por Paulo Kliass
A posição do Brasil no cenário internacional tem evoluído
de forma significativa ao longo dos últimos anos. E não me refiro aqui às
conseqüências negativas advindas da opção por um modelo ancorado na exportação
de produtos primários e de baixo valor agregado. E que apresenta como
contrapartida perversa o aumento da importação de produtos fabricados no
exterior. Já discuti muito a respeito dos riscos que essa estratégia provoca em
termos de insegurança quanto ao setor externo de nossa economia, do
desequilíbrio da balança comercial e de serviços, do processo de
desindustrialização y otras cositas más.
Mas, nesse artigo, o que gostaria de ressaltar agora é a
imagem que o nosso País tem conseguido transmitir para o exterior – em especial
para os países envolvidos com a crise financeira global – a respeito da
implementação de uma alternativa de política econômica, que permita superar a
conjuntura de crise e que crie condições para o salto para frente.
A realidade é que a maioria dos países industrializados
não conseguiu suplantar os obstáculos do quadro atual por meio de uma política
afirmativa, que implique a busca do crescimento econômico. Isso não significa
que todos tivessem ao alcance das mãos de seus governos a oportunidade que se
abriu para o Brasil. Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, por exemplo, a
situação de crise das instituições financeiras e os efeitos de sua condição
falimentar sobre o restante da economia foram fatais para o aprofundamento do
quadro recessivo.
No caso brasileiro, como o grande negócio dos bancos era -
e continua a ser - o oferecimento de recursos de intermediação financeira ao
governo para sustentar a dívida pública a juros astronômicos, tais instituições
nem se davam muito ao trabalho de fazer o que todo banco que preza costuma
fazer: recolher recursos de quem quer aplicar em poupança e emprestar os mesmos
para quem necessita de empréstimo e financiamento. Exatamente por esse desvio
de função e acomodação, os bancos que operam no País acabaram por não entrar
tão profundamente no jogo da superexposição de suas posições a descoberto, como
ocorria com seus congêneres nos países mais avançados.
No primeiro momento da crise em 2008, teve início uma espécie
de auto-crítica generalizada de alguns dos fundamentos teóricos e práticos de
toda a época de hegemonia do neoliberalismo. Por todos os cantos do planeta
assistia-se a um verdadeiro festival de “mea culpa” levado a cabo por
pesquisadores, economistas, responsáveis governamentais, formadores de opinião
e similares. Percebia-se uma oscilação que ia desde a postura oportunista de
mudança de discurso de última hora até reconversões mais autênticas e sinceras
de posições a respeito do temas em questão.
A crença absoluta no “deus-todo-poderoso-mercado” foi
bastante relativizada como solução inequívoca para toda e qualquer crise
econômica. A inabalável idéia de que bastava deixar a livre atuação das
chamadas forças de oferta ou de demanda para encontrar um equilíbrio foi aos
poucos sendo abandonada. O Estado passou a ser chamado para oferecer sua
contribuição nos campos mais diversos, como regulação e fiscalização da
economia, estabelecimento de políticas públicas em inúmeras áreas,
implementação de medidas de política industrial, estímulo setorial via
subsídios e incentivos orçamentários, entre tantos aspectos. O mundo saía de um
contexto dominado pelo radicalismo liberal e se dirigia para um quadro mais
mitigado por algumas medidas e idéias da corrente chamada genericamente de
keynesiana ou heterodoxa.
Uma frase do ex-presidente Lula tentava definir a forma
como o governo brasileiro via aquele momento. O tsunami que atingia os pólos
mais importantes do mundo iria terminar no Brasil como nada mais do que uma
simples marolinha... Para tanto, houve uma importante reviravolta também aqui
dentro, em termos de orientação de política econômica. As principais lições da
saída de 2008 foram a retomada dos investimentos públicos, a recuperação do
papel do Estado e a política de isenções tributárias para manter ritmo de
atividade industrial e produtiva. Porém, uma parcela importante da política
econômica do governo continuou sendo dominada pelos representantes do capital
financeiro, bem instalados no Banco Central e sua política monetária, na figura
de Henrique Meirelles. Com isso, permaneceu inalterada a tendência de
manutenção de taxas de juros elevadas. O Brasil perdia outra grande
oportunidade oferecida de bandeja pela conjuntura internacional para promover
uma redução significativa em suas taxas reais de juros.
De todas as maneiras, apesar de não manter níveis de
crescimento do PIB do porte da China, Índia ou mesmo países da América Latina,
o País não conheceu um processo recessivo. A economia teve a sua performance comprometida
em 2009, mas voltou a crescer em seguida. Ao lado de todas as medidas acima
descritas, o segredo foi também a manutenção de políticas de transferência do
tipo Bolsa Família, além de mecanismos de valorização dos rendimentos da
maioria da população, como a valorização do salário mínimo e dos benefícios da
previdência social. Ao perceber as turbulências no cenário externo, a opção do
governo foi pela necessidade de buscar uma saída via mercado interno. Pelo lado
da concessão de crédito para as grandes empresas, o BNDES foi revigorado e
converteu-se em importante agente assegurador dos recursos que a banca
tradicional continuava se recusando a oferecer aos agentes econômicos.
