domingo, julho 29, 2012

poucos de nós estão prontos ou capacitados a amar


Sobre a dificuldade de amar o próximo
Zygmunt Bauman*
Numa cena de Korczak, o filme mais humano de Andrzej Wajda, Janus Korczak (pseudônimo do grande pedagogo Henryk Goldszmit), um herói cinematográfico muito humano, é relembrado dos horrores das guerras travadas no curso da vida de sua sofrida geração. Ele recorda essas atrocidades, é claro, e elas o ofendem e repugnam. E de modo ainda mais vívido, e com o maior dos horrores, ele se lembra de um bêbado chutando uma criança.
Em nosso mundo obcecado por estatísticas, médias e maiorias, tendemos a medir o grau de desumanidade das guerras pelo número de baixas que elas causam. Tendemos a medir o mal, a crueldade, a repugnância e a infâmia da vitimização pelo número de vítimas.  Mas, em 1944, em meio à guerra mais mortífera já travada pelos seres humanos, Ludwig Wittgennstein observou:
Nenhum clamor de tormento pode ser maior que o clamor de um homem.
   Ou, mais uma vez, nenhum tormento pode ser maior do que aquilo que um único ser humano pode sofrer.
   O planeta inteiro não pode sofrer tormento maior do que uma única alma.
Meio século depois, quando questionada por Leslie Stahl, da rede de televisão CBS, sobre o cerco de meio milhão de crianças mortas em função do continuado bloqueio militar imposto pelos Estados Unidos ao Iraque, Madeleine Albright, então embaixadora norte-americana na ONU, não negou a acusação, admitindo ter sido “uma escolha difícil de fazer”. Mas justificou-a: “Achamos que era um preço que valia ser pago.”
Albright, sejamos justos, não estava nem está só ao seguir esse tipo de raciocínio. “Não se pode fazer uma omelete sem quebrar os ovos” é a desculpa favorita dos visionários, dos porta-vozes das visões oficialmente endossadas e dos generais que agem da mesma forma sob o comando dos porta-vozes. Essa fórmula transformou-se, com o passar dos anos, num verdadeiro slogan de nossos admiráveis tempos modernos.
Quaisquer que sejam aqueles “nós” que “achamos” e em cujo nome falava Albright, foi exatamente a fria crueldade de seu tipo de avaliação que provocou a oposição de Wittgenstein e deixou Korczak chocado, ultrajado e revoltado, resolvido a dedicar toda uma vida a essa revolta.
A maioria de nós concordaria que esse sofrimento sem sentido e essa dor insensivelmente infligida não podem ser desculpados e não teriam defesa perante tribunal algum. Mas menos estariam prontos a admitir que provocar a fome ou causar a morte de uma única pessoa não é, não pode ser, “um preço que vale ser pago”, não importa quão “sensata” ou até nobre possa ser a causa pela qual se pague. Tampouco a humilhação ou a negação da dignidade humana pode ser esse preço. Não é apenas que a vida digna e o respeito devido à humanidade de cada ser humano se combinem num valor supremo que não pode ser superado ou compensado por nenhum volume ou quantidade de outros valores, mas que todos os outros valores só são valores na medida em que sirvam à dignidade humana e promovam a sua causa. Todas as coisas valorosas na vida humana nada mais são que diferentes fichas para a aquisição do único valor que torna a vida digna de ser vivida. Aquele que busca a sobrevivência assassinando a humanidade de outros seres humanos sobrevive à morte de sua própria humanidade.
A negação da dignidade humana deprecia o valor de qualquer causa que necessite dessa negação para afirmar a si mesma. E o sofrimento de uma única criança deprecia esse valor de forma tão radical e completa quanto o sofrimento de milhões. O que pode ser válido para omeletes torna-se uma mentira cruel quando aplicado à felicidade e ao bem-estar humanos.
É comumente aceito pelos biógrafos e discípulos de Korczak que a chave para seus pensamentos e atos era o amor que tinha pelos filhos. Essa interpretação é bem fundamentada. O amor de Korczak pelos filhos era apaixonado e incondicional, total e abrangente – o bastante para sustentar toda uma vida caracterizada por uma sensibilidade e uma integridade singularmente coesas. Ainda assim, como a maior parte das interpretações, essa também não corresponde à totalidade de seu objeto.
Korczak amava os filhos como poucos de nós estão prontos ou capacitados a amar, mas o que amava neles era sua humanidade. A humanidade no que ela tem de melhor – sem distorções, sem truncamentos, sem enfeites nem mutilações, plena em sua incipiência e nascença, cheia de promessas que ainda não foram traídas e de potenciais ainda não comprometidos. O mundo em que os potenciais portadores de humanidade nascem e crescem é, ao que se sabe, mais propenso a prender as asas de que a estimular os supostos voadores a abri-las, e assim, na opinião de Korczak, era apenas nas crianças que essa humanidade podia ser encontrada, capturada e preservada (por algum tempo, só por algum tempo!) intacta e ilesa.
Talvez fosse melhor mudar os costumes do mundo e tornar nosso hábitat mais hospitaleiro à dignidade humana, de modo que amadurecer não exigisse o comprometimento da humanidade de uma criança. O jovem Henryk Goldszmit compartilhava as esperanças do século em que nasceu e acreditava que mudar os abomináveis hábitos do mundo estava ao alcance dos seres humanos, sendo uma tarefa viável e que ao mesmo tempo tendia a ser realizada. Mas com o passar do tempo, à medida que as pilhas de vítimas e os “danos colaterais” provocados tanto pelas más quanto pelas mais nobres intenções atingiam dimensões estratosféricas, e em que a necrose e a putrefação da carne em que os sonhos tendiam a se transformar deixava cada vez menos espaço à imaginação, essas esperanças exaltadas foram sendo despidas de sua credibilidade. Janus Korczak conhecia muito bem a desconfortável mentira que Henryk Goldszmit praticamente ignorava: não pode haver atalhos que conduzam a um mundo feito sob medida para a dignidade humana, e ao mesmo tempo é improvável que o “mundo realmente existente”, construído dia a dia por pessoas já espoliadas de sua dignidade e desacostumadas a respeitar a das outras, possam algum dia ser refeito segundo essa medida.
A este nosso mundo não se pode impor legalmente a perfeição. Não se pode forçá-lo a adotar a virtude, mas tampouco persuadi-lo a se comportar de modo virtuoso. Não se pode fazer com que seja terno e atencioso para com os seres humanos que habitam, e ao mesmo tempo tão adaptado aos seus sonhos de dignidade quanto idealmente se desejaria que fosse. Mas você deve tentar. Você vai tentar. Você o faria, de qualquer maneira, se fosse aquele Janus Korczak inspirado em Henryk Goldszmit.
Mas como você tentaria? Um pouco como os antiquados visionários utópicos que, não tendo conseguido tornar quadrado o círculo da segurança e da liberdade na Grande Sociedade, transformaram-se em projetistas de comunidades controladas, shopping centers e parques temáticos... No seu caso, protegendo a dignidade com que cada ser humano nasce dos gatunos e falsários que tramam roubá-la ou desvirtuá-la e mutilá-la. E você começaria pelo trabalho perpétuo de protegê-la enquanto é tempo, durante a infância dessa dignidade. Tentaria trancar o estábulo antes que o cavalo fugisse ou fosse roubado.
Uma das formas de fazê-lo, aparentemente a mais razoável, é abrigar as crianças dos eflúvios venenosos de um mundo infectado e corrompido pela humilhação e a indignidade humanas, barrar o acesso à lei da selva que começa justamente do outro lado da porta do abrigo. Quando seu orfanato se mudou do endereço anterior à guerra, em Krochmalma, para o Gueto de Varsóvia, Korczak ordenou que aporta de entrada permanecesse trancada e as janelas de andar térreo fossem tapadas. Quando as deportações para as câmaras de gás estavam se tornando uma certeza, Korczak supostamente se opôs à idéia de fechar o orfanato e despachar as crianças para que buscassem individualmente a chance de escapar que algumas poderiam (apenas poderiam) ter. Ele pode ter concluído que não valeria correr o risco: uma vez fora do abrigo, as crianças aprenderiam a temer, a humilhar-se e a odiar. Elas perderiam o mais precioso dos valores – sua dignidade. Uma vez privadas desse valor, qual a vantagem de permanecerem vivas? O valor, o mais precioso dos valores humanos, o atributo sine qua non de humanidade, é uma vida de dignidade, não a sobrevivência a qualquer custo.
(*) Zygmunt Bauman, “um dos mais originais e perspicazes sociólogos ainda em atividade”. Trecho do livro Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos.

