terça-feira, dezembro 27, 2011

dados da concentração da renda no Brasil

O panorama da renda no momento da crise

por Washington Novaes
O falecido ministro Roberto Campos recomendava cuidado com as estatísticas, porque com elas se pode demonstrar qualquer coisa – embora ele mesmo fosse mestre em usá-las em defesa de suas teses raramente pacíficas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comentados há poucos dias (15/12) pelos jornais poderiam ser um bom exemplo, ao mostrarem que 25% de toda a renda gerada no País se concentra em cinco municípios, apenas (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte). Mas os dados também mostram que essa parcela da renda se concentra em menos de 0,1% dos 5.565 municípios brasileiros e nesses cinco vive 12% da população total.
Outro dado da concentração da renda está em que 51 municípios (menos de 1% do total) detêm 50% do produto interno bruto (PIB), enquanto 1.302 outros municípios (23% do total) geram apenas 1% do PIB. Ou ainda: os 10% de municípios com maior PIB têm 95,4 vezes mais renda que a média dos 60% de municípios com menor renda. E três quartos dos municípios têm renda inferior à média nacional.
Convém ter essas informações presentes no momento em que tanto se apregoa a ascensão da economia brasileira a um seleto clube no mundo, com possibilidade de se transformar numa das maiores em pouco tempo (dependendo do quanto seja ou não atingida pela crise dos países industrializados). Elas podem ser cotejadas também com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud (Agência Estado, 3/11). Consta ali que o Brasil está em 84.º lugar entre 187 países avaliados, com IDH de 0,718. A Noruega, primeira colocada, tem 0,93; e o país latino-americano mais bem avaliado, o Chile, em 44.º lugar, tem 0,805. O IDH leva em conta, além do PIB per capita, a expectativa de vida (73,5 anos no Brasil) e os anos de escolaridade (7,2 anos médios, aqui) da população.
Avaliações internacionais como essa têm mostrado o Brasil como um dos países de maior concentração da renda no mundo. O próprio governo federal tem informado que o programa Bolsa-Família beneficia hoje quase 13 milhões de lares, onde vivem mais de 40 milhões de pessoas, perto de 20% da população total. E temos 9,7% de analfabetos, ou 18,6 milhões de pessoas. Por outro ângulo, verifica-se (Estado, 28/11) que São Paulo tem nada menos do que 914.926 famílias vivendo em situação de risco, em áreas precárias ou em terras irregulares; 25% da população, perto de 4 milhões de pessoas, mora “em favelas, loteamentos, cortiços e outras áreas irregulares”. Só para eliminar essa precariedade seria necessário investir R$ 58 bilhões em 14 anos. E pode ser ainda mais contundente: segundo o Unicef-ONU, em uma década dobrou e chegou a 661 mil o número de lares chefiados por adolescentes (15 a 19 anos) e a 113 mil o número de famílias chefiadas por crianças entre 10 e 14 anos (Estado, 1/12). Não bastasse, a cada dia são assassinados 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos.
O economista Fábio Giambiagi, em artigo neste jornal (29/11), fez outras aproximações. Segundo ele, o Brasil em 2011 tem 20% de sua população no patamar da pobreza e 7% na “extrema pobreza”. A renda média das pessoas de 10 anos para mais, segundo estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que cita, era de R$ 1.094 em setembro de 2009. Mas a renda média dos 10% mais pobres não passava de R$ 109. Já o Censo de 2010 diz que a média nacional da renda domiciliar per capita era de R$ 668. Mas os 25% mais pobres da população não passavam de R$ 188 (pouco mais de um terço do salário mínimo da época) e 50% não ultrapassam R$ 375 (menos de três quartos do salário mínimo).
Mesmo entre proprietários na área rural a situação pode ser muito inquietante, se se lembrar (Estado, 1/12) que 70,4% dos 5,2 milhões estão nas classes D e E, ou seja, 3,46 milhões, enquanto nas classes A e B são apenas 300 mil. Outros 796 mil pertencem à classe C e 433 mil têm “valor bruto de produção nulo”. A classe D/E contribui com apenas 7,6% do valor bruto de produção, com metade dos seus integrantes gerando um valor anual de até R$ 1.455, apenas. Na classe intermediária (15,4% dos estabelecimentos e 13,6% do valor bruto de produção), a renda líquida mensal fica entre R$ 947 e R$ 4.083. A classe A/B, com 5,8% dos estabelecimentos, detém 78,8% do valor bruto de produção.
Ninguém mais duvida de que o ponto crucial para a transformação desse quadro está na educação. Porque hoje temos 3,1% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos fora da escola (5,5% no Norte; 3,2% no Nordeste; 2,8% no Sudeste e Centro-Oeste; e 2,2% no Sul); 16,7% da faixa entre 15 e 17 anos também está fora da escola (18,7% no Norte; 17,2% no Nordeste; 18,6% no Sul; 16,9% no Centro-Oeste; e 15% no Sudeste). É uma base que precisa de investimentos maciços, juntamente com uma formação profissional muito mais eficiente em todas as faixas – quando nada para eliminar o índice alarmante de “analfabetismo funcional” (há quem fale em mais de 50% das crianças e adolescentes até o oitavo ano de escola).
Sem avanços expressivos nesse campo, será difícil também melhorar o panorama na área do emprego, em que a ocupação de pessoas de 10 anos ou mais pouco passa de 53,3% (60,1% é a maior taxa, no Sul; e 47,1% a menor, no Nordeste). E pouco menos de dois terços (65,2%) têm carteira assinada.
Tendo em vista todo este quadro, a tarefa dos próximos tempos será duplamente difícil entre nós: impedir que o País seja atingido com intensidade pela transferência de custos da crise econômico-financeira do “Primeiro Mundo”; e trabalhar para que os custos da crise aqui, como lá, não sejam bancados por toda a sociedade, que teria de pagar por excessos do setor financeiro. Se na Europa e nos Estados Unidos as consequências disso já são alarmantes, imagine num país com as desigualdades de renda e oportunidades como o Brasil. Seria profundamente injusto.
Washington Novaes, jornalista, e-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
Fonte: EcoDebate, 27/12/2011

sábado, dezembro 24, 2011

"Agora", composição na simples e "bad" Ludmila.

Feliz Natal e Bom Ano Novo. Menos chinês e mais brasileiro.

