por Montserrat Martins
[EcoDebate] Qualquer ser humano adoece quando é incumbido de uma tarefa que vai além de suas forças. E nenhum ser humano seria capaz de realizar o que a sociedade vem atribuindo a seus professores, que é a correção dos rumos da própria sociedade. Você já parou para pensar na responsabilidade embutida em frases como “tudo depende da educação?”. À primeira vista parece uma grande honra para esta categoria profissional, mas na verdade traz em si uma missão que está além do poder dos mestres de realizar.
Basta colocar os pés em qualquer escola pública do país para se perceber que os problemas ali presentes decorrem de deficiências em todas as áreas da sociedade, que incluem a falta de políticas sérias do Estado nacional em planejamento familiar, em emprego e renda, em redução das desigualdades sociais, em planejamento urbano, em saúde, em segurança, etc, etc… Pense no que podemos esperar dos nossos professores, com tudo o que a sociedade negligencia em relação à população que lhes destina para ensinar.
Sim, os alunos das escolas particulares estão muito “abusados” e seus pais com freqüência não se colocam “na pele” dos professores, mas para estes conflitos, se necessário, não faltarão psicólogos, médicos, quantos profissionais forem necessários para mediar tais conflitos. Sim, é verdade que a sociedade em seu conjunto vive uma crise de valores, que isso se reflete no comportamento de modo generalizado e que há uma crise de identidade em questões fundamentais como o papel da autoridade e dos limites.
O que é pior – e realmente de adoecer – numa crise, porém, é a absoluta falta de meios para enfrentá-la adequadamente, de modo que seja possível encontrar alternativas viáveis. Uma coisa é você, caso seja professor, enfrentar alunos com valores deturpados e pais omissos, ou arrogantes, por exemplo. Outra coisa é você atender alunos em algumas regiões da periferia onde a maioria dos filhos são criados só pelas mães, enfrentando problemas de desemprego, quando não de franca miséria, fome, em áreas urbanas sob controle do tráfico de drogas – e por aí vai.
Há alguma mágica que os responsáveis pela “educação” sejam capaz de fazer por pessoas tão desassistidas pelo Estado e pela sociedade, em tantos aspectos? Não parece estranho que ninguém levante essa questão, por aí? Pois é, por isso mesmo que os professores vem adoecendo, uma doença profissional que se convencionou chamar de “burnout” – expressão em inglês que significa “queimar por completo” no sentido de consumir-se, esgotar-se em suas energias.
Essa forma de estresse não é privativa dos trabalhadores da educação, atinge também os da saúde, da segurança, enfim, a todos incumbidos de tarefas muito difíceis de serem realizadas, mais ainda nestes tempos da chamada “sociedade de massas” onde os conflitos de relacionamento se multiplicam rapidamente. Talvez o que torne mais evidente o “burnout” dos professores seja exatamente essa “honra” que a sociedade pensa estar lhes atribuindo quando realça o valor primordial do “educar” como a solução fundamental de todos os problemas. Já pensou? Você gostaria de ter essa “honra”, ou preferiria compartilhá-la com a sociedade inteira?
(*)Montserrat Martins, Psiquiatra, é colunista do EcoDebate.
Fonte: EcoDebate, 13/07/2010.
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