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quarta-feira, fevereiro 23, 2011

quanto menos sentido a vida tem, tanto mais valorizamos o simples fato de sobreviver

Segurança ou liberdade?

As proibições protegem nossa segurança; mas qual liberdade é certo sacrificar para sermos mais seguros?
por Contardo Calligaris
Passei a semana em Nova York e devorei "Só Garotos" (Companhia das Letras), o livro em que Patti Smith, poetisa, artista e roqueira, conta a história de seu amor por Robert Mapplethorpe, desde o encontro dos dois no parque de Tompkins Square, em 1967, até a morte do artista e fotógrafo, 20 anos depois, de Aids.
A leitura conjurou fantasmas de meu passado: como Smith e Mapplethorpe, fui jovem no fim dos anos 60 -e um tempo em Nova York. Vestindo jeans pata-de-elefante e uma jaqueta militar surrada, errei do Brooklyn ao Lower East Side de Manhattan, frequentei o parque de diversões de Coney Island e os inferninhos da rua 42 ao redor de Times Square.
Talvez Smith amenize um pouco os fatos, para proteger a imagem de Mapplethorpe, ou talvez minhas extravagâncias passadas pareçam maiores do que foram (sempre idealizamos nossa rebeldia). Seja como for, lendo o livro, achei que minha turma era, no mínimo, tão louca quanto Mapplethorpe e Smith.
Não penso na promiscuidade sexual ou nas "experimentações" com tóxicos ilícitos. A verdadeira loucura de todos estava na intransigência da liberdade. Smith, numa época em que a fome era violenta, para não desistir (e voltar para a casa dos pais), repetia o mantra "Eu sou livre, eu sou livre".
Essa liberdade corajosamente defendida não se confundia com a preguiça de uma vida à toa. Smith e Mapplethorpe queriam se afirmar como artistas, únicos, diferentes.
Se não se confundiam com os demais, não era por eles não serem devorados por um sonho de sucesso. Ao contrário, suas ambições eram tamanhas que eles estavam dispostos a lhes sacrificar todo conforto e segurança. Nisto eram diferentes: não havia preocupação com conforto e segurança que pudesse induzi-los a moderar a liberdade de seus sonhos.
Todos nós fumávamos como se o tabaco fosse um vegetal em extinção (será mesmo que não sabíamos que era nocivo?). Transávamos sem camisinha e ao deus-dará (tudo bem, não havia Aids, mas havia gonorreia, sífilis, chatos e maníacos sanguinários). Dirigíamos com o pé na tábua (não havia limites de velocidade, mas sabíamos como tinham morrido James Dean e Albert Camus). Cuidado, não havia nada de suicida nessas atitudes: ao contrário, viver nos importava muito -sobreviver, muito pouco.
Em Nova York, mexi em pertences e documentos de meu filho -claro, a pedido dele. Aprendi assim que, nos anos em que morou em Nova York, apesar de minha oposição furiosa, ele tinha uma motocicleta. Passei da irritação ao riso: justamente em 1967, em Ibiza, num estado mental nada indicado para pilotar, eu aluguei uma moto e abracei uma árvore a 60 por hora -sem capacete.
Imediatamente, de Nova York, postei no meu Twitter (@ccalligaris): Sem dúvida, as proibições podem aumentar nossa segurança. Mas que liberdades seria correto sacrificar para sermos mais seguros?
Alguns lembraram uma frase de Benjamin Franklin: os que renunciassem à liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não mereceriam nem a liberdade nem a segurança.
1) As liberdades "inessenciais" são apenas aquelas às quais já renunciamos, covardemente. 2) Há 20 ou 30 anos, estamos no meio de uma negociata, da qual sairemos com alguma segurança e liberdade nenhuma. Não vou exemplificar: só faça a lista das atividades que, 30 anos atrás ou menos, não eram sequer regulamentadas.
Na luta entre segurança e liberdade, a liberdade está sempre em desvantagem, pois, assim que começarmos a prezar a segurança, como correremos algum risco para defender nossa liberdade?
Alguém observará que os "garotos" sempre vivem como se não houvesse amanhã. Concordo, mas não acho que seja apenas porque, em tese, eles estão ainda longe da morte.
Há uma outra razão. 1) Em geral, a juventude é o tempo durante o qual mais acreditamos num sentido da vida; 2) o que dá sentido à vida também dá sentido à morte: sempre vale a pena arriscar a pele por uma ideia ou esperança que pareça justificar a existência (no caso de Mapplethorpe, vale a pena sacrificar-se pela arte); 3) inversamente, quando não acreditamos num sentido, estamos muito preocupados com nossa segurança, pois este é o paradoxo: QUANTO MENOS sentido a vida tem, TANTO MAIS valorizamos (mesquinhamente) o simples fato de sobreviver. 
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 27/01/2011

terça-feira, janeiro 18, 2011

Como se aprende a esperar?

“A arte genuína não conhece nem fim nem intenção”

