Solanas denuncia delírio neoliberal contra meio-ambiente
Depois de fazer o mosaico cinematográfico da Argentina contemporânea pós-2001, o cineasta e político Fernando "Pino" Solanas lança "Ouro Negro", segunda parte da série "Terra Sublevada". “Ouro Impuro”, lançado em 2009, é a primeira parte; "Ouro Negro" tem estréia prevista ainda em março. Ambos os filmes formam um painel da depredação dos recursos minerais argentinos, e da luta contra a crescente contaminação do solo, do ar e da água.
Clarissa Pont - 08/03/2010
Fernando “Pino” Solanas hoje é deputado nacional pela cidade de Buenos Aires e encabeça o Proyecto Sur, movimento político que reúne o Partido Socialista Autêntico, a ala social da Central de los Trabajadores Argentinos (CTA), além de outras frentes importantes da esquerda argentina.
Diretor e roteirista de um dos mais importantes filmes latino-americanos da década de 80, Solanas tem se dedicado a registrar a Argentina pós-crise em documentários desde 2001. Enquanto Sur, de 1988, melhor direção em Cannes e Prêmio do Júri do Festival de Havana, despejava na tela uma história de amor ao país em ficção, “Memória do Saqueio”, “A Dignidade dos Ninguéns”, “Argentina Latente” e “A Próxima Estação”, montam o mais importante mosaico cinematográfico da Argentina contemporânea.
"A crise social dos fins de 2001, com a queda do governo de (Fernando) de la Rúa, marcou um antes e depois na Argentina. Eu voltei a filmar pelas ruas e foi nascendo a idéia de fazer um filme sobre a crise argentina mirando, sobretudo, uma geração jovem que não entendia direito o que estávamos passando", relembra Solanas.
O enredo do último documentário (narrado em duas partes) começa nos anos 90, quando as políticas neoliberais de Carlos Menem entregaram o petróleo e a mineração a corporações privadas e estrangeiras, liberaram substâncias tóxicas e métodos de extração depredadores, contaminaram fontes de água e o meio ambiente. A partir daí, os bloqueios de estradas e as assembléias dos ambientalistas fizeram nascer uma nova consciência, pela salvaguarda da vida e a recuperação dos recursos minerais no país.
“Filmes ou livros não mudam a realidade, mas ajudam muito. Veja, eu passei os últimos dez anos falando sobre o saqueio da mineração no país. Os que estão ao meu redor já escutaram mil vezes meus argumentos e podem repetir letra por letra. Mas eles não tinham as imagens. Quando saímos do cinema no outro dia depois da exibição de "Ouro Impuro", as pessoas me diziam “que coisa tão extraordinária”! E eu respondia, “pô, vocês já me escutaram falar sobre isso mil vezes”.
Entende? Esse é o valor do cinema e isso não se apaga”, conta Solanas, referindo-se á noite de exibição da primeira parte de "Terra Sublevada" no Cine Gaumont, especializado em cinema argentino, em Buenos Aires. A estréia de “Ouro Impuro” foi tão movimentada que o filme quase não pôde ser exibido em outubro do ano passado na capital argentina. Naquela noite, ônibus de sindicatos patronais das minerarias recrutaram trabalhadores sob a alegação de que o filme de Solanas seria responsável caso os empregos na região sumissem. A briga polarizou trabalhadores e moradores das comunidades atingidas pela mineração e atrasou a estréia em algumas horas.
Os embates são freqüentes desde a ocasião. Em fevereiro deste ano, durante coletiva de imprensa realizada em Catamarca, na Argentina, por ocasião da exibição do documentário no local, os mesmos trabalhadores mineiros entraram em confronto com a polícia tentando impedir a exibição. O filme pôde ser exibido em Andalgalá, Belém e Santa Maria, comunidades do entorno que foram registradas por Solanas. Sobre o incidente, Solanas afirmou à imprensa local não ser contra a mineração, mas aos grandes projetos. Ouro Impuro é uma viagem ao redor de algumas das explorações ao ar livre com cianureto que corporações instalaram no noroeste argentino: San Juan, La Rioja, Tucumán e Salta, além de Catamarca. Nas mega-jazidas, como as de Alumbrera e Veladero, colinas são lançadas pelos ares com explosivos e são utilizados, diariamente, de 80 a 100 milhões de litros de água potável misturados a 10 toneladas de cianureto.
Segundo Solanas, estes números surpreendem, mas não contam toda a história, já que “o saque das riquezas minerais do país acontece sem controle público e praticamente sem recolher impostos”. As histórias da luta contra a mineração são contadas por seus protagonistas: engenheiros, professores, caseiros de chácaras, indígenas, ambientalistas, vizinhos, que contam comoventes histórias de resistência. Um tanto estimulados pela luta das assembléias populares de Gualeguaychú contra a instalação da indústria de celulose Botnia, o movimento ambientalista já conquistou a proibição de mineração ao ar livre com substâncias tóxicas em sete províncias argentinas: Chubut, Rio Negro, La Pampa, Mendoza, São Luís, Córdoba e Tucumán.
Mas não apenas em filmes Solanas denunciou o saque promovido pelos delírios neoliberais de Carlos Menem. Depois de uma série de entrevistas nas quais abria fogo contra o então presidente argentino, levou seis tiros nas pernas em 1991, no que ficou para ele evidente tratar-se de um atentado político. O novo alvo de cineasta é o casal Kirchner. Tanto que, através da frente de esquerda Proyecto Sur, ele pretende concorrer às próximas eleições presidenciais na Argentina, em 2011. Apesar de ser um nome bastante cotado para a prefeitura da cidade de Buenos Aires, uma candidatura à presidência ainda esbarra na tímida votação do Proyecto Sur fora de Buenos Aires. A candidatura se baseia em um plano de governo em que as principais linhas estão na nacionalização da mineração e da exploração do petróleo argentino.
Fonte: Carta Maior. Matéria da Editoria: Meio Ambiente, 09/07/2010.
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