quinta-feira, julho 19, 2012

um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança


Contardo Calligaris


Assisti a "Na Estrada", de Walter Salles, na sexta passada, no Rio. E passei o fim de semana pensando na minha vida.
Li "Na Estrada", de Jack Kerouac, no fim dos anos 1960, provavelmente em Nova York --mas talvez em Houston. O texto que eu li era uma versão expurgada; isso, na época, eu não sabia. Não voltei ao texto em 2007, quando a Viking publicou o manuscrito original (em português pela L&PM). Mas o texto voltou em mim com força, na sexta-feira, quando assisti ao filme.
Nos anos 1960, eu era um hippie lendo um "beat". Na mesma época, "Almoço Nu", de William Burroughs, me seduzia, mas me assustava --longe demais de minha experiência (das drogas, do sexo e da vida). Também lia Allen Ginsberg e Gregory Corso, mas, aos dois, preferia Lawrence Ferlinghetti --outra escolha "bem comportada", dirá alguém.
O fato é que "Na Estrada" foi a parte da herança "beat" da qual eu me apropriei imediatamente. Por quê? As drogas, o álcool ou o sexo "livre" me pareciam secundários --apenas um jeito de dizer: "Não esperem que a gente viva como manda o figurino".
O essencial, para mim, era a junção da fome de aventura com uma raivosa vontade de escrever. A vida se confundia com um projeto literário que exigia os excessos: era preciso viver intensa e loucamente, de peito aberto, para que valesse a pena contar a história. Por isso, eu e outros podíamos, ao mesmo tempo, venerar Kerouac e Hemingway --os quais, álcool à parte, provavelmente, não se dariam.
Pensando bem, eu fui mais um "beat" atrasado do que um hippie. A procura por iluminações interiores e comunhões cósmicas da idade de Aquário, tudo isso me parecia pacotilha para "Hair", coisa da Broadway. Fiz minha peregrinação à Índia e ao Nepal, mas considerava com desconfiança o orientalismo que estava na moda: o budismo dos anos finais de Kerouac e Ginsberg não me parecia mais sério do que o hinduísmo dos Beatles.
O problema é que eu era um espécimen bastardo: "mezzo" hippie e "mezzo" maio-68 francês, "mezzo" descendente dos "beats" e "mezzo" filho marxista do pós-guerra europeu.
Kerouac não tinha simpatia pelo marxismo. Ele preferia o individualismo dos que procuram uma fronteira para desbravar --pouco a ver com um projeto de reforma social ou de revolução. Para os "beats", aliás, transformar a sociedade seria um problema. Certo, Neal Cassady e Gregory Corso passaram tempo na cadeia; e Burroughs, Kerouac e Ginsberg foram censurados. Mas, justamente, num mundo que não lhes resistisse, a vida dos "beats" perderia sua dimensão épica.
Ao longo dos anos 1970 e 1980, fazendo um balanço, eu teria dito que, em mim, a herança marxista europeia prevalecera sobre a herança "beat". Hoje, penso o contrário -não sei se por decepção política ou por maturidade. Mas não tenho muitas certezas: por exemplo, minha errância pelo mundo foi uma experiência da estrada ou uma versão "chique" do cosmopolitismo forçado dos trabalhadores modernos?
E será que vivi como um fogo de artifício? Ou então durar e continuar vivo se tornou, para mim, mais importante do que me arriscar na intensidade das experiências?
O filme de Salles está sendo a ocasião imperdível de um balanço -ainda não decidi se festivo ou melancólico. Cuidado, o balanço não interessa só minha geração. Cada um de nós pode se perguntar, um dia, como resolveu a eterna e impossível contradição entre segurança e aventura: quanta aventura ele sacrificou à sua segurança?
Essa conta deveria ser feita sem esquecer que 1) a segurança é sempre ilusória (todos acabamos morrendo) e 2) qualquer aventura não passa de uma ficção, um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança.
Que você tenha lido ou não o livro de Kerouac, e seja qual for sua geração, assista ao filme e se interrogue: se uma noite, inesperadamente, Neal Cassady tocar a campainha de sua casa, louco de aventuras para serem vividas e com o olhar fundo de quem dirige há horas e ainda quer se jogar na estrada, você saberia e poderia, sem fazer mala alguma, simplesmente ir embora com ele?
Nota. Na semana passada, neste espaço, escrevi, como sempre, uma coluna (www.migre.me/9Ttsq). Aparentemente, Barbara Gancia leu outra. A essa outra coluna, que eu não escrevi, ela respondeu na sexta (www.migre.me/9TtFI). Não sei se um mal-entendido tamanho tem conserto ou interesse. Seja como for, hoje, comentar "Na Estrada" era decididamente mais importante, para mim.

Contardo Calligaris, italiano, é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas na versão impressa de "Ilustrada".
Fonte: Folha de São Paulo / Colunistas, 19/07/2012 - 03h00