“A arte genuína”, afirmou o mestre, “não conhece nem fim nem intenção. Quanto mais obstinadamente o senhor se empenhar em aprender a disparar a flecha para acertar o alvo, não conseguirá nem o primeiro e muito menos o segundo intento. O que obstrui o caminho é a vontade demasiadamente ativa. O senhor pensa que o que não for feito pelo senhor mesmo não dará resultado.”
“Mas o senhor mesmo me disse muitas vezes que a arte do arqueiro não é um passatempo,  um jogo carente de finalidade, mas uma questão de vida ou morte.”
“Eu não me desminto. Nós, os mestres-arqueiros, dizemos: um tiro, uma vida! Talvez lhe seja difícil compreender isso, mas posso ajudá-lo com outra imagem que expressa a mesma vivência. Nós dizemos que com a extremidade superior do arco o arqueiro trespassa o céu; na inferior está suspensa, por um fio de seda, a terra. Se o tiro for disparado com violência, existe o perigo de que o fio se rompa. Para o voluntarioso e agressivo, o abismo será, então, definitivo, e ele permanecerá no centro fatal, entre o céu e a terra, sem jamais vir a conhecer a salvação.”
“Então, o que devo fazer?”
“Tem que aprender a esperar.”
“Como se aprende a esperar?”
“Desprendendo-se de si mesmo, deixando para trás tudo o que tem e o que é, de maneira que do senhor nada restará, a não ser a tensão sem nenhuma intenção.”
“Quer dizer que devo, intencionalmente, perder a intenção?”
“Confesso-lhe que jamais um aluno me fez tal pergunta, de maneira que não sei respondê-la de imediato.”
“Quando começaremos com novos exercícios?”
“Espere até que chegue o momento.”
.
(Eugen Herrigel, em "A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen")
Fonte: Boca do Mangue, 16/01/2011

domingo, outubro 24, 2010

uma constatação tão perspicaz

Tropa de Elite 2 – A saga do “herói brasileiro” e o quanto há de política na afirmação de que “filme é apenas arte”
por Fabiana Melo Sousa

