Comércio Virtual de Água[1] e de Degradação Ambiental
O incremento da produção agrícola é necessário para saciar a fome da população mundial, que em fevereiro deste ano atingiu a marca de 6,5 bilhões de indivíduos (UN 2005). Entretanto, a produção e a demanda por alimento não estão adequadamente distribuídas pelo planeta, e como conseqüência, o alimento consumido em uma área não é sempre produzido no local de consumo. Em alguns casos, a oferta de alimentos origina-se em outras regiões, no mesmo país, ou em nações diferentes.
A produção de alimentos causa impactos ao meio ambiente de forma hidrológica e ecológica. Em 1995, 66% da água doce retirada dos mananciais do planeta foram destinados à agricultura (Shiklomanov 1999). Nos Estados Unidos, em 2000, a água dedicada ao setor primário da economia correspondeu a 41% do total utilizado naquele ano no país; no Brasil, o percentual foi ainda superior, e o número chegou a 61% (FAO 2000).
Segundo Hoekstra e Hung (2002:7), “a água utilizada no processo produtivo de um artigo agrícola ou industrial é definida como ‘água virtual’”. Porém, isso não significa que ao término do processo de criação do produto ecossistemas locais e regionais perderão totalmente a ‘água virtual’, como no caso da água realmente contida no item exportado, a exemplo da água em uma laranja. Desta forma, parte da água utilizada na produção de alimentos é enviada a outros países, porque faz parte literalmente do produto; outra parte é também perdida, porque foi parar em outros locais, como esgotos, mares ou mananciais distantes; mas uma porção dessa água ainda permanece na área, porque a natureza local e regional recicla parte da água que não estava contida no produto exportado e parte que não se perdeu. De acordo com o ciclo da água, ela é reciclada de várias maneiras, por exemplo: a transpiração e evaporação da água da superfície das plantas e a evaporação da água contida na terra podem causar possível subsequente retorno através da chuva; a água pode escorrer sobre outras superfícies e chegar a corpos aquáticos superficiais locais; a água pode permanecer em forma de umidade no solo; e também infiltrar para aquíferos e ser utilizada futuramente local ou regionalmente.
Em relação a considerações ecológicas, as práticas agrícolas também resultam em perda de nutrientes em ambientes locais, como nitrogênio e fósforo, necessários ao crescimento de plantas. A agricultura provoca a poluição das águas, solo e ar, por adição humana de produtos químicos como fertilizantes e pesticidas, e por sedimentos, também devido à utilização de máquinas agrícolas e desproteção dos solos (Postel 1993). Então, o comércio entre países também corresponde a uma troca virtual de degradação ambiental.
Historicamente, países como os Estados Unidos e o Brasil têm ocupado posição de destaque em relação à exportação de produtos primários, consequentemente ‘água virtual’ e virtual degradação ambiental para o mercado internacional de alimentos. Em relação à exportação de ‘água virtual’, os Estados Unidos ocupam a primeira posição, o Brasil, o décimo lugar (Hoekstra and Hung 2002). O Brasil tem uma longa participação desde o período colonial, com a situação inicialmente dominante na produção e exportação de açúcar, seguido posteriormente por café e cacau, e hoje soja, suco de laranja, entre outros produtos (FAO 2004).
A exportação de produtos agrícolas brasileiros causa a transferência de recursos hídricos do Brasil para outras nações. Existem, porém, outras implicações para este fato: o Brasil é afetado por secas regionais e periódicas. O que pode acontecer se a água se tornar mais escassa nessas regiões do país? Seres humanos e outras espécies sofrerão com a falta do recurso, sem mencionar consequências indiretas como a alteração de espécies na composição de ambientes, por exemplo, plantas e animais existentes poderão não se adaptar ao ‘novo’ habitat.
Os países importadores podem estar tendo muitos benefícios com a transferência de ‘água virtual’, entretanto, as nações exportadoras podem estar perdendo muito mais do que ganhando, especialmente se os artigos agrícolas são produzidos de forma insustentável, ou seja, com danos para os ecossistemas locais, a exemplo da poluição do solo e exploração demasiada dos recursos hídricos. O preço dos produtos exportados não inclui a depreciação e alternativas para a recuperação dos mananciais e de ambientes locais. O comércio pode significar preços não calculados da destruição ambiental. Países podem estar trocando destruição das reservas de águas subterrâneas, poluição dos rios, erosão dos solos e outras externalidades.
O comércio virtual de água entre países causa déficit ambiental. No futuro, quando os impactos do aquecimento global, mudança climática e outras alterações causadas pelos seres humanos no planeta tornarem ainda mais graves as perturbações no ciclo da água, e disponibilidade e acesso a este precioso recurso, “países com escassez de água poderão assegurar a oferta de alimento aos seus cidadãos importando produtos que requerem muita água para a sua produção” (Wichelns 2004:50). Mas, como solucionar os outros problemas, como o declínio da biodiversidade e destruição das estratégias de sobrevivência de populações locais? O assunto é importantíssimo, especialmente para nações e regiões onde já existe disparidade em relação à disponibilidade e acesso a recursos hídricos, como o semi-árido brasileiro.
(*) Mestre em Recursos Naturais: Conservação Ambiental, Doutoranda em Recursos Naturais: Estudos Ambientais, Professora Assistente e Pesquisadora da University of New Hampshire – EUA.
Referências
HOEKSTRA, A. Y. AND HUNG, P. Q. (2002). “Virtual Water Trade: A Quantification of Virtual Water Flows Between Nations in Relation to International Crop Trade”Value of Water Research Report Series No. 11, IHE, Delft , the Netherlands .
POSTEL, Sandra (1993). “Water and Agriculture” in Peter Gleick (ed.) Water in Crisis: A Guide to the World's Fresh Water Resources (New York , N.Y: Oxford University Press): 56-66.
SHIKLOMANOV, Igor A. (1999). “World Water Resources and Their Use: a joint State Hydrological Institute/UNESCO product” (<http://webworld.unesco.org/ water/ihp/db/shiklomanov/>)
UNITED NATIONS FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – FAO (2000). “AQUASTAT” < http://www.fao.org/ag/agl/aglw/aquastat/countries/index.stm >
UNITED NATIONS FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – FAO (2004). “Major Food and Agricultural Commodities and Producers” (<http://www.fao.org/es/ess/top/ country.jsp?...>) (10/11/04 ).
UNITED NATIONS POPULATION DIVISION (2005). “World Population to Increase by 2.6 Billion Over Next 45 Years, With All Growth Occurring in Less Developed Regions”
WICHELNS, Dennis (2004). “The Policy Relevance of Virtual Water can be Enhanced by considering Comparative Advantages” Agricultural Water Management 66 (1): 49-64.
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