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quarta-feira, maio 04, 2011

a democracia é reduzida a um simulacro

"HÁ UMA GUERRA CIVIL RASTEJANTE NA SOCIEDADE CAPITALISTA"
A crise do capitalismo alimenta o crescimento, na Europa, de um populismo inquietante e autoritário que tem em Sílvio Berlusconi o maior intérprete. Mas abre também espaço inédito para uma política que tenda à sua superação, defende o filósofo esloveno Slavoj Zizek em entrevista a Benedetto Vecchi, do Il Manifesto. "Há uma guerra civil rastejante na sociedade capitalista. A inquietação ambiental atingiu os níveis de vigilância. A democracia é reduzida a um simulacro. Ainda assim, nem tudo está perdido", diz Zizek.
por Benedetto Vecchi - Il Manifesto
Escrita em estilo sóbrio, a obra analisa o mundo depois da crise econômica e a tendência de muitos governos de intervir, por meio de financiamento das dívidas dos bancos e das grandes instituições financeiras, para evitar aquilo que apenas há poucos anos parecia a trama de um filme de ficção sobre o colapso do capitalismo. Mas o autor procura distanciar-se das posições teóricas de muitos estudiosos marxistas, que sempre viram o neoliberalismo como um parêntese que, eventualmente, seria substituído por uma realidade social e política mais consentânea com as leis económicas, dando pouco espaço para os rentistas que enriqueceram com as loucuras especulativas das últimas décadas.
Para Zizek, ao contrário, o neoliberalismo tem sido uma adequada contra-revolução que cancelou a constituição material e formal surgida após a II Guerra Mundial, quando o capitalismo era sinonimo de democracia representativa. No início do terceiro milênio, a contra-revolução terminou, abrindo espaço para uma política radical que Zizek, em sintonia com o filósofo francês Alain Badiou, chama enfaticamente de “hipótese comunista”.
O filósofo esloveno não fecha, porém, os olhos para o fato de que os sinais provenientes de toda a Europa apontam para a ascensão de uma direita populista que conquista consensos onde os partidos social-democratas eram tradicionalmente fortes – como na Holanda, Noruega, Suécia. E também era irônico que com os democratas e norte-americanos radicais, que “nos Estados Unidos, depois de haver saudado a eleição de Obama para a Casa Branca como um evento divino, agora se deleitassem em discutir se é politicamente mais incisivo 'Avatar', de James Cameron, ou 'Estado de Guerra', de Kathryn Bigelow”. Eis a entrevista:
Num artigo, você lançou farpas contra “Avatar”, definindo-o como um filme apolítico. No entanto, no filme de Cameron, há fortes referências tanto à guerra do Iraque quanto à destruição da floresta amazônica: em ambos os casos, os vilões são as multinacionais…
Slavoj Zizek: O filme de James Cameron é agradável, divertido, uma obra inovadora do ponto de vista do uso das tecnologias digitais. Mas aqueles que sustentam que os críticos radicais nos Estados Unidos são uma espécie de ala marxista de Hollywood não me convencem. Eles escreveram que Avatar retrata a luta de classes e a luta dos pobres contra os ricos, com o fim de auto-determinarem a sua vida. Há um planeta, Pandora, que é invadido por uma tropa de mercenários a soldo de multinacionais. O objetivo é depredar os seus recursos naturais, colocando, assim, em perigo o milenário equilíbrio que os seres vivos estabeleceram com o luxuriante ecossistema. Podemos estabelecer certa analogia com o que as multinacionais e os países imperialistas fazem com a Floresta Amazônica, com o Iraque ou com toda aquela realidade onde estão as fontes energéticas e as matérias primas fundamentais para a produção de riqueza. No filme, os aborígenes de Pandora, em nome de uma visão holística de relação com a natureza, democracia opõem-se ao capitalismo, vencendo, no final, a sua batalha. Mas a natureza é um produto cultural que muda com a mudança das relações sociais.
Os seres sempre retiraram da natureza os meios para viver e se reproduzir como espécie. Mas ao fazê-lo, transformaram a natureza. Não é, portanto, retornando a uma idade de ouro idealizada, como sugere James Cameron, que se pode derrotar o capitalismo. “Avatar” é pura fantasia, fascinante por certo, mas sempre fantasia.
Você tem frequentemente sublinhado que o populismo é uma doença do Político. Não lhe parece que o populismo, mais que uma doença, seja a forma política que, melhor que as outras, se adapta ao capitalismo contemporâneo?
Zizek: Até há alguns anos, afirmava-se que o capitalismo era sinônimo de democracia na sua forma liberal, fundada sobre a tolerância, o multiculturalismo e o politicamente correto. Agora, ao contrário, assistimos às forças ou aos líderes políticos que invocam a mobilização do povo para combater os inimigos do estilo de vida moderno. O filósofo argentino Ernesto Laclau analisou a fundo a lógica do populismo, sustentando que existe uma variante de esquerda e uma variante de direita. A tarefa do pensamento crítico consistiria em evitar a derivação de direita.
Não estou de acordo com essa posição. Em primeiro lugar, o populismo é sempre de direita. Além disso, o povo, como a natureza, é uma invenção. Laclau acredita que para fazê-lo tornar-se realidade deve-se imaginar um universal que contenha e supere as diferenças dentro dele. Daí a necessidade de identificar um inimigo que impede a formação do povo. Não é uma coincidência, então, que a forma acabada de populismo seja o anti-semitismo, porque indica um inimigo que vive entre nós. O mesmo fazem os populistas contemporâneos quando indicam os migrantes como a quinta-coluna entre nós.
Na sua avaliação, o populismo dirigirá o conflito contra inimigos de conveniência, para esconder o sistema de exploração do capitalismo. Isso quer dizer que esta tendência ocupa um espaço político abandonado, por exemplo, pela esquerda. Como recuperar esse espaço?
Zizek: Walter Benjamin escreveu que o fascismo emerge de onde uma revolução foi derrotada. Um conceito que, aplicado à realidade contemporânea, explica o fato de o populismo emergir quando a hipótese comunista, que não coincide com o socialismo real, é retirada da discussão pública. Entretanto, no tolerante capitalismo contemporâneo assistimos à campanha midiática contra os migrantes, porque atentam contra a nossa segurança. Ou ficamos atordoados com intelectuais que, como Bernard Henri-Levy, debatem longamente sobre a superioridade da civilização ocidental e sobre o perigo representado pelo fundamentalismo islâmico, qualificado como islamo-facismo.