Assistir o filme “Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro” e não fazer comparações com o primeiro é tarefa muito difícil, tanto no que diz respeito à estética quanto à repercussão da opinião pública a respeito da violência no Rio de Janeiro. Mas será possível encaminhar uma análise destas duas instâncias de forma separada? Talvez a maior indagação seja: quais são os limites que separam arte e política?
No início do filme somos avisados que “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”. Esta é a primeira imagem-aviso que recebemos numa afirmação diagética do espaço onde estamos: expectadores numa sala escura, comendo pipoca numa tarde de sábado. E somos muitos: 3 milhões em menos de uma semana de exibição, chegando ao valor de R$30 milhões arrecadados com a bilheteria do filme, somente na primeira semana de exibição. 
        Mas o que leva tantas pessoas ao cinema? Em primeiro lugar, o tema do filme é mais do que nacional. Ao contrário dos discursos hegemônicos de que brasileiro só gosta de filmes estrangeiros e de que estamos cansados de tanta violência sobre o Brasil no cinema, o longa retrata a crise que as grandes cidades brasileiras estão passando hoje, transformando-se em palco principal dos contrastes sociais que o país vive, em que a riqueza e beleza, no caso de Tropa, da cidade maravilhosa, convivem lado-a-lado com as favelas.
O argumento da obra tem como principal pensador o ex-comandante do BOPE do Rio de Janeiro, Rodrigo Pimentel, e mostra neste cenário desigual um policial humanizado como protagonista desta cidade em crise. Esta saga do “herói brasileiro” é novamente vivida por Wagner Moura que dessa vez traz uma densa atuação, conforme o filme pede, com uma expressão corporal que diria tudo por si, mas que fica prejudicada em diversos momentos por uma maquiagem exagerada.
Nosso herói agora está com outros problemas: separado de sua esposa Rosane interpretada por Maria Ribeiro, ela agora é casada com Fraga (Irandhir Santos), um militante de direitos humanos e um dos maiores críticos da atuação do BOPE que mais tarde candidata-se a deputado estadual, tentando instaurar uma CPI para investigar as milícias do Rio de Janeiro. É claro que este conflito confunde-se entre ideológico e pessoal quando o que está em questão é o filho de Nascimento e sua formação de opinião quanto ao trabalho de seu pai. 
        Um homem que, primeiramente, precisava escolher entre a ética que envolve seu trabalho e o futuro de sua família, agora vive um policial maduro e vê a sua crença de colocar ordem nesta sociedade corrupta através de sua “tropa de elite” cair por terra ao descobrir que existe uma lógica de sistema que sustenta toda esta desordem. Lógica que é maior do que a relação dualista e estreita entre bandido (traficante e policial corrupto) e mocinho (o policial do BOPE). O Capitão Nascimento agora está dentro do sistema e, ao tentar combatê-lo, percebe que a corrupção está em seu cerne. Muito tarde, o militar se dá conta de que ela não é um defeito, mas sim parte da concepção de Estado que é exercida neste país. “O inimigo agora é outro” aponta o próprio título do filme.
Nosso herói agora está arrependido e tenta de muitas formas desfazer o mal feito, mas percebe que o problema é muito mais grave do que imaginava, pois está cercado de inimigos: o governador que apoia a milícia por questões eleitorais, os deputados estaduais que ganham muito com a ascensão da milícia e todas as outras figuras conhecidas, até a mídia que atua como poderosa arma na opinião pública para legitimar a violência.
      A sensação de impotência diante de algo que já está ali há muitos anos sendo vivenciado pelo herói é claramente identificada pelo expectador. Quem de nós como cidadãos brasileiros nunca tivemos essa sensação numa fila de hospital público ou ao tentar educar nossos filhos nas escolas do Estado. Para os poucos que chegam à universidade é de indignar ver a estrutura física das instituições de ensino sucateadas ou mesmo, quando no limite desta questão, sofremos com a violência propriamente dita, executada por aqueles que cedem ao abandono da humanidade e se assumem como parte da barbárie com o outro. 
A estética documental que é mantida neste segundo filme também ajuda muito na aproximação com a “realidade” e na simpatia dos 3 milhões de expectadores. 
          A fotografia lavada de Lula Carvalho, onde as imagens não são retocadas deixam um clima tenso e ao mesmo tempo parece que estamos assistindo cenas que vimos todos os dias nos noticiários. A câmera é inquieta e em algumas sequências a instabilidade do enquadramento chega a incomodar, como é o caso da primeira, que retrata uma rebelião numa penitenciária. 
     Daniel Rezende respeita o tempo interno que o filme exige numa montagem, valorizando os atores em cena e dando maior intensidade à câmera perturbadora e com movimentos inquietos, que também são explorados em primeiríssimos planos nos momento em que Nascimento conversa sobre seu filho com sua ex-esposa.
O elenco como um todo é atravessado pelo trabalho de Fátima Toledo que mais uma vez deixa sua marca na preparação de elenco em filmes que exigem dos atores intensidade e entrega total para viver o instante das cenas: suas vozes, posturas e olhares passam para o expectador todos os incômodos e emoções possíveis, principalmente nas cenas de violência explícita, assim como nos diálogos improvisados que marcam muitos momentos do filme.
Mas será que estes elementos estéticos do filme dão conta de responder a pergunta: o porquê de o público brasileiro identificar-se tanto com Tropa de Elite 2? Estes elementos fílmicos nos levam a outra pergunta: o que estes elementos em conjunto contribuem ou não para a nossa construção de mundo que por sua vez influenciariam em nossa construção política de mundo?
Esta questão não é só de quem escreve estas palavras, a declaração do atual comandante do BOPE, Paulo Henrique Moraes também aponta esta preocupação, pois ele mesmo declarou em entrevista coletiva sobre o filme no dia 14/10/2010 que, ao misturar ficção e realidade, o filme pode vir a confundir a opinião dos expectadores. Atrevo-me a afirmar que o capitão pode estar certo e errado ao mesmo tempo.
O grande incômodo que o primeiro filme “Tropa de Elite” causou nos grupos de direitos humanos foi exatamente a respeito de sua estética documental que aproximava acontecimentos reais vividos pela sociedade carioca, que era o caso da guerra entre o tráfico de drogas do Rio de Janeiro e a relação com a polícia, mas que tinha como pano de fundo a saga de um herói que em muitos momentos aparecia em cenas de tortura. Não são necessários estudos muito profundos para perceber o quanto o personagem Capitão Nascimento caiu no gosto popular: fantasia de carnaval da tropa de elite, o jargão “pede pra sair” que estava na boca das crianças e mesmo a opinião pública a favor da atuação da polícia nas favelas são sinais do quanto a população como um todo foi influenciada pelo o que o filme retratou. Sobre este aspecto, talvez o atual comandante tenha razão.
O fato da produção do segundo filme ter esperado as eleições passarem para ser lançado pode ter explicações políticas também: seus personagens são idênticos a algumas personalidades públicas do atual cenário carioca, principalmente os que representavam o corpo político de nossa câmara de vereadores. 
O desfecho do filme também traz uma mensagem explícita: sobre o Planalto do Palácio em Brasília, Capitão Nascimento em off narra a verdadeira raiz da falha das políticas de segurança pública do país, que é não conseguir chegar ao verdadeiro crime organizado. Se as investigações fossem levadas a sério iriam chegar aos senadores, à bolsa de valores e às grandes esferas de poder do Brasil e do mundo.
Neste sentido sim, o comandante Moraes tem razão em preocupar-se com os resultados de um filme que retrata a política brasileira com o que ela de fato é: o resultado de um Estado que serve aos interesses de um projeto de mundo neoliberal que ao criminalizar a pobreza desvia a atenção do eleitor para as verdadeiras causas da violência que estamos inseridos e, como lembra Milton Santos, que organiza a cidade dentro destes interesses.
E criminalizar a pobreza é coisa que a mídia sabe fazer muito bem. A mídia, assim como todas as empresas, representam os interesses deste sistema e percebem que numa sociedade midiática tudo o que se produz em imagens é percebido como mensagem e é sempre carregado de ideologia. 
Mas por outro lado, esta mesma indústria de imagens que transmite, divulga e reafirma a criminalização da pobreza, é a mesma que aliena com a indústria do entretenimento, e aí é que começo a pensar que Moraes talvez possa ficar despreocupado.
As ditaduras militares nos anos 60 aqui no Brasil e na América Latina fizeram mais do que torturar, instalaram em nós um pensamento difícil de desconstruir, que é o da descrença numa mudança de sociedade. O grito de esperança de um mundo sem injustiças foi amordaçado pelas mãos do mesmo sistema que o filme “Tropa de Elite 2” denuncia. Hoje, como resultado, temos uma sociedade que a cada dia luta para seus interesses individuais, desta forma, ir ao cinema e assistir um filme que traz uma constatação tão perspicaz é apenas entretenimento.
Voltamos então a pergunta: quais são os limites entre arte e política? E a ela acrescento outra: para que serve a arte se ela não transforma nada ou para que serve hoje lutar se atualmente temos uma sociedade que não se interessa pelas lutas coletivas?
Os limites que separam arte e politica são tênues e muitas vezes a confusão entre os dois é criticada tanto por aqueles que atuam na primeira quanto na segunda esfera, mas se o que nos difere na maioria dos outros animais é o fato de sermos seres sociais e culturais, isso quer dizer que procurar estabelecer lugares opostos para cada coisa é perder a oportunidade de trazer a tona questões que estão em nossa vida.
Não vamos esperar, assim como o Capitão Nascimento, que algo nos atravesse de forma avassaladora e destruidora para que tenhamos mais do que indignação, mais coragem para enfrentar os problemas em nossa sociedade. Precisamente, no caso da violência do Rio de Janeiro, estar sensibilizado com as lutas de heróis como o Nascimento e o deputado Fraga são importantes, mas é em nossa participação ativa e coletiva que podemos ver transformações.
Ir ao cinema, assistir um filme e comentar com os amigos, debatê-lo em sala de aula, conversar com as pessoas na fila do banco, promover exibições coletivas em casa ou em cineclube é mais do que um ato pela divulgação da indústria cultural em nosso país, é um ato político.
Santiago Alvarez, grande representante do cinema latino-americano dos anos 1960, diz ter muitas dificuldades em distinguir o que não é um filme político e talvez a sua dificuldade seja em conseguir perceber o que não é política nas ações humanas. 
Identificar o filme “Tropa de Elite 2” com a nossa realidade brasileira é perceber que o tema ainda não se esgotou, portanto ele não é a única e verdadeira realidade Brasileira.
Se existe uma coisa que aproxima o fazer artístico da atuação política é o fato que em ambos nos sentimos mais vivos e mais humanos, que não vale a pena viver apenas para sobreviver. Se a arte serve para mexer com os nossos sentimentos e, se a indignação tanto com a imagem de um torturador quanto com a de um deputado honesto que tenta denunciar uma milícia é algo provocado por um filme, e se esta indignação é uma mola motora para transformação, então fazer arte é um ato político.
Ao final do filme, o filho então adolescente do Capitão Nascimento leva um tiro numa tentativa de assassinato, pois estava no mesmo carro do seu padrasto que, enfim, consegue aprovar a CPI das milícias. Na última cena, o garoto numa cama de hospital abre os olhos. E então, vamos abrir os nossos? Qualquer semelhança com a realidade é coincidência? 
Fonte: Blog Leia Cinema, 18/10/2010

