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quarta-feira, janeiro 05, 2011

desejos sem obrigações

Ano-Novo, vida nova

Voto para o ano novo: que encontremos jeitos de desejar sem transformar nosso desejo em obrigação
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por Contardo Calligaris
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Uma leitora, que me autoriza a citar seu e-mail, mas prefere que seu nome não seja mencionado, pergunta: "Gostaria de saber sua opinião sobre parceiros que simplesmente somem, desaparecem mesmo, sem deixar rastro. Cancelam telefones, e-mail, conta no Skype e somem, sem se despedir, sem nem mesmo um MSN. E não falo de um relacionamento de alguns dias, mas de anos. Oito para ser mais precisa. Nem falo de um adolescente, mas de um homem de 57 anos.
Ele foi trabalhar no Oriente Médio, num alto cargo, a empresa fechou e ele desapareceu. Não morreu, não foi sequestrado por terroristas. (...) O que leva alguém a agir assim? Obrigações econômicas não estão em jogo".
A cada ano, mundo afora, há centenas de milhares de pessoas que somem e nunca mais dão notícias a familiares e amigos.
Quando se trata de adultos sem obrigações jurídicas (dívidas ou pensões alimentícias, por exemplo), a polícia descobre, eventualmente, o novo paradeiro ou a nova identidade de quem sumiu, mas só o próprio desaparecido pode autorizá-la comunicar estas informações aos parentes e amigos de sua vida, digamos assim, "anterior".
No passado, nesta página, se me lembro direito, já assinalei o fato de que, estranhamente, em geral, quem some não vai longe: acaba numa cidade parecida com a que ele abandonou, a poucos quilômetros de distância. Também, na maioria dos casos, o desaparecido reconstrói uma vida próxima da vida da qual ele fugiu - encontra um ofício parecido com o que ele praticava e cria uma família similar à que deixou.
Essa "constância" nos surpreende porque imaginamos que, em regra, alguém suma por querer uma vida nova. Por alguma razão, o caminho gradativo, que consistiria em se despedir, fazer as malas, fechar as contas etc., pareceria impraticável ou insuficiente aos olhos de nosso fugitivo: talvez ele tenha esperado demais e sua paciência excessiva (para com os outros ou para consigo mesmo) exija, de repente, uma explosão, um corte sem conversa alguma. De qualquer forma, supomos (ingenuamente) que, se alguém decidiu sumir, foi para mudar radicalmente.
De fato, como disse antes, os desaparecidos acabam reconstruindo uma vida parecida com a anterior ao seu sumiço, e isso nos leva à conclusão oposta: talvez quem some não queira mudar de vida - então, ele some por quê?
Conheci pouquíssimos que sumiram, mas conheço muitos que expressam a vontade de sumir. Todos explicam sua vontade da mesma forma: trata-se de fugir de exigências impossíveis de serem satisfeitas. Mas, cuidado: "Eles me pedem demais" é a tradução projetiva de "eu me peço demais". Quem foge das exigências do mundo está quase sempre fugindo das exigências que seu próprio desejo lhe coloca.
Vamos agora ao que acontece com quem decide sumir apenas para alguém - um familiar (se não a família inteira) ou um parceiro.
Às vezes, é justificada a sensação de que, sem um sumiço, uma relação se eternizaria pela simples dificuldade de qualquer um dos dois reconhecer que acabou. Onde está a covardia, e onde a coragem? Não sei. Talvez haja covardia em não conseguir declarar que um amor terminou, assim como talvez haja covardia na incapacidade de escutar essa declaração. Há a covardia de quem some e também de quem sobra, quando ambos parecem precisar do sumiço de um dos dois para aceitar que a história chegou ao fim.
Há covardia também em fingir que a relação continua, quando ela já morreu. Alguém, aliás, pode sumir para fugir de sua própria covardia, que o mantém calado, ou para fugir da covardia do outro, que não quer ouvir uma frase de despedida.
Seja como for, muitas vezes, alguém acaba uma relação e some porque o que era (e talvez ainda seja) seu desejo se transformou numa exigência intolerável.
Funciona assim: um dos jeitos de nos autorizarmos a querer o que desejamos consiste em transformar nosso desejo numa obrigação. Desejar é mais fácil (embora menos alegre) quando imaginamos desejar a mando de algum outro. O problema é que esse desejo, facilitado por ser mandatário, logo aparece como uma exigência da qual, eventualmente, vamos querer fugir.
Meu voto para o Ano Novo: que nos preocupemos menos em mudar nossas vidas e encontremos jeitos de conseguir desejar o que já desejamos sem transformar nosso desejo em obrigação.
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 30/12/2010

terça-feira, novembro 30, 2010

quem nunca fez concessões?