Creio, todavia, que há fortes pontos de contacto entre a ideologia liberal e o populismo: ambos são pensamentos políticos que levam em conta o estilo de vida capitalista ocidental como o único mundo possível. Os liberais, em nome da superioridade da democracia, os populistas em nome do único estilo de vida que as pessoas se dão. Há também diferenças. Os liberais estão impondo, mesmo com as armas, a democracia e a tolerância entre quem não é democrático nem tolerante. Os populistas desejam, ao contrário, aniquilar de modo suave de polícia étnica as diversidades culturais, sociais, de estilo de vida. O populismo é, portanto, uma das formas políticas do capitalismo global, mas não a única. Silvio Berlusconi, frequentemente julgado como um comediante ou um personagem de opereta, é, ao contrário, um líder político para ser estudado com atenção, porque pretende conjugar a democracia liberal com o populismo.
O primeiro-ministro italiano está, todavia, acelerando uma tendência presente em todos os sistemas políticos democráticos. Sua obra visa modificar o equilíbrio dos poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário – para benefício do Executivo, de modo tal que o executivo englobe o Legislativo e o Judiciário, mas sem cancelar os direitos civis e políticos. As eleições são consideradas como uma sondagem sobre a obra do executivo. Se Berlusconi perde, invoca em seguida a soberania popular representada por ele. A forma política que propõe é, sim, uma mescla entre democracia e populismo, se bem que a sua ideia de democracia seja uma democracia pós-constitucional que faz da invenção do povo o seu traço distintivo. Tudo isso faz com que a Itália, mais que um país atípico, seja um laboratório inquietante onde se desenvolveu uma democracia pós-constitucional. Desse ponto de vista, na Itália está sendo construído o futuro dos sistemas políticos ocidentais…
O que quer dizer com pós-constitucional?
Zizek: Uma democracia que elimina a antiga divisão e equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Equilíbrio dos poderes definido por todas as constituições europeias e pelo Bill of Rights dos Estados Unidos…
Na Europa, tudo isso é chamado pós-democracia. Claro, Sílvio Berlusconi deseja superar a democracia representativa que conhecemos no capitalismo. Por isso é um líder político mais que nenhum outro. Acho que o presidente Nicolas Sakozy tem uma visão muito mais clara do que aquela posta em jogo no capitalismo. Isso quer dizer que é mais perigoso do que os outros expoentes da direita europeia ou dos EUA. Não nos encontramos, portanto, em frente a um personagem de opereta, que vai às mulheres e promulga leis ad personam. A tragédia apresenta sempre momentos de opereta. Mas há tragédia quando se manifestam conflitos radicais, onde não há possibilidade nem de mediação nem de salvação.
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Será, por isso, interessante ver como evoluirá a situação italiana, que não representa – e sobre isso, estou de acordo consigo – uma anomalia, mas um laboratório político cuja existência condicionará muitíssimo o futuro político da Europa. Na Holanda, na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, na França, na Inglaterra há, de fato, forças políticas populistas que recolhem sempre mais consensos eleitorais graças às campanhas anti-migratórias que conduzem, mas não têm aquele radicalismo que apresenta a situação italiana.
Dito isso, não é preciso, no entanto, desenvolver uma visão apocalíptica da realidade. É claro: há uma guerra civil rastejante na sociedade capitalista. A inquietação ambiental atingiu os níveis de vigilância. A democracia é reduzida a um simulacro. Ainda assim, nem tudo está perdido.
Pelo contrário. Como demonstra a recente crise econômica, quando tudo parece perdido, abre-se espaço para uma ação política radical, que eu chamo de comunista. Tomemos o recente encontro sobre ambiente realizado no ano passado em Copenhaga. O resultado final, mais que um êxito decepcionante, foi um desastre político. Há propostas, derrotadas nos trabalhos da cúpula, que indicam na salvaguarda do ambiente uma das prioridades para salvar o capitalismo. Podemos pensar numa aliança tática com quem o carrega avante.
A crise econômica, além disso, exigiu uma intervenção do Estado para salvar da bancarrota empresas, bancos e sociedades financeiras. Mas isso significou que o tabu sobre a periculosidade da intervenção reguladora do Estado foi quebrada. Isso pode reforçar os socialistas — isto é, aqueles que apontam para uma redistribuição dos rendimentos e de poder. Não é a política que eu amo, mas abre espaço a propostas mais radicais. Por outras palavras, volta forte a ideia comunista de transformar a realidade. O que proponho não é um mero exercício de otimismo da razão, mas a consciência de que há forças e relações sociais que podem ser liberadas a partir da camisa de força do capitalismo. Toni Negri e Michael Hardt acham que enfatizando as características do capitalismo pós-moderno criam-se condições para o governo da comuna isto é, do comunismo graças àquilo que definiu a virtude prometeica da multidão. Mais realisticamente, acho que devemos organizar as forças sociais oprimidas para uma ação praticável no presente e no futuro imediato.
Você escreve, em sintonia com Alain Badiou, que o comunismo é uma ideia eterna. Uma política “comunista” deve, todavia, ancorar-se numa análise das relações sociais de produção e das formas que ela assume numa contingência histórica. Pode-se estar de acordo ou em discordância com a tese de Negri e Hardt sobre o capitalismo cognitivo, mas os seus escritos assinalam exatamente essa necessidade. Caso contrário, o comunismo torna-se uma teologia política, não acha?
Zizek: Não acredito, como Hardt e Negri, que com o desenvolvimento capitalista as forças produtivas, mais cedo ou mais tarde, entrem em rota de colisão com as relações sociais de produção. Precisamos agir politicamente para que isso aconteça. É esse o legado de Lenin que não pode mais ser apagado. Mas deixemos fora os textos sagrados e olhemos o capitalismo real. Existe certamente um setor de força-trabalho cognitiva, mas que também continua a trabalhar em fábrica e que, como os migrantes, é reduzida a uma condição de submissão servil no processo laboral.
Para não jogar no lixo da história esses “excluídos”, ou “marginais”, é preciso uma forte imaginação política, capaz de recompor e unir os diferentes setores da força-trabalho. A teologia é sempre fascinante, mas, quando digo que a ideia comunista é eterna, refiro-me ao fato de que é uma constante na história humana a tensão de superar a condição de escravidão e exploração. Por isso, o comunismo volta sempre, mesmo quando tudo previa que fosse permanecer definitivamente sepultado sob os escombros do socialismo real.
Tradução: Anete Amorim Pezzini para o Outras Palavras
Fonte: Carta Maior | Internacional, 02/05/2011