sábado, julho 07, 2012

o avanço sobre o espaço natural não encontrava barreiras

por Paulo Kliass
A História da humanidade está marcada por um processo contínuo e crescente de desenvolvimento das forças produtivas e de avanço do ser humano sobre o espaço natural. E isso se deu desde os primeiros registros de organização social, ainda sob a forma de coletores ou caçadores até o quadro atual de atividades que colocam em risco a sobrevivência do planeta e da própria espécie.
Dessa foram se sucedendo os saltos propiciados pela evolução das sucessivas formações sociais e pelo desenvolvimento técnico-científico. Fixação territorial das comunidades e início das atividades de agricultura e pastoreio, marcando o início dessa exploração e conquista do homem sobre a natureza. Domínio de técnicas para geração de energia a partir de recursos naturais (fogo). Consolidação de grupos sociais vivendo em espaços urbanos, afastados dos processos associados à produção de alimentos. Descobertas de novas formas de geração de energia (hidráulica), inovações para aumento da produtividade agrícola e início do processo de transformação produtiva sob a forma artesanal. Utilização em escala crescente dos bens da natureza para consolidar as bases estruturais da sociedade, como os minerais e a madeira para construir ferramentas, bens de uso, meios de transporte, residências, palácios, monumentos, estradas e outros.
O salto industrial e o aprofundamento da degradação
Uma mudança de qualidade nesse processo foi a inovação tecnológica que veio a propiciar a evolução da manufatura e o advento da produção em escala industrial. O desenvolvimento científico revolucionou setores fundamentais como saúde e transportes, possibilitando a redução da mortalidade, o aumento populacional e o deslocamento de bens e pessoas nas regiões e entre continentes. As descobertas relativas às fontes de energia de combustível fóssil (carvão e petróleo) impulsionaram a conquista do homem sobre a natureza, exatamente no momento em que o modo capitalista de produção se afirmava como hegemônico em escala internacional. Produção e consumo em massa se assentavam sobre o modelo colonialista em expansão, onde os países europeus imprimiam a marca da super exploração dos recursos humanos e naturais dos demais continentes.
Com exceção das populações tradicionais que conviviam em harmonia com a natureza e isoladas do ímpeto do chamado “progresso”, o avanço do modelo capitalista de espoliação do espaço natural não encontrava barreiras. Por outro lado, as próprias experiências socialistas do século XX não buscaram alternativas que não estivessem baseadas no extrativismo e no produtivismo exacerbados. Tudo se passava como se o processo civilizatório fosse sinônimo de avanço irracional da sociedade humana sobre o espaço natural. 
Os resultados mais recentes desse processo milenar estão mais do que conhecidos. O fato, porém, é que apenas ao longo das últimas décadas os riscos de sobrevivência do planeta começaram a se tornar mais evidentes e aceitos. Poluição generalizada e devastadora, aquecimento global, elevação do nível dos oceanos, desastres nucleares, efeitos perversos do uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, incapacidade de dar conta de resíduos e lixo, conseqüências negativas e desconhecidas a respeito do uso de transgênicos, aprofundamento da falta de água: eis apenas alguns dos dramas que a sociedade deveria enfrentar seriamente nos tempos atuais. Esses fenômenos causados pela ação direta do homem aliam-se à dinâmica própria de alteração dos ecossistemas e as conseqüências tornam-se ainda mais imprevisíveis.
Desenvolvimento sustentável “versus” economia verde
Porém, parece claro que a questão ambiental não é uma questão isolada. Ela não pode estar dissociada da questão econômica e da questão social. A degradação da Terra ocorre justamente pelos interesses envolvidos no atual modelo de exploração econômica, onde a busca do lucro a curto prazo e a exploração da força de trabalho são partes integrantes do mesmo processo. As características da desigualdade e da concentração, tão típicas do capitalismo, se fazem presentes no que se refere à distribuição dos recursos naturais. A Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente de 1992 consagrou o conceito de “modelo sustentável”. E essa idéia força vinha sempre associada com a necessidade de enfocar o tema da sustentabilidade em seus 3 eixos interdependentes: a) ambiental; b) econômico; c) social.
Não é intenção deste artigo sugerir um balanço dos resultados obtidos com a Rio + 20. Mas, de toda forma, parece consensual a avaliação de que muito pouco foi realizado pelos governos, pelos organismos multilaterais e pelas grandes corporações multinacionais a respeito do tema ao longo dessas duas décadas. Como foram vinte anos dominados pelo discurso neoliberal e pela crença na supremacia absoluta nas forças do mercado para buscar as soluções ditas “mais eficientes”, muito pouco foi efetivado em termos de regulação, fiscalização e controle das atividades comprometedoras do equilíbrio do planeta – seja em escala global, nacional ou local.
Como a Conferência oficial deste ano ainda se pautou pela inércia da influência política e ideológica dos anos de chumbo do liberalismo irracional, as questões do mercado e da iniciativa privada terminaram por ganhar mais espaço nos debates e na até mesmo na Declaração Final. Aliás, essa foi uma das reclamações apresentadas pelas organizações envolvidas com a realização da Cúpula dos Povos, evento paralelo ao oficial da diplomacia e dos governos, organizado por um sem número de entidades envolvidas com o tema pelo mundo afora.
Uma das novidades do documento final da Rio + 20, “O futuro que queremos”, é a presença do conceito de “economia verde”. Apesar de pouco esclarecedor e merecedor de uma multiplicidade de definições, o fato é que ele abre espaço para as tentativas de consolidar a mercantilização do meio ambiente – fenômeno já em marcha há décadas. No entanto, antes de avançar por aqui, é importante deixar registrado que, ao longo das 59 páginas do texto da ONU, a expressão “economia verde” sempre aparece acompanhada da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”. Ou seja, há quem avalie que o termo ainda não se expressaria como um caminho exclusivamente de mercado para a crise ambiental.
Os instrumentos da mercantilização
Porém, a Declaração Final não é muito mais do que isso: apenas uma declaração de intenções. A realidade das dinâmicas econômica, política e social operam em uma velocidade bem superior à das negociações diplomáticas. E, aliás, isso é até natural e compreensível. Portanto, aproveitando-se dessa distância, o conceito de “economia verde” já está há um bom tempo sendo utilizado pelos governos, implementado pelas grandes empresas e divulgado pelos meios de comunicação como a grande panacéia para todos os males que o capitalismo tem provocado sobre o ecossistema. Só que a problemática é bem mais complicada do que aparenta.
Assim, em sua tendência a universalizar as relações mercantis, o atual sistema econômico passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como instrumento de acumulação e dinamização do mercado. Os primeiros esboços concentraram-se na área de emissão de gases do efeito estufa (GEE). A partir das determinações previstas no Protocolo de Kyoto, lançado em 1997, começaram a surgir os “créditos de carbono”, que vieram a se constituir em instrumentos de negociação no próprio mercado financeiro. Com isso, as empresas que conseguissem reduzir seu volume de emissão de GEE teriam direito a emitir esses títulos de crédito de carbono, que passaram a ser precificados e negociados no mercado. De acordo com os padrões estabelecidos atualmente, um crédito de carbono equivale à redução de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2).
O objetivo implícito é que ele seria um mecanismo de estimular a substituição de processos produtivos “sujos” por novos processos “limpos”. O termo genérico desse tipo de ação ficou conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e contaria com algum tipo de regulação e fiscalização por parte da ONU, de maneira a evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser objeto de fraude e descontrole. O crescimento do volume de títulos emitidos e a generalização de sua negociação criaram um verdadeiro mercado, com todo tipo de produto financeiro associado. O crédito de carbono tem uma cotação nas Bolsas de Mercadorias, tendências de alta, expectativas de queda, operações de mercado futuro e por aí vai. Como todos os títulos similares, está bastante sujeito a muita especulação.
Mais recentemente, outros instrumentos financeiros passaram a ser incorporados à prática dos grandes grupos multinacionais, mas ainda não são objeto de regulação e controle institucional. Trata-se do procedimento de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual as corporações e seus empreendimentos de larga escala buscam obter ganhos econômicos a partir de iniciativas que possam diminuir o ritmo de destruição ambiental, como a redução de áreas de floresta ou comprometimento de áreas envolvidas com extração mineral. E aqui novamente o mercado financeiro pode atuar como facilitador dos negócios e da alavancagem de projetos, pois tudo se consolida em emissões de títulos que passam a ter um valor e são negociados nos mercados mobiliários por todos os cantos do planeta. E como quase tudo no mercado opera com base na especulação, o que dizer de operações sem nenhum lastro no setor real da economia? 
Busca de alternativas à solução de mercado
Além disso, vale ressaltar que outros elementos da natureza já estão submetidos ao regime de mercantilização ou correm o risco de virem a passar pelo mesmo processo. É o caso da terra e do solo para atividades agropecuárias, extrativas e as demais no espaço urbano. A água, em sua condição de bem essencial para a vida, começa a dar os sinais de escassez preocupante em escala global e não apenas nas regiões historicamente afetadas pela seca. Os mares e oceanos pelo potencial energético, de alimentação e de pesquisa, além da questão estratégica de ser utilizado como meio de transporte. Os ares e a atmosfera por sua característica fundamental do oxigênio, além de outras como água, ventos e chuvas.
Portanto, a incorporação do conceito de economia verde no documento final da Rio+ 20 reflete o estágio atual da correlação de forças a nível internacional. Há setores fortemente interessados em que a dimensão do meio-ambiente continue nessa trajetória crescente de mercantilização, com abertura de novos espaços de negócios em nome da salvação do planeta. Porém, é preciso que se denuncie a incapacidade das forças de mercado em darem conta dessa árdua tarefa, inclusive porque sua preocupação maior é com o lucro imediato e não com a viabilidade no longo prazo.
A solução passa por buscas de uma abordagem integradora da sustentabilidade, incorporando suas dimensões econômica, social e ambiental. Afinal, não se pode exigir de países do interior do continente africano o mesmo “sacrifício” que se propõem a efetuar as populações dos países escandinavos. Uns ainda sobrevivem em péssimas condições, passam fome, apresentam elevadas taxas de mortalidade, não têm acesso às mínimas facilidades do padrão de vida do mundo dito desenvolvido. Outros se permitem até mesmo falar em estagnação econômica, pois atingiram um padrão social típico do Estado do bem estar.
O nível gritante de desigualdade sócio-econômica exige que os diferentes sejam tratados de forma diferenciada. Assim, a trilha para se alcançar uma humanidade mais justa e homogênea em termos de qualidade de vida não deve repetir a mesma trajetória equivocada, em particular a do padrão dos últimos 50 anos. No entanto, transformar o meio ambiente em mercadoria e operar apenas por meio de referência de preços artificialmente construídos tampouco se apresenta como solução para os graves problemas de nosso tempo.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

sábado, junho 23, 2012

a incrível capacidade de articulação orgânica entre os interesses

Os resultados das eleições na Grécia evidenciaram, mais uma vez, a incrível capacidade de articulação orgânica entre os interesses do sistema financeiro e os grandes meios de comunicação. Face à possibilidade da vitória da Syriza, foi lançada uma enorme campanha de natureza alarmista e catastrofista.
por Paulo Kliass
Os resultados das eleições na Grécia evidenciaram, mais uma vez, a incrível capacidade de articulação orgânica entre os interesses do sistema financeiro e os grandes meios de comunicação. O crescimento das preferências dos eleitores pelo bloco político Syriza acendeu a luz de alerta no interior do “establishment” grego, europeu e internacional. A crítica aberta ao protocolo de austeridade exigido pela troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) ao povo grego, colocou o partido liderado por Alexis Tsipras na preferência do eleitorado, de acordo com as pesquisas prévias realizadas.

Face à possibilidade da vitória do grupo de esquerda radical, armou-se a contra-ofensiva: os jornais, a televisão e a imprensa em geral lançaram uma enorme campanha difamatória, de natureza alarmista e catastrofista. Votar no Syriza equivaleria a proporcionar a antevéspera do caos, permitir a quebra do País - pura chantagem, jogando com o clima de receio e incerteza reinante na Grécia. Como se, até alguns dias antes, tudo estivesse andando em paz e às mil maravilhas por ali.

Na verdade, o que ocorreu foi exatamente o oposto. O aprofundamento da crise econômica na Grécia foi impulsionado pelas políticas ortodoxas formuladas e exigidas pela Comissão Européia e por seus organismos na área financeira. Os países com maior capacidade de influência no estabelecimento das condutas de política monetária na esfera européia sempre foram a França e a Alemanha. Impulsionados pela correlação de forças interna em seus espaços nacionais, o que se viu nos últimos anos foi a desastrosa e desenvolta ação da duplinha dinâmica conhecida por “Merkozy” - Nicolas Sarkozy e Ângela Merkel. Fiéis ao seu conservadorismo ideológico genético, ambos patrocinaram uma radicalização da ortodoxia econômica em Bruxelas, abrindo espaço que favoreceu a implementação de propostas voltadas para o atendimento dos interesses do financismo e da grande banca internacional.