Natal chinês e taxa de câmbio

Estamos fechando o ano com o dólar norte-americano cotado a R$ 1,85, ao passo que tal índice permaneceu na média de R$ 1,60 ao longo dos nove primeiros meses do ano. Uma das conseqüências econômicas de tal ilusão reside no barateamento artificial dos bens e serviços oferecidos pelo resto do mundo.
Natal e fetichismo
O período de Natal nos oferece uma oportunidade ímpar para compreender alguns aspectos essenciais do próprio sistema capitalista. Durante algumas semanas, um pouco antes e um pouco depois da passagem do ano, a complexa engrenagem da economia consegue movimentar recursos como em nenhum momento durante todo o resto do tempo.
Desde o processo da produção, passando pelas etapas associadas à distribuição, até chegar ao momento final do consumo, o período natalino revela com toda a sua força alguns dos aspectos daquilo que Marx chamava de fetichismo da mercadoria. Em plenos trópicos, sob um sol escaldante de um verão que chega a beirar os 400 C, as pessoas saem aos milhões pelos centros comerciais em busca das promessas da satisfação e da felicidade. Elas conseguem se iludir com as associações que lhe são impostas pela máquina de publicidade. A sedução para o consumo é comandada por um ideário absolutamente distante e irracional para a nossa tradição social, nossas raízes culturais. Trata-se de um velhinho barbudo, dirigindo um trenó puxado por renas, que entra chaminé abaixo das nossas casas, durante uma noite de neve. Uma loucura! E o que mais impressiona é que o modelo parece funcionar.
A chamada para as compras é estimulada também pelo sentimento de bondade e solidariedade que se busca criar no período natalino, com as bases fornecidas também pelo espírito cristão. Ser bondoso é comprar um presente novo para alguém. Demonstrar sua face solidária é adquirir uma mercadoria para outrem. No fundo, quase tudo termina por se consolidar numa mercantilização das relações sociais e pessoais. Vale sublinhar que todo esse processo é operado com todo o fundamento da religiosidade, que atua como argumento a reforçar as engrenagens dessa poderosa máquina de produção e reprodução do capital.
No entanto, a particularidade desses últimos anos tem sido a participação crescente dos produtos chineses na cesta de consumo da grande maioria dos brasileiros. Essa realidade se apresenta para o conjunto das faixas de renda, mas é especialmente relevante para os setores das chamadas novas classes médias. São os grupos sociais que obtiveram uma elevação no nível de seu rendimento familiar real ao longo dessa virada do milênio e que passaram a contar com a possibilidade de acesso a produtos oferecidos a preços significativamente reduzidos.
Invasão de chineses
E assim chegamos a uma das mais profundas contradições que a sociedade brasileira atravessa no momento. O modelo que propiciou essa melhoria das condições de vida de parcela da nossa população não é sustentável no médio e no longo prazos. O acesso a esse tipo de consumo de bens de baixa qualidade e vida útil reduzida é a base do fetichismo da mercadoria nesse mundo globalizado. O agravante é que se trata de bens produzidos fora de nossas fronteiras, em especial na China. Basta percorrer lojas, mercados e outros locais de consumo para percebermos que os hábitos anteriores estão sendo substituídos por novos padrões determinados fora daquilo que poderíamos qualificar, de uma forma um tanto genérica, como nossa matriz social e cultural.
Além da elevada obsolescência de tais produtos e dos inquestionáveis impactos negativos em termos sociais e ambientais associados à sua produção e comercialização, o fato é que seu consumo só beneficia a estrutura econômica enraizada em suas origens. O consumismo desenfreado a que assistimos por aqui praticamente só gera emprego e só eleva a renda na China distante.
Se não fez esse exercício ainda, olhe ao seu redor, procure as etiquetas nos produtos com os quais tem algum contato em seu cotidiano. Confirme você mesmo com seus próprios olhos. A presença chinesa começa a ficar insuportável. Aquele eletrodoméstico com tantas funções – a maioria delas de utilidade duvidosa - que se revela sem a garantia prometida no momento da primeira necessidade? Um celular maneiro, com propriedades de última geração que ninguém na classe ainda possui? Um computador “tablet” maravilhoso, com a tela “touch screen” que o colega trouxe de Miami? Um carro novo e barato? Uma moto para quem andava apenas de ônibus até o ano anterior e que imagina irá conseguir gastar talvez menos com gasolina e prestação do consórcio do que com as passagens do transporte coletivo? O sapato de plástico meio esquisito tentando imitar o couro? As roupas mais baratas do que as produzidas pelos tradicionais pólos de confecção nacional espalhados pelo País afora? Os detalhes e acabamento e os equipamentos para o interior da residência construída ou reformada no último ano? Tudo “made in China”. [1]
Do ponto de vista da organização da sociedade e de sua estrutura econômica, a verdade é que o Brasil não está se beneficiando da melhoria do nível de renda real de sua população. Uma das principais razões para tal fenômeno indesejado é a nossa taxa de câmbio sobrevalorizada. Por meio desse indicador econômico absolutamente distorcido e irrealista, aquilo que o “economês” chama de matriz de preços relativos apresenta valores que parecem pertencer ao mundo da fantasia. 
Os preços dos produtos importados chegam aqui com valores artificialmente mais reduzidos. A sensação de elevação do poder de compra dos brasileiros no exterior torna-se particularmente sedutora, com todos os recordes de viagens ao exterior e compras lá fora sendo batidos ano após ano. Apenas para os que se destinam aos Estados Unidos, e que retornam com as malas entulhadas de bugigangas, o número de pedidos de vistos junto às autoridades consulares daquele país subiu mais de 40% entre 2010 e 2011. Ou seja, nem mesmo os humilhantes e cansativos procedimentos de natureza burocrático-administrativo-diplomática parecem funcionar como desestímulo às viagens para a terra de Disney e Obama.
Mais importações e dificuldades nas exportações
A contrapartida desse movimento é o encarecimento dos produtos que nossa economia pretende exportar, em especial os produtos manufaturados. Com o real sobrevalorizado, os bens industrializados aqui não conseguem atingir preços internacionais – com referência em US$ - que sejam competitivos com os demais países. Ora, com a demanda doméstica sendo dominada pelos produtos importados, especialmente da China, e a demanda externa não conseguindo ser realizada também por um problema de câmbio irreal, a tendência tem sido o avanço da desindustrialização em nosso território. As empresas preferem não mais abrir novas unidades ou deslocam as existentes. O Brasil – todo orgulhoso - oferece generosamente ao resto do mundo as soluções para que os demais países saiam sem muitos prejuízos com a crise generalizada. Asseguramos emprego e renda lá fora!
Estamos fechando o ano com o dólar norte-americano cotado a R$ 1,85, ao passo que tal índice permaneceu na média de R$ 1,60 ao longo dos nove primeiros meses do ano. Uma das conseqüências econômicas de tal ilusão reside, como já afirmado acima, no barateamento artificial dos bens e serviços oferecidos pelo resto do mundo. Portanto, é fundamental que o governo passe a atuar de forma incisiva nessa dimensão da política econômica. Não podemos mais aceitar passivamente esse quadro dramático, em nome de uma enganosa conduta de respeito ao postulado do suposto equilíbrio das livres forças de mercado. O mercado de câmbio não é o mercado da batatinha!
Desvalorizar a taxa de câmbio
Apesar de não ser possível determinar de forma “científica” o valor exato da taxa de câmbio de equilíbrio, o fato é que boa parte dos especialistas e estudiosos - não dominados pelos interesses do capital financeiro – apontam para uma taxa mais adequada como estando situada em um intervalo entre R$2,50 e R$ 3,00. Mais do que nunca, trata-se de recuperar com urgência urgentíssima o perverso atraso da última década. Foi um período em que os governos sentaram na falsa comodidade oferecida pelos sucessivos recordes nos valores totais de nossas exportações. O ingresso nesse mundo de fantasia só ocorria por conta dos preços internacionais também altos das “commodities”, como petróleo, minério de ferro, soja, açúcar, boi, frango, suco de laranja e por aí vai. Ou seja, uma acomodação perversa na continuidade da reprimarização de nossa economia, ao ponto dos usineiros serem elevados ao panteão dos “heróis nacionais” na infeliz declaração do ex Presidente Lula em 2007. [2]
Como chegamos a esse atraso na calibragem da taxa de câmbio, o governo terá que lidar na sintonia fina com os efeitos de alta de preços, pois o País foi se acostumando com essa matriz de preços relativos de bens importados. Com a mudança necessária na taxa de câmbio, haverá uma elevação inicial da inflação, pois os preços em reais das mercadorias importadas ficarão mais altos. Paciência! É o preço a pagar pela passividade irresponsável que imperou até o momento no trato da questão cambial. Mas isso não significa que haverá uma retomada do processo inflacionário, como no passado. Apenas aquilo que o “economês” chama de choque de ajuste de preços: do inglês “once and for all” para transmitir a imagem de uma elevação de preços: uma subida única definida no tempo.
Para dar início a esse importante ajuste, temos a sorte de que a própria crise financeira internacional seja, por mais uma dessas ironias proporcionadas pela História, nossa aliada. Basta o governo se convencer da necessidade de reduzir de forma efetiva a taxa de juros SELIC (sem se esquecer, é claro, das demais medidas necessárias para abaixar os juros na ponta para o consumidor n balcão dos bancos). Com a redução do ganho financeiro fácil, o capital especulativo internacional deverá procurar outras praças e a redução da pressão sobre o mercado de divisas no Brasil fará com que nossa moeda - o real - deixe de ficar tão artificialmente valorizado. A taxa de câmbio deverá mudar de patamar. Assim, ganha-se dos dois lados. Os juros ficam mais baixos. A taxa de câmbio retorna a níveis menos ilusórios.
E aí, sim, talvez então caiba para dezembro de 2012 o verdadeiro conteúdo dos desejos de Feliz Natal e Bom Ano Novo. Menos chinês e mais brasileiro.
NOTAS
[1] Fico aqui apenas nos bens de consumo básicos, sem mencionar os equipamentos mais pesados. È o caso, por exemplo, do super cargueiro encomendado pela Vale aos estaleiros chineses e que está de volta à costa com o casco rachado e impossibilitado de transportar o minério de ferro exportado.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 22/12/2011