quarta-feira, janeiro 05, 2011

o que tornou possível esse giro na economia...

Brevíssima história de 40 anos de políticas neoliberais
Muitos especialistas dizem que a ideologia neoliberal iniciou nos anos 80 com Reagan, Thatcher e a Escola de Chicago. Mas o que tornou possível esse giro na economia política? Que elementos, que novas forças podem explicar essa mudança ideológica e as desigualdades que a seguiram? Como os poderes que tomam decisões políticas foram sendo postos gradualmente nas mãos de um corpo de tecnocratas neoliberais que pontificavam sobre as limitações dos governos? Responder a essas questões passa por reconhecer que este processo durou décadas.
por Marshall Auerback - Sin Permiso
Um assíduo leitor de New Deal 2.0 faz uma aguda questão:
“Há uma questão que nunca consigo responder. Muitos especialistas dizem que a ideologia neoliberal iniciou nos anos 80 com Reagan, Thatcher e a Escola de Chicago. Mas sigo sem entender o que tornou possível esse giro na economia política. Que elementos, que novas forças nos anos 80 podem explicar essa mudança ideológica e as desigualdades que a seguiram?"
Todos esses temas são muito dignos de exploração e eu, quero dizer desde logo, não posso fazer justiça a eles com uma resposta de duas linhas. É melhor recomendar o soberbo livro de Yves Smith, Econned. O livro proporciona uma excelente explicação histórica do modo como algumas teorias infundadas, mas amplamente aceitas, levaram à execução de políticas que geraram o atual estado de coisas. Também ilumina a capacidade dessas filosofias para ressuscitar mesmo quando se acumulam provas conclusivas contra elas. Documenta não só a crescente degradação dos economistas profissionais neoclássicos (e sua concomitante tendência a reduzir a soma da experiência humana a uma série de equações matemáticas), mas também a maneira pela qual fundações muito bem financiadas subvencionaram universidades e think tanks que, por sua vez, legitimaram e validaram essas filosofias charlatanescas.
A ideia de que governos democraticamente eleitos devem servir-se de políticas fiscais discricionárias para contraestabilizar as flutuações do ciclo do gasto público chegou a ser visto como algo muito próximo ao socialismo. Os poderes que tomam decisões políticas foram postos gradualmente nas mãos de um corpo de tecnocratas neoliberais que pontificavam sobre as limitações dos governos e reforçavam as posições fiscalmente pró-cíclicas, ou seja: reforçavam a contração discricionária quando os estabilizadores automáticos levavam a grandes déficits orçamentários como resultado da frágil demanda não-pública.
Essa mudança em nossas políticas públicas foi acompanhada por um processo de tomada de controle dos juristas em uma longa marcha através do poder Judiciário. Foi um esforço patrocinado pelas grandes empresas, centrado exclusivamente no tema da desregulação, e culminou com um esforço titânico para revogar as reformas do New Deal, limitar o poder dos sindicatos e do próprio governo (salvo em matéria de Defesa, cabe assinalar, que organizou seu próprio e formidável exército de lobistas).
Responder a questão colocada por nosso leitor passa por reconhecer que este foi um processo que durou décadas e que veio acompanhado de enormes somas de dinheiro e de vasto exército de forças empresariais, jurídicas e políticas, empenhado em frustrar qualquer alternativa progressista. O processo inteiro ocorreu em um período de aproximadamente 40 anos. Flexibilização da regulação e da supervisão; uma crescente desigualdade que levou às famílias a se endividar para manter o nível de gasto; cobiça e exuberância irracional e liquidez global excessiva: todos esses são sintomas do mesmo problema.
Mas como tudo começou? A análise que o grande economista Hyman Minsky realizou no final de sua vida é particularmente potente, porque permite ver essas mudanças a partir de uma vasta perspectiva histórica. Minsky chamou a situação de saída da II Guerra Mundial de “capitalismo paternalista”. Ela se caracterizava por um “enorme Tesouro público” (cujo custo equivalia a 5% do PIB) dotado de um orçamento que oscilava contraciclicamente a fim de estabilizar a renda, o emprego e os fluxos de lucros; um Banco Central ao estilo de um “enorme banco” que mantinha baixas as taxas de juros e intervinha como emprestador último de recursos; uma ampla variedade de garantias estatais (seguro de depósitos, respaldo público implícito ao grosso das hipotecas); programas de bem estar social (Seguridade Social, ajuda às famílias com filhos dependentes, ajuda médica); estreita supervisão e regulação das instituições financeiras; e um leque de programas públicos para promover a melhoria da renda e a igualdade de riqueza (tributação progressiva, leis de salário mínimo, proteção para o trabalho sindicalmente organizado, maior acesso à educação e à habitação para pessoas de baixa renda).