terça-feira, outubro 12, 2010

respeto y solidariedad el escritor

Postura ética

por Fundação José Saramago
Ni el arte ni la literatura tienen que darnos lecciones de moral. Somos nosotros los que tenemos que salvarnos, y sólo es posible con una postura ciudadana ética, aunque pueda sonar a antigua y anacrónico.
“Saramago: ‘Hay que resucitar el respeto y la solidaridad”, El Mundo, Madrid, 22 de mayo de 1996

terça-feira, julho 13, 2010

atração cultural em Garanhuns

Festival de Inverno de Garanhuns 2010

A 20ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (PE), que acontece de 15 a 24 de julho, terá mais de 300 atrações culturais. Além dos palcos Guadalajara, Pop, Forró, Cultura Popular, Pau Pombo, e dos polos de música erudita, cinema, teatro, circo e dança, o Festival de Inverno de Garanhuns conta, também, com os cortejos de grupos de cultura popular e com a programação diversificada do Palco Castainho. A programação traz, ainda, o universo da moda com uma mostra fotográfica que destaca os figurinos de grandes filmes pernambucanos, e as atrações literárias e de Artes Plásticas.A celebração, que integra a lista dos mais conceituados festivais do Brasil, é uma realização do Governo do Estado, por meio da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), em parceria com a Prefeitura de Garanhuns. A programação completa e atualizada do FIG 2010 está disponível no site www.fundarpe.pe.gov.br.
CORTEJOS – Nesta edição, o FIG contará com três dias destinados aos cortejos (15, 17 e 24 de julho). A programação terá início sempre às 16h, com concentração em frente ao Hotel Tavares Correia e destino ao Palco de Cultura Popular, na avenida Santo Antônio. O primeiro dia de cortejo será dedicado à cultura popular, que será representada pelas seguintes atrações: Maracatu de Baque Solto Leão Mimoso (Olinda); Caboclinho Sete Flechas (Recife); Bloco Carnavalesco Amantes das Flores (Olinda); Clube Carnavalesco Marim dos Caetés (Olinda); Boi da Macuca (Correntes); A Bela da Tarde (Catende); e Caretas (Bezerros).
Já no dia 17, as ruas de Garanhuns serão tomadas pelos blocos líricos: Banhistas do Pina (Recife); Flor da Lira (Olinda); Menestréis do Paulista (Paulista); Flor do Eucalipto (Moreno); Bloco das Ilusões (Recife); Seresteiros de Salgadinho (Olinda); Eu Quero é Mais (Olinda); O Bonde (Recife); e Um Bloco em Poesia (Recife). Fechando a programação dos cortejos, um dia dedicado ao samba, com as recifenses G.R.C.A. Gigante do Samba, G. R. E. S. Imperiais do Ritmo e Galeria do Ritmo.
CASTAINHO – De 19 a 23 de julho, sempre a partir das 17h, o público poderá aproveitar a programação da lona de circo instalada na Comunidade de Remanescentes Quilombolas do Castainho. No dia 19, apresentam-se Dona Celina, de Paudalho, e a Banda de Pífano Quilombolas Euflauzino, de Carnaíba. No dia 20, o circo recebe os espetáculos de dança Tambores e Maracas, da Cia de Dança Artefolia, e Vitalinos, do Grupo de Dança Arte em Movimento do IFPE. Neste mesmo dia também se apresenta o Grupo de Dança Tigre, de Garanhuns.
A programação segue no dia 21 com a apresentação do Grupo Indígena Atikum, de Salgueiro, e do Espetáculo musical A Voz da Diversidade com Gean Ramos, de Jatobá. No dia 22, marcam presença do Castainho, Quilombola Estivas, de Garanhuns, Quilombola Nego do Timbó, também de Garanhuns, e do Quilombola Chã de Negros, de Passira. O dia 23 será marcado pela exibição do curta-metragem Malunguinho Histórico Divino e o resultado das oficinas de capacitação.
ARTES PLÁSTICAS – Exposições, videoarte, instalações e performances marcam a programação de Artes Plásticas do FIG 2010. As ações desta linguagem acontecem de 17 a 24 de julho, na Casa Galeria Galpão (Praça Dom Moura, 44) e nas ruas da cidade. Será apresentado um total de 10 trabalhos artísticos. O público vai poder conferir as obras e as novas experiências de artistas de renome como Ricardo Brazileiro, Airton Cardim, Lourival Cuquinha, Leo Antunes e Paulo Bruscky. Ainda compõem a grade Charles Martins, Gabriel Furtado, Mary Gatis, Cauê Nascimento, Janaína Campos Branco, Valdir Oliveira, Grupo Totem e Daniel Santiago.
LITERATURA – De 17 a 24 de julho, Garanhuns vai respirar literatura. A Casa Galeria Galpão (Praça Dom Moura, 44) abrigará uma programação especial voltada para esta linguagem. No dia 17, das 14h às 16h e das 18h às 20h, acontece a palestra-espetáculo “Poesia na música, música na poesia: oralidade, musicalidade e intersemiose”, com Marcos Antonio Ferreira. No dia 18, às 15h, Paulo André Viana falará sobre a incrível viagem de contar histórias. De 18 a 20 de julho, das 16h às 19h, tem o recital-debate “Projeto de introdução à poesia popular nordestina”, com Allan Sales.
De 19 a 21 de julho, às 14h, tem o projeto “Mostra cordelização: o diálogo do cordel com outras linguagens”, de Genivaldo Nascimento. Nos dias 21, 23 e 24 de julho, às 16h,Wagner Porto Cruz colocará em discussão a poesia de rua dos sambas de coco e maracatu. No dia 22 de julho, às 18h, Valdir Oliveira estará lançando o livro “O Rei do Zodíaco”. No dia 23 de julho, às 18h, a Casa Galeria Galpão recebe os poetas Chico Pedrosa, Marcos Passos e Marcone Melo, que farão um recital com poesia e música. E, encerrando a programação de literatura, no dia 24, às 15h, o grupo Baile dos Seres Imaginários realiza o recital “Balé Balaio”.
MODA – De 17 a 24 de julho, das 14h às 20h, a Coordenadoria de Moda da Fundarpe promove a mostra “Figurino do Audiovisual”, que reunirá 30 fotos-stills de figurinos de filmes pernambucanos que mais se destacaram nas duas últimas décadas. Baile Perfumado, Amarelo Manga, Árido Movie, Cinema, aspirinas e Urubus, Deserto Feliz e Baixio das Bestas compõem a mostra. A mostra destaca o trabalho dos figurinistas Mônica Lapa, Andrea Monteiro, Joana Gatis, Bárbara Cunha, Beto Normal e Juliana Pryston. As imagens foram registradas pelos fotógrafos Gil Vicente, Fred Jordão e Gilvan Sá Barreto.

