Carta aberta: em defesa da integridade da legislação ambiental brasileira
Senhores e Senhoras membros do Congresso Nacional do Brasil,
O relatório apresentado à Comissão Especial do Congresso Nacional sobre o Código Florestal na quarta-feira, dia 9 de junho, pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) apresenta propostas de mudanças na legislação que ultrapassam, e muito, os limites dos temas que deveriam ser objeto de análise por parte desta Comissão e colocam em risco não apenas os ambientes naturais do país, mas também os princípios e institutos que norteiam a moderna legislação brasileira.
Foi o Código Florestal Brasileiro que consolidou, em 1965, o princípio de que as florestas são bens de interesse comum e que o direito à propriedade se submete a este interesse. Esse princípio permeia toda a legislação ambiental brasileira e encontra abrigo no artigo 225 da Constituição Brasileira que estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo.” Ainda mais, impõe ao poder público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Os ambientes naturais são bens de interesse comum porque asseguram a sociedade como um todo o que é essencial para que os seres vivos, inclusive os seres humanos, continuem vivos, como disponibilidade de água potável, ar purificado e purificável, nutrientes do solo para produção de alimentos, controle de pragas e doenças, equilíbrio do clima, decomposição de dejetos industriais e agrícolas, polinização.
Vale notar que muitos desses bens essenciais dizem respeito exatamente à produção agrícola que o relatório aponta como prejudicada pelas limitações estabelecidas pelo Código Florestal. Ao contrário, asseguram a produção de alimentos.
A legislação ambiental brasileira reconhece os bens ambientais e suas funções e protege sua integridade como direito de toda a sociedade. Um “bem ambiental” está acima das categorias “bem público” ou de “bem privado”. A necessidade de preservar a integridade dos ambientes naturais para as presentes e futuras gerações justifica os limites estabelecidos por lei para sua exploração. Por isso, o Código Florestal, já em 1965, introduziu os institutos de Reserva Legal (RL) e de Áreas de Preservação Permanente (APPs), inexistentes em muitos outros países, para assegurar que o país possa manter a integridade dos serviços ecológicos essenciais tanto para a obtenção de bens e insumos necessários à sobrevivência humana por meio de atividades agropecuárias, industriais e outras que se realizam de forma sustentável, por um lado, e que permitam a todos zelar pelo patrimônio ambiental do país como um legado para as futuras gerações.
Isso permite concluir que o real propósito do relatório e das mudanças propostas estão voltados a outros interesses, centrados da absoluta desregulamentação do setor agrícola – leia-se médios e grandes proprietários - que passará a ser beneficiado com anistia para quem não cumpriu a lei, redução em até 50% das áreas consideradas de importância para o interesse público que devem ser permanentemente preservadas, desmatamentos legalizados em áreas até então parte do sistema de proteção instituído pelo Código Florestal, entre tantos outros privilégios individuais.
A proposta apresentada pelo relatório vai além de ampliar as oportunidades de continuar devastando os ambientes naturais do país. Distorce completamente os propósitos e funções de APPs e RL. Convalida ações de degradação ambiental já ocorridas, e enfraquece instrumentos de prevenção ou de penalização de eventuais futuras ações de destruição indevida do patrimônio ambiental. Desmantela o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o sistema federativo ao atribuir a estados e municípios o poder de estabelecer critérios próprios para o cumprimento da lei.
Resumindo, em tempos de eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas globais e que já afetam o Brasil, especialmente comunidades mais vulneráveis nas cidades e no campo, a proposta faz o país regredir, não só na proteção aos ambientes naturais essenciais ao equilíbrio do clima, mas também em aspectos relacionados às conquistas da sociedade na legislação que protege o interesse comum. O Brasil, país soberano, precisa cuidar de seu patrimônio ambiental com sustentabilidade e seriedade, para poder exercer a responsabilidade que lhe cabe, em função das nossas características ambientais, econômicas, sociais e culturais, junto à comunidade internacional. Em 2012, o Brasil sediará a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que abordará o progresso ou o fracasso dos países no cumprimento dos compromissos da Cúpula da Terra, a Rio-92, quando a Agenda 21 e as convenções internacionais sobre mudança de clima e sobre proteção, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade foram assinados. Esperamos que o relatório apresentado não se configure em ações oportunistas de alguns parlamentares, e que interesses de setores específicos coloquem o Brasil na contra-mão da história global da sustentabilidade.
Aprovar esse relatório e concordar em votar as propostas que contém é apostar no caos!
É permitir que - em pleno Ano Internacional da Biodiversidade -, o Brasil, considerado o maior dentre os países megadiversos do planeta, descumpra metas assumidas na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), colocando em risco a riqueza de seus biomas e contribuindo para aumentar o grau de ameaça de extinção das espécies de sua fauna e flora. É condenar ao insucesso os compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro quanto à redução das emissões de gases de efeito estufa e as metas de diminuição do desmatamento até 2020.
É transformar os produtores de alimentos em dependentes da agroquímica e os consumidores em vítimas, porque pagarão mais por produtos que não serão “sadios e ecologicamente equilibrados”.
É propiciar a desigualdade de tratamento da questão ambiental em cada estado ou município, a partir do desmantelamento do Sistema Nacional de Meio Ambiente.
É transformar toda a sociedade em refém dos interesses de um segmento que ainda segue o modelo agrário-exportador.
É penalizar os cofres públicos – e, portanto toda a sociedade, sobretudo aqueles que mais necessitam dos serviços públicos -- pelo custo da reparação dos danos causados pela falta de cuidados com os bens ambientais.
As organizações que assinam essa carta possuem como missão defender o interesse público em todas as dimensões e consideram que assunto de tal gravidade deve ser submetido à ampla discussão com toda a sociedade, incluindo os mais de 80% do povo brasileiro que vive nas cidades e sofrerá impactos diretos causados pelas medidas propostas.
Comprometidos com nossa missão, pedimos aos senhores e senhoras congressistas que avaliem muito bem as consequências das propostas apresentadas neste relatório.
Comprometidos com o interesse comum do povo brasileiro, iremos levar a toda a sociedade as informações sobre esse debate e divulgar a posição de todos os parlamentares sobre a questão.
Adesões à carta podem ser enviadas para renato@gamba.org.br, pizzi@maternatura.org.br e famwild@uol.com.br.
Fonte: Portal IBASE/Agência IBASE. Publicado em 1/7/2010.
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