Além disso, o Estado jogava um papel importante em matéria de financiamento e refinanciamento (por exemplo, a corporação pública para financiar a reforma de imóveis e a corporação pública para o crédito destinado à compra de imóveis) e na criação de um mercado hipotecário moderno para a compra de imóveis (baseado em um empréstimo de tipo fixo amortizável em 30 anos), sustentado por empresas patrocinadas pelo Estado. Minsky reconheceu o papel desempenhado pela Grande Depressão e pela II Guerra Mundial na criação de bases para a estabilidade financeira. Nas palavras de Randy Wray:
“A Depressão pulverizou e expulsou o grosso dos ativos e passivos financeiros: isso permitiu às empresas e às famílias saírem com pouca dívida privada. O ciclópico gasto público durante a II Guerra Mundial criou poupança e lucro no setor privado, enchendo os livros de contabilidade com dívida saneada do Tesouro (60% do PIB, imediatamente depois da II Guerra). A criação de uma classe média, assim como o baby boom, mantiveram alta a demanda de consumo e alimentaram um rápido crescimento do gasto público dos estados federados e dos municípios em infraestrutura e em serviços públicos demandados pelos consumidores metropolitanos.
A elevada demanda dos entes públicos e dos consumidores trouxe por sua vez consigo a possibilidade de se cobrir o grosso das necessidades das empresas para financiar o gasto interno, incluindo os investimentos. Assim, durante as primeiras décadas que se seguiram à Segunda Guerra, o capital financeiro desempenhou um papel muito menor. A lembrança da Grande Depressão gerou relutância em relação ao endividamento. Os sindicatos pressionavam e, frequentemente, obtinham mais e mais compensações, o que permitiu o crescimento dos níveis de vida, financiados em sua maior parte somente com a renda dos trabalhadores”.
Na década de 1970 tudo isso começou a mudar, como é bem explicado em Econned. O gasto público começou a crescer mais lentamente que o PIB; os salários ajustados à inflação se estancaram a medida que os sindicatos perdiam poder; a desigualdade começou a crescer e as taxas de pobreza deixaram de cair; as taxas de desemprego dispararam; e o crescimento econômico começou a desacelerar.
Nos anos 70 assistimos também aos primeiros esforços sustentados para fugir das restrições impostas pelo New Deal, a medida que as finanças respondiam para aproveitar as oportunidades. Com o desastroso experimento monetarista de Volcker (1979-82), muitos dos velhos vestígios do sistema bancário estabelecido pelo New Deal foram arrasados.
O rito de inovações se acelerou a medida que foram se adotando muitas práticas financeiras novas para proteger as instituições do risco da taxa de juros. A despeito de todas as apologias feitas sobre os anos de Volcker a frente da Federal Reserve, o certo é que suas políticas de juros altos assentaram as bases do atual sistema financeiro baseado no mercado, incluídas a titulação hipotecária, a inovação financeira na forma de derivativos para cobrir o risco das taxas de juros, assim como muitos dos veículos financeiros “extra contábeis” que proliferaram nas duas últimas décadas. Legislou-se para criar um tratamento fiscal muito mais favorável aos juros, o que, por sua vez, estimulou as compras alavancadas para substituir ativos por dívida (como a tomada de controle empresarial financiada com dívida que seria servida pelos futuros fluxos de receita da empresa assim controlada).
Os excedentes orçamentários dos anos Clinton – outro exemplo de ascendência de uma filosofia neoliberal que fugiu da política tributária e determinou a primazia da política monetária – restringiram a demanda agregada, encolheram as receitas e criaram uma maior dependência da dívida privada como meio de sustentar o crescimento e as receitas. Esse foi claramente facilitado por inovações que ampliaram o acesso ao crédito e mudaram os critérios das empresas e dos lares para definir o nível de endividamento prudente. O consumo conduzia o timão e a economia voltou finalmente aos rendimentos dos anos 60. Regressou o crescimento robusto, agora alimentado pelo déficit do gasto privado, não pelo crescimento do gasto público e da receita privada. Tudo isso levou ao que Minsky chamou de capitalismo dos gestores do dinheiro.
Esse é o contexto histórico básico que veio se desenvolvendo nos últimos 40 anos. E essa é, provavelmente, uma resposta que vai mais além do que nosso amável leitor queria, mas sua questão não é daquelas que possa ser respondida laconicamente.
(*) Marshall Auerback é analista econômico, pesquisador do Roosevelt Institute, colaborador da New Economic Perspectives e da NewDeal 2.0.
Tradução para SinPermiso: Casiopea Altisench
Tradução para Carta Maior: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior, 04/01/2011

domingo, novembro 07, 2010

"Não existe mais um centro de gravidade."