quarta-feira, dezembro 21, 2011

“O que é a cidade, a não ser as pessoas?”

por Antonio Risério
Embora o meu sentimento seja de urgência, quero conversar com calma, que o assunto é sério: Salvador. Numa de suas peças de teatro, Shakespeare faz a pergunta fundamental: “O que é a cidade, a não ser as pessoas?”. E me lembro disso porque nesta semana um amigo me disse, em tom de quase desencanto: “Nosso maior problema, em Salvador, é que não sabemos nos ver como cidadãos”. Está certo. E, neste sentido, o maior problema atual de Salvador somos nós mesmos.
A cara de Salvador não pode ser a da “grand vendeuse”, a da balconista-mor Ivete Sangalo, em pose autoritária, dizendo a frase imbecil: “Quem tem força, tem preço”. Em Salvador, hoje, devemos dizer coisa bem diferente: precisamos levantar a cabeça, recuperar a disposição, buscar o entusiasmo, nos mobilizar para dizer, alto e bom som, que não aceitamos o que estão fazendo com a nossa cidade.
Chega de passividade. Se o que está acontecendo com Salvador (avacalhação e destruição da cidade) estivesse acontecendo em Porto Alegre, Curitiba ou São Paulo, não tenham dúvida: gaúchos, curitibanos e paulistanos teriam subido nas tamancas e saltado na goela da prefeitura.
E nós, não vamos fazer nada? Felizmente, parece que sim, que é possível. As pessoas começam a protestar aqui e ali. Exemplo disso, entre outros, foi o artigo que Fredie Didier Jr. publicou neste jornal, no domingo passado. “Salvador não passa por um bom momento histórico”, escreveu Didier. “Não falo da crise em sua monumentalidade: Pelourinho abandonado, metrô inacabado, ruas sujas. Embora grave, este tipo de problema é de solução mais fácil. Não me refiro, igualmente, à violência que nos assola. A violência impressiona, mas não destoa do que acontece em outras metrópoles. Falo de outra espécie de crise, mais profunda e de efeitos mais deletérios. Salvador está em crise existencial”.
A cidade apequenou-se, conclui Didier. Para, então, incitar: “Temos de retomar a nossa caminhada e refundar a cidade. Dar início a uma espécie de Renascença baiana”. Mais: “Salvador merece que façamos tudo isso por ela e a gente merece voltar a sentir orgulho da nossa cidade”. Perfeito. Já um outro amigo meu, apropriando-se da expressão hoje em voga para falar das grandes transformações que rolam no mundo árabe, me apareceu com uma frase ótima: “Precisamos promover alguma espécie de primavera baiana”. Sim, acho que está mais do que na hora de começar isso. É claro que não se trata de nenhuma comparação com o Oriente Médio.
O que queremos é dar um jeito na cidade. Salvador sofre, hoje, com uma coincidência infeliz: uma desprefeitura que mescla estupidez e incompetência e um governo estadual omisso diante dos problemas da cidade (e, como me diz ainda um outro amigo: “Menos com menos só dá mais na abstração matemática; na vida real, menos com menos dá menos ainda”). Mas não estamos condenados a assistir a isso sem dizer ou fazer nada. Em nome de nossas melhores tradições contestadoras, estamos na obrigação de nos mobilizar. Podemos, sim, promover uma primavera baiana.
Basta querer. Somar as nossas vozes nessa direção. Na mídia tradicional e na internet. Em blogs, no facebook, no twitter. Vamos bater na mesa e dizer que cidade nós queremos. Salvador, hoje, não é somente uma cidade abandonada, que está sendo progressivamente destruída. Mais que isso: é uma cidade humilhada. E não temos razão alguma – existencial, cultural, política ou histórica – para engolir esta humilhação. A hora é de aglutinar protestos isolados, manifestações soltas, vozes pontuais. Ou nos aproximamos e batemos na mesa, para reverter a situação atual e escorraçar a estupidez e a inércia, ou a cidade vai naufragar de vez. É hora de Salvador voltar a ser ativa, altiva e criativa – como já foi em outros momentos.
Em nossa história, temos diversos exemplos de enfrentamento e superação de reveses e crises. Não é agora que vamos nos comportar frouxamente, como se esta cidade fosse uma cadela trêmula, com o rabo entre as pernas – e não o lugar onde teve início a aventura civilizacional brasileira.
Antonio Risério, Escritor, Antropólogo.
O texto foi publicado originalmente no jornal A Tarde. E-mail: ariserio@terra.com.br
Fonte: Bahia em Pauta | Opinião, 14/12/2011

é visível que a bolha começou a estourar

Será que a China vai quebrar?