A COERÊNCIA É UM VALOR MORAL?

por Contardo Calligaris
No fim de semana retrasado, estive em Olinda, na Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco). No sábado, Benjamin Moser, que escreveu uma linda biografia de Clarice Lispector ("Clarice", Cosac Naify), lembrou que, na famosa entrevista concedida à TV Cultura em 1977, a escritora afirmou que não fizera concessões, não que soubesse. 
Moser acrescentou imediatamente que ele não poderia dizer o mesmo. E eis que o público se manifestou com um aplauso caloroso.
Talvez as palmas de admiração fossem pela suposta coerência adamantina de Clarice, que nunca teria feito concessões na vida. Talvez elas se destinassem a Benjamin Moser pela admissão sincera de que ele (como todos nós) não poderia dizer o mesmo que disse Clarice.
Tanto faz. Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo. Que as palmas fossem pela força de caráter de Clarice ou pela honestidade de Moser ao reconhecer sua própria fraqueza, de qualquer forma, não fazer concessões parecia ser, para os presentes, uma marca de excelência moral.
A pergunta surgiu em mim na hora: será que é mesmo? Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?
Como muitos outros, se não como todo mundo, cresci pensando que não fazer concessões é uma coisa boa.
Fui criado na ideia de que há valores não negociáveis e mais importantes do que a própria vida (dos outros e da gente). Talvez por isso me impressionasse a intransigência dos mártires cristãos (embora eu tivesse uma certa simpatia envergonhada por Pedro renegando Jesus para evitar ser reconhecido e preso).
Durante anos admirei os bolcheviques por eles serem homens de ferro (a expressão é de Maiakóvski, nada a ver com "Iron Man") e desprezei Karl Kautsky, que Lênin estigmatizou para sempre como "o renegado Kautsky", por ele ter mudado de opinião sobre a Primeira Guerra, sobre a revolução proletária, sobre o bolchevismo etc.
Vingança da história: Lênin se tornou quase ilegível, mas a obra principal de Kautsky, que acaba de ser traduzida, "A Origem do Cristianismo" (Civilização Brasileira), continua crucial.
Mas voltemos ao assunto. Hoje, estou mais para Kautsky do que para bolchevique; até porque descobri, desde então, que Mussolini se vangloriava gritando: "Eu me quebro, mas não me dobro". Ele se quebrou mesmo, enquanto eu me dobro e posso renegar ideias minhas que pareçam ser, de repente, inadequadas ao momento (dos outros, do mundo e meu).
Olhando para trás, descubro (com certo orgulho) que, ao longo da vida, fiz inúmeras concessões, inclusive na hora de escolhas fundamentais. Poucas vezes lamentei não ter sido coerente. Mas muitas vezes lamento não ter sabido fazer as concessões necessárias, por exemplo, na hora de ajustar meu desejo ao desejo de pessoas que amava e de quem, portanto, tive que me afastar.
Alguém dirá: espere aí, então a fidelidade a princípios e valores não é uma condição da moralidade?
Estou lendo (vorazmente) "O Ponto de Vista do Outro", de Jurandir Freire Costa (Garamond). O livro é, no mínimo, uma demonstração de que a forma moderna da moral não é o princípio, mas o dilema. E, no dilema, o que importa não é a fidelidade intransigente a valores estabelecidos; no dilema, o que importa é, ao contrário, nossa capacidade de transigir com as situações concretas e com os outros concretos.
A coerência é uma virtude só para quem se orienta por princípios. Para o indivíduo moral, que se orienta (e desorienta) por dilemas, a coerência não é uma virtude, ao contrário, é uma fuga (um tanto covarde) da complexidade concreta. Oscar Wilde, que é um grande fustigador de nossas falsas certezas morais, disse que "a coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia" e, eu acrescentaria, de quem tem pouca coragem.
Resta absolver Clarice. Aquela frase da entrevista era, provavelmente, apenas uma reverência retórica a um lugar-comum de nosso moralismo trivial.