"Houve uma atomização do pensamento.”

   "No nosso aniversário isolamos cinco novos eixos do pensamento: o impulso ao individualismo, o retorno das religiões, o nascimento de uma consciência ecológica, a importância da pesquisa científica e a revolução das comunicações digitais. Mas é o próprio modo de refletir que hoje mudou. Nesse período, houve como que uma atomização do pensamento. Não existe mais um centro de gravidade. É uma afirmação um pouco esquemática, mas Debray não está equivocado. A hegemonia da ideologia ou do pensamento foi substituída pela da tecnologia [...] completou-se a dissociação definitiva entre o intelectual como figura social e ator político, e aquele que produz ideias e conhecimento. O motivo é simples. Falharam os fios de transmissão entre esses dois mundos, ou seja, os partidos e a escola". Pierre Nora*. 
   O intelectual comprometido está morto, viva o intelectual democrático. No seu escritório da maison Gallimard, o historiador Pierre Nora tem sobre a escrivaninha o número que celebra os 30 anos da revista Le Débat, incessante laboratório de ideias, ponto de referência da vida cultural francesa, muitas vezes de estilo polêmico e anticonformista. "É verdade que o nosso trabalho pode parecer um pouco antigo e talvez austero nesta época que premia a comunicação mais do que a reflexão. Somos pouco consensuais, mas isso não nos desagrada", diz ele em entrevista ao jornal La Repubblica, de 05-11-2010. Traduzida pelo site IHU (http://www.ihu.unisinos.br/index.php), por Moisés Sbardelotto.
Eis sua entrevista.
Pierre Nora, o que será do nosso futuro intelectual?
Uma comparação histórica com 1980 seria impossível. No meio, está o fim da Guerra Fria, a desagregação do sistema soviético, a onda longa da globalização, o novo mundo que se assoma da Ásia. No nosso aniversário, isolamos cinco novos eixos do pensamento: o impulso ao individualismo, o retorno das religiões, o nascimento de uma consciência ecológica, a importância da pesquisa científica e a revolução das comunicações digitais. Mas é o próprio modo de refletir que hoje mudou. Nesse período, houve como que uma atomização do pensamento. Não existe mais um centro de gravidade. Os jovens intelectuais não se sentem mais parte de uma geração. Estão isolados no seu trabalho, têm dificuldade de emergir. Muitos autores do nosso primeiro número tinham menos de 30 anos. Hoje, confesso ter dificuldade para encontrar pensadores tão jovens. Eles existem, certamente. Mas poucos e bem escondidos.
Na Le Débat, o escritor Regis Debray diz que agora o verdadeiro poder intelectual é o Google. 
É uma afirmação um pouco esquemática, mas Debray não está equivocado. A hegemonia da ideologia ou do pensamento foi substituída pela da tecnologia. Dentro da Internet, pode-se encontrar de tudo e o contrário de tudo. Nós somos chamados a ser intérpretes dessa democracia intelectual. Por sorte, não existem mais maître à penser e profetas. É preciso um papel de análise e de divulgação mais modesto, diria quase de serviço. Mas certamente não vou ser eu que vai lamentar o "grande intelectual" que, do seu púlpito, dizia a primeira coisa que passava pela cabeça.
O senhor fundou a Le Débat para romper com a militância do famoso intellectuel engagé.
A nossa ambição, naquele momento, era nos isentar do feudalismo político dos intelectuais que muitas vezes recobriam uma função servil, às vezes comprometedora e exclusivamente decorativa. Pelo contrário, queríamos afirmar a independência e a autonomia de uma atividade livre e igualmente necessária. Aqueles eram os anos de uma esquerda que chegava ao poder em um estado avançado de dissolução ideológica. E era também o momento dos nouveaux philosophes que levaram a figura do compromisso intelectual a se encerrar no campo político e midiático.
Essa tradição, para entender, está morta e sepultada.
Permaneceu aquilo que eu chamo de intelectual midiático. Uma dezena de nomes. O mais famoso deles é obviamente Bernard-Henri Levy. Com efeito, é o fim de uma grande histórica, que começou com Voltaire e Zola. Mas não devemos nos esquecer que o affaire Dreyfus, graças ao qual nasceu a figura do intelectual moderno que viveu até Sartre, foi também a época dos totalitarismos. Justamente a morte de Sartre, em 1980, abriu uma nova fase. Por um período, a vida cultural francesa beneficiou-se de um clima de abertura em todos os campos. Sectarismo e terrorismo, contra os quais alguns de nós se insurgiram, estavam em declínio. Infelizmente, são ameaças que voltaram com estreita atualidade.
Qual é então o papel do intelectual dos anos 2000?
Vivemos em uma sociedade sempre menos decifrável, na qual se dedica pouco tempo à reflexão e muito à comunicação. Um modo prisioneiro de um presente perpétuo, condenado ao zapping e à onipotência das mídias. É uma época, a nossa, na qual a vida política está fechada nos jogos de interpretação de personagens e tem poucas ideias. Falta a distância certa, a perspectiva. Nós, intelectuais, não devemos dizer aos políticos o que eles devem fazer, mas iluminar as suas ações. Não devemos fornecer aos cidadãos julgamentos pré-fabricados, mas torná-los verdadeiramente padrões das suas escolhas.
O fato de se ter um chefe de Estado alérgico aos intelectuais pode incidir sobre isso?
A vida política reflete a intelectual. Quando você ouve o presidente da França dizer que acha entediantes livros como "Princesse de Clèves" há com o que se preocupar, de fato. Até Jacques Chirac, talvez o menos intelectual dos nossos presidentes, tinha mais gosto pela vida cultural. Nicolas Sarkozy é a imagem de uma geração enérgica, sempre na ação. Não sei dizer que ele é o símbolo de um provincialismo nacional destinado a durar. Talvez dentro de dois anos a sua parábola estará concluída. O que é certo, ao contrário, é que hoje a figura que trabalha nas ciências sociais não tem mais a força civil e a credibilidade de tempos atrás. Nestes anos, completou-se a dissociação definitiva entre o intelectual como figura social e ator político, e aquele que produz ideias e conhecimento. O motivo é simples. Falharam os fios de transmissão entre esses dois mundos, ou seja, os partidos e a escola.
Essa não é uma boa razão para se comprometer ainda mais na vida pública?
É verdade. É preciso resistir à tentação de protestar abstendo-se do confronto. Ao mesmo tempo, não podemos nos reduzir a ser os histriões para atrair um pouco de público. Só procurando os instrumentos para entender um mundo sempre mais complexo é possível, verdadeiramente, tentar mudá-lo. Infelizmente, a nossa atividade de estudo e de análise ocorre em circuito fechado e quase sempre na indiferença geral. Mas também é verdade que ela age em profundidade, e os resultados são vistos em longo prazo. Não é preciso ter medo de ser minoria. Como dizia André Gide, o mundo será salvo por alguma pessoa.
(*)Pierre Nora é Membro da Academia da França e diretor do departamento de Ciências Sociais da editora Gallimard, Pierre Nora contribuiu na publicação, dentre outros, dos livros de Raymond Aron, Michel Foucault, François Furet e Jacques Le Goff. Junto com o 30º número da revista, também deu à imprensa um número especial intitulado "De quoi l'avenir intellectuel sera-t-il fait?", a pergunta que havia inaugurado o lançamento da revista, fundada em 1980 junto com o filósofo Marcel Gauchet, reproposta a alguns dos autores da época e aos novos jovens pensadores dos anos 2000.
Fonte: Carta Maior, 06/11/2010

