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quinta-feira, maio 27, 2010

técnicas e valores (III)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(continuação do resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).

             É Gadamer principalmente que levanta “o problema filosófico de desenvolver uma nova ontologia do evento da compreensão”, a saber, apontando que o conhecimento se liga aos elementos de interesse existencial, social, histórico e da cultura/linguagem dos povos. [...] “A verdade zomba do homem metódico”; hermenêutica, portanto, designa, primeiramente, “o movimento básico da existência humana, constituída pela sua finitude e historicidade, e por conseguinte abrangendo a globalidade da sua experiência no mundo. [...] O movimento de compreensão é englobante e universal”.[1]
            É por isso que Gadamer vai adotar, como primeiro exemplo hermenêutico, a experiência da obra de arte, na medida em que ela, não se esgotando apenas no “horizonte subjetivo de interpretação”, não se esgota também na racionalidade científica, e, apesar disso, tem ou faz um sentido – nos atinge. Ela não pode ser também captada ou produzida de igual modo pela tecnologia nos moldes da modernidade.
            Ao pensar a História, o hermeneuta, busca aquilo que na tradição remete a uma visão de conhecimento menos dominadora e mais dialógico-dialética, com o sujeito deixando-se admirar e impressionar  mais pela Natureza, pela arte, pelo ser das coisas, o que só uma experiência existencial e concreta (e com o “Outro”) pode “compreender”. Essa visão dialética é eminentemente dialogal, ouve a Natureza e a Cultura, interage cautelosamente. Se a verdade da Ciência é interessada, levando à solidão (ego cogito) daquele que domina a natureza e os outros como objetos de conhecimento, a verdade dialético-hermenêutica é plural, aberta ao outro (mesmo passado), não reducionista, relevando sempre aquilo que fica fora dos limites da razão instrumental do “progresso”. Neste sentido, pensamos numa posição próxima de defesa do Outro contra a hegemonização violenta do Mesmo, como aponta o filósofo E. Levinas.
            No método reducionista, o tema a investigar “orienta”, controla e manipula a realidade, o “objeto”; na dialética, é o tema que levanta as questões a que irá responder [...] aquele que interroga descobre-se como sendo o ser que é interrogado pelo tema”, pela coisa real, o que leva sempre à auto reflexão. É por isso que no método tecnicista impera o “esquema sujeito-objeto”, a noção de causa-efeito linear e dura (simplificadora), onde o próprio sujeito “torna-se agora objeto”.[2]
            O mundo da vida, da sabedoria acumulada, dos saberes antigos, da experiência produtiva, do lidar com as pessoas como “humanos”, nas culturas diversas, estes elementos “abertos” não são apenas uma fonte de conhecimento preciosa, mas condição inseparável do conhecimento científico e das tecnologias, que devem respeitar os chamados saberes sustentáveis em primeiro lugar. Assim, é fundamental considerarmos o nosso mundo da tecnologia e do american way of life hoje como uma possibilidade de mundo entre tantas outras que já ocorreram e que poderão ocorrer. O “mundo da vida” não se acaba simplesmente porque robôs e computadores inteligentes e a tecnologia de controle total surgem; ele é ponto de partida e contém elementos de alteridade (singularidades humanas e da Natureza...) que não se dobram à objetificação da Vida.