quarta-feira, julho 01, 2009

de Die Massnahme

"Canção do Mercador"
--Bertolt Brecht-

Como saber o que é arroz?
O que é arroz, que eu não conheço?
Não tenho idéia do que seja
Nem mesmo sei de alguém que o saiba.
Do arroz? Do arroz só sei o preço.

A existência feita detalhe

"Falamos das tendências dos preços para baixar ou subir e nem sempre percebemos que estamos refletindo a inumanidade de um movimento autônomo de objetos, um movimento de coisas que carrega os homens tal como a correnteza carrega toras de madeira. Num mundo governado pela produção de mercadorias, o produto controla o produtor, os objetos têm mais força do que os homens. Os objetos tornam-se um 'destino', o daemom ex machina."*

* Extraído do livro A Necessidade da Arte de Ernest Fischer, 1976.

sexta-feira, junho 19, 2009

fala sério

Uns "traços" do Picasso?

Nem tenho muito tempo para escrever mais que alguns parágrafos, mas, uma coceirinha no juízo é inquietante; isso exige mais, e enquanto está na memória de trabalho volátil vou digitar o que sinto sobre o que seja importante, para não esquecer repentinamente atendo ao impulso de registrar minhas idéias transitivas nesse instante.

Enquanto fico nas linhas iniciais desse texto chegam pelo e-mail dezenas de mensagens que podem esperar por uma rápida seleção objetiva para uma leitura futura, a depender de seu conteúdo, afinal o que se recebe de spam ou lixo inútil, “desinformativo”, dá uma montanha! Assim como muitos artigos, livros e outras criações (teatrais, musicais e plásticas) promovidas e publicadas como artísticas ou científicas. Até os plágios estão sendo editados!!!! Fala sério.

Aqui estão minhas perquirições, que ficarão gravadas: Uma criação artística ou cientifica fruto da mente humana tem que valor? Esse valor é porque tal arte ou matéria de conteúdo científico é não reprodutível ou não passível de cópia (plágio)? Como qualquer produto lançado no mercado? O valor intrínseco de uma obra artística ou cientifica é antecedido de uma historia particular e insubstituível, de seu criador, de um dado conhecimento específico, de seu talento, de uma “profissão intransferível”, de um dom, como se a obra em questão fosse a “ponta do iceberg” de todo um trabalho acumulado e então exercido para a sua criação. Ou seja, o trabalho da criação incorpora um valor incalculável! Sem contar que pensarmos em tempo necessário empregado, nesse caso, é ainda mais complicado. Os traços de Picasso para o nascimento da Pomba da Paz seria um ato de criação intrasferivel e não reproduzível, ainda que realizado em alguns minutos? O que dizer da importância de sua obra para o conhecimento (no caso das artes) ou para a inimaginável perspectiva que se abriu para as percepções das ações nas artes, com a expansão dos limites potenciais da criação e produção da mente humana? Sem esquecer que existem muitos aspectos em sua dimensão cultural, política e social da criação artística e cientifica para as sociedades e as suas relações de poder, que não podemos analisar de maneira simplória o seu simbolismo ou valor para a alma humana.

