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sábado, agosto 27, 2011
estado da arte em tecnologia, conceito e características do novo aparelho (?!!!)
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segunda-feira, julho 04, 2011
“vivemos uma era da ‘memória total’"
A era da memória total e do esquecimento contínuo
Na opinião do pesquisador Erick Felinto, “vivemos uma era da ‘memória total’, já que a digitalização dos suportes trouxe capacidades inauditas de armazenagem de informação”. Por outro lado, existe um excesso de informação e uma rapidez que produzem “esquecimento contínuo e um apagamento do passado. O que acontece, também, é que todos os ‘arquivos’, toda nossa memória, estão assumindo a forma do digital”. Estas ponderações fazem parte da entrevista a seguir concedida por e-mail à IHU On-Line. Felinto critica o fato de as relações “face a face” serem consideradas mais autênticas do que aquelas mediadas tecnologicamente, classificadas por vezes como “ilusórias”: “Isso é de uma ingenuidade absurda. O ser humano é uma criatura simbólica. Suas relações com o mundo são, desde sempre, ‘mediadas’. Minhas relações sociais nas redes podem ser tão ou mais intensas (ou superficiais) quanto minhas conexões ‘presenciais’”. Sobre as tecnológicas que pretensamente teriam revolucionado o mundo, é enfático: “Todas as tecnologias foram de algum modo ‘revolucionárias’, especialmente no contexto histórico de sua emergência. O desenvolvimento da escrita é tão (ou possivelmente mais) ‘revolucionário’ que o surgimento da internet”.
Erick Felinto é graduado em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e doutor em Letras pela UERJ, onde atualmente leciona. Cursou pós-doutorado na Universidade de Kunst, em Berlim, Alemanha. Com Ivana Bentes escreveu Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Porto Alegre: Sulina, 2010). Outras de suas obras são A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura (Porto Alegre: Sulina, 2005); Silêncio de Deus, Silêncio dos Homens: Babel e a Sobrevivência do Sagrado na Literatura Moderna (Porto Alegre: Sulina, 2008) e A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica (São Paulo: Ateliê, 2008).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em seu ponto de vista, quais são as tecnologias que revolucionaram o mundo?
Erick Felinto – O termo “revolucionário’ é próprio de uma abordagem tipicamente marqueteira e propagandística que caracteriza boa parte da literatura não acadêmica (e também, infelizmente, acadêmica) sobre o tema das tecnologias comunicacionais. Todas as tecnologias foram de algum modo “revolucionárias”, especialmente no contexto histórico de sua emergência. O desenvolvimento da escrita é tão (ou possivelmente mais) “revolucionário” que o surgimento da internet. E já está exaustivamente estudado como a retórica popular sobre a invenção tecnológica repete os mesmo chavões de um período histórico ao outro: o que se fala hoje sobre a internet é muito semelhante ao que se falou sobre o telégrafo no século XIX. Nesse sentido, procuro evitar expressões como essa, que produzem uma cegueira histórica danosa aos estudos de comunicação e tecnologia. Contudo, se em vez disso falarmos em transformações culturais tecnologicamente motivadas, então teremos, antes de qualquer coisa, que atentar para o caráter cíclico dessas mudanças. Essas “revoluções” parecem acontecer em ondas históricas de desenvolvimento, o que põe em cheque o discurso de “novidade radical” com que as tecnologias costumam ser apresentadas. Isso não significa que não existam novidades nem mutações radicais, mas elas são um traço contínuo da história humana – quiçá mesmo da história natural. A instauração das tecnologias digitais nos apresenta, porém, um traço interessante e singular. Eles produziram uma espécie de cesura histórico-tecnológica, no sentido em que todo tipo de informação – imagética, sonora, textual – passou a ser constituído em modo digital.
Uma língua universal
A “digitalização” do mundo é um acontecimento extremamente importante, pois atinge desde nossa visão da comunicação até nossa percepção sobre a vida, agora traduzida também em forma binária (o código genético, mapeado, por exemplo, no projeto genoma humano). Se quisermos entrar no domínio do imaginário, poderíamos especular que o digital realiza um antigo sonho da Filosofia: a criação de uma mathesis universalis, de uma língua universal capaz de traduzir tudo em bits e bytes. Desse modo, em lugar de falar de tecnologias que revolucionaram o mundo, prefiro assinalar essa peculiaridade do paradigma digital, que afeta de modo abrangente uma série de diferentes tecnologias.
Na base dessa perspectiva que prefiro adotar está uma concepção de história totalmente não linear, marcada por saltos e rupturas (ou “catástrofes”, como já se afirmou) em vez de continuidades. A história das tecnologias demonstra esse aspecto descontínuo da nossa experiência temporal. Ray Kurzweil defende uma teoria da evolução tecnológica caracterizada por transformações exponenciais ou longo da história. Ou seja, atualmente, num espaço de 40 anos, testemunhamos mais transformações do que se processou na duração inteira dos dois séculos antecedentes.
IHU On-Line – Sob quais aspectos essas tecnologias são revolucionárias e ainda prometem mudar ainda mais a vida dos sujeitos contemporâneos?