            Não se trata, porém, de uma mera volta ao passado contra o conhecimento atual; não podemos ter nunca o entendimento do passado como tal; contudo, devemos considerar os elementos da tradição que estão sempre em jogo quando nos relacionamos e conhecemos. Não se trata de acabar com os pressupostos, pois eles não são elimináveis, mas sim iluminar a sua participação e torná-la produtiva. Para a hermenêutica, o significado de uma experiência liga-se à “tradição da interpretação” sobre a qual estamos assentados, assim como as “possibilidades futuras que se nos abrem”; tal tradição “é produto de relações, é o horizonte no interior do qual pensamos. [...] A autocompreensão não é uma consciência que flutua livremente [...]; é uma compreensão que já se situa na história e na tradição, e apenas pode compreender o passado alargando o seu horizonte” de modo a englobar aquilo que se apresenta.[3] É claro que ocorrem também os preconceitos negativos, que devem ser humanamente aceitos, porém confrontados – para ver se não nos aprisionam ou tornam nosso pensamento “ideologizado”.
            À lembrança de M. Buber, Gadamer fala de três tipos de relação Eu-Tu, tentando explicar a força da consciência histórica que nos habita; e o que nos serve também para pensar a relação com o Outro e a ecoética.
            Na primeira forma de relação, o Tu é um objeto dentro de um campo de conhecimento objetivo, e algo que tem um uso determinado para seus fins. As coisas, o Saber, “torna-se então um objeto separado de nós [...] Uma “objetividade” destas, orientada para o método, domina nas ciências naturais e também nas ciências sociais, exceto onde a fenomenologia se faz sentir”.[4]
            Na segunda forma de experimentar e compreender o Tu, ele é visto dentro de uma “projeção reflexiva”, é encarado como uma pessoa, “mas Gadamer mostra que esta relação ‘pessoal’ pode ainda manter-se prisioneira do Eu, sendo de fato uma relação entre o Eu e um Tu reflexivamente construído”. É uma relação guiada pela consciência dominadora, partindo do interioridade do Eu (do Mesmo); aí, por conseguinte, “há sempre a possibilidade de que cada parceiro da relação possa vencer a atividade reflexiva do outro”.[5]
            A terceira forma de relação “caracteriza-se por uma autêntica abertura ao Tu. É a relação que não projeta o significado a partir do eu mas que tem uma abertura que ‘permite’ que algo seja dito [...]”; aqui, nos posicionamos de modo que o outro tenha face, nos reclame. “A pessoa ‘que teve a experiência’ não só não tem um conhecimento meramente objetificado ‘como tem uma experiência’ não objetificável que a amadureceu e a fez aberta à tradição e ao passado”, ao Outro e à Natureza viva.[6] Aqui, sabe-se melhor lidar com a realidade; aprendeu-se o valor de lidar eticamente com as pessoas, na autenticidade e atitude de não-dominação (não-violência); indica sabedoria.
            [...]
Nós pertencemos a uma cultura, a um mundo, a uma tradição, e também a uma série de interações com os processos e ambientes que chamamos de Natureza. Ou seja, nada escapa a isso; não é possível ocultar o que produzimos e descartamos, bem como a nossa visão de ser humano e de mundo (de relação), que se refletem na concretude do dia-a-dia.