Como calcular ou expressar realmente o valor de uma criação singular, seja no campo da arte ou das demais ciências? De um quadro de Pollock ou da “pomba da paz” de Picasso. Seriam apenas uns rabiscos que passaram a ter um valor de mercado por ser apenas fruto de um momento de criação de um artista genial? Isso seria passível de uma qualificação material sem vinculo nenhum com o tempo de estudo e da base de conhecimento, então, expresso no trabalho bem aplicado do seu criador? Justificar um valor apenas econômico pelo tempo empregado ou a quantidade de tinta ou rabiscos feitos, não seria essa avaliação “desqualificadora” do valor da obra ou só um julgamento apressado para imputar uma importância econômica menor à uma obra inigualável, não reproduzível para o mercado? Ignorando por completo o seu valor como arte, sob o ponto de vista cultural? Afinal, tem criação e criação. Por exemplo, no âmbito das ciências há teses de apenas trinta páginas que são tão importantes ou mais, em seu valor cientifico, quanto outras de maior “peso material”.

sexta-feira, março 27, 2009

derretendo os sólidos

Consumo e (pós) modernidade: A vitória de Eros em Caio Fernando Abreu (*)

Por Marcos Alexandre Ramos 

I

 

Adelina, desnorteada protagonista de Os Sapatinhos Vermelhos, de Caio FernandoAbreu[1], movida pela cólera produzida ao término de um relacionamento afetivo, decide sair de sua casa para satisfazer seus desejos e preencher suas ausências subjetivas. Um espaço de variedades múltiplas, atraentes cardápios, opções de degustação, gôndolas de afeto, uma composição de fumaça, uísque, pouca iluminação: a transeunte protagonista de Caio Fernando Abreu elege a boate urbana como espaço de trânsito e vitrine de consumo. Lá, Adelina está livre para encontrar diversos parceiros, aleatórios e anônimos, acolher e produzir espasmos sexuais. Entre Adelina e seus possíveis parceiros, não há diálogo propriamente dito, não há troca de idéias, experiências ou memórias. Existe, apenas, uma breve troca de olhares que antecede um ligeiro reconhecimento. Como garante o narrador: “pacientes, divertidos, excitados:  cumpriram o ritual até chegar o ponto”. A protagonista, inserida no anonimato ofertado pela cidade[2], parece leve e pronta.

 

II

 

Ser leve e líquido. Segundo Zygmunt Bauman, o estado de fluidez é a representação adequada para captar o modo como se configura a presente fase da modernidade[3] - momento em que se insere a narrativa de Caio Fernando Abreu. A metáfora sobre o fluido (ou o líquido) tem raízes na famosa frase do “derretimento dos sólidos” cunhada pelos autores do Manifesto comunista. Em 1848, como nos lembra o pensador polonês, a frase “referia-se ao tratamento que o autoconfiante e exuberante espírito moderno dava à sociedade, que considerava estagnada demais para seu gosto e também resistente em demasia para mudar em seus caminhos habituais”. Se o “espírito” era “moderno”, como recapitula Bauman, ele o era na medida em que a sociedade deveria ser emancipada da inércia de sua própria história, e isso só poderia ser feito derretendo os sólidos, isto é, “dissolvendo o que quer que persistisse no tempo e fosse infenso à sua passagem ou imune a seu fluxo.”

“‘Derreter os sólidos’, na modernidade, significava, antes e acima de tudo, eliminar as obrigações ‘irrelevantes’, era necessário, além disso, livrar-se de todo e qualquer entulho e obrigação que impedisse as iniciativas: “libertar a empresa de negócios dos grilhões dos deveres para com a família e o lar e da densa trama de obrigações éticas; ou, como preferiria Tomas Carlyle, dentre os vários laços subjacentes às responsabilidades humanas mútuas, deixar restar somente o “nexo dinheiro”. [4] De forma progressiva, o espírito moderno tornou-se um espírito contábil e preencheu o dia de inúmeros seres humanos com “comparações, cálculos, determinações numéricas” e a “redução de valores qualitativos a valores quantitativos”[5].

Além de clamar pela libertação de todos os vínculos que resultaram historicamente no estado e na religião, na moral e na economia, o sujeito moderno, resistente ao nivelamento subjetivo enunciado pelo estreitamento entre as relações de alteridade e a economia monetária, reivindicou, como garante o sociólogo Simmel, “a particularidade humana” [6] - “os indivíduos, liberados dos vínculos históricos tradicionais, agora desejavam se distinguir um do outro[7]. Progressivamente, a modernidade se tornou o local da enunciação dos mecanismos de individuação e experimentou os grandes centros urbanos como palco dos conflitos que circunscrevem este processo.

 Georg Simmel aponta elementos fundamentais da constituição e do modo como se organizam as sociedades urbanas. Segundo o pensador alemão, a metrópole tem uma função essencial no desenvolvimento da modernidade, pois com a velocidade e as diversas formas da vida econômica, profissional e social que proporciona, fornece a arena para o incessante movimento de seus habitantes, visto que se define como “o lugar da divisão econômica do trabalho, da especialização, da fragmentação e do rompimento com vínculos históricos tradicionais.”

No entanto, como sublinha Bruno Souza Leal, “ao longo do século XX, muitas transformações interpuseram uma distância entre o mundo do flâneur e o do habitante da metrópole contemporânea” [8]. Se a metrópole moderna nasce sob o signo da ruptura, da cisão dos padrões e da fragmentação da tradição, a metrópole contemporânea (ou pós-moderna), local de enunciação das narrativas de Caio Fernando Abreu, se distingue, pois nela o “passado não é mais apagado”, ao contrário, “é recuperado, incorporado, sendo compartilhado inclusive com outras versões de si e, assim, torna-se mais um território escrito/inscrito/escritor da malha urbana.”[9]

Falar hoje em “derretimento dos sólidos”, modernidade líquida ou ainda em metrópole pós-modernasignifica referir-se a uma sociedade constituída de diversas possibilidades de existência e configuração subjetiva e modos de vida. Significa, ainda, reportar-se a um lugar em que seus habitantes não possuem a liberdade como uma opção ou como um processo de constituição subjetiva, tem, paradoxalmente, a obrigação e a necessidade deliberdade de escolha[10]. No entanto, livrar-se do peso dos mundos sólidos da modernidade, ou seja, ser leve e líquido, como recomenda a racionalidade pós-moderna (nas palavras de Bauman, a líquida racionalidade moderna), ao contrário do que escreveu Freud em sua análise sobre a modernidade, na modernidade líquida, não garante modos de vida que impliquem seguranças, certezas e garantias (unsicherheit[11]) subjetivas e materiais.

