Democracia, Fascismo e Guerra: ideologia política e colapso institucional
A relação histórica entre o avanço das democracias, o surgimento dos regimes autoritários e o advento das guerras
A história política do século XX mostra uma recorrência inquietante: a ascensão e queda das democracias em momentos de crise econômica e moral, seguidas pelo surgimento de regimes autoritários e, frequentemente, pela eclosão de guerras. Democracia, fascismo e guerra parecem, nesse sentido, formar um ciclo histórico de tensão e colapso. A relação entre esses fenômenos não é apenas causal, mas estrutural — deriva do modo como as democracias lidam com seus próprios limites internos e com a fragilidade das instituições diante das demandas sociais e econômicas que se acumulam em períodos de instabilidade.
A democracia como forma política em tensão
A democracia moderna, conforme observou Alexis de Tocqueville, é uma forma de governo constantemente ameaçada por suas próprias promessas: liberdade e igualdade. Quando o desejo de igualdade ultrapassa a noção de liberdade, a democracia degenera em despotismo; quando o desejo de liberdade ignora a igualdade, ela implode em oligarquia. Esse duplo risco marca a maturidade das democracias: quanto mais elas se desenvolvem e ampliam direitos, mais expostas ficam à tentação da desordem e à demanda por um “poder forte” capaz de restaurar a coesão social. No início do século XX, as democracias liberais europeias atravessaram essa tensão. O pós-Primeira Guerra trouxe recessão, desemprego e descrédito das elites políticas. A população, desgastada pelo caos institucional, buscava uma alternativa de ordem — terreno fértil para o surgimento do fascismo, que se apresentava como antídoto à fraqueza parlamentar e ao conflito de classes.
O fascismo como degeneração da fragilidade democrática
O fascismo não nasce no vácuo, mas no seio de democracias fatigadas. Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo, descreve esse processo como a transmutação do cansaço democrático em idolatria política: a massa desiludida substitui a racionalidade cívica pela paixão ideológica. O estágio de maturidade democrática — com suas instituições estáveis, imprensa livre e representação política — paradoxalmente gera a semente da sua própria ruína quando as promessas não são cumpridas com a velocidade que a sociedade espera e sofre com a interferência de movimentos organizados extremistas e partidos políticos que por propósito ideológico tenha por objetivo a implantação de um regime totalitário, o que pode acontecer facilmente em democracias, seja por via eleitoral ou através de mecanismos e estratégias não convencionais, por vias da corrupção e manifestações de violência, para que desse modo vença, de qualquer maneira, e se instale mantendo-se no poder. A Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler exemplificam esse paradoxo. Ambas as sociedades possuíam, antes da ascensão fascista, experiências parlamentares e culturais avançadas. No entanto, a combinação de crise econômica, ressentimento nacional e desgaste moral transformou a maturidade democrática em terreno fértil para a emergência de líderes carismáticos que prometiam restaurar a “grandeza perdida”.
Da autoridade à guerra: o colapso do pluralismo sem obediência às regras
A passagem da democracia ao autoritarismo, e deste à guerra, é uma dinâmica quase inevitável quando o poder político se funda na ideia de unidade absoluta e na negação da diferença de pensamento, do amplo contraditório, adotando a censura, perseguição de adversários e o recorrente cerceamento das liberdades. O fascismo, em suas variantes, busca eliminar o pluralismo — seja por meio da supressão da oposição, seja pela fusão entre Estado, partido e povo. A guerra surge, então, como continuação simbólica do autoritarismo: o inimigo interno (a oposição) é substituído pelo inimigo externo (outra nação). Carl Schmitt, teórico do decisionismo e crítico da democracia liberal, afirmava que “o conceito do político baseia-se na distinção entre amigo e inimigo”. Essa distinção, quando apropriada por regimes autoritários, conduz inevitavelmente à guerra. O conflito externo torna-se mecanismo de legitimação interna — o poder se fortalece à medida que cria um inimigo a combater. Assim, o fascismo não apenas sucede à democracia fraca, mas também a transforma em máquina de guerra. O colapso do debate público e a fusão entre Estado e ideologia convertem a política em mobilização total — conceito explorado por Ernst Jünger para descrever o espírito militarizado das sociedades totalitárias.
Ciclos históricos e a vulnerabilidade das democracias contemporâneas
A análise histórica sugere que as democracias passam por ciclos de expansão, saturação e retração. Em sua fase de expansão, elas ampliam direitos e prosperidade; na saturação, surgem demandas contraditórias, populismo e polarização; na retração, emergem discursos autoritários sob a promessa de restaurar a “ordem perdida”. Essa lógica reaparece nas democracias do século XXI. A crise de representatividade, o avanço da polarização digital e a erosão da confiança nas instituições criam um ambiente semelhante ao das décadas de 1920 e 1930. A diferença é que, hoje, a guerra tende a se manifestar mais no campo simbólico e informacional do que no campo militar — guerras culturais, cognitivas e midiáticas substituem as trincheiras convencionais, mas mantêm a lógica de destruição mútua e radicalização.
A correlação entre democracia, fascismo e guerra não é linear, mas dialética.
A maturidade democrática, ao alcançar altos níveis de complexidade social, torna-se vulnerável ao desencanto e ao populismo, assim como a ilusão do ideário socialista. O fascismo aparece como resposta emocional à fadiga da razão democrática — e a guerra, como desdobramento inevitável do autoritarismo que se legitima pela exclusão e pela violência. Compreender esse ciclo é essencial para preservar as democracias contemporâneas. O antídoto não está apenas em instituições mais fortes, mas na educação política das massas, no resgate do senso de responsabilidade individual e na valorização do dissenso como condição vital do regime democrático. Pois quando o pluralismo se transforma em fraqueza e a dúvida em traição, a democracia já começa a morrer — e o som distante, mas inexorável da guerra volta a ser ouvido.
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