Erick Felinto – Como eu disse na resposta anterior, acho que essa expressão tremendamente problemática, e toda tecnologia desencadeia transformações radicais nos sujeitos que a vivenciam. Julian Jaynes, um psicólogo hoje quase que inteiramente esquecido, que tinha vínculos com a Escola de Toronto, desenvolveu a interessante tese de que a consciência não é um fenômeno “naturalmente” humano, e que tem, na verdade, uma data de nascimento e uma origem histórica (por volta de 3 mil anos atrás). A emergência da consciência, para ele, estava de algum modo conectada ao desenvolvimento da escrita, que teria auxiliado num processo de distanciamento do sujeito em relação a seu próprio self. Reformulando o que já foi dito: toda tecnologia é “revolucionária” porque reconfigura a cultura e os processos de subjetivação. No arquivo Flusser , em Berlim, descobri um texto inédito do filósofo no qual ele estabelece uma brilhante reflexão sobre toda a cultura ocidental a partir da invenção da roda (e dos automóveis). Mais importante que enumerar tecnologias particulares, é estarmos atentos para o tipo de reconfiguração que os aparatos próprios de nosso momento histórico estão produzindo. Nesse sentido, podemos afirmar que o computador, a internet e o paradigma tecnológico digital estão cooperando para uma profunda reconfiguração do que entendemos por “ser humano”. Não é à toa que o tema do “pós-humanismo” é um dos mais populares, hoje, no âmbito das ciências humanas. A separação entre o natural e o artificial – se é que ela realmente existiu algum dia – está para ser dramaticamente problematizada. Há fortes indicações de que o futuro trará uma reinvenção do humano, na qual a tecnologia será literalmente “incorporada” por nós, de tal modo que as fronteiras entre homem e máquina poderão se esfumaçar radicalmente. Se isso é positivo ou negativo, está aberto à discussão.
IHU On-Line – Numa cultura caracterizada pela comunicação de massas, qual é o lugar da memória e do esquecimento?
Erick Felinto – Não estou seguro de que nossa cultura ainda seja caracterizada pela “cultura de massas”. O digital problematizou esse conceito (mas não acabou com ele, como alguns parecem pensar), de modo que já não podemos falar hoje tranquilamente de uma “sociedade de massas”. Da multiplicação de emissores, graças a plataformas como blogs ou redes sociais, a fenômenos como a “Cauda Longa”, de Chris Anderson, as tecnologias digitais perturbaram amplamente a ideia de uma cultura de massas. Agora, é fato que os temas da memória e do esquecimento terão papel fundamental nos anos vindouros. Flusser, McLuhan, Benjamin, assim como outros pensadores das mídias mais recentes (por exemplo, Wofgang Ernst ou R. L. Rutsky), tomam essas questões como eixos fundamentais de suas reflexões. Vivemos uma era da “memória total”, já que a digitalização dos suportes trouxe capacidades inauditas de armazenagem de informação. Contudo, paradoxalmente, esta também é a era do esquecimento, marcada pela volatilidade da informação (e também das relações sociais). Se para Nietzsche, o excesso de memória era um grave problema para o homem do ressentimento, hoje talvez possamos afirmar que estamos realizando um projeto nietzscheano (ainda que de forma bastarda). O excesso de informação, a rapidez com que as coisas se processam produz um esquecimento contínuo e um apagamento do passado. O que acontece, também, é que todos os “arquivos”, toda nossa memória, estão assumindo a forma do digital.
Para usar uma metáfora tipicamente barroca, a internet pode ser imaginada como um “palácio da memória”. Desde a Antiguidade, temos notícia do ensino de técnicas de memorização baseadas na ideia da criação de “palácios” mentais nos quais se “armazenariam” as informações desejadas na forma de imagens e cenas (para uma excelente história dessas técnicas de memorização e dos “palácios da memória”, ver o livro de Frances Yates, The art of memory). Hoje, a internet funciona como nosso grande repositório da memória (em formas visuais, auditivas, escritas...), mas nosso maior problema passa a ser, agora, como, em meio à gigantesca névoa de dados que nos cerca, chegar à informação que é realmente relevante para nós, filtrando todo o inessencial.
IHU On-Line – O que podemos compreender por imaginário da cibercultura?
Erick Felinto – Imaginário é um conceito complexo e profundo, que pode ser definido de muitas diferentes maneiras. Para simplificar, digamos que um imaginário é, ao mesmo tempo, um repositório de imagens e uma “faculdade” de criação de imagens. Em outras palavras, um imaginário é uma tradução do mundo em imagens, compostas por mitos, símbolos, representações mentais. Uma forma rápida de definir o que seria o “imaginário da cibercultura” é explicar que nossa relação com os aparatos nunca é unicamente (ou mesmo prioritariamente) racional. Símbolos e mitos atuam frequentemente como mediadores de nossa relação com as máquinas, inclusive (e talvez especialmente) com os aparatos da cibercultura, como o computador. Aliás, poucas tecnologias foram tão poderosas em gerar imaginários como o computador, que aparece ao longo de nossa história – por exemplo, na ficção científica – como entidade dotada de vida autônoma, por vezes benéfica, por vezes maléfica. A história dos autômatos, como bem ilustra o belo estudo de Philipe Breton, À l'image de l'homme, mostra nossa relação contraditória com esses seres, que em nossas ficções frequentemente se voltam contra seus criadores. O mito de Frankenstein tem aqui um papel estrutural. Mas eu diria que o imaginário da cibercultura tem raízes fortemente religiosas, e explico isso melhor numa das respostas seguintes.
IHU On-Line – Analisando especificamente as tecnologias “mobilidade”, “computação em nuvem” e “objetos inteligentes”, que tipo de imaginário tecnológico pode ser constatado em nossa sociedade?