As mudanças estruturais nas bases da modernidade[12] tornaram-se, dessa maneira, fonte de um novo mal-estar – naturalmente, diverso daquele a que aludia o pensador vienense em seu famoso texto[13]  e passaram a corresponder ao que poderíamos denominar uma afirmação problemática dos mecanismos de subjetivação.

sujeito líquido (ou pós-moderno) e aquele do fim da modernidade, personagens de Caio Fernando Abreu, estão em condições para transitar, mas parecem destinados a uma condição subjetiva entre a melancolia latente e a fragilidade dos laços, pois habitam espaços efêmeros (urbanos e subjetivos) e tateiam, no fluxo, possibilidades, apenas, fugazes. Como veremos em Os sapatinhos vermelhos, impelidos por estímulos artificiais a fim de preencher a lacuna que os separa das relações de alteridade e, portanto, da sociabilidade efetiva, os indivíduos, dominados por intensa angústia, estão fadados “a perambular pelas ruas numa infindável e eterna vã procura de abrigo”[14].

III

 

O texto Os Sapatinhos vermelhos, de Os Dragões não conhecem o paraíso[15], é divido em três partes, o primeiro momento é reservado para o anúncio do término de uma relação afetiva entre a protagonista e um personagem anônimo, descrito como um professor, “um-senhor-de-família-da-Vila-Mariana”. Em seguida, ainda na primeira parte do texto, verifica-se a reconstrução da identidade da protagonista e a reorganização dos possíveis sentidos implicados na constituição dessa nova identidade.

O narrador conduz a história, no início, em um espaço hegemonicamente subjetivo em que a protagonista, imersa em reflexões regadas a doses de uísques e tragadas de cigarro, repensa, não sem um acre sabor de ironia, momentos em que, segundo a própria personagem, esteve submissa aos desejos do seu amante. Vejamos no texto de Caio Fernando Abreu:


Uma japa, uma gueixa, isso que eu fui. A putinha submissa a coreografar jantares à luz de velas – Glenn Miller ou Charles Aznavour? –, vertendo trêfega os sais – camomila ou alfazema? – na água da banheira, preparando uísques – uma ou duas pedras hoje, meu bem?

 

A narração, em Os sapatinhos vermelhos, operada como uma câmera sem suporte, oscila entre o olhar da protagonista narrado em primeira pessoa e em terceira pessoa, e aquele de um narrador heterodiegético. No espaço subjetivo encenado na narrativa, o narrador, apresentando-se predominantemente de forma heterodiegética, é peça decisiva na construção da identidade da protagonista. Enquanto a narradora-personagem descreve experiências e insatisfações referentes ao rompimento do laço afetivo, o narrador heterodiegético revela, já desde o início, a necessidade de mudança do processo de efetivação do desejo que será desenvolvido problematicamente no decorrer do texto.

Ao longo da primeira parte do texto, a protagonista Adelina, que “evitava cores, saltos, pinturas, decotes, dourados ou qualquer outro detalhe capaz sequer de sugerir sua secreta identidade de mulher solteira-e-independente-que-tem-um-amante-casado”, em decorrência do abandono afetivo[16] (leia-se: interrupção do desejo), caminha em direção a uma prática contrária aos elementos repressivos contidos nos símbolos moralizantes da cultura. Isso fica mais evidente quando o narrador situa a história no período da Sexta-feira Santa para o Sábado de Aleluia - momento, segundo a tradição judaico-cristã, da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ironicamente, o que prevalece na narrativa não é o amor cristão (Ágape), mas o desejo do corpo, a atração carnal (Eros). O conto Os Sapatinho Vermelhos é, sobretudo, uma história sobre a vitória de Eros[17].

 Adelina, após o término da relação com o professor, depara-se com um esvaziamento absoluto de sua identidade. Aqui, observamos uma alusão ao ritual cristão, onde a morte representaria o término do laço e a ressurreição, por sua vez, o início da reconstrução dos fragmentos de identidade e a renovação de um eu dividido[18]. Os sapatinhos vermelhos, presente dado a Adelina pelo amante, simbolizam, no texto, o momento da reconfiguração da identidade. Se outrora a protagonista julgara o objeto ofertado ousado, agora, lhe parecia apropriado.

Após um longo e detalhado ritual de transformação inaugurado pelos sapatinhos vermelhos, Adelina se livra de qualquer atributo moralizante que organizava seu comportamento.  Vejamos, no texto de Caio F.:

(...) sublinhou os olhos de negro, escureceu os cílios, espalhou perfume no rego dos seios, nos pulsos, na jugular, atrás das orelhas, para exalar quando você arfar, minha filha, então as meias de seda negra transparente, costura atrás, tigresa noir(...)

 

Apagou a luz do quarto, olhou-se no espelho de corpo inteiro do corredor. Gostou do que viu. Bebeu o último gole de uísque e, antes de sair, jogou na gota dourada do fundo do copo o filtro brando manchado de batom.