por Paul Krugman
Pense no seguinte cenário: o crescimento recente dependeu de um grande boom na construção alimentado por uma acentuada valorização imobiliária, apresentando todos os sinais clássicos de uma bolha. Houve um rápido crescimento no crédito – sendo que boa parte dessa expansão não ocorreu por meio da atividade bancária normal, e sim graças a “bancos clandestinos” que não estão sujeitos à supervisão do governo nem são garantidos por ele. Agora a bolha está estourando – e há motivos reais para temer uma crise econômica e financeira.
Seria esta uma descrição do Japão no fim dos anos 80? Ou será dos Estados Unidos em 2007? Talvez seja, também. Estou me referindo à China, que está emergindo como um novo ponto perigoso numa economia mundial que realmente – definitivamente – não precisa desse tipo de coisa no momento atual.
Tenho relutado em analisar a situação chinesa, em parte porque é extremamente difícil saber o que está de fato ocorrendo. Todas as estatísticas econômicas devem ser encaradas como um gênero particularmente monótono de ficção científica, mas os números da China são mais fictícios do que os demais. Eu recorreria a especialistas na China real em busca de orientação, mas parece não haver nem mesmo dois especialistas no assunto que concordem nas suas análises.
Ainda assim, os próprios dados oficiais são preocupantes – e as notícias mais recentes são dramáticas o bastante para que soemos o alarme. A característica mais surpreendente da economia chinesa na última década foi o fato de o consumo das famílias ter ficado atrás do crescimento geral, por mais que tenha se expandido. No momento atual, o gasto dos consumidores corresponde a apenas cerca de 35% do PIB – nível que equivale a aproximadamente metade daquele observado nos EUA.
Assim sendo, quem é que compra os bens e serviços produzidos na China? Parte da resposta é…. bem, somos nós: conforme declinou a parcela da economia chinesa correspondente ao consumo, o país passou a depender cada vez mais de superávits comerciais para manter em funcionamento a atividade manufatureira. Mas, do ponto de vista chinês, a história principal é o gasto com os investimentos, que aumentou rapidamente até chegar a quase metade do PIB.
A pergunta óbvia é: com a demanda dos consumidores relativamente fraca, o que foi que motivou tamanho investimento? E a resposta é – até um determinado e importante ponto – que o país dependeu de uma bolha imobiliária cada vez mais inflada. O investimento imobiliário praticamente dobrou enquanto parcela do PIB desde 2000, correspondendo diretamente a mais da metade do aumento total nos investimentos. E, sem dúvida, boa parte do restante do aumento esteve associada a empresas que se expandiram para vender à crescente indústria da construção.
Será que podemos afirmar que a expansão do mercado imobiliário foi uma bolha? Todos os sinais estavam presentes: não apenas o aumento nos preços, mas também o tipo de febre especulativa que conhecemos tão bem da própria experiência americana – pense na costa da Flórida.
E havia outro paralelo com a experiência dos americanos: conforme o crédito se expandia, boa parte da expansão não vinha dos bancos, e sim de um sistema bancário clandestino, carente de supervisão e proteção.
Nos detalhes, as diferenças entre os dois casos eram grandes: os bancos clandestinos à moda americana costumavam envolver prestigiadas firmas de Wall Street e complexos instrumentos financeiros, enquanto a versão chinesa costuma funcionar por meio de bancos ilegais e até lojas de penhores. Mas as consequências foram semelhantes: na China, assim como ocorreu nos EUA há alguns anos, o sistema financeiro pode ser muito mais vulnerável do que a impressão transmitida pelos dados relativos à atividade bancária convencional.
Agora, é visível que a bolha começou a estourar. Qual será o estrago provocado na economia chinesa – e na economia mundial? Alguns comentaristas dizem que não é preciso se preocupar; que a China conta com líderes fortes e inteligentes que farão tudo aquilo que for necessário para lidar com um período de declínio. Nisso, implica-se com frequência – embora raramente se afirme – a ideia de que a China pode fazer aquilo que for necessário porque não precisa se preocupar com sutilezas democráticas.
Mas, para mim, comentários deste tipo soam como célebres últimas palavras. Afinal, lembro-me bem das garantias semelhantes feitas a respeito do Japão nos anos 80, onde os brilhantes burocratas do Ministério das Finanças tinham supostamente tudo sob controle. E, mais tarde, foram feitas garantias de que os EUA nunca, jamais, repetiriam os erros que levaram à década perdida no Japão – sendo que, na verdade, estamos numa situação ainda pior do que aquela que o Japão enfrentou.
Deixo registrado que os pronunciamentos a respeito da política econômica feitos por representantes do governo chinês não me parecem especialmente sóbrios. Na verdade, o tratamento agressivo que a China tem demonstrado ultimamente em relação aos estrangeiros – entre outros casos, impondo uma tarifa punitiva às importações de automóveis fabricados nos EUA que em nada ajudam sua situação econômica, mas muito fazem para azedar as relações comerciais – não parece ser a atitude de um governo maduro que sabe o que está fazendo.
E provas casuais sugerem que embora o governo chinês não enfrente os limites do Estado de direito, ele é afetado pela corrupção generalizada – o que significa que aquilo que ocorre no nível local pode se assemelhar pouco às ordens que são definidas em Pequim.
Espero que tudo isto seja apenas um rompante de alarmismo desnecessário. Mas é impossível deixar de lado a preocupação: o caso da China se parece muito com as quebras que já vimos em outros países. E uma economia mundial já afetada pela bagunça na Europa realmente, definitivamente não precisa de um novo epicentro de crise.

Fonte: Estadão | Economia & Negócios | Blogs, 20/12/2011

terça-feira, dezembro 20, 2011

um pacto do latifúndio mais tropical com as bucólicas elites urbanas

Código Florestal (1934-2011)

"Esta é a economia política da revogação do NCF: um pacto do latifúndio mais tropical com as bucólicas elites urbanas. Aliança que já demonstrou imensa força parlamentar. Principalmente por contar com estarrecedora adesão do PT, a reboque da esquisita titular do Meio Ambiente", afirma José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Valor, 20-12-2011.
Eis o artigo.
Obituário: ele faleceu na noite da terça-feira, 6/12, vítima de múltiplos atropelamentos no Congresso. O corpo passará o verão em necrotério, pois há quem proponha seu esquartejamento antes da cerimônia no Planalto. Crueldade que só poderá ser evitada se deputados e senadores forjados na luta pela redemocratização aproveitarem o recesso para meditar sobre três questões.
O Código que está para ser revogado amadureceu em 15 anos de deliberações democráticas. Começou a tramitar em 2 de janeiro de 1950, quando o "Projeto Daniel de Carvalho" foi encaminhado ao Congresso por mensagem presidencial de Eurico Gaspar Dutra. Resultou a lei federal do "Novo Código Florestal" (NCF), só promulgada dia 15 de setembro de 1965, já por Castello Branco, em conjuntura que Elio Gaspari tão bem caracterizou como "Ditadura Envergonhada" (Companhia Das Letras, 2002). Antes do Ato Institucional nº 2 que dissolveu os partidos, tornou indireta a escolha do presidente da República e transferiu para a Justiça Militar o julgamento de crimes políticos.
Esse esclarecimento é crucial para desmentir ladainha da cruzada dos grupos mais interessados em afrouxamento das normas de conservação agroambiental. Infelizmente, também por desinformados simpatizantes da mobilização que alerta a opinião pública para as injustiças e retrocessos contidos nos projetos da Câmara (PLC 30) e do Senado (Substitutivo 1358). O NCF não foi "obra dos militares". Afirmá-lo é conspurcar a memória das lutas pela democracia.
A obra dos militares foi inversa. Por 27 anos foram promovidos desmatamentos de áreas vocacionadas à preservação permanente, assim como sabotagens de outros dispositivos de proteção desses "bens de interesse comum a todos os habitantes do país". Não apenas nos dois decênios de ditadura "escancarada", "encurralada" e "derrotada" (1965-1985), como também no tragicômico setenado de Sarney e Collor (1985-1992). As salvaguardas do artigo 225 da Constituição de 1988 só puderam surtir efeito dez anos depois, com a Lei de Crimes Ambientais, também esmiuçada pelo Congresso entre 1992 e 1998.
A principal consequência política dessa história institucional é a admissibilidade de se anistiar aqueles produtores agropecuários que - até 1998 - descumpriram o NCF por terem sido oficialmente tangidos a suprimir vegetação nativa de áreas sensíveis. O corolário é que nada tem de anistia, mas sim de torpe indulto, qualquer perdão a desmatamento feito sem licença a partir de 1999.
Ao não estabelecerem tal distinção, PLC e Substitutivo tratam como se fosse farinha do mesmo saco duas realidades opostas: áreas rurais legitimamente "consolidadas" por árduo e cuidadoso trabalho de abnegados produtores agropecuários, versus terras travestidas de pastagens para a especulação fundiária. A predatória aposta que alavancou 80% do déficit de áreas de preservação permanente: 44 dos faltantes 55 milhões de hectares (Mha).
Só isso explica a ilusão de que a bovinocultura ocupe área 3,5 vezes maior que o total das lavouras. A maior parte dos 211 milhões de hectares tidos como pastos constitui gigantesco estoque imobiliário voltado a rendimentos que nada têm a ver com atividades produtivas (lucros "extraordinários" em economês). Serão os senhores desses domínios os principais ganhadores caso o NCF seja revogado por diploma semelhante ao PLC ou ao Substitutivo senatorial.
Além de indultar as criminosas devastações dos últimos 13 anos, e premiar especuladores fundiários disfarçados de pecuaristas, esses dois projetos embutem uma terceira atrocidade: dispensam todos os imóveis rurais com área de até 4 módulos fiscais, por alegada compaixão por empreendedores agropecuários de pequeno/médio porte. Aí se tira proveito da reinante confusão entre duas categorias legais: imóveis e estabelecimentos. Uma coisa é propriedade/posse fora de perímetro urbano ("imóvel rural"). Outra é empreendimento agrícola, pecuário e/ou florestal ("estabelecimento agrícola"). Nem toda propriedade imobiliária abriga negócio produtivo.
Atinge 56 milhões de hectares o hiato entre a área ocupada por imóveis rurais de até 4 módulos fiscais (136 milhões de hectares) e a dos estabelecimentos agrícolas familiares (80 milhões de hectares). Lacuna que corresponde a 544 mil imóveis, cuja área média é, portanto, de 103 hectares. A maior parte não entra no Censo Agropecuário pelo simples fato de se tratar de terras nas quais inexiste atividade produtiva relevante. É a fatia da especulação imobiliária voltada ao mercado dos sítios e chácaras de recreio, turbinado pelas famílias urbanas emergentes. Neste caso, solidariedade aos agricultores familiares só serve de pretexto para contentar outros ocupantes do andar de cima com desobrigações de práticas conservacionistas.
Esta é, em suma, a economia política da revogação do NCF: um pacto do latifúndio mais tropical com as bucólicas elites urbanas. Aliança que já demonstrou imensa força parlamentar. Principalmente por contar com estarrecedora adesão do PT, a reboque da esquisita titular do Meio Ambiente.
Fonte: IHU | Notícias, 20/12/2011