Erick Felinto – Essa pergunta confunde algumas categorias. Em primeiro lugar, “mobilidade” não é uma tecnologia, mas sim um aspecto relevante do paradigma tecnológico dominante na contemporaneidade. O fato de que os computadores e sistemas inteligentes podem estar em toda parte, a miniaturização dos aparatos e a possibilidade de conexão constante compõem o cenário tecnológico contemporâneo e fazem do tema da mobilidade um eixo importante. Mas obviamente, a mobilidade não é uma “tecnologia”. Em segundo lugar, ainda que esses três fenômenos possam se manifestar em conjunto, não há ligação direta necessária entre eles – e, portanto, não se compreende porque deveríamos tomá-los como balizadores especiais para uma definição do “imaginário tecnológico da nossa sociedade”. Se existe alguma relação importante entre os três termos é o fato de que nosso atual paradigma tecnológico é caracterizado pela ubiquidade. Não existe mais centro, não há mais uma “visibilidade” específica do tecnológico (que muitas vezes opera por trás de caixas pretas ou fora do alcance de nossos olhos). A noção de “internet das coisas” me parece, nesse sentido, extremamente reveladora. Imaginemos um mundo de máquinas diminutas operando por toda parte, todas conectadas entre si e desfrutando de uma espécie de “inteligência compartilhada”. Esse é um futuro bastante provável que nos aguarda e que mostra a profunda relação entre os aspectos materiais e imateriais da cultura tecnológica contemporânea – algo que nem sempre se percebe com a necessária profundidade.
IHU On-Line – O que é a religião das máquinas a que se refere em seu livro? Como essas máquinas ajudam a compor o imaginário da cibercultura?
Erick Felinto – A religião das máquinas é um título fantasioso, inspirado, por sua vez, num livro bastante fantasioso e estranho, La réligion des géants et la civilisation des insectes, de Denis Saurat. Ele pode ser lido tanto como uma imagem ficcional (imaginemos que as máquinas inteligentes desenvolvam uma cultura e criem sua própria religião...) quanto como indicador de um aspecto essencial do imaginário tecnológico contemporâneo: sua relação com a religião. Como já apontaram diversos autores, a cibercultura é pródiga em produzir mitos de cunho espiritual, como a ideia da internet como “Nova Jerusalém Celestial” ou do internauta como “anjo eletrônico”. Os vínculos da tecnologia com a religiosidade são bastante antigos, como demonstra o estudo de David Noble, The religion of technlogy. Desde pelo menos a Idade Média, ela é entendida no âmbito de um projeto de transcendência da condição humana, de modo a nos aproximar de Deus ou mesmo suplantá-lo. Um dos aspectos mais interessantes do mito bíblico da Torre de Babel (mas muito pouco estudado) é sua dimensão tecnológica. Os homens desenvolvem uma nova técnica para construir a torre e se acercar de Deus no céu. Mas com isso ameaçam o domínio da autoridade divina e são afligidos com a diferenciação linguística. Esse mito tem ressonâncias muito relevantes nos dias de hoje. Se prestarmos um pouco mais de atenção nas grandes fábulas contemporâneas da cibercultura, em suas representações ficcionais, vamos perceber claramente uma teia de valores ou noções religiosas ligadas ao mundo tecnológico. O filme Matrix, que analiso no primeiro capítulo do livro, é um excelente exemplo disso.
IHU On-Line – O que explica a postura de idolatria, euforia e inclusive de ingenuidade de algumas pessoas em relação às tecnologias como a internet, por exemplo?
Erick Felinto – Ela se explica, pelo menos em parte, por nossa colossal ignorância histórica. O discurso da “revolução tecnológica” se funda numa mitologia da transcendência que surge quando esquecemos o passado e deixamos de relativizar o “novo”. De fato, acho que o problema de muitos estudos sobre a cultura tecnológica, hoje, é sua extrema limitação de escopo – tanto em termos temporais (a assustadora ignorância de muitos pesquisadores em relação à história da tecnologia e da cultura) quanto de foco (o olhar é quase sempre microscópico, incapaz de enxergar os problemas numa dimensão panorâmica). A função de pensadores do “risco” – ou “proféticos”, como os define um amigo meu – é buscar esse olhar panorâmico que muitas vezes nos falta. Esses pensadores (Flusser é um bom exemplo) assumem muitos riscos e podem certamente cometer muitos erros. Contudo, até mesmo seus erros são frequentemente interessantes e reveladores. Bruno Latour, um pensador a quem muito admiro, escreveu com Antoine Hennion um texto sobre Walter Benjamin no qual critica radicalmente o famoso ensaio A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. O texto é sintomaticamente intitulado How to make mistakes at so many things at once – and become famous for this. Mesmo concordando com algumas das reprimendas dos autores a certas teses de Benjamin no ensaio, considero o artigo de Latour equivocado. Se Benjamin cometeu muitos erros – e ficou famoso por causa deles –, foi porque assumiu grandes riscos em seu pensar. E esses riscos e seus equívocos abriram o caminho para vários pensadores e teóricos depois dele. Como diz a célebre sentença de Bernardo de Chartres, “somos anões nos ombros de gigantes, mas por isso enxergamos melhor e mais longe”.
No Brasil, a pesquisa e o texto acadêmico no campo da comunicação vêm assumindo uma feição tecnicista e microscópica que acaba nos limitando a tabular números, analisar questionários e quantificar dados. Tudo isso é muito importante, mas o que marca a excelência num domínio do saber é o surgimento desse pensamento do risco, capaz de lançar sobre a realidade olhares mais vastos e mais fundados numa sinfonia de diferentes saberes articulados. Enquanto por aqui ficamos exaustivamente discutindo os limites legítimos e os fundamentos epistemológicos do “campo da comunicação”, em outros cenários acadêmicos estão se descortinando fascinantes novos temas e objetos de pesquisa ligados às mídias e à cultura das mídias. Para mim, um dos campos de pesquisa mais intrigantes que se descortinou nos últimos anos (com origem na Alemanha) é a chamada “arqueologia da mídia” (Archäologie der Medien). Creio que ela representa um antídoto importante contra a amnésia histórica que caracteriza boa parte da pesquisa sobre os meios hoje, mas pouquíssima gente no Brasil sabe sequer de sua existência.