 

         Como vemos neste fragmento, a mudança na configuração identitária tornam-se evidentes. Se, inicialmente, a narrativa elucida a representação de uma mulher “passiva" e queixosa, logo a seguir, essas características se liquefazem, pois a protagonista inicia um longo processo de defesa. A fim de proteger o eu das agressões contra suas exigências pulsionais, este processo desloca não só a identidade mas também o próprio desejo.[19]

Como um produto pronto para consumo, Adelina muni-se de todos os atributos femininos de sedução: “sublinhou os olhos”, “escureceu os cílios”, “espalhou perfume no rego dos seios”, vestiu “meias de seda negra transparente”, etc. Pronta, a personagem quer, agora, preencher a lacuna que a separa das relações de alteridade, de laços afetivos e de identidade. Para isso, Adelina busca certo distanciamento das instâncias legitimadoras sociais e dos espaços de controle, deixa sua casa e adentra os limites da metrópole pós-moderna.

A personagem vê suas possibilidades de reconstrução identitária na dinâmica do espaço, na possibilidade de anonimato e não-mapeamento que a metrópole propicia. Na boate, a protagonista se sente à vontade para assumir um outro nome. Adelina, agora, é Gilda. E Gilda está livre para transitar e multiplica relações efêmeras, ou seja, relações de curta duração que sustentam a reconfortante consciência de que você não precisa sair do seu caminho nem se desdobrar para mantê-las intactas por um tempo maior[20]. Como é de se esperar, nesse tipo de relação, as possíveis configurações fixas, sólidas, com seu cortejo de vetustas representações efetivas recém-formadas envelhecem antes de poderem cristalizar-se. Nenhum fluxo se orienta para o laço, o sexo é a síntese, mas efetua-se como espasmos e não como consolidação do laço e da alteridade.

O segundo momento da narrativa é reservado para o clima de sedução que se instala na boate e antecede o apogeu da narrativa. O ambiente de fascínio é evidenciado e fortalecido pela troca de olhares, contatos íntimos e, principalmente, pela narração de características corporais denotando excessiva sensualidade. Como se depreende, produtos prontos para serem consumidos, os personagens desfilam atributos sedutores.

No jogo de sedução, os anônimos personagens vão se aproximando da protagonista, primeiro “o negro”, depois o “moço dourado com jeito de tenista” e, finalmente, “o mais baixo”. Não há, entre eles, troca de memórias, menção a continuidades ou diálogo efetivo. O breve momento de reconhecimento, como é comum na obra de Caio Fernando Abreu, é seguido da efetivação sexual. Após o rápido ritual de sedução entre os atores sociais, o narrador heterodiegético conduz uma performática cena de sexo em que os três personagens se misturam à protagonista num revezamento exacerbado de consumo de possibilidades das práticas sexuais.

Na cena seguinte, “em frente ao espelho de corpo inteiro”, a protagonista, como garante o narrador,

não era mais Gilda, nem Adelina nem nada. Era um corpo sem nome, varado de prazer, coberto de marcas de dentes e unhas, lanhados de tocos de barbas amanhecidas, lambuzadas de leite sem dono dos machos das ruas. Completamente satisfeita.”

 

Esperava-se que o sexo preenchesse a lacuna da alteridade, não admira que, como garante o sociólogo inglês Anthony Giddens[21], tenha crescido sua capacidade de gerar frustrações e de exacerbar a própria sensação de estrangulamento que se esperava que curasse. O que ocorre em Os sapatinhos vermelhos é, novamente, um esvaziamento identitário da protagonista. A vitória de Eros na grande guerra da satisfação é, na melhor das hipóteses, segundo Zygmunt Bauman, uma vitória de Pirro. Pois, a satisfação imediata garantida não é sinal do fim, mas de recomeçar.

Como afeto dissonante, o espasmo de Adelina parece reescrever o ideal pós-moderno, ou seja, recomeçar, reorganizar, ressemantizar sem rupturas drásticas, enfim rever e redirecionar a identidade, o passado e o desejo. Entretanto, apesar do espasmo, da exuberância das práticas sexuais e dos consumos urbanos, bem como da plasticidade de todas as práticas simbólicas e de produção do sentido, a frustração ainda parece dominar a cena textualmente inscrita e, digamos, ousadamente, também o sujeito pós-moderno que transita caminhando por espaços e espasmos de demolição.


_____________________________________

[1] ABREU, Caio Fernando. Os Dragões não Conhecem o Paraíso. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

[2] SIMMEL, George. Metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

[3] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001

[4] Ibidem.

[5] SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. In: CHOAY, Françoise (org.). O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1997.

[6] SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. In: CHOAY, Françoise (org.). O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1997.

[7] Idem. Metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 12-25.

[8] LEAL, Bruno Souza. Caio Fernando Abreu, a metrópole e a paixão do estrangeiro: contos, identidade e sexualidade em trânsito. São Paulo: Annablume, 2002.

[9] Ibidem.

[10] JAMESON, Fredric. O pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 2000.

[11] BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
[12] Idem. Modernidade liquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[13] FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros trabalhos. In Obras completas, vol. XXI Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

[14] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

 

[15] ABREU, Caio Fernando. Os Dragões não Conhecem o Paraíso. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

[16] KAUFMANN. Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O legado de Freud e Lacan. Trad. Vera Ribeiro, Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 1996

[17] Ibidem.

[18] LAING, R. D. eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Trad. ÁureaBrito Weissenberg. Petrópolis: Vozes, 1982.  .

[19] KAUFMANN. Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O legado de Freud e Lacan. Trad. Vera Ribeiro, Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 1996

[20] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

[21] GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo. Editora UNESP, 1991.

 

Marcos Alexandre Ramos é graduando em Letras-português pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em psicologia pelas Faculdades Integradas Espírito-Santenses (FAESA) e integra desde 2006 o grupo de pesquisa Literatura e outros sistemas de significação com o projeto de pesquisa Leves e líquidos – a urgência do sujeito e a constituição dos laços afetivos em narrativas de Caio Fernando Abreu. E-mail:marcos@marcosramos.com.br 


(*) texto extraído do Portal Literatura e Arte Cronópios, postado em 23/1/2009 17:57:00 


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