Entre a Guerra e o Cometa
Há um silêncio que antecede o fim — e não é o silêncio das armas, nem o da paz. É aquele que nasce entre uma notícia e outra, entre um alerta de guerra e o anúncio de que um corpo interestelar, batizado de 3i-Atlas, pode estar vindo em nossa direção. Um “cometa estranho”, dizem os astrônomos. Um mensageiro de fora do sistema solar, talvez um intruso — ou quem sabe, um espelho do que nos tornamos.
Nos últimos dias de 2025, a humanidade parece flutuar sobre duas vertigens. De um lado, os governos reunidos em blocos falam alto sobre uma nova “guerra global contra o terrorismo”, um inimigo que se infiltrou silencioso em nossa festa, seria uma outra guerra por paz, por liberdade, por interesses de dominação como se o planeta ainda tivesse forças para outra cruzada em seu coração globalizado. De outro, telescópios captam o brilho gélido de algo que se move rápido demais, denso demais, incerto demais para ser apenas um pedaço de gelo e poeira. A poeira da qual viemos e iremos ser em um ínfimo tempo que o relógio cósmico indica ser nossa permanência neste sistema solar.
E nós, os comuns — os que não apertam botões de míssil nem comandam telescópios — observamos tudo com o mesmo espanto de quem vê o tempo se dobrar sobre si mas ao nosso olhar captamos apenas o que os jornais nos informa. Somos criaturas finitas, presas a uma bola azul que insiste em girar entre estrelas indiferentes. Enquanto líderes de potências falam de “ofensivas estratégicas” e cientistas debatem “trajetórias elípticas”, a gente prepara o café, alimenta o gato, confere as notícias no celular.
Há algo profundamente irônico em tudo isso. Passamos séculos temendo invasões — de povos, de ideias, de máquinas — e agora, quando o céu inteiro parece querer nos visitar, estamos novamente armados contra nós mesmos. A guerra que se anuncia não é apenas contra um inimigo de bandeira diferente, mas contra a própria noção de limite, de compreensão do mundo, agora de profundidade e aparência surpreendentes. O homem moderno, senhor de drones e algoritmos, recusa-se a aceitar que é passageiro, que sua história pode terminar não com uma bomba, mas com uma sombra que vem das estrelas. Diante de um novo espanto!
O 3i-Atlas — dizem os astrônomos — reflete a luz do Sol de um modo estranho, quase metálico. Talvez contenha elementos nunca vistos. Talvez seja apenas um corpo errante, seguindo uma rota antiga e indiferente à nossa existência. Mas, para nós, tudo que brilha no céu carrega significados. Desde os tempos das cavernas, olhamos para cima em busca de presságios. Agora, olhamos nos telescópios, com câmeras infravermelhas e ainda assim trememos como os primeiros homens diante do trovão.
E se for apenas um cometa, nada de um alienígena visitante, ainda assim será um lembrete. De que somos finitos, frágeis, passageiros. Que a Terra não é o centro de nada, apenas um ponto de luz na vastidão, e nós pó das estrelas. E que toda a nossa fúria, todas as bandeiras que levantamos, todas as guerras que travamos — contra o terrorismo, contra o outro, contra o próprio medo — cabem em menos de um grão de poeira cósmica.
Talvez o 3i-Atlas passe por nós e siga seu caminho, indiferente como uma estrela cadente que não pede licença. E talvez, no instante em que sua cauda riscar o céu, um breve silêncio caia sobre o mundo. Um silêncio não de destruição, mas de consciência. O breve instante em que, mesmo cercados por ruídos de guerra, lembramos que existimos — e que isso, por um milagre breve e inexplicável, ainda é tudo o que temos.
Porque o fim não é a explosão, nem o impacto de corpos celestiais. O fim é esquecer que somos finitos — e que a vida, mesmo diante do desconhecido, do abismo que se abre a cada descoberta, vai permanecer por um instante mais.
— Outubro de 2025.
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