Com o ressurgimento da nova onda da crise em 2011, agora
mais centrada no espaço econômico europeu, mais uma vez o Brasil corre o risco
de sofrer os efeitos negativos desse quadro recessivo generalizado no mundo
dito desenvolvido. Tendo por base a experiência adquirida ao longo dos últimos
anos, os responsáveis pela área econômica tentam minorar internamente os
efeitos negativos da crise internacional. No entanto, a impressão que se tem é
que o governo apenas corre atrás dos fatos, sem ter muito claro um norte, uma
estratégia clara a seguir. Existe uma espécie de acomodação em repetir o
cardápio oferecido há 3 anos atrás. Tenta-se a manutenção da política de
valorização de rendas, mas que foi contida em 2011 com reajustes irrisórios no
salário mínimo e nas aposentadorias, mas que deve voltar a ser mais ativa no
próximo ano. O risco maior é de se entrar unicamente no ritmo determinado pelo
calendário externo a um projeto de governo: eleições municipais de 2012, Copa
do Mundo 2014 e por aí vai.
Um aspecto, porém, é bastante diferenciado da estratégia
passada e merece destaque. Trata-se de uma política mais efetiva de redução da
taxa SELIC, ainda que muito distante do ritmo necessário e possível de ser
implementado. Não obstante as decisões recentes do COPOM, o Brasil continua
campeão mundial na taxa de juros. Tal opção deliberada de diminuição paulatina
da taxa oficial de juros pode contribuir sob 2 aspectos. De um lado, permite ao
governo federal a diminuição do volume de gastos orçamentários com pagamento de
juros e serviço da dívida pública. De outro lado, pode operar como fator de redução
do custo dos empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. Porém, a medida
por si só não basta. É fundamental que os bancos públicos federais, como o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, sejam orientados pelo governo a
reduzirem seu “spread” nas operações de crédito, de forma a obrigar os bancos
privados a seguirem pelo mesmo rumo. Por outro lado, é essencial que os
recursos orçamentários que surgirem com a economia dos juros sejam efetivamente
utilizados no gasto social e não direcionados para outras operações na esfera
do circuito financeiro.
A Presidenta Dilma segue o mesmo figurino que Lula,
tentando estimular o conjunto da sociedade a não se deixar abater pela crise
externa. No entanto, devemos ressaltar que não basta apenas ficar no discurso
de estimular o consumo. Algumas frases e discursos proferidos em situações
especiais ao longo as últimas semanas dão a mostra da reação da ocupante do
Palácio do Planalto:
“Dificilmente se sai de uma crise sem aumentar
o consumo, os investimentos e o nível de crescimento.” (3/10)
“Temos que continuar investindo, consumindo, o
governo fazendo projetos de infraestrutura e o microempreendedor continuar
produzindo.” (10/11)
“Diante dessa crise, o Brasil tem todas as
condições de continuar crescendo, com seu povo consumindo e suas empresas
produzindo.” (28/11)
A postura de Dilma é adequada e didática. Inclusive,
quando falou em viagem durante viagem ao exterior, oferecendo a “receita
brasileira” para os governantes dos países europeus. E nosso País passou a ser
cada vez mais respeitado nos foros internacionais, em razão também da forma
como logrou evitar que os efeitos mais perversos da crise fossem aqui sentidos.
É carregada de forte simbolismo a disposição de nosso governo até de ajudar
financeiramente os países mais frágeis do espaço europeu.
Porém, não é suficiente a repetição da ladainha do
“chamamento do povo a consumir mais e mais”. O essencial da equação é que sejam
viabilizados os recursos e os projetos para alavancar os níveis de
investimento, de forma a assegurar um processo sustentado de desenvolvimento no
longo prazo. Tanto em termos de aumento de infra-estrutura de forma
generalizada pelo Brasil afora, como de modernização e ampliação de nosso
parque industrial e de serviços. A política dita “keynesiana” de manutenção da
demanda agregada como forma de evitar a recessão e o desemprego não se traduz
apenas em aumentar o consumo corrente. Inclusive porque, a se manter inalterada
a atual matriz de nossa oferta de bens e serviços, os principais beneficiários
dessa atividade consumidora são os países de onde importamos boa parte de
nossos produtos manufaturadores – China e demais parceiros menos importantes.
E isso tudo sem mencionar a urgência em se modificar de
forma estrutural os elementos de natureza social, econômica e cultural de um
modelo marcado por um consumismo exacerbado, que não se revela como sustentável
no longo prazo. É essencial um esforço hoje, lançar agora as bases agora de um
novo sistema produtivo, com nova matriz energética, com novos conceitos de vida
útil das mercadorias, onde a questão da qualidade se sobreponha à quantidade. E
isso significa uma ruptura com o paradigma de consumo atual, que é – na verdade
- coisa do passado. Para tanto, é essencial assegurar programas de investimentos
pesados em educação e ciência, tecnologia e inovação. Assim, quando o governo
insiste na mesma tecla e apenas exorta a população a aumentar seu nível de
consumo, o faz com base em um modelo ultrapassado, que não se sustenta para as
gerações do futuro.
É mais do que correta a preocupação de Dilma em oferecer
uma alternativa às propostas ortodoxas e recessivas dos países centrais, que
voltam a ganhar força por intermédio da pressão da tecnocracia da União
Européia e de seu Banco Central. No entanto, sou obrigado a repetir que não
basta apenas aumentar o consumo. Já se falou à exaustão a respeito da
curiosidade (mais do que significativa, aliás!) de que “crise” e “oportunidade”
podem ser expressos na língua chinesa pelo mesmo ideograma. A grande sabedoria
da verdadeira liderança é reconhecer que a suposta adversidade da conjuntura
atual pode servir, sim, como catalisador de processos de grandes mudanças.
Paulo Kliass é Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor
em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate
Aberto, 01/12/2011
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