A imprensa e o apoio à ortodoxia
E aqui o papel dos grandes meios de comunicação também foi essencial. Desde o surgimento dos primeiros indícios de que o processo de consolidação da unificação européia começava a ratear, a resposta foi uníssona. O essencial era garantir que as “regras de ouro” da política econômico-financeira não fossem deixadas para trás. Isso significava exigir maior rigor na condução da política fiscal (cortes de gastos orçamentários nas áreas sociais) e liberdade plena de ação para o sistema financeiro. A contribuição da imprensa era criar condições políticas e ideológicas junto à opinião pública para tal empreitada. Afinal, a história dos povos europeus exibia uma capacidade anterior de resistência às tentativas de retirar conquistas consolidadas nos diferentes modelos de estado de bem estar social.

A linha política se generalizava em artigos, manchetes, programas de rádio e televisão. O foco era a exigência do “sacrifício” de todos, em nome da garantia da União Européia e de seu padrão monetário - o euro. Tratava-se da versão européia para o famoso acrônimo alardeado mundo afora pelos neoliberais de Washington: TINA - “there is no alternative”, para sugerir que não haveria outra alternativa que não fossem os rigores do ajuste de tonalidade ortodoxa. A imprensa tentava criar as condições de aceitação social das conseqüências perversas da receitas emanadas dos centros decisórios dos organismos multilaterais. A impressão passada para os leitores ou espectadores era de que a não concordância com os ajustes propostos implicaria a falência da construção européia e a generalização da catástrofe social.

O papel alarmista e viesado dos meios de comunicação
Assim foi também nos diversos plebiscitos realizados nos últimos anos a respeito do tema. Vários países - a exemplo de Irlanda, Holanda, França - convocaram seus cidadãos a se manifestarem a respeito da concordância em relação a condições e tratados relativos à unificação. E a postura da maioria da imprensa sempre foi de estigmatizar as posições críticas às propostas de Bruxelas, apoiando de forma geral as manifestações a favor de uma forma particular de concepção - liberal e tecnocrática - de União Européia (UE). Dessa forma, não ofereciam espaço para divulgação das teses de um conjunto de forças políticas que, apesar de concordarem em geral com a tese unionista, consideravam negativas as condições concretas para tal processo. Ou seja, eram a favor da UE, mas propunham um outro modelo, diferente da atual Europa das finanças e do grande capital. Mas no roldão da postura alarmista, eram identificados injustamente como “anti-europeus”. E ponto final.

Por outro lado, essa mesma preocupação em divulgar o risco da falência e da crise caso a opção pelo país seja em direção contrária à definida pelo “establishment” não aconteceu quando do processo político experimentado pela Islândia. Apesar de ser uma nação de pequenas dimensões e não integrante da zona do euro, aquele país do norte da Europa escolheu um caminho distinto para solucionar a crise, por meio do aprofundamento das experiências democráticas e de participação popular. Após a revelação de esquemas fraudulentos de funcionamento do sistema financeiro, o povo islandês optou por nacionalizar os bancos e declarar o não pagamento da dívida externa junto a bancos europeus, pois a mesma teria sido contraída por meio de operações consideradas ilegais. Depois do resultado desse referendo e da substituição do governo, quase nada foi comentado nas páginas dos grandes jornais a respeito da maneira como aquele país está encaminhando suas próprias soluções. De qualquer forma, a questão incomoda a banca: a dívida externa não foi paga e a Islândia não quebrou. Assim, melhor não divulgar muito a experiência herética e perigosa de ser assimilada.

Resultados na França e na Grécia: espaço para novas propostas
No entanto, como tudo na vida tem limite, parece que a própria comunidade das finanças começa a flexibilizar um pouco seu rigor. A principal causa para tanto está associada às mudanças na dimensão da política. A insistência em recomendar soluções que só fizeram aprofundar a crise e suas manifestações sociais (Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia) talvez esteja provocando algum mecanismo de reavaliação a respeito de tais caminhos equivocados. A vitória de François Hollande para a presidência da França e a confirmação da maioria de esquerda no âmbito da Assembléia Nacional daquele país pode estar operando como um ponto de clivagem. Ao contrário de Dominque Strauss Khan (ex-futuro candidato do PS francês e que foi descartado por envolvimento em vários escândalos), Hollande inovou no discurso dos socialistas, enfrentando a ortodoxia de Merkel e da tecnocracia de Bruxelas. Indiretamente fazia uma crítica severa aos representantes socialistas em Portugal, Espanha e Grécia, onde foram co-partícipes do desastre – estavam à frente dos governos que impuseram as receitas de Bruxelas.

Hollande, ao contrário, fala a todo momento a respeito da necessidade de rever os critérios de austeridade e que a Europa deve buscar a saída da crise pela via do crescimento da economia. Para nós, pode parecer pouco. Mas para o contexto inflexível do debate institucional europeu pode ser visto como um passo e tanto. Sua campanha eleitoral foi dura e precisa contra as propostas da dupla Merkozy. Parte da imprensa francesa tentou engatar o discurso alarmista, mas o resultado eleitoral não correspondeu a tal apelo. Pelo contrário! Apesar da onda de política alternativa não ter conquistado a maioria na Grécia, ela vai deixando marcas pelo caminho.

A indicação mais recente e de importante significado político dessa mudança pode ser encontrado nos resultados eleitorais internos da Alemanha. No mês passado, por exemplo, a coligação encabeçada pelo SPD (de orientação social-democrata) venceu as forças conservadores do CDU de Merkel, na região da Renânia do Norte-Vestfália. Esses podem ser sintomas de uma eventual mudança de maioria no Bundestag (o Parlamento alemão), cujos integrantes serão submetidos a eleições gerais no ano que vem.

Face a essa nova conjuntura, o financismo passa a se expressar de outra forma pela via dos meios de comunicação. O antigo núcleo duro França-Alemanha está cindido e começa a haver espaço para as propostas de flexibilização das regras de ajuste e de crescimento econômico, tal como sugeridas pelo presidente francês. Apesar da derrota eleitoral do Syriza, a falência das propostas do campo da austeridade abriu espaço para visões alternativas. Ao que tudo indica, o sistema financeiro está encaixando o golpe, assimilando as perdas e preparando-se para o novo round. Nesse intervalo, porém, a grande imprensa não tem como deixar de divulgar as propostas novas, que ela mesma considerava, até anteontem, como irresponsáveis em seus próprios editoriais.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 21/06/2012