domingo, dezembro 18, 2011

Amy Winehouse - Me and Mr. Jones (Acapella)

"É um nunca acabar dos rotos a explorarem os rasgados..."

O povo está nas ruas e não é por causa do carnaval

por Enio Squeff
Para o norte-americano Francis Fukuyama, a queda do Muro de Berlim decretava o fim da história. Seria por isso que o mero registro das manifestações não se alça para além dos conflitos dos populares com os policiais? E que haja tão pouco a se dizer do povo, e muito mais a se comentar dos governantes?
“Penso que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos inteiros, prontos para o combate. Se o povo americano permitir, um dia, que controlem a sua moeda, os bancos e todas as instituições bancárias que gravitam em torno dos bancos, privarão as pessoas de todas as suas posses, primeiro por meio da inflação, em seguida, pela recessão, até o dia em que seus filhos acordarão sem casa e sem teto, sobre a terra que seus pais conquistaram,”. Thomas Jefferson, ex-presidente norte-americano, numa carta ao Secretário do Tesouro americano, Albert Gallatin, em 1802.
Deve ser por razões bem ponderáveis que a mídia não só do Brasil, prefira dar mais destaque às reuniões dos líderes europeus do que às manifestações populares que congestionam as ruas das cidades dos EUA e da Europa. Para o norte-americano Francis Fukuyama, a queda do Muro de Berlim decretava o fim da história. Seria por isso que o mero registro das manifestações não se alça para além dos conflitos dos populares com os policiais? E que haja tão pouco a se dizer do povo, e muito mais a se comentar dos governantes? Brecht ironizava que, no atual sistema, quando um povo se punha contra um governo, o melhor era por abaixo o povo.
Talvez seja essa a grande ironia da crise. Entre o que menos importa, ou seja, o clamor das ruas e as decisões que, afinal, não decidem nada – o melhor é continuar a ignorar os protestos populares. Eles se tornarão, irremediavelmente inúteis perante a lógica das decisões econômicas. Se o filme ainda não foi visto, a cena final será o inevitável “happy end”, com o povo voltando para casa, ordeiramente, muito antes que as decisões, por enquanto cogitadas, entrem, por fim, em prática. É um final de folhetim de má qualidade, quase impossível de ser considerado. Hajam Balzacs e Dickens, porém, para avisarem ao povo de que a imprensa desconsidera o seu protagonismo. Ou de que a cena dispensa a platéia.
Parece o mais complicado da crise mundial: se a economia não atende à democracia – que fazer com a população que gostaria de ser ouvida?
Existem paradigmas contraditórios no horizonte. À Grécia – a mesma a que está sendo negada um possível referendo para as políticas de contenção prometidas, mas não ainda implementadas – a prerrogativa da sua gênese, de ter sido o berço da democracia, pouco lhe está valendo. No século XIX, o assunto Grécia e democracia, movimentou o mundo intelectual europeu.
Até o pintor Eugène Delacroix, que era um conservador, inflamou-se em favor da Grécia. Na rasteira da morte de Lord Byron, que faleceu em meio à luta pela independência grega contra o domínio turco – ele encontrou tempo e ânimo para pintar um de seus melhores quadros (“O Massacre de Quios”). Nele, de forma nua e crua, apareciam os turcos a reprimirem a população grega. Guardadas as proporções, a situação se repete. Já, agora, não é a Turquia que oprime a Grécia – mas a lógica do mercado, de que não escapam nem os países mais ricos do mundo. O aforismo atribuído a Voltaire, de que o verdadeiro democrata lutaria até a morte, para que seu adversário defendesse publicamente o seu ponto de vista, parece estar sendo posto abaixo a cada novo passo da razão econômica oficial.
Para ela, não há, realmente, compatibilidade possível entre as exigências do mercado e os defensores de referendos democráticos. Foi – parece oportuno lembrar – o que demonstrou, na prática, o governo militar brasileiro em 1968: Dado que a população tendia a inflectir perigosamente para a democracia, o melhor a ser feito foi acabar com ela. Nada de novo no “front”. Mas basta ignorar os protestos; ou o poder repressivo será maior que tudo?
É a grande pergunta que sequer vem sendo inutilmente formulada na dita “maior democracia do mundo”, que seria os Estados Unidos.
Impossível esquecer que, no também propalado “maior país capitalista do mundo”, a grita e a mobilização popular se dão – quem diria? – contra “os muito ricos”. Ao que parece, boa parte da população não aceita que o “sonho americano” , cunhado por John Truslow Adams, em 1931, só se faça tal, para um por cento da população. Pelo que fica dos protestos dos iniciadores do movimento que pretende tomar a Wall Street, essa fase do capitalismo agora é inadmissível.
Difícil dizer a quem aproveita esse quadro de incertezas e, pior, de contradições. Para os artistas alemães dos primeiros anos do século XX, os ditos “expressionistas” – Kirchner, Nolde, Pechstein, Kokoshka – ou mesmo para os escritores, como Brecht e Kafka – o clima de incertezas que se seguiu à crise do período de entre guerras e a derrocada das bolsas de 1929 – propiciou uma arte despojada, sem qualquer charme ou certezas. Já, há muito, o clima de dúvidas das artes, parece indicar o que hoje se tem, a começar pelo fim do conceito de arte. O belo, ou a “expressão” como se queira, seria, irremediavelmente, coisa do passado. Ao futuro interessaria apenas a realidade que a “Wal Street” sempre foi a primeira a escancarar: nada de qualquer interferência ou manifestação que preveja a solidariedade, inclusive como salvaguarda.
O narcisismo das manifestações artísticas mais à vanguarda – invariavelmente incensadas pelo dominante reduzido “grand monde”(?) – expressa, sem meias palavras, o sentido unívoco da economia. Somos um mundo guiado pelos interesses do capital – ele está presente no Estado, nas relações interpessoais, e até no “bom dia” que dirigimos ao vizinho: talvez ele mereça ou não o nosso cumprimento por estar mais ou menos próximo do “beautifull people”, que as revistas e os jornais nos vendem como o máximo a ser conquistado em vida. Não surpreende, enfim, e para todos os efeitos, que a crise passe sempre pelas cenas das reuniões incontáveis entre os grandes do mundo – vale dizer os banqueiros, os estadistas, os economistas da hora e os membros da “inteligentsia” do mercado: eles sabem de tudo o que se passa nos cálculos e nos gabinetes das corporações, e ignoraram solene e peremptoriamente, o que acontece nas ruas.
Talvez o niilismo da arte contemporânea tenha a ver com o que ocorre nas bolsas, na economia, na política e na imprensa. À ausência de maiores valores, além do repertório que adeja em seu entorno – seguem-se as bienais vazias, tanto de idéias e quanto de público, e tudo a se contrapor à possibilidade de uma nova sociedade. Dizia um filósofo, há anos, que o fim do Muro de Berlim significava, a seu turno, a não muito longo prazo, o “fim do capitalismo”. É uma idéia indiscutivelmente arrojada e muito certamente destituída de qualquer sentido a curto prazo ( não seria agora que as coisas se precipitariam): a inventiva dos homens tende ao infinito da sua existência na terra, enquanto ela existir. Alguém advertiu que já alcançamos o “status” das estrelas, com suas explosões nucleares constantes num universo em mutação. O que levou alguns inteletuais, depois da Segunda Guerra, a formularem hipóteses pessimistas sobre o futuro, após Hiroshima e Nagasaki, não deve ter levado em conta que as explosões nucleares – os horrorosamente belos cogumelos atômicos – talvez fossem apenas o simulacro dos absurdos a que o sistema nos jogaria com a imposição, como dogma, do primado do mercado sobre tudo e sobre todos.
Ao ignorar, em síntese, os protestos de rua, a grande imprensa estaria a alimentar a idéia de que as bombas atômicas da economia e da política não têm nada a ver com as ogivas nucleares verdadeiras – aquelas que o mundo evita usar por serem, a essas alturas, “segredos de Polichinelo”, disponíveis a todo o mundo. É risível, aliás, que a Agência Atômica” da ONU previna o mundo que o Irã possa estar desenvolvendo uma boma atômica; ela já não existe e à disposição de governos tão mais instáveis do que quaisquer outros, como o do Paquistão?
Há muitas perspectivas pessimistas no ar. O pouco caso dado à esterilidade da arte vanguardista “oficial” talvez seja, surpreendentemente, o “non sense” de um mundo também pouco disposto a atentar para a realidade.
Alguns artistas contemporâneos, já desaparecidos, foram bem mais pertinentes em suas reflexões. Na época, vários aspectos de suas críticas ressoavam na grande imprensa. Mas quando a própria mídia hegemônica pensa estar a fazer críticas profundas, por desdizer um ou outro figurão, a desprezar, porém, os milhões que protestam nas ruas, o pior não é o que ninguém sabe – mas a certeza de que a nossa cegueira cobrará do futuro o que, de fato, parece que ninguém vê.
No livro de José Saramago – “Discurso sobre a Cegueira” há um momento em que todos sabem que não estão a ver nada. O mundo é um caos em que acontecem coisas que se esboroam perante os fatos. No entanto, logo surgem os espertos – também cegos. É um nunca acabar dos rotos a explorarem os rasgados, o que denota a lógica de um sistema, mas que nos remete a uma pergunta: que fazer com os fatos que se esboroam dia a dia? Desprezar as ruas, é esquecer que a história só se faz nos gabinetes, quando o trânsito funciona normalmente. Não parece ser o caso.
(*) Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
Colaboração do Cepec- Centro de Estudos Politicos Econômicos e Culturais para oEcoDebate, 16/12/2011