IHU On-Line – O que pensa sobre a crítica de alguns teóricos que consideram que as redes sociais promovem uma ilusão de contato?
Erick Felinto – Não creio que se trate de ilusão. Aliás, por que razão devemos dizer que as relações “face a face” são “autênticas” e as mediadas tecnologicamente (nas redes sociais, por exemplo) são “ilusórias”? Isso é de uma ingenuidade absurda. O ser humano é uma criatura simbólica. Suas relações com o mundo são, desde sempre, “mediadas”. Minhas relações sociais nas redes podem ser tão ou mais intensas (ou superficiais) quanto minhas conexões “presenciais”. E meus contatos e relações fundamentais no dia a dia se dão tanto com seres humanos quanto com os aparatos e objetos que me cercam. Está mais do que na hora de revermos o humanismo rasteiro e o antropocentrismo ingênuo que operam, muitas vezes, no fundo das nossas interpretações do mundo. Ser humano é ser profundamente artificial e ter, desde sempre, uma relação visceral com a tecnologia.
Fonte: IHU Online 368 Ano XI, 04/07/2011
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segunda-feira, fevereiro 21, 2011
"Parece que estamos de volta a 1999…"
Prova de fogo
por Alexandre Matias
No início da retrospectiva de 2010 do Link, escolhemos o crescimento global do Facebook como um dos principais acontecimentos do ano passado. E, na matéria da capa da edição de 5 de dezembro, a repórter Carla Peralva entrevistou o autor do livro O Efeito Facebook (ed. Intrínseca), David Kirkpatrick. E, ao comentar como seria 2011 para a maior rede social do mundo, ele não pestanejou: “De onde veio o botão ‘Curtir’ vem muito mais. Especula-se que, quando o Facebook lançar suas ações na bolsa, a capitalização será tão alta que ele poderá ser a primeira empresa de um trilhão de dólares”.
Um trilhão de dólares? Nenhuma empresa na história chegou nem sequer à metade deste valor. No dia que estávamos fechando esta matéria, fui conversar com o repórter de economia Renato Cruz, que arregalou os olhos e foi consultar sua base de dados. US$ 419,4 bilhões é o preço da empresa mais valiosa do mundo, a Exxon. Cruz perguntou quem havia falado este valor, desconfiado, e ao quando disse quem era o autor – Kirkpatrick trabalhou por anos na revista Forbes –, ficou claro que não era só sensacionalismo.
Quando 2011 começou, veio uma série de notícias mostrando que, sim, havia uma expectativa muito grande em relação ao aumento de investimentos em empresas digitais – não só o Facebook. Embora a própria rede de Mark Zuckerberg tenha aberto o ano das especulações, ao ser valorizada, no primeiro dia útil do ano, em US$ 50 bilhões.
Não parou por aí. Janeiro ainda viu a rede social profissional Linkedin anunciar que abriria capital na bolsa norte-americana e viu seu preço subir para US$ 175 milhões. Analistas avaliaram o Foursquare, uma rede social há menos de dois anos em US$ 250 milhões. O site de compras coletivas Groupon, que quase foi comprado pelo Google no fim de 2010 por US$ 6 bilhões, estaria valendo US$ 15 bilhões. O Twitter dobrou de valor em menos de dois meses (de US$ 3,7 bi passou a valer entre US$ 8 bi e US$ 10 bi). Fevereiro viu a empresa de games sociais Zynga ser avaliada em US$ 10 bi e o blog Huffington Post ser vendido para a America Online por US$ 315 milhões. É muito dinheiro.
A última vez que se viu tanto dinheiro assim entrar no mercado de empresas digitais foi no final do século passado, quando os negócios da web passaram por seu primeiro grande trauma: a famigerada bolha de 1999 (veja mais no Personal Nerd ao lado). Será que este monte de dinheiro sendo injetado de forma tão rápida não seria indício que estaríamos assistindo a uma nova bolha se formando?
A bolha da web 2.0 é uma bola que vem sendo cantada desde os tempos em que o MySpace era uma rede social importante. Mas no início do mês, o ainda CEO do Google, Eric Schmidt (que deixará o cargo no próximo mês de abril), disse em entrevista a uma revista suíça que “há claros indícios de formação de uma bolha.”
Há quem discorde. Mas se lembrarmos que no início deste ano empresas como Netflix, Pandora e Zipcar viram seus valores aumentarem inesperadamente pelo simples anúncio de abertura de capital. E nomes grandes como Facebook, Linkedin, Twitter, Skype, Groupon e Zynga ainda estão para se tornar empresas públicas, não duvide que muito mais dinheiro será entornado neste ano. É a prova de fogo para o mercado digital. Se ele sobreviver a esta possível formação de bolha, aí sim estaremos em uma nova fase.
“Desde que o Groupon rejeitou 6 mi do Google, o setor está no centro da especulação e, com isso, veio o medo de que o Vale do Silício esteja inflando uma bolha das redes sociais” Daily Mail
“A valorização da Zynga disparou a preocupação de estarmos a caminho de repetir a bolha que sugou milhões de dólares de investidores uma década atrás” The Independent
“Enquanto as valorizações da internet disparam e mercado fica cada vez mais espumoso, muitos olhos se voltam para um alvo particularmente enigmático: o Twitter” The Wall Street Journal
“Facebook, Zynga, Groupon, Twitter e Linkedin. Essas cinco empresas se valorizaram acima da marca de US$ 1 bilhão. Parece que estamos de volta a 1999…” Business Insider
Fonte: Estadão | Link, 20/02/2011
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quinta-feira, janeiro 27, 2011
exclusivamente pela verdade e pela justiça
Julian Assange é entrevistado por internautas brasileiros
O texto a seguir foi encaminhado pela jornalista Natália Viana que tem feito a ponte com o Wikileaks no Brasil. Na semana passada ela me ligou e perguntou se toparia publicar no blog num horário pré-determinado (10h de hoje) a entrevista que segue.