sexta-feira, junho 15, 2012

expectativas (ir) racionais


por Paulo Kliass
A impressão que se tem é que nem mesmo os economistas mais ortodoxos, aqueles que consideram o sacrossanto “mercado” como um infalível guia orientador de suas análises, se opõem à evidência da natureza financeira e da falta de controle da atual crise por que passa o capitalismo em todo o planeta. Afinal, a realidade grita mais forte, escancara as dificuldades e supera a fragilidade dos pressupostos ideológicos conservadores.
O processo crescente de financeirização das atividades econômicas começou a apresentar as suas faturas perversas do apoio incondicional que recebeu de economistas, analistas, gestores do mercado financeiro, integrantes dos organismos multilaterais e governantes pelo mundo afora. Durante pelo menos 3 décadas todos assistiram passivamente, quando não contribuíam ativamente, ao crescimento desproporcional da dimensão financeira em relação à economia real, ou seja, a produção de bens e serviços.
Hegemonia conservadora e expectativas (ir) racionais
A afirmação dos princípios do chamado Consenso de Washington, no final dos anos 1980, vinha consolidar a supremacia hegemônica das idéias da ortodoxia econômica no interior e junto aos dirigentes dos principais organismos multilaterais, como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre tantos outros. As propostas e os instrumentos de análise estavam na base da constituição do arcabouço teórico daquilo que veio a ficar conhecido como “neoliberalismo”.
O cenário internacional apontava para um aprofundamento do processo de trocas na esfera internacional, com o fortalecimento do processo de globalização ou mundialização. A maior parte dos governos do mundo e os dirigentes de instituições como a União Européia, a Organização Mundial para o Comércio (OMC) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) estavam em sintonia a respeito de como se comportar em matéria econômica. Tratava-se da implementação da estratégia de reduzir o papel dos Estados na economia e de propugnar pela desregulamentação desse tipo de atividade. Em termos concretos, isso significou um vasto processo privatização de empresas estatais em todos os continentes e a liberalização de amplos setores para a chamada “livre ação das forças de mercado” pelo mundo afora.
Um dos principais pressupostos a embasar tais propostas era a noção de “expectativas racionais”. Assim, imaginava-se que o comportamento dos agentes econômicos estivesse assentado na racionalidade do ser humano e que o equilíbrio das forças de oferta e demanda sempre levaria ao melhor resultado possível para toda a sociedade. Afinal, as expectativas em relação ao futuro seriam racionais, como seria o comportamento daqueles indivíduos (e instituições) que tomavam as decisões – em casa, na empresa, na cidade, no país ou no mundo. A crença era tão forte que chegou mesmo a se constituir em algo próximo a uma corrente de pensamento econômico. Triste ilusão! Assim como sempre acontecera antes na história da humanidade, as crises demonstraram mais uma vez que a lógica de acumulação do capital não apresentava nada de “racionalidade”, mas tão somente a busca da geração e apropriação do excedente de forma privada. E pouco importava as conseqüências colaterais decorrentes da busca de tal resultado. A lógica que prevalece, como sempre, é a do capital e não a do social.
Autonomia da esfera financeira
Assim, o resultado da livre ação das forças de mercado não significava melhoria das condições da maioria da população e nem mesmo a garantia de crescimento ou desenvolvimento econômicos. Não apenas as atividades de produção de bens e serviços passavam a ficar menos sujeitas a regulação e fiscalização, como assistiu-se mesmo a um verdadeiro “boom” de crescimento das atividades de natureza puramente financeira, inclusive em escala internacional. Os bancos, as bolsas de valores, os mercados de capitais, os mercados de operações futuras (derivativos), os mercados de “commodities”, os mercados de compra e venda de divisas internacionais, enfim o conjunto da dimensão financeira da dinâmica capitalista ganha cada vez mais destaque e relevância.
Um dos problemas gerados por tal autonomização da esfera financeira em relação ao setor real é o surgimento de crises de natureza distinta daquelas que o capitalismo estava habituado a conviver. Não se trata mais das tradicionais e conhecidas crises de superprodução ou de escassez de demanda. A partir da generalização dos processos de financeirização, a dinâmica de geração de patrimônio e de riqueza capitalistas passa a ocorrer de forma absolutamente descolada da produção de bens e serviços. Tudo se passa como se o capital fosse multiplicado a partir de bases inexistentes.
Vejamos de perto casos bem concretos para facilitar a compreensão desse fenômeno tão complexo. A título de ilustração, consideremos os seguintes processos: i) a produção de um bem agrícola, por exemplo o milho; e ii) a construção de um imóvel residencial.
Efeitos perversos no caso agrícola
A produção agrícola mundial tem experimentado um grande salto ao longo das últimas décadas, com ampliação da oferta de crédito e incorporação de inovações tecnológicas. Tal fenômeno tem ocorrido em especial na área dos produtos chamados de “commodities”, que apresentam possibilidade de comercialização e de estoque em todo o planeta. Assim, o processo de produção de milho envolve um conjunto enorme de agentes econômicos e produtos financeiros, que ultrapassam em muito o valor da produção agrícola “stricto sensu”. Em tese não se trata de algo necessariamente negativo, mas apenas é fruto do processo de divisão internacional do trabalho e da especialização das atividades no mundo contemporâneo. 
Aqui eu me refiro a itens como insumos presentes na produção (água, fertilizantes, sementes, maquinário, etc) e outros elementos como transportes, estocagem, seguro e custo do financiamento. Dessa forma, só aqui nessa pequena lista de itens paralelos, pode-se perceber que a participação do produtor agrícola no valor agregado final da mercadoria a ser comercializada é cada vez mais reduzida.
No entanto, a necessidade que o capitalismo enfrenta de sempre criar novas oportunidades de acumulação de capital terminou por ampliar as alternativas de ganho financeiro associado de forma indireta à atividade agrícola, mas completamente descoladas da mesma. Trata-se aqui das operações de mercado futuro das “commodities”. Os grandes operadores do mercado financeiro constituem verdadeiros balcões de negócio, em que se aposta – literalmente - a respeito dos preços dos bens agrícolas no futuro. Com isso, cria-se um mercado secundário e de risco para esse tipo de produto - por exemplo, o milho aqui considerado. Qual a sua opinião a respeito da tonelada de milho para safra de 2014? Não se preocupe, pois com certeza já existe uma cotação para tal especulação e isso termina por influenciar as condições do mercado presente, atual. Os grandes operadores desse tipo de mercado financeiro acabam por determinar os ganhos e/ou perdas dos produtores agrícolas. 
Apenas para se ter uma noção de ordem de grandeza, a relação entre o valor da produção real mundial e o valor de títulos financeiros do mercado de derivativos é de 1:10. Ou seja, há dez vezes mais papéis sem lastro algum - pura especulação em embalagem de sofisticação tecnológica - em relação ao produto da economia concreta. Ora, não há modelo que seja sustentável no longo prazo com tal disparidade ente a produção e a especulação.
Financeirização e crise dos imóveis
No caso da construção de um imóvel, as relações entre o mundo real e a economia virtual são de natureza distinta. Em geral, as deformações têm início no processo de financiamento das construções. São bens de valor relativamente elevado para o padrão de renda da maioria das famílias. Em razão disso, o sistema financeiro é obrigado a constituir mecanismos para a concessão de crédito imobiliário de longo prazo, capaz de oferecer prestações e condições compatíveis para os interessados. Os casos mais freqüentes são os de hipotecas de 2, 3 ou mais décadas. No caso brasileiro, utiliza-se como lastro para esse tipo de empréstimo os mecanismos de poupança compulsória (como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS) ou o sistema da caderneta de poupança. 
Em termos gerais, nos momentos de expansão do crédito há uma tendência inerente ao sistema de constituição das chamadas “bolhas de preços”. O sistema todo passa a operar como que inflacionando os preços dos imóveis: existe crédito suficiente, há aumento de demanda, as empresas construtoras atendem pelo lado da oferta. Assim, as condições parecem ideais para um salto à frente. Para aqueles que estão operando no dia-a-dia desse tipo de mercado, tudo parece normal. Mas basta um mínimo de distanciamento para se perceber que ele está completamente deslocado dos preços da economia real.
Os primeiros sinais de crise começam a surgir nos momentos da chamada “realização” dos ganhos. As expectativas com relação ao passado começam a não mais se realizar, tal como pretendido pelos agentes intervenientes no mercado. As empresas não cumprem com as promessas de entrega dos imóveis, os compradores começam a ter problemas para fazer face às obrigações financeiras dos empréstimos contraídos. Os preços elevados de compra e venda revelam-se estar em um verdadeiro mundo da fantasia. Como os tomadores de empréstimos não tinham condições de renda para assegurar as condições dos contratos em horizontes de várias décadas, as instituições financeiras criaram mecanismos de repasse do risco de não-pagamento das hipotecas. São os mercados derivativos de risco de inadimplência, onde os agentes apostam na maior ou menor especulação quanto às hipóteses dos contratos serem ou não honrados. 
Há instituições financeiras de segunda linha especializada na comercialização desse tipo de “ativo tóxico”. Em seu conjunto, o sistema opera como as conhecidas “pirâmides da alegria” - na verdade, de ilusão e fantasia. Enquanto tudo está em movimento, tem-se a falsa sensação de normalidade. Porém, quando há uma primeira falha e não se consegue cumprir o prometido, está criado um efeito dominó e tudo passa a se desfazer como um castelo de cartas. O devedor não consegue pagar a prestação. O banco exige o imóvel dado em garantia. As instituições que ficavam com o risco não têm como repassá-lo à frente. Rapidamente aumenta a oferta de imóveis para venda e os preços vão lá para baixo.
Quem consegue vender, dá-se conta que o valor obtido na operação é muito menor do que o constante no contrato de empréstimo contraído. O mundo real se impõe ao da especulação artificial. A crise está escancarada.
Taxa Tobin e maior regulação do capital financeiro
Esses são apenas alguns dos inúmeros efeitos perversos provocados pela excessiva financeirização da economia e pela falta de controle e regulação dos Estados sobre os agentes que operam nessa dimensão. Assim, o que se faz necessário é reforçar as instituições e as regras de fiscalização na área financeira no interior dos países, inclusive criando mecanismos de controle da governança global sobre as atividades especulativas no plano internacional. A implementação de um tributo a incidir sobre as transações financeiras internacionais – a Taxa Tobin – certamente viria a contribuir para tal mudança comportamental. É urgente a adoção de medidas de maior controle sobre a incrível multiplicidade de operações financeiras que comprometem o equilíbrio das contas internacionais e que demonstraram a capacidade de prejudicar seriamente a economia real em todo o planeta.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte:Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 14/06/2012