[1] Gadamer em Verdade e método, apud Palmer, p, 168s.
[2] Cf. Palmer, p. 170.
[3] Ibid., p. 186. Ainda: “A compreensão inclui sempre uma aplicação ao presente” (Gadamer).
[4] Ibid., p. 194s.
[5] Ibid. “A alteridade do outro e o passado do passado apenas são conhecidos do mesmo modo que o Eu conhece o Tu – através da reflexão. Ao pretender reconhecer o outro em todo o seu condicionalismo, ao pretender ser objetivo, aquele que conhece pretende realmente dominar” (Ibid., p. 195).
[6] Ibid., p. 196.

segunda-feira, maio 24, 2010

técnicas e valores (II)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(continuação do resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).
Limites do paradigma holístico e espiritualizador

            Certamente, este é o século da Nova Física, que abala as bases do saber científico; reviravolta semelhante ocorre na Filosofia e nas ciências em geral. A redução da Natureza a elementos fundamentais compactos, materiais, últimos e manipuláveis isoladamente começa a ser questionada; isto em prol de uma visão dos fenômenos com uma dinâmica de relações mútuas e interdependentes. O mérito da linha que parte da teoria dos sistemas, do organicismo e de outras perspectivas holísticas semelhantes é mostrar que o universo material é uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados sem uma propriedade fundamental; “a consistência global das inter-relações determina a estrutura da rede toda”[1]. Não obstante, o cuidado com o deslize para sistemas evolutivos ainda objetificadores, biologicistas e de alguma forma determinísticos deve ser redobrado.
            No nosso entendimento de holismo, aplicado à ecoética, não pode se tratar de reduzir as partes ao todo – totalização -, numa inversão simples, mas de priorizar a inter-relação (com contexto e história) e o equilíbrio dinâmico entre sistema e “alteridade”, ordem e desordem, antigo e novo, um modo dialético de ralação, e como contínua auscultação (dialogação) e respeito para com a(s) realidade(s) em suas várias abordagens. Como exemplo concreto podemos citar a agricultura ecológica ou regenerativa. Antes de mais, ela é um diálogo de homem com a terra, permeando cultura e comunidade. (...).
            O caso dos organismos geneticamente modificados, como os transgênicos na agricultura e alimentação, é ainda um exemplo mais forte e mais grave. Os tecnocratas e megaempresários do ramo acusam os ambientalistas de serem “contra o progresso”, de terem uma visão arcaica, de alarme puritano; e ainda chegam a afirmar que os transgênicos vão ajudar a resolver o problema da fome no mundo! Na verdade, há uma série de falsidades e erros aí: primeiro é que a fome já poderia ter sido resolvida há muito, e isso sé ocorre com justiça social, distribuição de rendas e política (eco)ética para o campo e não com tecnologia elitista. Segundo, que pelos meios de aferição científica baseados no paradigma cartesiano, reducionista e não holístico não se poderá inferir nunca exatamente os males dos transgênicos, tais como as consequências futuras, os efeitos indiretos cumulativos nos organismos, a alteração do equilíbrio do ecossistema, da saúde humana e outros fatos imprevisíveis. Terceiro ponto, é que este modelo de manipulação de produtos agrotóxicos, insumos químicos e de organismos com modificação genética não leva em conta a questão social, a agricultura familiar, a manutenção das sementes e códigos genéticos programados pela própria Natureza durante milhões de anos, a policultura e permacultura, ou seja, uma visão menos capitalista e mais humana da produção.
            Numa perspectiva hermenêutica, trata-se de recuperar práticas e saberes “enterrados” pela sociedade industrial-tecnológica moderna. (...)... o questionamento dos paradigmas convencionais não nos deixa sem chão, e a imprevisibilidade propalada (epistemológica, científica, econômica) não é anárquica. Certamente que, no contexto, não se trata de mero retorno ao passado. É neste sentido que a abordagem ecológica encaminha eminentemente uma reviravolta e um resgate contextual, histórico e que traz a experimentação e a observação de uma forma equilibrada, respeitando o que se constitui como “mundo da vida” e como sabedoria.
            À luz da abordagem compreensivo-hermenêutica pode-se mostrar que, muias vezes, dentro da concepção holística e do ecologismo espiritualizado surgem problemas, no seguinte sentido: promulgação de um retorno mítico-primitivista e deificação da natureza, conjugados com o alarme da civilização da catástrofe irreversível, reforçando o narcisismo e inércia do meio social. Este último é um dos grandes males atuais. Ele reverte, visto a impossibilidade de enfrentar politicamente o Sistema, a artificialidade e a violência das estruturas modernas, reverte as energias do indivíduo para o cuidado de si, para o sobrevivencialismo. É o narcisismo patológico no seio do social, a minar toda ação política eficaz e toda ação socioecológica radical (que iria à raiz político-econômica e cultural, e dos valores). Trata-se de, frustradas as promessas do Eldorado, segurança e bem-estar no capitalismo avançado, evadir-se a um mundo das idéias idílicas ou espirituais desvinculadas dos problemas sociais. O propagado “reencontro consigo mesmo”, a “verdadeira natureza do eu”, “volta às origens”, ”volta a Deus”, sem dúvida, muitas vezes, entra nesta cilada.
            Faz-se necessário agora um “caminho do meio” equilibrante. Os risco políticos de uma deificação da Natureza realmente se apresentam. Como afirma Lasch: “Reforçada por outros meios – meios de comunicação social – tal propaganda do desastre tem um efeito cumulativo quase exatamente oposto ao efeito [...] pretendido. A infiltração da retórica da crise e da sobrevivência na vida cotidiana despotencializa a ideia de crise e deixa-nos indiferentes a apelos fundamentados na asserção de que algum tipo de emergência exige nossa atenção”[2]. A “transferência das preocupações ambientais da esfera pública para a esfera privada da subjetividade narcísico-sobrevivencial é o mais maligno dos efeitos que uma educação ambiental poderia ter, se entendermos essa última como uma interferência na realidade política”[3]. É preciso levar a sério tal alerta. Contudo, não é preciso excluir daí a questão da subjetividade e da espiritualidade.