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Alô PT... Quem bate? É a história -- E ela tem pressa.

Terceira Carta às Esquerdas

As novas mobilizações e militâncias políticas por causas historicamente pertencentes às esquerdas estão sendo feitas sem qualquer referência a elas (salvo talvez à tradição anarquista) e muitas vezes em oposição a elas. Isto não pode deixar de suscitar uma profunda reflexão. Essa reflexão está sendo feita? Tenho razões para crer que não.
Quando estão no poder, as esquerdas não têm tempo para refletir sobre as transformações que ocorrem nas sociedades e quando o fazem é sempre por reação a qualquer acontecimento que perturbe o exercício do poder. A resposta é sempre defensiva. Quando não estão no poder, dividem-se internamente para definir quem vai ser o líder nas próximas eleições, e as reflexões e análises ficam vinculadas a esse objetivo. 
Esta indisponibilidade para reflexão, se foi sempre perniciosa, é agora suicida. Por duas razões. A direita tem à sua disposição todos os intelectuais orgânicos do capital financeiro, das associações empresariais, das instituições multilaterais, dos think tanks, dos lobbistas, os quais lhe fornecem diariamente dados e interpretações que não são sempre faltos de rigor e sempre interpretam a realidade de modo a levar a água ao seu moinho. Pelo contrário, as esquerdas estão desprovidas de instrumentos de reflexão abertos aos não militantes e, internamente, a reflexão segue a linha estéril das facções.
Circula hoje no mundo uma imensidão de informações e análises que poderiam ter uma importância decisiva para repensar e refundar as esquerdas depois do duplo colapso da social-democracia e do socialismo real. O desequilíbrio entre as esquerdas e a direita no que respeita ao conhecimento estratégico do mundo é hoje maior que nunca.
A segunda razão é que as novas mobilizações e militâncias políticas por causas historicamente pertencentes às esquerdas estão sendo feitas sem qualquer referência a elas (salvo talvez à tradição anarquista) e muitas vezes em oposição a elas. Isto não pode deixar de suscitar uma profunda reflexão. Essa reflexão está sendo feita? Tenho razões para crer que não e a prova está nas tentativas de cooptar, ensinar, minimizar, ignorar a nova militância. 
Proponho algumas linhas de reflexão. A primeira diz respeito à polarização social que está a emergir das enormes desigualdades sociais. Vivemos um tempo que tem algumas semelhanças com o das revoluções democráticas que avassalaram a Europa em 1848. A polarização social era enorme porque o operariado (então uma classe jovem) dependia do trabalho para sobreviver, mas (ao contrário dos pais e avós) o trabalho não dependia dele, dependia de quem o dava ou retirava a seu belprazer, o patrão; se trabalhasse, os salários eram tão baixos e a jornada tão longa que a saúde perigava e a família vivia sempre à beira da fome; se fosse despedido, não tinha qualquer suporte exceto o de alguma economia solidária ou do recurso ao crime. Não admira que, nessas revoluções, as duas bandeiras de luta tenham sido o direito ao trabalho e o direito a uma jornada de trabalho mais curta. 150 anos depois, a situação não é totalmente a mesma, mas as bandeiras continuam a ser atuais.
E talvez o sejam hoje mais do que o eram há 30 anos. As revoluções foram sangrentas e falharam, mas os próprios governos conservadores que se seguiram tiveram de fazer concessões para que a questão social não descambasse em catástrofe. A que distância estamos nós da catástrofe? Por enquanto, a mobilização contra a escandalosa desigualdade social (semelhante à de 1848) é pacífica e tem um forte pendor moralista denunciador.
Não mete medo ao sistema financeiro-democrático. Quem pode garantir que assim continue? A direita está preparada para a resposta repressiva a qualquer alteração que se torne ameaçadora. Quais são os planos das esquerdas? Vão voltar a dividir-se como no passado, umas tomando a posição da repressão e outras, a da luta contra a repressão?
A segunda linha de reflexão tem igualmente muito a ver com as revoluções de 1848 e consiste em como voltar a conectar a democracia com as aspirações e as decisões dos cidadãos. Das palavras de ordem de 1848, sobressaíam liberalismo e democracia. Liberalismo significava governo republicano, separação ente estado e religião, liberdade de imprensa; democracia significava sufrágio “universal” para os homens. Neste domínio, muito se avançou nos últimos 150 anos. No entanto, as conquistas têm vindo a ser postas em causa nos últimos 30 anos e nos últimos tempos a democracia mais parece uma casa fechada ocupada por um grupo de extraterrestres que decide democraticamente pelos seus interesses e ditatorialmente pelos interesses das grandes maiorias. Um regime misto, uma democradura. 
O movimento dos indignados e do occupy recusam a expropriação da democracia e optam por tomar decisões por consenso nas suas assembleias. São loucos ou são um sinal das exigências que vêm aí? As esquerdas já terão pensado que se não se sentirem confortáveis com formas de democracia de alta intensidade (no interior dos partidos e na república) esse será o sinal de que devem retirar-se ou refundar-se?
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 14/12/2011