quinta-feira, junho 07, 2012

não tem muito tempo para decidir

O governo Dilma acelera o passo na direção em que Lula enveredou a partir da crise de 2008: colocar o mercado, a banca e os recursos públicos a serviço do país para protege-lo do duplo naufrágio europeu-norte americano. 
O vagalhão provocado pela submersão de 34% do PIB mundial ruma de encontro às economias da Ásia e América Latina em duas ondas sobrepostas: a retração em cadeia do comércio internacional, onde a singular coordenação do FMI recomenda que todos os países exportem mais e importem menos, o que fará todo sentido quando a Terra estreitar laços econômicos com Saturno; e a fuga de capitais para qualidade e segurança. 
Títulos alemães e americanos mesmo pagando juros negativos tem a preferência da manada. De toda a manada, razão pela qual pagam cada vez menos. Papéis do Tesouro dos EUA com prazo de 10 anos, por exemplo, valem 1,4% ao ano para uma inflação da ordem de 2%.
Trata-se de uma corrida contra o tempo; deles e nossa. Os capitais aceitam receber menos do que aplicam porque precificam uma deflação de ativos superior a essa perda. A liquidez que tem em mãos -- direitos teóricos sobre a riqueza, como ações de bancos europeus, por exemplo--, não vale o que está impresso na face. 
A bolha que começou a explodir em 2008 no mercado imobiliário norte-americano tem uma verruga correspondente dentro de cada um desses papéis: a montanha somada de todos eles alcança 10 vezes o PIB mundial; as espirais derivadas desse Everest equivalem a 460 vezes a riqueza global tangível. Então é preciso correr. A dança das cadeiras deixará trilhões sem assento quando a música parar. A batuta da Espanha e da Grécia ensaia o gran finale. 
Dilma tem pouco tempo, mas dispõe paradoxalmente de mais espaço que teve Lula para agir. O tempo é dado pelo vagalhão econômico internacional que avança aos saltos e pode disparar se a banca afundar na Espanha ou a Grécia romper com a ortodoxia dia 17; já o espaço é uma variável política. Dilma tem um espaço de legitimidade para agir inversamente proporcional à credibilidade do discurso neoliberal. 
Colunistas órfãos reclamam da ausência de oposição no país e torcem para que Veja acerte ao menos uma parceria contra o PT --seja com Cachoeira, Serra ou Gilmar Mendes. Iludem-se ao achar que as coisas mudariam radicalmente assim. O buraco é mais fundo. A lezeira da oposição deve-se a trinca estrutural em seu alicerce ideológico.
Foi isso que propiciou a margem de manobra para Dilma romper a lógica rentista na esfera dos juros e alterar o lacre inviolável que a poupança oferecia à banca. E nada aconteceu; ou melhor, os depósitos em poupança aumentaram na semana seguinte.
Em março de 1999, no governo FHC, a taxa básica de juro do país, a Selic, era de 45% (21,6% em termos reais); hoje é de 8,5% (uns 3% reais). Se ficar em 8%, em média, até 2014, o Estado brasileiro terá economizado R$ 56 bilhões --uns três anos de Bolsa Família. Dilma está tratorando a banca privada para obriga-la a reduções correspondentes no spread e nas tarifas que subiram 17% no primeiro trimestre e renderam mais de R$ 17 bilhões em 2011.O emparedamento conta com a força do setor financeiro estatal que saiu na frente no corte das taxas e na expansão do crédito: em abril a oferta de crédito na esfera pública foi 25% superior a abril de 2011; nas instituições privadas a variação foi de 13%.
O estímulo do crédito não é desprezível, mas insuficiente. As vendas do varejo vitaminadas também pelas desonerações de IPI crescem há três meses seguidos; em maio registraram o maior salto mensal desde agosto de 2007 (4,1%). Nem por isso, o país está protegido da retração mundial. A contaminação do efeito manada aqui se dá pelo decisivo canal do investimento. 
O país cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre e uma das razões --além das perdas na agricultura por razões climáticas--, foi o baixo desempenho da formação bruta de capital fixo (mede o acréscimo de galpões e máquinas no sistema produtivo). A participação dessa alavanca de crescimento ficou em 18,7% do PIB no primeiro trimestre; foi de 19,5% no mesmo período em 2011. 
A natureza pró-cíclica do capital privado, uma espécie de 'maria vai com as outras' que acentua e acelera o ciclo de queda assim como turbina de forma irresponsável a fase de alta --bolhas financeiras são a expressão máxima dessa ciclotimia -- explica em grande parte essa retração e deixa uma advertência no ar. 
A retomada vital do investimento -- única variável capaz de engendrar um cinturão de resistência efetivo à crise mundial-- não virá espontaneamente dos mercados. Eles não farão isso pelo Brasil, como não fizeram pelos EUA nos anos 30 e não fazem hoje pela Europa, em que pese a insistência de Ângela Merkel na receita da 'contração expansiva', baseada em arrocho nos direitos e salários 'para abrir espaço à iniciativa privada'. O Estado terá que assumir um papel hegemônico na retomada do investimento brasileiro se o governo quiser de fato proteger o país do vagalhão em curso.
Turbinar o investimento público implica, entre outras medidas corajosas, reduzir o superávit destinado ao pagamento de juros ao rentismo ocioso; mas, também, simplificar os trâmites para a licitação transparente de obras públicas e mesmo assumir a coordenação direta das empreiteiras.
O dispositivo midiático conservador perdeu a prerrogativa de impor interditos, mas não perdeu a pose. Os mesmos editorialistas que festejavam o desmonte promovido pela agenda do Estado mínimo na era tucana reclamam agora dos atrasos nas obras do PAC decorrente, em grande parte, de um cerco asfixiante de burocracia e preconceito que ajudaram a implantar. O Estado brasileiro, da forma como se encontra manietado, está programado para não fazer. Dilma que afrontou e venceu dogmas tão poderosos como o dos juros tem credenciais e espaço para romper mais esse torniquete.Só não tem muito tempo para decidir.
Postado por Saul Leblon
Fonte: Carta Maior | Blog das Frases, 05/06/2012

sábado, junho 02, 2012

rompendo com esse atalho simplista e demagógico de reprodução dos equívocos do passado