domingo, outubro 24, 2010

"...hoje, é preciso senso crítico sempre atilado"

As bolas de papel da democracia desejada

por Gilson Caroni Filho
Quando as redações da grande imprensa, em campanha aberta pela candidatura Serra, erigem o preconceito como norma de juízo, a mentira não é apenas abominável: é suicida. A opinião pública brasileira dispõe, hoje em dia, dos elementos necessários para julgar os acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais sem se deixar levar pelo filtro ideológico de conhecidas técnicas de edição. Há muito tempo, a sociedade aprendeu a aquilatar a qualidade ética da informação oferecida, os desvios de apuração e o descompromisso do noticiário com a verdade factual.
O Jornal Nacional de quinta-feira, 21/10, não foi apenas uma tentativa patética de recriar o tiro que matou o Major Vaz. Os sete minutos gastos na “fabricação” da fita adesiva que teria atingido o candidato tucano revelam desorientação no tempo e no espaço. A Rua Tonelero não fica em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Além disso, passados 56 anos, não há lugar para atores políticos com indefinição ideológica evidente. Serra não é Lacerda; falta-lhe talento. O PSDB não é a UDN; tem lastro histórico mais precário. Mas em ambos, no candidato e em seu partido, convivem a vergonha de serem ostensivamente autoritários e o medo de serem inteiramente democráticos. A face dupla do moralismo udenista, transposto para 2010, realça o desbotamento de um Dorian Gray mal-acabado.
A campanha oposicionista padece de velhos vícios e truncamentos de origem. Parece acreditar que o povo, em toda a parte, é uma entidade incapaz e como tal deve ser tratado, sob pena de hecatombe social iminente. Deve-se também ameaçar a esquerda com a hipótese sempre latente de um golpe de Estado. E lembrar aos setores populares, principalmente à nova classe média, que se eles não tiverem juízo virão aí os bichos papões e, com eles, os massacres dos Kulaks, as igrejas fechadas, os asilos psiquiátricos, a supressão da liberdade, em suma, o socialismo sem rosto humano.
Essa agenda está superada, mas seu simples ressurgimento deve nos remeter a pontos importantes. Se atualmente é difícil calar organizações que expressam as demandas dos seus membros e representados, como é o caso do MST, do movimento estudantil e do mundo do trabalho, muitos obstáculos ainda têm que ser ultrapassados.
Exigir liberdades democráticas não é uma gesticulação romântica, desde que se dêem consequências às suas implicações. É preciso apostar na organização crescente das forças sociais com o objetivo de consolidar uma saída definitivamente nacional e popular para temas que vão da questão agrária ao controle social dos meios de comunicação.
A análise histórica mostra que, quando não avançamos na democracia concreta, damos aos seus adversários tempo para que se reorganizem, utilizando as oficinas de consenso para caluniar, difamar, fazer o que for necessário, para deter o ímpeto vital que lhes ameaça.
Nos dias de hoje, é preciso senso crítico sempre atilado, não se deixar envolver pela vaga e traiçoeira tese do aperfeiçoamento democrático a qualquer preço, pois as forças retrógadas costumam cobrar bem caro por nossas distrações ou equívocos. Por tudo isso, a eleição de Dilma Rousseff é um passo decisivo para erradicarmos de vez o cartorialismo econômico, a indiferença moral e a incompetência administrativa que marcaram vários governos até 2003.
Na Rua Tonelero, o futuro vislumbrado é o de um país que realizará suas potencialidades. O que importa saber é que atores são capazes de assegurar uma democracia com ênfase social, assentada também nos direitos individuais e na liberdade econômica. Nesse cenário, as bolinhas de papel passeiam na calçada. O vento - e não mais o cálculo político - dita o rumo de cada uma delas.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.
Fonte: Carta Maior, 23/10/2010.