são negados espaços reais de participação obrigando aos índios a discutir fatos consumados

‘Belo Monte é o símbolo do fim das instituições ambientais no Brasil’. 

Entrevista com Biviany Rojas Garzon

Apesar de o artigo 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT garantir o direito à consulta prévia aos povos indígenas sempre que alguma medida legislativa ou administrativa afetá-los, o acordo não está sendo cumprido pelo governo federal brasileiro. “O erro” que interpreta o direito de consulta como um direito de veto consiste, segundo a advogada Biviany Rojas Garzon, “precisamente em interpretações limitadas da lei, que com o argumento de que uma minoria não poderia vetar as decisões mais importantes do Estado são negados espaços reais de participação obrigando aos índios a discutir fatos consumados”.
Em sua avaliação, o governo apenas ouve os indígenas e ribeirinhos “na hora de definir o Plano Básico Ambiental – PBA”, em vez de consultá-los durante o planejamento do projeto. “É um grave erro achar que o licenciamento de empreendimentos é um lugar adequado para fazer consulta sobre decisões que não são suscetíveis de mudança. Fazer isso é um ato de má fé”. Referindo-se a Belo Monte, reitera: “Nesses últimos casos, o governo vai consultar o que, se tudo já está decidido? É um ato de má fé chamar uma consulta sem o intuito de consultar, somente reiterar uma decisão já adotada e em fase de execução”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Biviany Rojas Garzon enfatiza que “depois de mais de 20 anos de redemocratização no Brasil, os direitos de uns valem mais que os de outros, o setor energético continua blindado sem participação nenhuma da sociedade civil, os processos de licenciamento ambiental são formais e irrelevantes e as decisões políticas anulam a atuação do poder Judiciário deixando povos indígenas e ribeirinhos indefensos diante do autoritarismo como o atual governo brasileiro pretende executar seus planos de obras na Amazônia”.
Biviany Rojas Garzon é advogada e cientista política, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília – UnB e assessora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual foi sua reação ao saber que a desembargadora do Tribunal Regional Federal – TRF, Maria do Carmo, votou contra a realização da Consulta Prévia dos povos indígenas no caso de Belo Monte?
Biviany Rojas Garzon – Infelizmente, a desembargadora Maria do Carmo teve pouquíssimo tempo para compreender o objeto da ação. Ela foi convocada para participar do julgamento na última hora, no lugar do desembargador titular João Batista Moreira, que passou mal poucos minutos antes de seu início. A falta de conhecimento da desembargadora em relação à matéria ficou comprovada durante a leitura de seu voto, superficial e incoerente que tomou apenas 15 minutos.
A verdade é que Maria do Carmo proferiu tal voto sem sequer ter lido a legislação específica aplicável ao tema, o que é, no mínimo, temerário. A falta de compreensão acerca do projeto de engenharia da usina e do objetivo do parágrafo 3º, artigo 231 da Constituição, e da própria Convenção 169 levou a desembargadora a proferir um voto imprudente, num caso de grande significância para o futuro não só dos povos indígenas do país, mas também da democracia brasileira.
Maria do Carmo considerou suficiente verificar no mapa que nem a barragem nem os reservatórios projetados estão localizados no interior de terra indígena. Dessa forma, concluiu que a consulta às comunidades afetadas não seria necessária porque, segundo sua interpretação, nesse caso, a autorização para o Congresso Nacional seria dispensável. O que simplesmente comprova sua falta de entendimento tanto do projeto como do dispositivo constitucional que obriga ao congresso autorizar o aproveitamento de recursos hídricos de terras indígenas para a geração de energia. No caso de Belo Monte, o rio Xingu é desviado do interior das ierras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande, o que é mais que suficiente para a aplicação do dispositivo constitucional.
IHU On-Line – A desembargadora declarou que “pouco importa quando os índios serão ouvidos, se antes ou depois da autorização do Congresso”. Qual a importância deles serem ouvidos antes de se iniciarem as obras?
Biviany Rojas Garzon – Provavelmente, foi a falta de conhecimento sobre direitos indígenas que levou a desembargadora Maria do Carmo a desconsiderar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, já incorporada à legislação brasileira. A simples leitura dessa norma poderia ter evitado que a desembargadora cometesse graves impropriedades jurídicas, tais como afirmar que a consulta tem um valor meramente informativo e que ela pode ser realizada posteriormente à decisão legislativa que afeta diretamente povos indígenas.
O artigo 6° da Convenção 169 afirma explicitamente que o Estado tem a obrigação de “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
O texto do artigo diz ainda que “as consultas realizadas deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”.
A consulta deve existir a partir das próprias decisões de planejamento que envolvem terras indígenas ou regiões no entorno delas. É um grave erro achar que o licenciamento de empreendimentos é um lugar adequado para fazer consulta sobre decisões que não são suscetíveis de mudança. Fazer isso é um ato de má fé. O governo, que somente fala com os índios na hora de definir o Plano Básico Ambiental – PBA, não está consultando nada; somente está negociando mitigações e compensações de decisões sobre as quais os povos indígenas não tiveram nenhum poder de incidência e que vão mudar seus territórios, recursos e futuro coletivo para sempre.
O direito de consulta dos povos indígenas não significa vetar, mas sim implica um poder incontestável de influência por parte dos povos indígenas nas decisões administrativas e legislativas que os afetam diretamente. Os acordos entre o governo e os povos indígenas são vinculantes e devem ser respeitados pelas partes. Isso faz parte de um princípio universal denominado pacta sunt servanda; ninguém deveria questionar o fato de que o produto de um acordo é obrigatório, nem insistir em interpretar isso como poder de veto para fazer aparecer a reclamação dos povos indígenas como radicalismo político e incompetência de negociação. Essa interpretação que justifica a negação do direito de consulta por considerar ele impraticável é tendenciosa.
As decisões submetidas à consulta tem que estar abertas a modificações. Não podem ser apresentadas decisões imutáveis ou fatos consumados aos processos de consulta. Nesses últimos casos, o que o governo vai consultar, visto que tudo já está decidido? É um ato de má fé chamar uma consulta sem o intuito de realmente consultar, negociar e modificar a decisão, objeto da consulta. Fazer o contrário é o que a desembargadora Maria do Carmo propõe sobre Belo Monte: consultar um fato consumado!