Fonte: Blog Contardo Calligaris, 24/11/2010

sexta-feira, novembro 26, 2010

para reencantar o mundo

FELICIDADE E ALEGRIA

por Contardo Calligaris
Ser alegre (muito melhor do que ser feliz) é gostar de viver mesmo quando a vida nos castiga
QUANDO EU era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.
Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.
Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?
Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.
Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.
No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.
Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?
Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.
Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível, sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?
Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.
Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).
Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.
Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.
É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.
Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.
Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 18/11/2010

quarta-feira, outubro 13, 2010

para filhos e pais

"Eu Matei Minha Mãe"

por Contardo Calligaris
Nos filhos, a vontade de ser autônomo, livre e rebelde convive com a de ser cuidado, amparado
Aos 17 anos, Xavier Dolan, canadense, escreveu o roteiro de "Eu Matei Minha Mãe". Logo, ele produziu, dirigiu e protagonizou o filme.
Apesar do sucesso em Cannes em 2009 (três prêmios na Quinzena de Realizadores) e na Mostra de Internacional de Cinema de São Paulo, "Eu Matei Minha Mãe" acaba de estrear em poucas salas e capitais. 

Adolescentes e pais, apressem-se e não percam sob nenhum pretexto. Os pais mais corajosos deveriam assistir ao filme com os filhos, a experiência valerá algumas sessões de terapia de família e talvez resolverá conflitos cruentos e incompreensíveis numa saudável hilaridade coletiva.

O filme é prodigioso: não me lembro de ter lido ou visto um relato tão terno e, ao mesmo tempo, cruel (ou seja, tão autêntico) da mistura explosiva de amor-paixão e ódio letal entre um filho e sua mãe.
1) Hubert, o protagonista, filho de pais separados, vive com a mãe, enquanto o pai é pior que ausente: ele só aparece na hora de "disciplinar" o garoto. Mas que ninguém se sirva disso como pretexto para tirar o corpo fora: se Hubert vivesse com o pai, sua relação com o genitor seria tão ambivalente quanto o é com a mãe. Mesma coisa se os pais de Hubert não estivessem separados: a funcionalidade de uma família controla e esconde, mas não suprime a virulência dos afetos em jogo.

2) Alguns pais e adolescentes se reconhecerão no filme. Ótimo: eles se sentirão menos sozinhos. Com frequência, encontro uma espécie de vergonha da violência das emoções familiares e da incompreensão entre pais e filhos; muitos fazem de conta, encenam uma família leve e jocosa como uma propaganda de margarina e sofrem em silêncio, convencidos de que seu caso é extremo, patológico, se não único. Pois bem, não é só que as famílias margarina sejam chatas (isso, Tolstói já dizia), é que elas não existem.
3) Os pais e adolescentes que se reconhecerão na história de Hubert não precisam se desesperar. Lembrem-se: o filme é, em grande parte, autobiográfico, ou seja, aquela relação horrorosa entre mãe e filho não impediu que vingasse um jovem como Dolan, que tem sensibilidade e inteligência emocional para vender. Quanto à mãe de Dolan, aposto que, agora, com o filho ocupado em fazer filmes, ela deve estar namorando feliz e comprando casaquinhos, liquidações afora.
4) Alguns dirão: "Nossa família não tem nada a ver com isso, a gente se ama e se respeita, tranquilamente". Outros acrescentarão: "Nunca fui tão desrespeitoso com meus pais, nem em pensamento". Acredito. Mas repare que, em geral, as paixões parricidas da pré-adolescência e da adolescência são esquecidas na idade adulta. O filme de Dolan foi possível, justamente, porque foi escrito e filmado com Dolan ainda adolescente, antes da amnésia adulta.
5) A grande maioria dos adolescentes sente asco do corpo dos pais, acha nojento os pais comendo, bebendo, dormindo, beijando-se, respirando etc. Esse desgosto é bem-vindo: serve para encorajar o adolescente a procurar alhures seus objetos de desejo.
6) Nos pais, a vontade de criar filhos quase sempre convive com a vontade de continuar "aproveitando a vida" (como se criar filhos não fosse um jeito extraordinário de aproveitar a vida). Há pais que deveriam ouvir o que eles mesmos dizem quando um filho lhes pede um cachorro: "Você quer um bichinho que abane o rabo quando você entra em casa, mas você vai ter que levá-lo para fazer xixi, educá-lo, dar-lhe comida a cada dia". Uma menina, que acaba de ganhar um filhote muito desejado, pergunta-me: "Por que ele foge se estiver sem coleira? O que é, ele não gosta de mim?".
7) No filho, a vontade de ser autônomo, livre e rebelde convive com a de ser cuidado, guiado, amparado.