Claro, que como outros blogueiros, topei [Renato Rovai – revista Fórum outro mundo em debate]. Acho fundamental abrir espaço para Assange e sua organização.
Mas também aproveito para reafirmar que discordo da opção adotada por eles de parceirizar a divugação dos dados dos documentos com a Folha de S. Paulo e O Globo no Brasil.
Segundo Assange, isso deve ao fato que o governo brasileiro é de esquerda e os jornais de direita. Bobagem. Há muito tempo os veículos da mídia tradicional tupiniquim deixaram de fazer jornalismo. O problema é esse. E não a postura editorial que assumem.
E também vamos combinar que o governo não é exatamente de esquerda. É uma frentona que vai da centro direita à esquerda.
Mas o que importa é a íntegra da entrevista que me foi enviada na madruga de hoje pela Natália Viana. Aliás, a Natália conta com minha torcida e apoio para ser eleita a jornalista do ano da Revista Imprensa. A despeito da minha divergência em relação à parceria com a Folha e O Globo, avalio que ninguém fez melhor jornalismo que ela no ano passado com essa cobertura do Wikileaks.
Entrevista organizada por Natália Viana
“Não somos uma organização exclusivamente da esquerda. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e pela justiça”. Essa é apenas uma das muitas afirmações feitas pelo fundador e publisher do WikILeaks, Julian Assange, em entrevista aos internautas brasileiros.
A entrevista será publicada por diversos blogs – entre eles, o Blog do Nassif, Viomundo, Nota de Rodapé, Maria Frô, Trezentos, O Escrevinhador e Blog do Guaciara.
Julian, que enfrenta um processo na Suécia por crimes sexuais e atualmente vive sob monitoramento em uma mansão em Norfolk, na Inglaterra, concedeu a entrevista para internautas que enviaram perguntas a este blog.
Eu selecionei doze perguntas dentre as cerca de 350 que recebi – e não foi fácil. Acabei privilegiando perguntas muito repetidas, perguntas originais e aquelas que não querem calar. Infelizmente, nem todos foram contemplados. Todas as perguntas serão publicadas depois.
No final, os brasileiros não deram mole para o criador do WikiLeaks. Julian teve tempo de responder por escrito e aprofundar algumas questões.
O resultado é uma entrevista saborosa na qual ele explica por que trabalha com a grande mídia – sem deixar de criticá-la -, diz que gostaria de vir ao Brasil e sentencia: distribuir informação é distribuir poder.
Em tempo: se virasse filme de Hollywood, o editor do WikiLeaks diz que gostaria de ser interpretado por Will Smith.
A seguir, a entrevista.
Vários internautas - O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?
Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso, trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.
Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia dos Estados Unidos.
Eduardo dos Anjos - Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?
O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos. Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa reputação. Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se vamos ou não publicar o seu material. Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica, que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por alguma ordem judicial.
Vários internautas - Que tipo de mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas esferas e o público?
James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças que acontecem quando o conhecimento é democratizado. Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação. Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma força equalizadora e democratizante na sociedade.
Marcelo Träsel - Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública mundial?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem. Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar informação às pessoas. O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras. Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar. O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós todos os dias.
Daniel Ikenaga - Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte maneira: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação do resto da população?” A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em uma determinada posição. Assim, o seu medico deve ser responsável por manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das circunstâncias – mas não em todas.
Vários internautas - Em declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos futuros? Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?
Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
Vários internautas - Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós. Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as publicações de documentos continuaram. Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.
Helena Vieira - Na sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as informações a que você teve acesso?
O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas revelações ainda está por vir. Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU. Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.
Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?
A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia multinacionais. Isso me parece correto. Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana) Saturday Night Live sobre a situação: “Eu te dou informações privadas sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o ‘Homem do Ano’.” Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas depois.
Vinícius Juberte - Você se considera um homem de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum. Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando obedientes a eles. Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas. Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
Ariely Barata - Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?
Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhuma produção de filme no momento. Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar “WikiLeaks Filme Noire”.
Fonte: Blog do Rovai, 26/01/2011
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sexta-feira, dezembro 24, 2010
uma ditadura anacrônica nos ameaça
As previsões de fim de ano e o futuro da internet
por Enio Squeff *
As previsões de fim de ano, por serem as cartomantes e profetas mais afeitos aos sortilégios do que à tecnologia, talvez devessem incluir um ou outro palpite quanto ao futuro da internet. O Departamento de Estado americano acaba de decretar a proibição de qualquer funcionário ou candidato a cargos no governo, de ler os documentos do WikiLeaks. É uma determinação que supõe a espionagem ou, máxime, um levantamento acurado dos subentendidos em qualquer texto para concursos a cargos públicos. Como ficará a questão da censura, e a liberdade de expressão deveria preocupar os defensores dos direitos civis, não apenas os quase todos que consideramos os EUA "a maior democracia do mundo".