No licenciamento ambiental, o poder de influência dos povos indígenas está limitado às decisões sobre mitigação e compensação de danos. Eles têm o direito a ser consultados sobre a própria decisão de construir ou não os empreendimentos, não unicamente a aceitar as medidas de mitigação. Por isso a importância da consulta no momento da autorização do Congresso Nacional quando o projeto ainda está na fase de planejamento, assim como a evidente necessidade de consultar as decisões que fazem parte do processo de planejamento energético quando se avaliam bacias hidrográficas com presença de povos indígenas. É claro que uma consulta bem conduzida na fase do planejamento pode evitar que o Estado insista em empreendimentos com altos custos socioambientais, ao mesmo tempo que pode minimizar conflitos e prever alternativas para geração de energia em tempo hábil para viabilizar sua implementação. Grande parte dos conflitos a respeito tem sua explicação na forma em que o planejamento energético do país exclui instâncias participativas e deliberativas com a sociedade civil. É irônico afirmar isso, mas o principal problema do setor energético no Brasil é a ausência absoluta de democracia tanto no planejamento como na execução, e não só com relação aos povos indígenas, as também em relação à sociedade brasileira como um todo.
IHU On-Line – A senhora esteve em Altamira recentemente. Qual a situação das comunidades que moram na cidade? De que maneira as obras da hidrelétrica estão modificando a região?
Biviany Rojas Garzon – O caos é total. Nada funciona em Altamira. A cidade está enlouquecida. Se a empresa e o governo tivessem cumprido suas responsabilidades com relação às “ações antecipatórias”, que deviam preparar a região para receber o empreendimento, tudo poderia ser muito diferente. Entre as condicionantes da Licença Prévia está incluída a obrigação de preparar a região com obras de saneamento básico, infraestrutura, saúde, educação, segurança pública etc. Nada disso foi feito. Devia acontecer antes das obras começarem. Por que não aconteceu? Por que essa pressa toda, se sabemos que a precariedade da presença do Estado região é incapaz de suportar um aumento de mais de 100 mil pessoas em 5 anos? A crise é tão evidente e foi tantas vezes advertida que a própria prefeitura de Altamira (historicamente a favor da implantação do empreendimento) solicitou parar as obras até o cumprimento dos acordos e compromissos das “ações antecipatórias” para mitigar os impactos sobre a população da cidade e, mesmo assim, a licença de instalação foi emitida pelo Ibama. Por quê? Muitas perguntas sem resposta.
Ninguém se explica para que foram incorporadas 40 condicionantes socioambientais na Licença Prévia. Independentemente de seu atendimento, o Ibama liberou as obras através da emissão de um licença de instalação “parcial”, que nem existe na legislação brasileira, e posteriormente emitiu uma licença de instalação integral apesar de comprovar que as condicionantes da Licença Prévia não tinham sido atendidas. Ninguém que acompanha o processo entendeu nada. Os pereceres técnicos do Ibama e da Funai advertiram na época que as condições para instalar a obra não eram adequadas, não obstante as presidências dos respectivos órgãos autorizam sua instalação reiterando grande parte das condicionantes da Licença Prévia na Licença de Instalação. Infelizmente, Belo Monte é muito pior que a obra em si; ela é o símbolo do fim das instituições ambientais no Brasil. O licenciamento ambiental e seus instrumentos de controle foram jogados no lixo na pressa de construir a hidrelétrica a qualquer custo.
IHU On-Line – Como e quais comunidades indígenas serão afetadas pela construção de Belo Monte?
Biviany Rojas Garzon – As terras indígenas consideradas diretamente afetadas pela Funai são: Paquiçamba; Arara da Volta Grande do Xingu (Maia); Juruna do km 17; Trincheira Bacajá, Kararaô, Arawaté do Igarapé Ipixuna, Koatinemo, Cachoeira Seca, Arara e Apiterewa. Não obstante, todos os povos indígenas da bacia do Xingu e as comunidades ribeirinhas e extrativistas que moram na região terão que suportar as pressões derivadas do adensamento populacional sem estrutura adequada na região. É necessário lembrar que essa é a mesma região que ainda sofre os impactos da transamazônica e para a qual a Funai ainda não conseguiu executar as condicionantes básicas e anteriores à instalação do empreendimento, como a desintrusão das terras indígenas Cachoeira Seca e Apiterewa. Não tem sido garantido aos povos locais sequer a posse da suas terras em um contexto de acirramento dos conflitos agrários pelo aumento populacional.
IHU On-Line – Quais são os principais equívocos em torno da decisão de construir Belo Monte?
Biviany Rojas Garzon – O autoritarismo da decisão, sem consultar os indígenas diretamente afetados, sem realizar audiências públicas decentes e participativas, sem dar resposta aos estudos independentes que questionavam o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental, sem se manifestar à sociedade civil, que resiste aos barramentos dos rios na Amazônia e gostaria de ver a avaliação concreta de alternativas para atender à demanda de energia do país. Belo Monte é uma obra feita na força do poder e à margem da democracia.
IHU On-Line – Em que sentido Belo Monte demonstra, como a senhora diz, “as fragilidades do Estado de Direito” brasileiro?
Biviany Rojas Garzon – No sentido em que todas as instituições democráticas construídas depois da ditadura foram questionadas em sua integridade para insistir na construção da usina. Belo Monte quer ser construído pelo governo Dilma, apesar da 12a Ação Civil Pública do Ministério Público Federal; apesar de medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; apesar de pareceres técnicos do Ibama e da Funai contrários ao empreendimento; apesar de não ter empreendedores privados para tocar o empreendimento e garantir o financiamento público com o BNDES sem avaliação de risco; apesar de não produzir toda a energia prometida; e apesar dos direitos de mais de 300 mil pessoas que moram na região e que, hoje, são vitimas do caos de uma obra mal planejada e autoritária. Depois de mais de 20 anos de redemocratização no Brasil, os direitos de uns valem mais do que os de outros; o setor energético continua blindado sem participação nenhuma da sociedade civil; os processos de licenciamento ambiental são formais e irrelevantes e as decisões políticas anulam a atuação do poder Judiciário. Belo Monte é o grande monstro para a democracia brasileira. O rio Xingu, as populações ribeirinhas e os indígenas fazem parte de um patrimônio de sociobiodiversidade que a Constituição Federal de 1988 reconheceu e valorou, mas que o governo desdenha como um obstáculo ao “desenvolvimento do país”.
Fonte: Ecodebate, 14/12/2011 publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

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