8) Também no filho, a admiração pelos pais nunca dispensa a sensação de que a vida deles é inautêntica, feia, fracassada - kitsch como um abajur de oncinha comparado a uma pintura de Jackson Pollock.
9) Talvez Hubert não fosse feito para ser filho; quase ninguém é.
10) Talvez a mãe de Hubert não fosse feita para ser mãe; quase ninguém é. Ela pode se perguntar, aliás, se não teria sido melhor não ter aquele filho. Na saída do cinema, por um instante, podemos pensar que sim, certamente, para a vida dela, teria sido melhor.
Mas será que teria sido mesmo?

Fonte: Blog Contardo Calligaris, 07/10/2010

quinta-feira, abril 22, 2010

olhar juntos

O que faz um casal?
por Contardo Calligaris

Para existir, um par precisa inventar e compartilhar uma longa aventura.

AS HISTÓRIAS protagonizadas por um casal (sejam elas literárias, cinematográficas, teatrais ou televisivas) podem ser divididas em duas categorias. Há as histórias ditas "de amor", de "Cinderela" a "Romeu e Julieta". Na maioria dessas histórias, trata-se do primeiro encontro dos amantes e das dificuldades nas quais eles esbarram para se juntar. As coisas podem acabar mal ("Romeu e Julieta"), mas, quando acabam bem, a narração termina na hora em que os amantes começariam a "viver felizes para sempre" ("Cinderela"). Ou seja, quando o amor deveria ser o tema principal, o que é narrado são os transtornos iniciais (com mais ou menos meleca sentimental) ou, às vezes, o trágico desfecho. A prática cotidiana do amor é, em geral, apenas objeto de farsas e comédias: risível. A segunda categoria é a das histórias em que um casal vive uma aventura que, aparentemente, não tem nada a ver com seu amor: procuram juntos desvendar um crime, assaltar um banco, roubar um quadro, ganhar uma guerra ou encontrar o Santo Graal. Ao longo dessas façanhas, eles se amam e têm ou não o tempo de se beijar e de transar (nos filmes, esse efeito colateral nos vale cinco minutos de rins, umbigos, pernas e lábios, que não têm nada a ver com a ação e permitem dar um pulo no saguão do cinema para renovar a pipoca). Ora, para mim, os verdadeiros filmes de amor são esses, os da segunda categoria, os filmes "de aventura". Por quê? A maioria desses filmes parece afastada de nossa experiência cotidiana. Com ou sem minha companheira, é raro que eu assalte bancos, roube quadros ou solva enigmas policiais. Mas essas proezas valem como exemplos de um "fazer juntos", que, na prática do amor, é um ideal mais útil do que os meandros dos primeiros encontros, propostos pelos "filmes de amor". Ou seja, os filmes de amor me dizem que, do amor, vale a pena ser narrado apenas o momento do apaixonamento (supõe-se, imagino, que, depois disso, aos poucos, a coisa vire uma lástima). Os filmes de aventura me dizem que existe a possibilidade de uma experiência comum, de uma aventura dos dois (que, claro, não precisa ser tão mirabolante quanto o que acontece na tela). Em suma, concordo com a citação proverbial de Antoine de Saint-Exupéry (o autor de "O Pequeno Príncipe"): "Amar não significa se olhar um ao outro, mas olhar juntos na mesma direção" (se me lembro direito, a frase está em "Terra dos Homens", livro de memórias e reflexões que acaba de ser publicado em português pela Nova Fronteira). Fica a pergunta: o que é "olhar juntos na mesma direção"? Na falta de fortalezas para expugnar, fazer o quê? A forma clássica de olhar juntos na mesma direção é criar filhos. Isso não significa que um casal deva agüentar um inferno conjugal para que pai e mãe fiquem com seus rebentos até eles crescerem. Significa apenas que a tarefa comum de criar os filhos é uma prática possível do amor. Já foi a mais comum, aliás. Num artigo publicado no caderno Mais!, da Folha de domingo passado, Gianni Vattimo nota que a reprodução sexual implica, de uma maneira ou de outra, a vontade de manter e reproduzir o mesmo. O homem do antigo regime previa que seus filhos teriam seu mesmo status num mundo que se manteria igual; nós, homens modernos, sonhamos que nossos filhos nos ultrapassem, mas dentro de um quadro que tendemos a reproduzir (muitos desejam um filho médico, mas poucos gostariam que esse médico fosse Che Guevara). Talvez por essa razão, criar filhos deixe de ser, hoje, a experiência comum dominante na qual prospera o amor de um casal. Há traços da subjetividade moderna que exigem dos casais outras escolhas: a sede de renovação constante (reproduzir e se reproduzir não é mais suficiente para preencher nossa vida) e, sobretudo, a vontade de capitalizar experiência por conta própria (sonhar, por procuração, com a experiência futura dos filhos não nos basta mais). Essa é, portanto, a dificuldade: fora criar filhos, o que é, hoje, para um casal, "olhar na mesma direção"? Alguns praticam o amor lendo poesia em voz alta, outros estudam juntos, outros exercem a mesma profissão ou adotam ambos uma nova religião, outros ainda se dedicam a práticas sexuais "diferentes". Tanto faz. O que importa é que, para existir, um casal precisa inventar e compartilhar uma (longa) aventura.