Eric Hobsbawm, historiador inglês ainda vivo, logo que o neoliberalismo se impôs ao Ocidente como uma das consequências do fim do socialismo na URSS, augurou que os direitos trabalhistas estariam com seus dias contados. Não exagerou muito, já que todas as soluções para as crises na Europa e na Ásia estão a supor a diminuição dos salários e a "flexibilização das leis trabalhistas". Ademais, a censura não parece estranha nem mesmo a instituições de arte, como a Bienal de São Paulo. Por razões que o bom senso não nega, mas que a democracia não aceita, na feira de artes mais libertária que existe no País, uma moça que no ano retrasado pichou uma parede vazia da Bienal, pegou três meses de cadeia. Fica claro que o poder do mundo já não vê a democracia como um valor permanente ou absoluto. Há ameaças bem mais que previsíveis, a espreitar as diferenças.
Mas qual a importância da internet? Talvez na aparente liberdade que ela concede a quem quer que tenha um computador e a acesse. E que, em teoria, pode ter à mão todo o mundo do saber - da história, aos mais requintados cálculos matemáticos, além das informações sobre as fofocas entre diplomatas do mundo - incluindo-se os dos EUA. As previsões de fim de ano deveriam, por isso, incluir uma pitonisa da informática: ela nos contaria de que forma os filmes de ficção que previram um governo mundial a ditar o que podemos ou não ler, ou acreditar - se realizarão num contexto de controle virtual, da internet.
Desde os tempos imemoriais, sempre houve a resistência do poder à democratização da informação. Uma das teorias mais alucinadas, e que ainda ocupa alguns especialistas ociosos, é a de que Mozart foi assassinado por conta de segredos maçônicos que ele teria deixado transparecer na sua ópera "A Flauta Mágica". A peça, de fato, tem a ver com alguns ritos maçônicos aos quais o músico tinha acesso por ser membro da tal sociedade secreta. Mas se quase ninguém, de sã consciência, leva a sério tal possibilidade. A Igreja Católica, por sua vez, jamais discutiu que seu "Index Librorum Proihibitorum" (índice dos livros proibidos) deveu-se à invenção da imprensa por Guttenberg.
Na medida em que a alfabetização se tornasse universal, censurar livros ou proibi-los aos católicos, seria a única maneira de manter intacta a visão vaticana do mundo. É infindável o número de livros que há séculos fazem uma das mais interessantes bibliotecas de quantas existem em qualquer país. É a que o Vaticano recolheu por séculos a fio, e que derrisoriamente recebia a denominação de "inferno" pelo próprio clero. Eram livros considerados heréticos, facultados apenas a teólogos e exegetas altamente confiáveis. Dela, entre milhares de livros constavam (e ainda constam, já que não se sabe que tenha sido desmobilizada) o indefectível "O Príncipe", de Maquiavel, mas também algumas obras-primas da literatura como a "Utopia" de Thomas Morus. Apesar de canonizado, o Vaticano nunca perdoou ao intelectual inglês, morto por Henrique VIII, ter inventado uma sociedade ideal sem a propriedade privada, destituída da luta de classes, e onde o coletivo se sobrepunha aos interesses individuais.
Pode-se discutir as razões da Igreja - e ela as têm além da censura - mas o fundamental era o acesso irrestrito aos livros: eles revelavam, por exemplo, como na "Religiosa", de Diderot, que os conventos não eram só rezas, ou auto-flagelação. Podiam, inclusive, eventualmente, ser depositários de moças para o deleite de reis e nobres, como foram, em certa época, principalmente para a aristocracia de Portugal. Não se deu por um descuido, enfim, que um católico fervoroso como o ex-ditador português Antônio de Oliveira Salazar defendesse o analfabetismo quase como programa de governo: os livros, no fundo, não ensinariam nada de útil aos cidadãos de seu país. Entre a difusão do pecado pelos livros, e a salvação da alma pela ignorância, o grande defensor do catolicismo preferia interditar a seus compatriotas "Os Maias", de Eça de Queirós, "Eurico, o Presbítero", de Alexandre Herculano, mas também "Os Lusíadas", de Camões.
No caso da Internet, pouco a conjeturar. No próximo ano, todo o aparato do poder, que inclui parte da grande imprensa - principalmente essa - terá certamente de se ver, mais que nunca, com a amplidão ilimitada da internet. Há que se prever o que será o futuro também aqui. Ao que tudo indica, o WiliLeaks, é apenas um começo de conversa. Por outro lado, a bola de cristal, ou o Anjo anunciador que levou a Igreja a inventar seu "Index", muito provavelmente não se revelará a qualquer visionário - ou cartomante, mais eficiente do que, as que animaram Anthony Burgess e Stanley Kubrik, a fazerem previsões apocalípticas como as revelados no filme "Laranja Mecânica". Na obra, a suposição da sociedade repressiva não se faz no mundo russo, ou chinês - o que confirmaria o "Império do Mal", de Ronald Reagan,- mas naquele falado em inglês, num meio ambiente prá lá de conhecido, de inequívoca extração cultural do Ocidente, nada estranho, em suma, aos Papai Noéis, aos Beethovens ou à Coca-Cola.
O previsível mundo novo, seria a reedição dos piores pesadelos do fascismo ou do estalinismo, mas não num contexto de filmes e romances de tipo "noir" como nos legaram os grandes cineastas do passado - Fritz Lang, ou Charles Chaplin, para só citar alguns. Ou escritores como Kafka e Orwell para, de novo, só mencionar uns poucos. Naqueles e nesses, o mundo é preto e branco; no mundo virtual nunca deixará de ser uma bela paisagem - até quando pode ser colorida - só que nos limites de uma tela de computador. O sociólogo Francisco de Oliveira, ao discutir a inevitável crise do capitalismo, lembrou, há anos, que o filósofo Theodor W. Adorno, previa o ressurgimento do fascismo exatamente nos Estados Unidos, não em outro país qualquer.
