Parque Nacional de Itatiaia, uma "vivência" inesquecível
O Parque Nacional de Itatiaia, um espetáculo da natureza em suas formas e cores, um santuário da biodiversidade, ponto de referência turístico, sobre o qual escrevo um pouco tentando descrever sua beleza, um dos mais preciosos parques ecológicos de floresta exuberante e topografia surpreendente.
Essa "riqueza natural" era o cenário, o primeiro parque nacional criado no Brasil, abrigo de inúmeras espécies animais e vegetais que só ocorrem nessa região. O Pico das Agulhas Negras é o mais alto do Estado do Rio de Janeiro e o sétimo do Brasil, tem 2787 metros de altitude. O circuito é formado pelos municípios de Itatiaia, Resende, Quatis, Porto Real e Visconde de Mauá, e é uma experiência ecológica integrada de fauna muito rica e flora deslumbrante.
No Parque de Itatiaia, fundado em 14 de julho de 1937, além dos jequitibás, as quaresmeiras, cedros e as samambaias, os beija-flores chamam a atenção pela variedade e quantidade. Uma região privilegiada para se fazer caminhadas ecológicas, banhar-se em rios e cachoeiras, pescar e fazer escaladas fantásticas. É impressionante, um sonho de os olhos abertos para quem tiver o privilegio de contemplar a vista das montanhas.
Bem, eu estive lá, e vou contar a estória como consigo me lembrar: Saímos da base da montanha por volta das 5 horas da manhã, com o sol ainda nascendo, fazia um frio de doer os ossos, o riacho estava com uma fina camada de gelo, e quem quisesse se arriscar a lavar o rosto tinha de "natoralmente" jogar a água gelada na cara. Nossa saída para enfrentar a caminhada e continuar com a escalada "planejada" começou pela trilha que escolhemos, e foi curioso por ser a primeira vez de muitos que estavam nessa barca.
Pelo que me lembro, tudo era visto por mim como um gigantesco caleidoscópio, e eu estava dentro dele... A subida para o topo nem que quisesse nem daria pra contar como me tocou. Tem o Afranio de antes das Agulhas Negras e o de depois dela. O tempo que tudo durou, entre a caminhada e escalada da subida, e a nossa descida vitoriosa, contando as paradas e escorregões, o dia inteirinho. Chegamos no acampamento instalado no sopé, com o Sol já se pondo.
Toda a paisagem era uma fusão de luzes, muita luz, com tons diferentes, uma pintura mágica, plasticidade com dedo de Deus, um entardecer que derretia o céu sobre as rochas pela linha solúvel do horizonte. Estavamos por demais cansados, e só queríamos um banho rápido (e gelado), se "enfiar" no sleep bag - que cada um carregava feito hippies nessa época - além das luvas, gorro e meias grossas. Eu, um novato no ofício do montanhismo, passei por um susto traumático, devido ao frio intenso que sensivelmente massacrou a gente naquela madrugada. A temperatura baixou chegando aos 4 graus centígrados, coisa que não desejo a ninguém algo como o frio “inferno astral” noturno pelo qual passei.
Quase morri literalmente tremendo de frio, naquela noite. Me vi catando algo que pudesse cobrir minhas extremidades e, então aguentar a rápida mudança de temperatura, que caiu para quase 0 graus. Até enfiei os pés na chama vermelha da fogueira aonde muitos se reuniram em um círculo, uma roda de aquecimento coletivo noite adentro, que virou um luau com cantos, violão, eu na agonia friorento nas extremidades, tirava e colocava mãos e pés, imprudentemente, na língua das labaredas num verdadeiro frenesi, e nesse bota e tira quase queimo o pano do tênis (e também os meus dedos), que por dentro estavam forrados com folhas de papel, uma alternativa para quem nada tinha levado para a ocasião de manter os pés e outras partes do corpo aquecidos.
O que veio depois foi ainda mais impactante. Resolvemos fazer a grande travessia do Parque de Itatiaia até Visconde de Mauá, são por volta de trinta quilômetros de uma tortuosa caminhada, e é necessário muito gás para encarar esse trajeto montanhoso e com uma das florestas mais vigorosas. Passamos pela floresta que nem sei descrever sua plasticidade material, sua dimensão ambiental e sua energia vital. Meu feeling foi gravado por cores e "coisas" gigantes, a visão de cada árvore colossal, toda a caminhada descortinava mil curiosidades, raízes tortas despertadas, braços de gravetos, troncos sem medida enfiados na altura das nuvens, estávamos em uma fortaleza do Olimpo, árvores cintas largas que um só homem não conseguiria abraçá-las em toda sua circunferência. O sol sumia em algumas passagens da copa, só surgindo os seus fios ralos, filetes de luz traspassando as cumeeiras recheadas de um folharal verde e denso, um perfeito telhado montado pela natureza, perambulava uma tênue névoa que ia lambendo os caminhantes e derramava na pele uma doce umidade que nos carregava como pingos pela mata, e aos poucos nos acostumava a esse estado selvagem. Como podem perceber, ao escrever sobre essa aventura anunciada, isso significa que ainda tenho condição de voltar lá novamente.
Chegamos em Visconde de Mauá estropiados, e até para alguns do grupo nem deu pra tomar aquele banho de lavar a alma e a lama que vestíamos de verdade, a fome era tanta que o desejo maior era de cair de boca nos manjares prontos da culinária local, mesmo ensopados, com barro, areia e pedaços de folhas pela roupa e corpo, estávamos sujos de dar dó, o que queríamos era comer o que tivesse pela frente!
Depois de uma sauna providencial em seguida pudemos comer o melhor "rango" de nossa curta vida. A aventura foi de satisfazer qualquer curioso da Natureza. Assim, em seguida “morgamos” em poucos minutos, sem ver a noite desconhecida lá fora, um mundo verde envolveu o chalé, o nosso abrigo acolhedor de típica arquitetura européia. O "bode" bateu em todos nós, deu o tempo de dormirmos espalhados pelo chão, ocupamos toda a sala, cada canto era cama, o ambiente nos abraçava, os espaços da noite foram tomados pelo sono e cansaço.
De manhãzinha um café especial nos esperava, frutas variadas regadas a mel, pães e queijos, muitos beija-flores em volta das janelas, e logo a seguir, experimentamos um banho de cachoeira conversando sobre impressões, marcas da travessia, com os corpos jogados na transparência rasa da correnteza do rio, pontilhado de pedras robustas, entidades silenciosas que sustentavam o coração de estudante imerso em tanta felicidade.
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