segunda-feira, abril 05, 2010

sexualidade desnaturada

Sexualidade humana é totalmente desnaturada
Nossa espécie é a única, entre os mamíferos, que desconhece o ciclo
Por Contardo Calligaris

Robert Wright publicou dois meses atrás um livro, "The Moral Animal" (Pantheon Books). Não fosse hoje a tradução de um seu recente artigo no Caderno Mais! (págs. 6-4 e 6-5) o subtítulo do livro –"Eis porque somos do jeito que somos"– seria, aliás, suficiente para jogar a coisa no lixo sem tardar. Pois revela um artifício barato para nos adormecer. Convidado a descobrir o porquê, o leitor talvez esqueça de perguntar: mas somos mesmo do jeito que diz o senhor Wright?
Este escolheu, como é de praxe, autoridades presumíveis para escrever frases elogiosas na contracapa do seu livro: por exemplo – conhecidos no Brasil– Frank Sulloway, autor de "Freud Biólogo da Mente" e Peter Kramer, autor de desprezível best seller pseudomédico: "Escutando o Prozac".

De fato, Wright tem em comum com Sulloway um interesse pela biologia como campo onde os fenômenos psíquicos deveriam se explicar. Mas sua escolha de Peter Kramer é mais reveladora.

Kramer ficou famoso por propor o uso de um antidepressivo, o Prozac, como panacéia de nosso tempo, transformador da subjetividade. Chegou até imaginar um futuro diferente para uma humanidade prozaquiana e sorridente.

Wright não deveria gostar de Kramer. Ele é demasiado convencido de que nossa natureza é feita de genes para apreciar as promessas da quimioterapia intervencionista. Mas a aliança com Kramer se dá de outro jeito. Ambos participam de um clima geral onde triunfa a convicção que o real, biológico ou químico que seja, oferece ou oferecerá as respostas para todos os problemas.
Nada surpreendente. Nossa cultura deixa aos poucos de se referir a valores simbólicos, exalta a autonomia do indivíduo, mas chora sobre os belos tempos das certezas perdidas e conclama, com razão, que faltam critérios éticos. A época em que vivemos oferece duas opções substitutivas: em vez de critérios, encontramos imagens positivas ou negativas de homens e mulheres com os quais é recomendado se identificar ou não.

Em vez de sabedorias tradicionais, encontramos a autoridade do que é apresentado como a irresistível evidência do real, biológico, científico. Assim, parte da dita "comunidade homossexual" recebeu como ótima notícia a hipótese da existência de um gene da homossexualidade. Os lugares-comuns racistas de nossa cultura acharam, satisfeitos, fundamento no retorno dos testes de inteligência (cuja "cientificidade" está contestada há várias décadas).

O texto de Wright publicado neste número do Mais! vai nos dizer qual é a diferença científica entre homens e mulheres. O "gênero", Wright anuncia, não é uma construção cultural. Ele não vai perder tempo com incertas influências sociais, conjunturas familiares ou conflitos de ideais; vai nos dizer como as coisas estão assim por "natureza". Na verdade, ele vai promover ao estatuto de verdades naturais os lugares-comuns ideológicos que lhe parecem representar a realidade.

Se Wright tivesse tomado conhecimento dos trabalhos de Robert Stoller (de "Sex and Gender", Science House, 1968, até o último, "Presentations of Gender", Yale Univ. Press), talvez descobrisse que a patologia é às vezes de melhor conselho do que uma duvidosa normalidade.
Stoller mostrou que o sexo biológico de um sujeito não é constitutivo da identidade sexual. É possível ser homem ou mulher biologicamente (cromossomos, genitais externos etc.) e, apesar disso, se viver como do sexo oposto.

Esta vivência é a identidade de gênero, que se constitui a partir de uma série de fatores culturais, que ele enumerou cuidadosamente: a designação do sexo do recém-nascido pelos pais, a influência das atitudes dos pais, os padrões de manejo de seu corpo e as sensações, corporais e genitais, que confirmam ou não a designação pelos pais.