por Paulo Kliass
O encerramento da quarta do Comitê de Política Monetária (COPOM) de 2012, realizada em 30 de maio, parece confirmar uma opção do governo por uma trajetória mais consistente de queda da taxa oficial de juros, a SELIC.
A decisão anunciada foi de fixar a taxa em 8,5% a.a. pelos próximos 45 dias, quando acontecerá a próxima reunião do colegiado. Trata-se do nível mais baixo da taxa oficial de juros brasileira nas últimas décadas, o que daria uma taxa de juros real (descontada a inflação) em torno de 2,5%. Ou seja, ela ainda continua alta para os padrões internacionais, mas bem menor do que a média histórica da taxa real brasileira.
O primeiro momento do governo Dilma: ortodoxia
O acompanhamento da evolução da SELIC durante o governo da Presidenta Dilma nos revela a existência de dois períodos bastante distintos, contraditórios mesmo. No dia de sua posse, em 01 de janeiro do ano passado, a taxa SELIC estava em 10,75% a.a. Apesar da ampla expectativa no interior da sociedade por uma flexibilização na condução da política monetária, a opção do governo foi, ao contrário, pelo endurecimento.
Assim, as primeiras 5 reuniões do COPOM conferiram maior rigidez à política de juros. Não obstante as importantes mudanças na composição da diretoria do Banco Central (BC), o fato é que ao final de cada um desses encontros o Presidente Tombini vinha a público anunciar uma nova alta na SELIC. A taxa oficial subiu, portanto, dos 10,75% até atingir o pico de 12,50% em 20 de julho de 2011.
Esse período equivocado de juros extremamente elevados foi acompanhado por um hercúleo esforço fiscal, que se concretizava na geração de um superávit primário superior a 3% do PIB. Uma verdadeira loucura para um governo que havia se apresentado como uma alternativa à ortodoxia anterior. Afinal, Henrique Meirelles já não fazia parte da equipe econômica e Antonio Palloci seria demitido em junho de 2011. Mas a política econômica seguia sendo quase a mesma de antes.
Os cortes nas despesas orçamentárias para investimento e áreas sociais continuavam no mesmo ritmo anterior e a política cambial apresentava o nosso real bastante valorizado frente ao dólar norte-americano e demais moedas estrangeiras. Por estar com todas as atenções voltadas apenas para o controle dos índices de inflação, a equipe econômica terminou por se esquecer de enfrentar o fenômeno matador da desindustrialização e a perigosa redução na taxa de crescimento da atividade econômica. Tudo isso, porém, não foi por falta de aviso e crítica por parte dos muitos economistas e analistas que sugeríamos uma mudança de rota. A ficha parece ter caído no Palácio apenas quando veio à tona o anúncio oficial de crescimento do PIB para 2011: apenas 2,7%, um desempenho pífio e bem abaixo de nosso potencial.
O segundo momento: flexibilização
O segundo período na política monetária tem início em 31 de agosto do ano passado. Naquela reunião, o COPOM apresenta a primeira, daquelas que viriam a se constituir numa série de reduções da SELIC. A taxa é baixada para 12% e depois, sucessivamente, ela vai sendo diminuída por 7 reuniões consecutivas, até atingir os atuais 8,5%. A novidade importante que acompanhou a fase mais recente desse segundo período foi a mudança de postura de Dilma com relação ao setor financeiro privado. Isso se deveu à percepção evidente de que não bastava apenas o BC reduzir a taxa oficial. Trata-se de medida necessária, mas não suficiente, para provocar a retomada dos investimentos e o estímulo ao crescimento da economia. Depois de muitos anos de hesitação, finalmente o governo determinou aos bancos oficiais federais que baixassem suas elevadas margens de ganho. Medida tão óbvia, mas que vinha sendo eternamente adiada pelos responsáveis pela política econômica. Revela-se como o primeiro passo para promover uma redução generalizada nos absurdamente elevados “spreads” praticados pelo sistema financeiro. O BC reduzia a SELIC, mas nas operações bancárias com clientes (empresas e indivíduos) as taxas não eram reduzidas. Solução: injeção de uma boa dose de “mercado” neles, com Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal mudando os padrões da concorrência. E forçando uma baixa generalizada nos “spreads”.
Porém, os tempos na dinâmica econômica nem sempre obedecem ao ritmo do calendário político ou eleitoral. Como as medidas de rigidez ortodoxa haviam sido muito fortes no início de seu mandato, a recuperação da atividade da economia revelou-se mais lenta do que haviam prometido à Presidenta. E agora as expectativas para um crescimento do PIB de 4% em 2012 - número oficial anunciado pelo governo - parecem um tanto distantes. E dá-lhe asas à imaginação para criar e apresentar medidas que acelerem rapidamente a retomada, como esse problemático pacote de incentivos ao capital multinacional do setor automobilístico, entre outros. O fato inescapável é que não se constrói uma alternativa desenvolvimentista para o Brasil somente correndo atrás do prejuízs ou apelando apenas para o mero consumismo da população. Esse modelo não é sustentável no médio e no longo prazos, além de não criar raízes profundas para um novo País e uma nova sociedade. Termina apenas por reproduzir os modelos que falharam, quando implantados no chamado mundo desenvolvido.
Rumo ao novo modelo: investimentos
Não se consegue vislumbrar um horizonte de maior integração, maior sustentabilidade e melhor distribuição de renda sem que haja um novo ciclo de investimentos de vulto. E não se trata de se contentar ou mesmo comemorar (sic) a vinda de mais uma ou duas grandes montadoras de automóveis chinesas. O verdadeiro desafio a se enfrentar é a mudança de modelo, a criação de um novo paradigma na dimensão social e econômica. Nossas capitais e as grandes cidades estão chegando no limite de sua capacidade de transporte e mobilidade, e a solução de apenas introduzir ainda mais veículos para o transporte individual é irresponsável e inviável. Urge o investimento rápido e pesado em alternativas de transporte público.
Raciocínio semelhante pode ser feito para o escoamento da produção do agronegócio e das indústrias de transformação em geral. Apenas o incentivo à produção de mais caminhões, tal como previsto no recente pacote de bondades, apenas reproduz “ad infinitum” o modelo caro e irracional de transportar a produção através desse país de dimensões continentais na carroceria de caminhões, queimando óleo diesel e destruindo asfalto. Já passou do momento de nos voltarmos para o transporte multimodal, com ênfase na construção de ferrovias e o aproveitamento da navegação pelos nossos mais de 8 mil quilômetros de costa, sem contar os inúmeros rios navegáveis no interior do território.
Enfim, esses são apenas alguns de muitos exemplos das alternativas de desenvolvimento que estão a requerer investimento de monta. A atual fase de trajetória descendente da taxa de juros deve orientar-se para esse tipo de planejamento, onde o setor público deve desempenhar um papel essencial. Afinal, a experiência das últimas 3 décadas combinando momentos de crise e de crescimento errático nos mostrou que o setor privado não pensa no projeto de País. Essa tarefa cabe ao Estado, pois o chamado mercado tende a pensar pequeno e no curto prazo.
Investimento ou consumismo?
Como já tem sido dito à exaustão, recursos sobram e não faltam. O momento é de expandir o investimento. Ainda mais nessa conjuntura, em que os países do Hemisfério Norte encontram - eles sim! - profundas dificuldades para sair da crise. Pra nós a coisa é menos complicada – falta apenas vontade política. Basta redefinir a ordem de prioridade dos gastos públicos, confirmando as despesas de investimento do Estado como sendo de natureza fundamental. Aliás, há indícios de que alguns integrantes do primeiro escalão do governo já começam a se sensibilizar com a idéia de alterar o sacrossanto e imexível volume do superávit primário. Nada mais óbvio e urgente! Taxa SELIC em queda e diminuição das despesas financeiras da dívida pública abrem espaço para que, até mesmo os mais medrosos, passem a ousar um pouco mais.
Porém, a adoção de uma nova orientação ainda encontra resistência dentro da própria administração pública. Recentemente passou a ser comemorado o fato de que as metas de superávit primário do governo federal estão sendo muito bem executadas, obrigado. Até o mês de abril , o governo federal havia realizado quase metade da meta de todo o ano! Ou seja, estava cumprindo à risca, ao longo do primeiro quadrimestre, a política irresponsável de torrar recursos federais para pagar juros da dívida e de recusar a aplicação de recursos para a área de investimentos. Afinal, como o Orçamento da União prevê mais de 40% do total de seus recursos para despesas com juros e serviços financeiros de rolagem da dívida, é só deixar se levar pela inércia e observar o barco andar sozinho, mas à deriva.
Portanto, a redução da taxa de juros de juros deve ser encarada como uma verdadeira janela de oportunidade para que o nosso País efetue uma mudança de modelo. O caminho mais fácil e mais perigoso é o de nos contentarmos com os efeitos de taxas de juros mais baixas exclusivamente sob a ótica do consumo, mais consumo e ainda mais consumo. É preciso superar o discurso ilusionista de um certo encantamento com a chamada “nova classe média”, onde a felicidade dar-se-ia apenas pela reprodução dos padrões de consumismo de um modelo que revelou-se fracassado. É fundamental que se aproveite a redução do custo do financiamento para ampliar os horizontes de investimento, em direção a uma nova sociedade, bem mais justa e sustentável, rompendo com esse atalho simplista e demagógico de reprodução dos equívocos do passado.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas, 31/05/2012

domingo, maio 27, 2012

debate entre Steve Keen e Paul Krugman


por Alejandro Nadal
A blogosfera está repleta de referências ao debate entre Steve Keen e Paul Krugman. É um duelo apaixonante sobre o funcionamento de uma economia capitalista, a instabilidade e a crise. O primeiro pensa que, para analisar uma economia capitalista, é necessário um modelo macroeconômico que inclua os bancos e o processo de criação monetária. O segundo considera que isso é desnecessário. Qualquer um que siga de perto a polêmica mudará sua forma de pensar as relações econômicas mais fundamentais da nossa sociedade.
Keen é professor de economia da Universidade de Sydney e autor de um dos livros mais populares de crítica à teoria econômica. Krugman está na Universidade de Princeton e recebeu o Nobel de Economia. O debate tem profundas implicações para a teoria e a política econômica e é essencial, para compreender o papel do setor financeiro e a natureza da crise global. Também revela com clareza as limitações da teoria econômica convencional que os tecnocratas e ideólogos do neoliberalismo aprenderam.
A discussão começa com um ensaio de Steve Keen (disponível em ineteconomics.org) sobre a instabilidade do sistema financeiro. Um dos pontos destacáveis dessa análise é que os bancos privados podem fazer crescer a oferta monetária em resposta à demanda de fundos por parte de consumidores, empresários ou especuladores. Desta perspectiva, o investimento não é financiado por poupança, mas pela outorga de crédito pelos bancos. A oferta monetária não se decide fora do sistema econômico (por exemplo, pelo banco central), mas responde à demanda endógena de atores como empresas, consumidores ou especuladores.
Esta perspectiva já se encontra na obra de Joseph Schumpeter, um dos economistas mais importantes do século XX e mestre de Minsky. Este autor se pergunta: de onde provem os recursos para que um empresário possa instalar nova capacidade produtiva? A resposta convencional é que provem da poupança, mas Schumpeter acha que isso é insuficiente e que existe outro método que consiste na criação de poder de compra pelos bancos. Ou seja, não se trata de transferir um poder de compra previamente existente, mas de criar novo poder de compra do nada.
O dito anteriormente pode surpreender à primeira vista. Os economistas neoclássicos (Krugman não é exceção) estão convencidos de que, em uma economia capitalista, primeiro há agentes que poupam e depositam sua poupança nos bancos. Ato seguido, os bancos realizam seu trabalho de intermediação e emprestam esses recursos. Esta é a teoria dos fundos de empréstimo: em uma economia, sempre há agentes que poupam e agentes que demandam dessa poupança para investir ou consumir. Os bancos funcionam como intermediários e botam estes agentes em acordo. A taxa de juro é o preço que compatibiliza a oferta e demanda de crédito. Muita gente acredita que o mundo funciona desta maneira. Equivocam-se!
Seguindo Minsky-Schumpeter, Keen afirma que o investimento é financiado, não através de uma poupança previamente existente, mas pela expansão da oferta monetária associada à outorga de créditos a empresas, expansão que é acompanhada do aumento de endividamento. Assim, a demanda agregada, em uma economia capitalista-monetária, cresce porque existe uma forma de financiamento do gasto agregado e porque alguns agentes ou setores podem financiar seu gasto através da emissão de dívida. Esta é a teoria monetária endógena. O trabalho de Keen estaria incompleto se não tivesse uma sólida base empírica para confirmar sua perspectiva analítica.
Krugman responde (Krugman.blogs.nytimes.com) que pouco importa o que disse ou quis dizer Minsky: estamos fazendo teoria econômica, não estudos místicos. Segundo ele, quando um agente poupa e empresta sua poupança (pela intermediação de um banco), a demanda agregada permanece inalterada. A redução na demanda (devido à poupança) se compensa com o aumento da demanda derivada do emprego dos recursos emprestados. Por isso o endividamento não é importante no modelo de Krugman. Há que agregar que, em seu modelo, os mercados convergem ao equilíbrio sempre e quando não exista rigidez no ajuste de preços e fricção no ajuste de quantidade.
Steve Keen pôs Krugman em seu lugar e botou a visão neoclássica no lixo. Também assentou as bases para uma nova interpretação da crise e para repensar as respostas de política macroeconômica para enfrentá-la. Tudo isto serve para atrair a atenção sobre um fato fundamental que permanece escondido (em parte pela estupidez e cumplicidade de boa parte da comunidade acadêmica): a criação monetária não é poder privativo do banco central, mas está nas mãos dos banqueiros. A eles convém o endividamento crescente (seus lucros aumentam paralelamente). Conclusão: urge recuperar o controle social da criação monetária.
Tradução: Libório Júnior
Fonte: Carta Maior | Economia, 24/05/2012