sábado, fevereiro 06, 2010

miséria da ideologia

Da miséria ideológica à crise do capital

O livro da cientista social Maria Orlanda Pinassi emerge, em tempos de ilusões pós-modernas, na oposição da apologética acadêmica niilista. Pinassi reflete sobre a incidência do conceito de decadência ideológica na atualidade, principalmente diante das ideologias que pregam o “fim da história”, o “fim da ideologia”, o “fim do trabalho”. O grande mérito da autora foi resgatar a categoria decadência ideológica como um dos mais férteis instrumentos da crítica marxiana-lukacsiana. A resenha é de Ricardo Lara, professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Data: 04/02/2010

RESENHA

PINASSI, M. O. Da miséria ideológica à crise do capital: uma reconciliação histórica. São Paulo, Boitempo, 2009, 140p. (Coleção Mundo do Trabalho)

O livro da cientista social Maria Orlanda Pinassi emerge, em tempos de ilusões pós-modernas, na oposição da apologética acadêmica niilista. A teoria social articulada em seus ensaios alimenta-se na tradição ontológica materialista e dialética que se agarra a práxis revolucionária. Aliada ao conceito de decadência ideológica – “um dos mais férteis instrumentos da ciência marxiana da história” (PINASSI, 2009, p. 16) –, a autora oferece contundente arsenal de críticas as ideologias irracionais que se instauraram no pensamento social após a consolidação da hegemonia burguesa.

O conceito de decadência ideológica, elaborado por Georg Lukács (1885 – 1971) designa a crise espiritual da burguesia após 1848. Para Lukács (1968, p. 52) o que temos, com a evolução do pensamento social burguês, é a:

liquidação de todas as tentativas anteriormente realizadas pelos mais notáveis ideólogos burgueses, no sentido de compreender as verdadeiras forças motrizes da sociedade, sem temor das contradições que pudessem ser esclarecidas; essa fuga numa pseudo-história construída a bel prazer, interpretada superficialmente, deformada em sentido subjetivista e místico, é a tendência geral da decadência ideológica.

Pinassi reflete sobre a incidência do conceito de decadência ideológica na atualidade, principalmente diante das ideologias que pregam o “fim da história”, o “fim da ideologia”, o “fim do trabalho”. O pensamento burguês contemporâneo, na maioria dos casos, apresenta tendências que não se preocupam em construir conhecimentos que levam em consideração a materialidade social. O pensamento social faz das ciências sociais e humanas um mecanismo irracional que nega o desenvolvimento sócio-histórico e evita produzir conhecimentos que têm como pressuposto o mundo da atividade concreta e sensível do homem.

Nos tempos presentes a irracionalidade burguesa avança a passos vastos, as concepções científicas de todas as áreas do saber mostram-se capacitadas para responder as ânsias de um modo de vida que sobrevive entre a plena realização da coisa (fetiche do capital) e a barbárie social. As possíveis respostas para os fenômenos sociais e naturais que afligem a humanidade estão presentes em todas as ciências, mas os abismos entre a realidade social e suas percepções científicas geram concepções caóticas.

Os “paradigmas” científicos explicam o homem tentando buscar sua essência, mas não compreendem que a essência humana deve ser encontrada no conjunto das relações sociais, pois “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”. (MARX; ENGELS, 2007, p. 534).

A trajetória DA MISÉRIA IDEOLÓGICA À CRISE DO CAPITAL delongou aproximadamente 130 anos para sua RECONCILIAÇÃO HISTÓRICA, composta pelo ponto de partida, as “origens do processo da consolidação da hegemonia burguesa, momento pós-revolucionário que impõe uma enorme transfiguração das ideologias clássicas do século XVIII em ideologias apologéticas” (PINASSI, 2009, p. 11), e o ponto de chegada, a crise estrutural do capital iniciada nos anos de 1970, com seus limites absolutos, crônicos e implacáveis. O livro é uma denúncia imprescindível, um chamado para a consciência crítica e revolucionária, uma arma em potencial para combater as delirantes abstrações e aberrações ideológicas da atualidade. O grande mérito de Pinassi foi de resgatar a categoria decadência ideológica como um dos mais férteis instrumentos da crítica marxiana-lukacsiana. A autora indica com radicalidade teórica o vínculo e a coexistência da ideologia apologética com a eficiência da produção material capitalista.

