A estratégia da despolitização da crise política
por Maria Inês Nassif
O que causa espécie nas crises políticas
enfrentadas pela presidenta Dilma Roussef desde 1° de janeiro até o mês que
encerra 2011 é a sua estratégia, até agora bem-sucedida, de despolitizar a
ofensiva sistemática aos integrantes de seu Ministério pela imprensa, por
partidos aliados ou, em menor intensidade, por partidos adversários. Na
verdade, a despolitização é o resultado mais evidente do comportamento da
presidenta, de substituir ministros num prazo não tão pequeno que pareça
rendição aos ataques ou dê a impressão de que suprimiu direito de defesa do acusado,
nem tão grande que pareça que vá comprar a briga por um subalterno.
De qualquer forma, um comportamento político
previsível como este não deixa de alimentar, do lado da imprensa, a vaidade do
poder que decorre de uma derrubada de ministro; e, dos "amigos" do
poder, a tentação de aproveitar as oportunidades que se colocam para ocupar
espaços dentro de seu partido ou em favor da sua legenda na base de apoio do
governo.
Para ambos, amigos e inimigos, prevalece a
estratégia do "vazamento" de informações; a mídia entra com a
escandalização do fato, existam ou não indícios de crimes cometidos (a
estratégia da repetição é muito eficiente nisso).
Até agora, houve despolitização porque a presidenta
tem demitido o auxiliar sob a mira dos atiradores de elite antes que o ataque
especulativo ao governo não resulte em um grande desgaste. Convenha-se, no
entanto, que a soma de pequenos desgastes resultantes da queda de sete
ministros, com grandes chances de emplacar um oitavo, acaba, no mínimo,
colocando o governo em constante defensiva. A opção de ir levando a
administração com as orientações políticas emanadas do Palácio do Planalto, as
soluções técnicas gerenciadas pela Casa Civil e uma gestão mais coesa das
políticas econômica e monetária, reduzindo a importância dos ministros impostos
pelos partidos da bases aliada, tem lá os seus limites.
Outra razão da despolitização é o estado de
pauperização da oposição, que saiu pequena das eleições do ano passado e se viu
ainda mais desimportante depois do racha do DEM, patrocinado pelo prefeito
paulista Gilberto Kassab. A ofensiva oposicionista parte da imprensa, mas a
denúncia, vinda de fora dos partidos e ao estilo" imprensa marrom",
como já designava Antonio Gramsci no início do século passado, tem bastante eficiência
na formação de consensos.
Por enquanto, os consensos são sedimentados na
parcela que lê jornal ou acessa mídias tradicionais - que no caso brasileiro é
muito restrita, perto dos muitos recém-letrados que não entraram apenas na
sociedade de consumo de bens duráveis, mas também na sociedade de consumo de
cultura, mas pela porta da internet - são o de que todos os partidos são iguais
(ou a esquerda no poder se corrompe mais do que a direita, portanto todo poder
à direita); e que a democracia tem uma eficiência questionável do ponto de
vista ético.
Mais adiante, depois de mais alguns ministros
derrubados, pode consolidar-se o consenso nessa classe mais tradicional (que
tem mais tempo de vida na sociedade de consumo e consome mais) de que Dilma é
boa técnica, mas está inviabilizada pela política. Agora, a moda é bater no
"presidencialismo de coalizão", como se o problema fossem as
alianças, e não a excessiva exposição dos partidos ao poder econômico, via
financiamento privado de partidos e de eleições.
Quando despolitiza esse debate, colocando-o apenas
na órbita das suspeitas que devem ser investigadas pela polícia e apuradas pela
Justiça, Dilma se afasta dos partidos políticos que podem prejudicar a sua
imagem perante a opinião pública que forma consensos via mídia tradicional (sem
que possa prever até quando conseguirá separar os partidos da base aliada de
seu governo). Perde, todavia, a autoridade política para discutir, junto aos
partidos, soluções estruturais para a renovação da estrutura partidária
brasileira. Se a postura diante das sucessivas crises com os partidos tivesse
sido a de assumir a discussão sobre as necessidades de financiamento do sistema
que colocam a política no submundo da economia, poderia ter liderado um debate
sobre a reforma política mesmo arriscando contrariar parte da base aliada.
Somente a Presidência da República tem, hoje, um
poder de agendamento político que pode se contrapor ao da mídia - os veículos
tradicionais podem estar ilhados, como formadores de opinião, nas classes
tradicionais, mas ainda têm grande poder de definir os temas da agenda. Tanto
que as denúncias contra ministros pautaram o cenário nacional, enquanto corria
paralelamente no Congresso, a duras penas e sem qualquer ajuda do governo, o
debate sobre a reforma política, adiado, como sempre, para outra oportunidade.
A neutralização "técnica" dessas
denúncias, como lembrou Luís Nassif ontem (7/12), em seu blog, foi de alguma
forma sustentada pela gestão econômica. Com a errada de mão da política de
juros do BC no primeiro semestre, e os resultados pífios de crescimento nesse
final de ano, a eficiência da estratégia de sobrepor a gestão técnica aos
problemas políticos do governo pode ser bem menor. E quando a despolitização
não for mais possível, será mais difícil formular uma agenda política com
partidos desgastados num processo onde o único resultado palpável, até agora,
foi o de questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do
próprio PT.
Maria Inês Nassif é colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.
Fonte: Carta Maior |
Colunistas | Debate Aberto, 08/12/2011
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