Claro que tais assuntos não são matéria para pitonisas ou astrólogos de fim de ano - mas talvez interesse saber a forma com que o poder tratará a internet e a sua liberdade sem peias. A fogueira física dos livros - a cena famosa do "Dom Quixote", tão bem descrita no livro, quando o cura e o barbeiro queimam as obras que teriam enlouquecido o Cavaleiro da Triste Figura - é apenas um episódio exemplar do passado. Na Europa de Cervantes era corrente que os livros podiam abalar corações e mentes, o que não deixa de ser verdade ainda hoje. Santo Inácio de Loyola, criador da Companhia de Jesus, teria se convertido depois de ler "A Imitação de Cristo", de Tomas de Kempis - mas as tribos nômades e das cidades do Oriente Médio, que se juntaram ao Profeta, na formação do primeiro Império Islâmico, só o fizeram, no eco dos conceitos reunidos no Alcorão.
Os militares de 64 no Brasil, palmilharam, sem escrúpulos, a esteira da Idade Média, e da Inquisição, ao proibirem jornais e livros (e filmes, e novelas, e peças de teatro e músicas) durante a ditadura. Como justificou um dos ministros militares da época, o ainda vivo Jarbas Passarinho, se os comunistas proibiam livros - por que não imitá-los, vetando-os também do lado de cá do mundo? Era a lógica da oposição de uma ditadura à outra, exatamente dentro da mesma dinâmica de interditos e de violências. Na era da internet isso, evidentemente, não é mais possível. Difícil para um regime medievalesco evitar o que não seja concreto, visível, ao alcance das mãos de um esbirro qualquer.
No entanto, não só nas ditaduras, há também sempre o invisível da ficção de terror. Mesmo nos filmes e livros infantis, como "O Mágico de Oz" e "Alice no País das Maravilhas", os personagens são movidos por forças incorpóreas: conduzem-se como as Parcas da antiguidade helênica; elas tecem as existências inclusive dos deuses e nada as determina senão o Destino inexorável e inadivinhado - que, aliás, não valia só para os homens, senão também para as divindades. A internet, certamente, é também incorpórea, e num aspecto assemelha-se às parcas: em seu indeterminismo, ela traça destinos, denuncia crimes e encobre outros. Sob qualquer aspecto, porém, ela é a antítese do sistema de poder, da determinação ou do que ficou conhecido como "administração das vidas".
Seu terreno invisível constitui-se, até agora, numa espécie de terra da liberdade, do "laissez-faire". Talvez a conclusão seja precipitada, mas é a primeira vez na história em que, uma vez ultrapassada a cultura oral - o retorno à oralidade pode-se fazer sem os ouvidos das paredes. Pelo menos é essa, por enquanto, a regra do jogo.
Até quando?
Não para sempre, de certo. A invisibilidade da internet não é o mesmo que a opacidade do poder invisível. Esse talvez tenha como controlar as ingerências que ele próprio, o poder, nunca imaginou, embora o tenha gerado. Será, quem sabe, e - por enquanto - uma batalha virtual, mas a detenção física do dirigente do WikiLeaks, se não destrói sistemas, pode ser o mote para o seu controle. A China tem realizado ensaios aproveitáveis para quem quer que imagine uma internet devidamente domada - exequível, portanto, somente para os bem comportados.
As previsões catastróficas talvez não requeiram pitonisas ou cartomantes - mas inventores, ficcionistas. Eles preverão que os sonhos do poder são inextinguíveis. E imprevisíveis. Nenhum marxista sincero calculava que a revolução bolchevique desse no estalinismo. Jacques-Louis Davi (748-1825), o grande pintor de Napoleão, ferrenho defensor da Revolução de 1789 na França, sonhava com que a democracia sobreviria ao Império napoleônico; morreu na Bélgica, exilado, a assistir o retorno dos Bourbons na França.
As pitonisas e cartomantes são muito boas, parece, para preverem destinos individuais - não lêem nos astros ou nas cartas os caminhos da história. As tentativas de domar a internet são claramente uma tentativa de mudança na história. O lugar-comum de que a democracia é uma luta diária - talvez canse, mas não parece ter outro jeito de mantê-la.
Guimarães Rosa dizia sofrer horrores à vista de um novo livro que começava a despontar em seu cérebro. É o que parece ficar ao fim de cada ano para os que sabem o que é uma ditadura anacrônica; a virtual que nos ameaça no futuro deve ser bem pior.
* Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
Fonte: Carta Maior, 22/12/2010
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quinta-feira, dezembro 16, 2010
universalizar o acesso a uma internet aberta e livre
Wikileaks e o futuro da Internet
por Álvaro Díaz | Brasília
O gigantesco vazamento de documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que o Wikileaks pôs à disposição de cinco jornais de grande prestígio mundial, desencadeou uma crise de proporções muito maiores do que o Watergate ou a revelação dos papéis do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã.
Mas o que mais preocupa é a reação diante dos vazamentos, que sacodem a opinião pública mundial. A resposta foi dura e reforçará o segredo. Empresas como a Amazon excluíram o Wikileaks de seus servidores. Prestigiadas universidades norte-americanas recomendaram aos estudantes que não acessem o site da organização, porque assim colocariam em risco a possibilidade de serem contatados pelo governo dos EUA. Ao mesmo tempo, hackers suspeitos ativaram milhares de computadores zumbis para lançar ciberataques à infraestrutura do Wikileaks. Alguns extremistas de direita foram além. Não só querem a “morte digital” como pedem a prisão e a execução de Julián Assange.