Hermenêutica – Interpretação e relação compreensiva entre seres humanos e com o ambiente[4]

Em contrapartida à separação Sujeito-Objeto, a compreensão hermenêutica deve-se à inserção do homem no horizonte da história e da linguagem, que, por princípio, não podem ser dominados.[...] As perguntas abriram o espaço no qual a experiência pode revelar sentido; experiência esta que, em última instância, expõe o sujeito a si mesmo[5].
           
          A hermenêutica implica que, antes de se obter uma explicação das coisas, que é a base do procedimento científico moderno, definindo-as como um objeto palpável, em nome do rigor lógico do “de-finir” objetivo, trate-se de compreendê-las, trate-se de fazer outra aproximação à realidade, tomada como algo diferente, mas que revela o saber constituído e as tradições. Implica, portanto, não um modo fraco do conhecer, mas uma abordagem que sabe que a penetração direta do “real”, do “objeto’, é sempre permeada de interpretações por parte do sujeito; e sabe que é necessário fazer vários rodeios, desvios e resgates de elementos que aparentemente não teriam importância central ou mesmo que passam ocultos, pois o “objeto” envolve uma rede viva. Isto é necessário porque os procedimentos cartesiano e baconiano tendem ao reducionismo; eles restringem elementos que não cabem nos limites da explicação acabada, da teoria e então da experimentação laboratorial – sob condições determinadas que obrigam a natureza a dobrar-se, como matéria inerte em geral.
            Por aqui, vemos que nossa inteligência nunca tem um acesso direto às coisas, puro; e isso é uma questão relativa ao modo como conhecemos e formulamos a(s) “realidade(s)”, uma questão epistemológica, pela qual deve passar todo saber que não quer ser apenas dicotômico. O interpretar, apesar de fazer parte de nosso dia-a-dia, não é mero subjetivismo e intuicionismo, mas envolve um “fenômeno complexo e universal [...] voz que devemos ouvir e compreender [...] a compreensão é simultaneamente um fenômeno epistemológico e ontológico” – ou seja, diz da existência humana e de seu sentido que vão sendo construído no mundo. A compreensão “tem que se enraizar em modos de compreensão mais latos e primordiais que têm a ver com o nosso próprio ser-no-mundo [...] é um encontro histórico que apela para a experiência pessoal de quem está no mundo”[6].
            O fato de que vivamos num mundo de linguagem, rico em modos de significar, e que o encontro com as diferenças traz consigo formas diversas de cultura e de viver, mostra o quanto esse fenômeno é primordial. “A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento – simultaneamente a concepção que ele tem de si e do mundo”. E essa linguagem revela nossa forma de relação com as coisas; é por isso que consideramos fundamental refletir sobre os (pré)conceitos e expressões que as pessoas utilizam, relativos à Natureza e ao Ambiente, Ética e Educação, Sujeito e Outro, e ver como eles se modificaram, o que exprimem originalmente, como podem ser mudados ou então resgatados, num trabalho com os discursos, com as práticas pedagógicas e com as teorias diversas. (continua)



[1] Capra (1988), p. 42.
[2] Lasch, 1986, apud Grun, p. 80.
[3] Grun, p. 80.
[4] Este tópico inspira-se em boa parte na obra Hermenêutica, de R. E. Palmer. Lembremos que “hermenêutica” vem do grego e significa “interpretar”. Traz, na origem, o sentido de: afirmar em voz alta, traduzir, transmutar uma mensagem cifrada; remonta ao deus-mensageiro Hermes, criador da linguagem e da escrita. Aponta assim para o processo de tomar algo compreensível, envolvendo sempre uma forma de linguagem aproximadora e não definitiva.
[5] Flickinger (1994), p. 405.
[6] Palmer, p. 21, grifo meu.

domingo, maio 23, 2010

técnica e valores (I)

Ecoética e conhecimento a partir de uma postura hermenêutica*
*(resumo do capítulo, do livro Correntes da Ética Ambiental de M. L. Pelizzoli).