Estes fatores nunca teriam sido inventariados se Stoller não tivesse dedicado parte de seu trabalho clínico ao estudo de transexuais. Ele foi forçado a constatar a existência (e a relevância) de fatores determinantes da identidade de gênero, outros que o sexo biológico.

Além da diferença entre sexo biológico e identidade de gênero, se perfila um problema. Nem o sexo biológico, nem a identidade de gênero comandam as condutas sexuais de um sujeito.
Em suma, a mãe natureza (que, segundo Wright, misteriosamente coincide sempre com a tia evolução) mal dá conta do sexo anatômico. E este é apenas um fator lateral na constituição da identidade de gênero. A escolha de origem sexual e a orientação de nossas fantasias sexuais é outra história.

Quando Wright defende a idéia de uma diferença "natural" entre homens e mulheres, fala ou uma ingenuidade ou uma besteira. Que homens e mulheres sejam anatomicamente diferentes, já nos demos conta. Que as diferenças psíquicas entre eles como conjuntos estejam inscritas nos genes e decorram dos sexos anatômicos, aparece simplesmente falso.

Mas a maior prova da natureza ideológica e não-científica do trabalho de Wright é interna a seu discurso. Para Wright, a natureza é a evolução. Mas ele invoca a evolução para justificar uma espécie de metafísica natural das diferenças nos papéis sexuais e sociais. Parece que a evolução parou, é sempre conjugada ao passado (por exemplo: "durante a evolução, era geneticamente custoso...").

Por que parou, parou por quê? Um pensamento evolucionista consiste em pensar as mudanças, por inscritas geneticamente que sejam. Mas as mudanças são, para Wright, só as que já aconteceram, "nos tempos da evolução".

Tomamos sua tese central. Wright parte da idéia de que as mulheres são mais reservadas sexualmente que os homens, sabidamente mais caçadores, porque as mulheres reproduzem menos e portanto devem cuidar mais da qualidade dos genes dos parceiros. Os homens adoram jogar genes ao acaso, para as gerações futuras.

A pretensa constatação inicial (que as mulheres são menos promíscuas) é antes de mais nada um preconceito. Desta constatação preconceituosa, Wright deduz uma teoria fantasiosa do desejo sexual, o qual serviria aos imperativos de uma boa seleção genética para a continuação da espécie.

Ora, podemos até imaginar Henrique 8º transando com Ana Bolena e se excitando com a réplica que Hollywood lhe atribuiu: "Vou te encher de filhos”. Certamente o desejo sexual pode se sustentar com as imagens da procriação. Mas será que alguém se excita pensando nos genes que lança para a posteridade? Imagino que Wright se defenderia dizendo que a determinação do desejo pelas leis da evolução se situa aquém ou além da consciência. Embora eu pense que desejo minha parceira pelos seus belos olhos, essas fantasias estão sempre ao serviço superior de minha genética paixão de melhorar a visão das gerações futuras. E maldito seja quem deseja mulher míope!

Wright poderia ter refletido um instante no fato, banal, que a sexualidade humana tem justamente a propriedade de ser completamente desnaturada. Nossa espécie é a única, entre os mamíferos, que desconhece o ciclo; as mulheres não são férteis durante a menstruação, como fêmeas de mamíferos no cio, e a excitação sexual não depende nada da reprodução.

O próprio evolucionismo não é nenhuma norma ou lei da natureza, é a interpretação de uma contingência histórica da competição entre as espécies. A evolução darwiniana não implica nenhuma finalidade interna os seres, humanos ou outros. Mas a posição de Wright desliza de Darwin a Lamarck: ele começa por considerar a evolução selecionando as espécies que melhor se perpetuam e reproduzem e acaba imaginando que as regras da boa reprodução dirigem a sexualidade.

Ou seja, começa com Darwin (a evolução seleciona) e acaba com Lamarck (a função da perpetuação da espécie cria nossa sexualidade e nossa vida social como um órgão). Pode ser que a espécie humana seja ou venha a ser perfeitamente suicida. Certamente não pode ser que nossa compreensão de nós mesmos seja decidida pelas necessidades da reprodução.
Caso contrário, entra-se em uma armadilha teórica: como é que não dispomos de um gene ecológico que nos faça preservar nosso ambiente? Os genes da boa evolução podem ou não ser malthusianos?

Os feminismos que Wright discute e contesta em seu artigo são um adversário aparentemente fácil. Talvez defendam mesmo posições ideológicas pouco compatíveis ou contraditórias com as formas do desejo feminino em nossa cultura.