A decadência ideológica desvenda o “racionalismo burguês”, justificador do desenvolvimento capitalista do final da segunda metade do século XIX, que se ancora no período imperialista, e concretiza-se nas crises cíclicas do século XX. Nessa processualidade social surgem os causídicos do sistema, com suas teorizações do “pleno emprego”, do “estado de bem estar social”, sustentadores da inconsciência burguesa. Pinassi expõe o poder da ideologia, revestida de apologética, que oferece sustentação para a acumulação capitalista. O conceito de decadência ideológica revela a crítica da totalidade social, revela a conexão entre força material e construção ideológica do sistema do capital, oferece a possibilidade da crítica, genuína e fecunda, que resgata a perspectiva ontológica.

Os ensaios que compõem o livro depositam confiança na alternativa socialista como a única opção para a sobrevivência da humanidade. Aborda questões fundamentais da transição socialista. Desmistifica a irracionalidade burguesa e abre o caminho para a teorização da revolução socialista, pois a história da humanidade não é algo dado e acabado como ampara o pensamento burguês apologético. A luta de classes e a constituição da classe revolucionária é o principal tema perquirido ao longo das páginas. Os textos abordam as principais polêmicas do projeto verdadeiramente socialista, Pinassi não teme em deixar evidente sua postura radical contra as ilusões irracionais acadêmicas pós-modernas.

Para isso ela inquieta-se com a universalização do capital e suas absurdas e cruéis formas de irracionalismo. Para levar a êxito tal posicionamento, nota-se, no livro, a atenta interlocução com as obras de Marx, Lukács e Mészáros, ganhando evidência a percepção audaz de extrair os debates nodais da crítica ontológica expirada na ciência da história marxiana. As interlocuções com os clássicos do pensamento marxiano rejuvenesce as críticas impenitentes ao capitalismo. Sem rodeios apologéticos, a autora vai a questão essencial: só é possível liberdade e democracia numa sociedade para além do irracionalismo burguês, da propriedade privada e da alienação.

O principal fundamento da crítica marxiana foi a descoberta de quê a produção e reprodução da vida social burguesa se estabelece pela dialética da propriedade privada e do trabalho estranhado. Nos onze ensaios do livro, observamos a crítica ontológica que orienta a humanidade na suprassunção da propriedade privada em busca da emancipação humana.

Temas e categorias teóricas – transição socialista, emancipação humana, revolução, propriedade privada, luta de classes, criminalidade, ecletismo, reforma agrária, consciência de classe, movimentos sociais – hesitados pelos cientistas sociais contemporâneos, ou criminalizados pelo irracionalismo burguês, ressurgem com autenticidade e necessidade histórica nos textos da autora. Esses assuntos são colocados na história e ganham significados ontológicos e transitórios. Observe a seguinte afirmação em relação a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST):

o que poderia constituir uma debilidade – ou seja, a particularidade histórica da luta pela reforma agrária – pode ser um dos seus maiores triunfos. Ou seja, da bandeira que evoca velhas contradições nacionais não resolvidas pode aflorar a consciência para as mais atuais formas assumidas pela exploração de classe e pela dominação imperialista. (PINASSI, 2009, p. 71).

Pinassi destaca a importância de analisar o MST como um movimento que luta pela transitoriedade, pela superação do sistema de funcionamento do capital. O MST é considerado uma base fundamental para compreender a práxis das atuais organizações alternativas constituídas no mundo do trabalho latino-americano.

A autora, ao abordar as temáticas polêmicas, questiona o medo dos homens contemporâneos, o temor que vem transvestido de mais alienação. A teoria social tem medo de questionar a realidade e colocar em xeque o metabolismo social do capital. Perante isso, evidencia-se a generosa crítica aos anticapitalistas românticos que não questionam a exploração da mais-valia e a propriedade privada, e aos que levantam a bandeira visionária dos “direitos das minorias”. A racionalidade pseudo-crítica não questiona as raízes das contradições da sociedade burguesa, ignora a luta de classes e não resgata a crítica a barbárie social imposta pela ordem do capital. Depois de ler o livro, percebemos o quanto e o porquê as ciências sociais e humanas estão tão distantes da realidade social.

Enfim, na contemporaneidade, muito se escreve e muito se lê sobre a sociedade humana e suas relações sociais submetidas à lógica do capital, mesmo aqueles que se pautam na crítica da sociabilidade burguesa acabam, em alguns casos, reproduzindo estilos acadêmicos oriundos da decadência ideológica. Pinassi diverge da maioria da intelectualidade atual, afronta o “tema” da emancipação humana como prioridade no debate das ciências sociais e humanas. O destemido livro representa a imprescindível crítica radical às ideologias apologéticas e, por conseguinte, irracionais. A leitura é uma interlocução, segura, com Marx, Lukács e Mészáros, na melhor maneira da aspiração ontológica, as análises são sobre determinadas condições de existência reais, históricas e transitórias, as críticas teóricas são sobre as relações de produção e reprodução da vida humana sob as contradições inconciliáveis do sistema do capital.

Referências bibliográficas

LUKÁCS, G. Marxismo e teoria da literatura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, 288p.

MARX; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo, Boitempo, 2009, 614p. (Coleção Marx e Engels)

PINASSI, M. O. Da miséria ideológica à crise do capital: uma reconciliação histórica. São Paulo, Boitempo, 2009, 140p. (Coleção Mundo do Trabalho)

(*) Professor Adjunto do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: ricbrotas@ig.com.br

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