Questões iniciais

Este capítulo tem cinco partes: análise do prisma de conhecimento e de “constituição de mundo” da chamada “visão cartesiana”, associada ao progresso e o que isso implica; analisa brevemente os limites da alternativa “holística” que vem sendo proposta e os riscos do espiritualismo; entra propriamente na perspectiva hermenêutica, aplicada ao modo como concebemos e nos relacionamos com a natureza; remetida a proposições a partir do Gadamer, as quais podem ser frutíferas para a (eco)ética; pensa na aplicação desta perspectiva histórica na Educação.
Sempre com um olhar hermenêutico, podemos começar a perguntar: em que implica a hegemonia do paradigma epistemológico da ciência moderna[1] – como vimos antes em sua cosmovisão cartesiano-baconiana-galileana da Revolução Científica – no seu sentido reducionista, aplicada às metodologias das várias disciplinas e perpassando a ênfase (axiomas, princípios, bases...) do saber em geral? (...) O que eles tem a ver hoje com a crise socioambiental?  Como começar a viabilizar a partir daí um trabalho em nível teórico-conceitual que contorne as impossibilidades geradas na visão dos paradigmas antiecológicos? Como gerar novos valores e ethos?

O paradigma “cartesiano objetificador”

É desde este prisma, relativo ao estatuto do saber técnico-científico moderno, que se centram investigações filosóficas, epistemológicas e críticas de tonalidade hermenêutica referentes aos procedimentos antiecológicos na civilização tecnoindustrial. Torna-se infrutífero repensar o saber, a ética e a Educação (socioambiental) sem revisitar os fundamentos do pensamento científico moderno e a motivação de seus modos de conhecimento, inatacáveis anteriormente. Tais parâmetros mostram toda sua força cultural no fato mesmo de que só diante das contradições reais – corrida bélica, envenenamento de ambientes, poluição visível, destruição irreversível de habitats naturais etc. – tais formas mentais começaram a ser investigadas, mesmo que com um instrumental precário.
Fazendo uma “arqueologia” das posturas antiecológicas se encontra o que já apontamos como “atitude objetificadora do ambiente”, espelhada na supremacia da razão instrumental, ou como pensamento unilateral do hegemônico (império do Mesmo sobre o Outro). Tal forma de inteligência, tal com a ave fênix renascente, reposiciona sempre de novo a racionalidade ocidental como dominação – diante da natureza e em relação ao Criador; torna-se um princípio absoluto, recriador de uma segunda natureza, cada vez mais tecnológico-artificial. O grande salto desta empossamento de homem como senhor da natureza e reprodutor de seus organismos – em escalas mecânico-tecnológicas – pode ser acompanhado nos frutos do cartesianismo epistemológico e da Revolução Científica, ponto crucial da lógica e da práxis reorganizadora e reapropriadora nas Ciências Naturais, e então da tecnologia, e assim da produção e economia, até chegar aos estilos de vida e consumo.
Nesta virada tem papel central o estabelecimento de padrões de apreensão da Natureza não mais qualitativos mas quantitativos; a linguagem matemática e as relações numéricas reordenam a visão de mundo (a natureza este escrita em linguagem matemática – Galileu). Este torna-se um modelo concebido por uma “lógica que pressupõe a redução de todos os fenômenos naturais a relações matemáticas”, a passar pela decomposição analítica investigadora e recriadora. O que se configura, bem demonstrado a partir da hermenêutica, é um instrumental de interferência na ordem autônoma da natureza de base reducionista e mecanicista, o qual proporcionará uma relação objetificante e não mais “viva” com o real. Onde estão agora, perguntava R. D. Lang, as cores, cheiros, sabores, intuições, tradições, sensibilidades, o “mundo da vida”? Como reafirma Mauro Grun, seguindo H. H. Flickinger, a reprodução desta trajetória que vai do orgânico ao mecânico, ao nível da teoria do conhecimento, representa a perda do ‘orgânico’ enquanto objeto de conhecimento. A consequência disto é que o conceito de vida é expulso da ciência. O paradigma mecanicista é incapaz de dar conta da vida enquanto processualidade[2].
       A epistemologia moderna não questionou a dicotomia ciência versus sabedoria. A “Nova Ciência” abala as propriedades “subjetivas”, estéticas, espirituais. O conhecimento será objetivo na medida em que domina e controla mais a natureza e mais se afasta do primitivo e selvagem. A Ciência e a própria Educação institucionalizada instrumentalizam um “antropocentrismo” instrumentalizante e um ethos antiecológico.
