por Antonio
Risério
Embora o meu sentimento seja de urgência, quero
conversar com calma, que o assunto é sério: Salvador. Numa de suas peças de
teatro, Shakespeare faz a pergunta fundamental: “O que é a cidade, a não ser as
pessoas?”. E me lembro disso porque nesta semana um amigo me disse, em tom de
quase desencanto: “Nosso maior problema, em Salvador, é que não sabemos nos ver
como cidadãos”. Está certo. E, neste sentido, o maior problema atual de
Salvador somos nós mesmos.
A cara de Salvador não pode ser a da “grand vendeuse”,
a da balconista-mor Ivete Sangalo, em pose autoritária, dizendo a frase
imbecil: “Quem tem força, tem preço”. Em Salvador, hoje, devemos dizer coisa
bem diferente: precisamos levantar a cabeça, recuperar a disposição, buscar o
entusiasmo, nos mobilizar para dizer, alto e bom som, que não aceitamos o que
estão fazendo com a nossa cidade.
Chega de passividade. Se o que está acontecendo com
Salvador (avacalhação e destruição da cidade) estivesse acontecendo em Porto Alegre ,
Curitiba ou São Paulo, não tenham dúvida: gaúchos, curitibanos e paulistanos
teriam subido nas tamancas e saltado na goela da prefeitura.
E nós, não vamos fazer nada? Felizmente, parece que
sim, que é possível. As pessoas começam a protestar aqui e ali. Exemplo disso,
entre outros, foi o artigo que Fredie Didier Jr. publicou neste jornal, no
domingo passado. “Salvador não passa por um bom momento histórico”, escreveu
Didier. “Não falo da crise em sua monumentalidade: Pelourinho abandonado, metrô
inacabado, ruas sujas. Embora grave, este tipo de problema é de solução mais
fácil. Não me refiro, igualmente, à violência que nos assola. A violência
impressiona, mas não destoa do que acontece em outras metrópoles. Falo de outra
espécie de crise, mais profunda e de efeitos mais deletérios. Salvador está em
crise existencial”.
A cidade apequenou-se, conclui Didier. Para, então,
incitar: “Temos de retomar a nossa caminhada e refundar a cidade. Dar início a
uma espécie de Renascença baiana”. Mais: “Salvador merece que façamos tudo isso
por ela e a gente merece voltar a sentir orgulho da nossa cidade”. Perfeito. Já
um outro amigo meu, apropriando-se da expressão hoje em voga para falar das
grandes transformações que rolam no mundo árabe, me apareceu com uma frase
ótima: “Precisamos promover alguma espécie de primavera baiana”. Sim, acho que
está mais do que na hora de começar isso. É claro que não se trata de nenhuma
comparação com o Oriente Médio.
O que queremos é dar um jeito na cidade. Salvador
sofre, hoje, com uma coincidência infeliz: uma desprefeitura que mescla
estupidez e incompetência e um governo estadual omisso diante dos problemas da
cidade (e, como me diz ainda um outro amigo: “Menos com menos só dá mais na
abstração matemática; na vida real, menos com menos dá menos ainda”). Mas não
estamos condenados a assistir a isso sem dizer ou fazer nada. Em nome de nossas
melhores tradições contestadoras, estamos na obrigação de nos mobilizar.
Podemos, sim, promover uma primavera baiana.
Basta querer. Somar as nossas vozes nessa direção.
Na mídia tradicional e na internet. Em blogs, no facebook, no twitter. Vamos
bater na mesa e dizer que cidade nós queremos. Salvador, hoje, não é somente
uma cidade abandonada, que está sendo progressivamente destruída. Mais que
isso: é uma cidade humilhada. E não temos razão alguma – existencial, cultural,
política ou histórica – para engolir esta humilhação. A hora é de aglutinar
protestos isolados, manifestações soltas, vozes pontuais. Ou nos aproximamos e
batemos na mesa, para reverter a situação atual e escorraçar a estupidez e a
inércia, ou a cidade vai naufragar de vez. É hora de Salvador voltar a ser
ativa, altiva e criativa – como já foi em outros momentos.
Em nossa história, temos diversos exemplos de
enfrentamento e superação de reveses e crises. Não é agora que vamos nos
comportar frouxamente, como se esta cidade fosse uma cadela trêmula, com o rabo
entre as pernas – e não o lugar onde teve início a aventura civilizacional
brasileira.
Antonio
Risério,
Escritor, Antropólogo.
O texto foi publicado originalmente no jornal A
Tarde. E-mail: ariserio@terra.com.br
Fonte: Bahia em Pauta | Opinião, 14/12/2011
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