, professor da Unicamp. “Todo o conhecimento científico da área ambiental foi ignorado”, disse Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Biota-Fapesp – programa que mapeia toda a biodiversidade do Estado de São Paulo.
Joly, que coordenou os debates, disse que um grupo de trabalho constituído no âmbito das duas entidades mais representativas da comunidade científica, a SBPC e a ABC, encaminhará ao Congresso um documento delineado a partir dos resultados da reunião na Fapesp. Para dar seguimento ao debate, os participantes sugeriram um novo encontro, com a presença de políticos, imprensa e outros setores da sociedade. Além disso, as apresentações dos palestrantes deverão ser o ponto de partida para a produção de artigos científicos a serem submetidos para publicação na próxima edição da revista Biota Neotropica.
Reportagem de Sylvia Miguel, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 16/08/2010.
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