           Então, a chave de abordagem do real na base da linearidade causa-efeito e sujeito-objeto reducionista, dicotômica e mecanicista, chocou-se necessariamente com a base biológica e ecológica das culturas anteriores; ela “resolveu” terminantemente a complexidade e os mistérios da dinâmica do natural pela via da simplicidade da simbologia matemática quantificadora e da mecânica conjugada com a  experimentação científica. O reducionismo pressupõe que a “matéria é a base de toda a existência, e o mundo material é visto como uma profusão de objetos separados, montados numa gigantesca máquina”[3]. Por fim, a razão cartesiana “pressupõe a divisibilidade infinita do objeto. A indivisibilidade do espírito é a divisibilidade do objeto. É impossível opor duas autonomias. Se a razão é autônoma, a natureza não pode sê-lo[4]. E grave é quando as Ciências Humanas beberam desta fonte.
            É só neste século que se começa a perceber realmente que as verdades deste modelo são aproximações até restritivas do real (vide as novas complexidades trazidas pela Física quântica, ou pela abordagem ambiental) e excluem toda uma gama de fatores subjetivos, interconexões não-explícitas, contextos, e a concepção de uma natureza própria como tal em sua dinâmica viva. O novo paradigma que desponta pode ser chamado de dialógico, visando a recuperar a noção de interação efetiva (observador/observado, vivo/não-vivo, Eu/Outro) com o que se chama de “real”, e com o “ambiente”; sua força ainda é menor que a do cartesianismo/reducionismo, do status quo, mas a visão de ambiente ecológico, das inter-relações e da (auto)produtividade da vida como criação contínua cresce a cada dia.
            Neste sentido, por um lado, ainda estamos nas mãos da Ciência e da tecnologia, as quais precisam reincorporar o caráter humano dos valores, o nível ético, estético e a problemática social. Como afirma Hoesle, “a crise do mundo contemporâneo está ligada ao fato de que a racionalidade científica, que ficou autônoma, se julga a própria razão e considera qualquer outra forma de racionalidade como uma forma deficiente do conhecimento do tipo das ciências naturais”. E, adiantando já um tema central aqui, apontamos: “A dissolução dos valores pela absolutização da racionalidade contemporânea é certamente uma das causas da crise ecológica, que, entrementes, ameaça não só a natureza exterior do homem, mas também a própria natureza interior do homem, e que tem, assim, causas espirituais profundamente enraizadas”[5]. Se acirrarmos a situação é possível que, como diz Bornheim, a “técnica se torne até mesmo numinosa: ela pode salvar, mas representa o perigo [...] esconde em seu bojo o perigo da destruição. De certo modo, é ela que passa a dominar e a decidir, revelando nisto uma margem de irracionalidade surpreendente, que a aproxima do incontrolável”[6].
           Entrementes, não se trata de colocar todo o peso da questão no procedimento científico, mas antes trabalhar a dicotomização entre técnica e valores na própria prática e organização civil – educacional, ética, institucional. Por conseguinte, no entrecruzamento das duas instâncias não se pode passar ao largo do modelo que se conjuga material e economicamente em tal processo, espraiando-se em todos os níveis da sociedade, que é a forma capitalista neoliberal da Economia centralizadora e a permanência do seu status quo[7]. (continua)



[1] A palavra epistemologia tem uma importância fundamental, na medida em que as críticas em jogo vão à raiz dos processos de conhecimento que servem de base para a ciência e que se passam para as sociedades; pergunta-se pelo sentido do conhecimento, no que ele implica, ao que leva; igualmente, favorece a reflexão ética implícita no Saber.
[2] Continuando, “segundo Galileu, os cientistas deveriam se restringir aos corpos materiais – formas, quantidades e movimento. A consequência disto é a perda da sensibilidade estética, dos valores e da ética” (Grun, p. 27).
[3] Capra (1982), p. 44.
[4] Grun, p. 32, grifo meu.
[5] Hoesle, p. 589s. In: Stein & De Boni (orgs.), grifo meu.
[6] Bornheim, p. 167. In: Stein & De Boni (orgs.).
[7] Cf. aqui o nosso capítulo sobre o ecossocialismo.

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