quinta-feira, maio 17, 2012

o primeiro grande conflito mundial em torno da água


Publicado em maio 16, 2012 por HC 
Atravessando o planalto do Tibete, cinco grandes rios – Indus, Brahmaputra, Irrawaddy, Salween e Mekong – carregam a água das geleiras dos Himalaias e das monções que abastece 1,3 bilhão de pessoas em vários países do Sudeste da Ásia. Agora, no entanto, este fornecimento está ameaçado pelos planos da China e de outros países da região de construir usinas, barragens e desvios em seu curso, o que pode gerar o primeiro grande conflito mundial em torno deste recurso cada vez mais escasso.
A luta pelo controle desta verdadeira “caixa d’água” continental teve seu primeiro contragolpe desferido pela Índia, onde a Suprema Corte do país ordenou no mês passado o início dos trabalhos para a construção de canais que vão interligar os principais rios indianos. No centro do projeto está uma estrutura de 400 quilômetros de extensão que vai desviar a água do Brahmaputra para o Ganges, visando a irrigar terras cultiváveis sedentas a cerca de mil quilômetros ao Sul.
A decisão indiana é uma reação aos planos chineses de construir barragens e desviar o Brahmaputra, um dos últimos grandes rios do mundo ainda sem modificações no seu trajeto pelo homem, mais acima no seu curso, no Tibete. No Cânion de Tsangpo, o governo da China pretende levantar duas gigantescas hidrelétricas, cada uma gerando mais do dobro da energia da usina de Três Gargantas, no Yangtsé, atualmente a maior do mundo. Além disso, ainda mais alto no curso do Brahmaputra, os chineses querem criar um desvio que levaria até 40% de seu fluxo para as planícies do Norte do país.
O choque entre os projetos de China e Índia – duas potências nucleares -, no entanto, deve fazer uma vítima ainda mais vulnerável: Bangladesh. O país depende do Brahmaputra para conseguir dois terços de toda água que consome, grande parte usada para a irrigação dos campos de arroz durante a longa estação seca da região. Com o fluxo do rio desviado e reduzido, cerca de 20 milhões de agricultores de Bangladesh podem ver suas plantações, e eles próprios, morrerem de sede.
“No caso do Ganges-Brahmaputra, já existem barragens como a de Farakka, construída pela Índia, que trouxe impactos reduzindo áreas úmidas [pântanos] em Bangladesh”, lembra Benedito Braga, professor de Engenharia Civil e Ambiental da USP e vice-presidente do Conselho Mundial de Água. “Mas não acredito que veremos um choque armado entre países por causa disso. Iniciativas como a comissão multilateral para gestão da bacia do Rio Mekong e a South Asian Association of Regional Cooperation (Saarc), fundada em 1985 com representantes do Butão, Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka, mas infelizmente sem a presença da China, mostram que há maior potencial para colaboração do que para conflito no caso da gestão das águas.”
Controle chinês – Até recentemente, a China havia focado a construção de suas usinas em rios que correm dentro do país. Mas, diante da explosão na demanda por eletricidade devido ao forte crescimento econômico, os chineses começaram a se voltar para os rios transnacionais. Nos últimos anos, o país já construiu uma série de barragens em afluentes do Brahmaputra e a primeira no curso principal do rio, a Usina de Zangmu, orçada em US$ 1 bilhão, deverá estar pronta em 2014. Depois, será a vez das obras no Cânion de Tsangpo, onde seriam instaladas as usinas gigantes de Motuo (38 gigawatts) e Daduqia (42 gigawatts). Para ser ter uma ideia do tamanho destas barragens, a usina das Três Gargantas, atualmente a maior do mundo, tem capacidade instalada de 22,5 gigawatts, enquanto Itaipu pode gerar até 14 gigawatts.
Mas a China não está de olho só na água dos rios tibetanos que fluem para Índia e Bangladesh. Suas ambições também preocupam outros países vizinhos. Outro atrito recente envolve a barragem de Myitsone, que os chineses estão construindo no Rio Irrawaddy, no Norte de Mianmar. Há três anos, a junta militar que governava o país aprovou a construção, embora 90% da energia que vai ser gerada na usina de 6 gigawatts será exportada para a China. No fim do ano passado, porém, o governo militar de Mianmar suspendeu as obras depois que dezenas de pessoas morreram em choques entre a polícia e moradores locais, cujas vilas serão inundadas pelo reservatório.
A confusa situação política em Mianmar deixa em dúvidas o destino das usinas de Myitsone e 12 outras planejadas pelos chineses na região – seis no Rio Irrawaddy e seis no Rio Salween. Muitas das barragens estão em áreas remotas designadas Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas por seus ecossistemas únicos de florestas e água doce. Depois que a construção da usina Myitsone foi paralisada, veio a público um relatório ambiental de 900 páginas encomendado pela própria China desaconselhando as obras da barragem pelo perigo de inundação dos ecossistemas listados pela ONU.
Já o impacto do projeto indiano de desviar o Brahmaputra para alimentar o Ganges foi avaliado por Edward Barbier, da Universidade do Wyoming, nos EUA, e Anik Bhaduri, do Instituto Internacional de Gerenciamento de Água em Nova Déli. Eles alertam que uma redução de 10% a 20% no fluxo do rio poderia deixar secas grandes áreas em Bangladesh. Além disso, com um fluxo menor de água doce, a água salgada da Baía de Bengala invadiria boa parte do delta do rio, causando uma verdadeira catástrofe ambiental.
A melhor prova de que as usinas podem provocar danos ecológicos graves está ali perto, no Rio Mekong, onde a construção de barragens pela China está mais adiantada. Até agora, o país já levantou quatro das oito hidrelétricas que pretende instalar no rio. Estas barragens capturam o fluxo de água das monções e o liberam durante a estação seca. O governo chinês argumenta que, ao regular o fluxo do rio, elas são benéficas, mas há três anos o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) alertou que o fim do pulso natural de inundação e seca é uma “ameaça considerável” aos ecossistemas na parte baixa do rio. No estudo para o Pnuma, Ky Quang Vinh, do Centro Vietnamita de Observação dos recursos Naturais e Meio Ambiente, mostrou que um pulso mais fraco faria a água salgada do Mar do Sul da China invadir mais de 70 quilômetros adentro do delta do Mekong, destruindo grandes extensões de plantações de arroz na principal região de produção do segundo maior exportador mundial do cereal.
A luta pela água dos Himalaias está acirrada, mas muitos especialistas argumentam que o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região é fundamental se o mundo quiser que países como a China e a Índia alimentem suas crescentes economias com fontes de energia de baixa emissão de carbono. Numa região onde o abastecimento de água já está no limite, no entanto, a disputa pelo recurso pode acirrar os ânimos. A China foi um dos países que votou contra proposta de tratado da ONU para regulamentar o aproveitamento de rios transnacionais, deixando seus vizinhos praticamente como reféns de seus projetos.
“Na verdade, esta resolução sobre usos não navegáveis de rios transfronteiriços está para ser ratificada desde 1997″, lembra Benedito Braga. “Há 15 anos, portanto, o sistema das Nações Unidas não consegue colocar em prática esta proposta de regular o aproveitamento pelos países dos rios que correm além das suas fronteiras políticas”.
Braga destaca ainda que o próprio Brasil, Turquia, EUA, Israel e Áustria, entre outros países, são contra os termos da proposta da ONU por entenderem que ela interfere com o princípio da soberania dos Estados.
“A perspectiva para solução desta questão seria o conceito moderno de compartilhar os benefícios advindos da gestão racional e integrada dos recursos hídricos das bacias transfronteiriças e não simplesmente compartilhar a água”, defende. “Um exemplo típico disso é o aproveitamento hidrelétrico de Itaipu, onde Brasil e Paraguai dividem a energia gerada na bacia do Rio Paraná”.
Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4497.
Fonte: EcoDebate, 16/05/2012

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