Quando, por exemplo, MacKinnon declara que cada relação heterossexual é um estupro, faz política e não ciência. Mas sua afirmação, pelo que deixa entrever de uma contradição - não resolvida entre dimensões diferentes da fantasia sexual feminina, carrega mais verdade do que o texto de Wright. Opor às afirmações feministas, por extremas e sintomáticas que sejam, um moralismo banal camuflado de inelutabilidade evolucionista, é estúpido demais.

quarta-feira, outubro 28, 2009

conquistado e merecido

O amor entre pais e filhos

por Contardo Calligaris

Não é algo "natural"; como outros amores, tem razões para surgir, acabar ou se tornar ódio

DOIS PROJETOS de lei se propõem a legislar em matéria de amor entre pais e filhos (conforme reportagem de Johanna Nublat, na Folha de 20/9). Ambos se baseiam na premissa de que, entre pais e filhos, há obrigações não só materiais, mas também afetivas.

Pelo projeto (4.294/08) do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), os pais devem aos filhos menores a presença e o amor que são indispensáveis para que os jovens vinguem sem carências e feridas que nunca cicatrizariam direito. Reciprocamente, os filhos devem aos pais idosos a presença e o amor sem os quais a vida, na velhice, poderia perder seu sentido.
Concordo: para ser "bom pai" não basta pagar mesada ou pensão, e, para ser "bom filho", não basta pagar o salário de quem faz companhia à velha mãe ou ao velho pai.

O projeto do deputado Bezerra institui o princípio de uma indenização por dano moral, que poderia ser exigida por pais e filhos que tenham sido abandonados afetivamente. Curiosamente, volta-se ao mesmo lugar de onde se queria fugir: "Você pensou que era suficiente pagar? Acha que não me devia também afeto, atenção, cuidados? Pois bem, pague mais".

Fora esse paradoxo, a dificuldade está na avaliação do que constitui "abandono" afetivo.

Em sua maioria, os neuróticos (ou seja, a gente), mesmo quando conheceram os cuidados assíduos de pai, mãe, avós etc., queixam-se de uma falta de amor invalidante, que os teria deixado para sempre carentes, tristes e inseguros.

Inversamente, numa veia humorística, conheço adultos que, para evitar o almoço de domingo na casa da mãe, pagariam antecipadamente uma indenização. "Mãe, a gente não vai, mas mando os R$ 300 da multa, tudo bem?". A um preço módico, eles protegeriam assim seu casamento dos venenosos comentários maternos sobre as insuficiências da nora.

O outro projeto de lei (700/07), do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), trata só do abandono afetivo das crianças e quer que, aos filhos menores, seja garantida a "assistência moral", que inclui "a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais" e "solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade". Esse projeto não propõe apenas indenizações financeiras para quem foi abandonado, mas transforma o "abandono" num crime, punível com a detenção, de um a seis meses.

De novo, concordo com a "justificação" do projeto: "A pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos [...]. Os pais têm o DEVER [sic] de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia".

Mas o que dizer sobre os pais dos filhos que saqueiam a casa para comprar drogas? Se eles expulsarem os filhos, irão presos?

E imaginemos uma situação nem tão rara: a de um pai que, um dia, aprende que o filho ou a filha é homossexual, não entende, não aceita e se fecha no mutismo como se quisesse se esquecer da própria existência do filho ou da filha. Esse pai iria preso? Não seria melhor que ele encontrasse um profissional com quem conversar? E, se for aprovado o projeto do deputado Bezerra, o filho que não cuidasse desse tipo de pai na velhice deveria uma indenização ao genitor?

Considerando os dois projetos, a impressão com a qual fico é que a tentação de transformar em norma legal o que seria uma relação minimamente "certa" entre pais e filhos é também (se não sobretudo) uma maneira de negar a seguinte realidade, que é incômoda e que nos choca: contrariamente ao que gostaríamos de acreditar, o amor entre pais e filhos não é incondicional, mas é parecido com os outros amores de nossa vida, tem razões para surgir, para acabar ou mesmo para se tornar ódio.

Filhos e pais não se amam "naturalmente". Claro, a extrema dependência nos primeiros anos da vida humana parece impor o amor entre filhos e pais. E, por exemplo, a mortalidade dos pais faz com que os filhos lhes apareçam, na velhice, como única justificativa de sua vida. Mas essas são apenas circunstâncias que instituem, em nossa cultura, a ilusão de que o amor recíproco entre pais e filhos seja "natural".

Não é assim. O amor entre pais e filhos não é garantido, nem por lei; de ambos os lados, ele pode ser, isso sim, conquistado e merecido.

Ou não.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

comportamentos

Uma crise "cultural"


Investidores tentam prever não a economia, mas o comportamento dos outros investidores
por Contardo Calligares

QUASE SEMPRE, antes de eu pegar no sono, o noticiário da CNN International anuncia a abertura dos mercados asiáticos; aprendo assim, por exemplo, que Tóquio, Seul, Hong Kong e os australianos abriram em forte queda.

Escuto essa notícia como ruído de fundo, enquanto leio; no entanto, se tivesse dinheiro investido em ações aqui no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa, seria diferente: eu prestaria a maior atenção, mas por razões que surpreenderiam um investidor de, digamos, 50 anos atrás. Explico:

O investidor de 50 anos atrás acharia ótimo saber com tamanha prontidão o que acontece nas Bolsas dos quatro cantos do mundo e, provavelmente, ele pensaria assim: "Se os asiáticos estão liqüidando suas posições é porque algo deve ter acontecido que afeta setores-chave das economias locais; vou tentar descobrir de que se trata e quais os efeitos para as empresas nas quais eu investi meu capital".

O investidor de hoje pensaria mais ou menos assim: "Daqui três, quatro ou cinco horas, segundo o fuso horário, de Connecticut à Califórnia, milhões de americanos ligarão seu notebook enquanto tomam o primeiro café do dia. Eles saberão da queda das bolsas asiáticas e logo digitarão as ordens de venda das principais posições de suas contas. Não lhes importará saber a razão pela qual as Bolsas asiáticas caíram e se isso tem ou não implicações imediatas para seus investimentos, só lhes importará estar entre os primeiros a vender. Pois bem, vou vender antes deles".

O protótipo do investidor moderno nasceu nos anos 90: era o "day-trader", o investidor-diarista. Em geral, não se tratava de profissionais do mercado financeiro, mas de pessoas que abandonavam seus vários ofícios para se dedicar a fazer frutificar o pequeno (ou grande) capital de sua poupança. Eram chamados diaristas, porque vendiam todas suas posições e voltavam para o dinheiro líquido ao fim de cada dia.

Eles trabalhavam em lan houses especializadas, que garantiam uma ligação à internet muito rápida, e se serviam de corretoras que ofereciam cotações em tempo real e operações a um custo fixo, entre US$ 10 e US$ 20. O "day trader", ao longo do dia, observava as flutuações do mercado e pegava breves caronas nas tendências ascendentes. Por isso, ele nem precisava saber o que produziam as empresas nas quais estava "investindo", pois, de fato, ele não investia em empresa alguma, ele apenas apostava que os investidores, comprando, sustentariam um movimento de alta o tempo suficiente para ele entrar e sair, realizando assim lucros rapidíssimos (embora, claro, pequenos).

Os diaristas sumiram da praça, mas seu espírito parece dominar os investidores desde então. Eis como: o saber que o investidor hodierno mais preza não é o saber sobre o andamento da economia produtiva, sobre as fusões, o comércio, as mudanças tecnológicas, os lucros das empresas etc. Para o investidor hodierno, tudo isso importa menos do que um saber, quase psicológico, sobre o comportamento do mercado, ou seja, sobre o comportamento dos próprios investidores -dele mesmo e de seus colegas.

Como é que se chegou a essa mudança, que separou de vez o mercado fincanceiro da dita "economia real"? Uma história explica qual é e como funciona o saber preferido por nós modernos (investidores ou não).

Em algum lugar da Nova Inglaterra, os colonos, recém-chegados e instalados no alto de uma colina, receavam que seu primeiro inverno em terra americana fosse muito frio. Eles cortaram bastante madeira e, enfim, recorrereram à sabedoria dos índios, que acampavam na colina em frente à deles. Foram consultar o xamã: "Como será o inverno?". "Será muito frio", respondeu o xamã. Os colonos cortaram mais madeira, aumentando seu estoque. No fim de novembro, eles decidiram consultar novamente o xamã, que desta vez respondeu: "Será muito, muito, muito frio". Os colonos não hesitaram: serraram e empilharam madeira até não poder mais. Já em dezembro, só para garantir, eles voltaram a interrogar o xamã, que desta vez respondeu que seria o inverno mais frio de todos os tempos. Os colonos iam voltar preocupados para suas barracas e, claro, amontoar mais madeira quando um deles perguntou para o xamã: "Mas como você faz para saber como será o inverno?". "É simples", respondeu o xamã, "olho para as casas dos colonos lá na colina em frente. Se eles cortam muita madeira, é que o inverno será frio".

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