Os vazamentos não terminaram e esta batalha apenas começou. Mas além das piadas e dos registros para a história, o que está em jogo aqui é a luta entre o controle e a liberdade da internet. Para entendê-la não se pode deixar-se confundir pelos tecnicismos. No fundo, toda a rede digital tem regras que podem incluir ou excluir, monitorar ou respeitar a privacidade, dar segurança ou insegurança, permitir a liberdade de expressão ou a censura. Sem dúvida, estas regras não se transformam em leis, mas em um software proprietário como o iPhone, como um software aberto como Wikipedia ou como tantos vírus que se espalham globalmente pela Internet, alguns dos quais não foram criados por hackers individuais, mas por Estados.
Em países autoritários, o controle é simples e direto: existe censura e é proibido visitar alguns sites. Em países democráticos, também existem poderosas forças que tentam controlar as redes digitais. A diferença é que os processos são mais sofisticados e avançam por vias paralelas. Por um lado, há uma tendência à concentração do poder econômico na internet, que se manifesta na importância crescente das redes proprietárias, tais como iTunes, NetFlix, Facebook, assim como as redes de celulares dominadas por empresas de telecomunicações.
Este movimento vem acompanhado por uma importante pressão para reforçar a propriedade intelectual na internet. Por outro lado, as corporações privadas e as organizações de inteligência tentam identificar preferências de consumo e vigiar a vida privada dos cidadãos, muitas vezes sem consentimento ou conhecimento dos mesmos.
A sociedade civil não se submete facilmente. Importantes grupos de opinião pressionam para que os tribunais competentes investiguem mais cuidadosamente os casos de abuso de monopólio e a vulnerabilidade dos direitos do consumidor na internet. Deste modo, existe uma crescente pressão social por mais transparência do Estado na internet, o que também acontece com os grupos econômicos e as grandes empresas privadas. Importantes ONGs se mobilizam para alcançar uma legislação de propriedade intelectual que equilibre os direitos do autor e o acesso social na internet.
Princípios
A batalha pelo controle e pelo acesso às redes digitais é o espelho da velha luta histórica sobre os princípios de igualdade, liberdade e democracia. O primeiro se refere à igualdade de acesso, que continua sendo relevante em nosso país, porque só um terço dos chilenos tem acesso diário à internet. O segundo se refere à liberdade de expressão em uma rede cujo objetivo é superar o oligopólio dos meios de comunicação. E o terceiro, ao fato de que a Internet deve ser uma ferramenta que faz da transparência a base fundamental de uma democracia republicana, uma transparência que deve ser efetiva e informal.
Neste contexto se desenvolve a disputa sobre o Wikileaks. As democracias conseguem superar as tendências concentradoras e autoritárias universalizando o acesso a uma internet aberta, inclusiva e sem censura? O que se impõem às redes proprietárias dominadas por monopólios que selecionam conteúdos, com Estados que desenvolvem sofisticados métodos de vigilância e legislações de propriedade intelectual excludentes que frearam a difusão do conhecimento e, portanto, a inovação? Não sabemos, mas é certo que a derrota da internet que conhecemos hoje poderia converter o sonho de uma sociedade da informação em uma utopia orweliana.
Evitemos mal entendidos. Agora não se propõe que tudo seja conhecido porque isto se choca com o principio da privacidade. Tampouco se trata de questionar a necessária discrição com a qual se deve operar toda a diplomacia. Mas tal como expressa a lei chilena, toda matéria pública deveria ser, em princípio, transparente, sempre quando não afeta a segurança nacional ou privada. Com isto, não me refiro só à administração publica, mas toda atividade privada que gera interesses externos ou que está associada à provisão de bens públicos, tais como saúde, educação, energia elétrica, água potável e outras.
A transparência é fundamental para impedir que nossa democracia seja prisioneira de poderes fanáticos e opacos, que tomam decisões que afetam a vida de milhões de chilenos. Não foi para isto que derrotamos a ditadura de Pinochet. Se queremos uma democracia inclusiva e efetiva, é indispensável universalizar o acesso a uma internet aberta e não controlada, porque com ela se construirão contrapesos efetivos aos poderes fanáticos, se deterão correntes autoritárias, ao mesmo tempo que inevitavelmente se terminará com o oligopólio dos meios de comunicação, substituindo-os por um espaço aberto, democrático e de ideias competentes.
Wikileaks e os principais jornais do mundo ocidental trouxeram uma imensa contribuição. Longe de ameaçar a segurança mundial, o grande vazamento de 2010 é uma fonte de ensinamento de como funcionam as relações de poder no mundo, tanto em países autoritários como em países democráticos. Nos primeiros já temos experiência, mas é nos segundos que o Chile tem que aprender mais. As democracias devem saber se defender de poderes fanáticos, sejam nacionais ou estrangeiros, que atuam de forma opaca e secreta. A receita é clara: para mais democracia e mais transparência, precisamos universalizar o acesso a uma internet aberta e livre.
* Álvaro Díaz é economista e ex-embaixador do Chile no Brasil
Fonte: Opera Mundi | Opinião, 15/12/2010
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domingo, dezembro 12, 2010
o meio pelo qual eu obtive as informações
Uma revolução começou — e será digitalizada
por Heether Brooke | Londres
A diplomacia sempre incluiu jantares com as elites dominantes, acertos de bastidores e encontros clandestinos. Agora, na era digital, os relatos de todas estas festas e diálogos aristocráticos pode ser reunido numa enorme base de dados. Uma vez recolhidos em formato digital, é muito fácil compartilhá-los.
Na verdade, é para isso que a base de dados Siprnet, de onde os segredos diplomáticos norte- americanos são vazados, foi criada. A comissão governamental criada nos EUA para avaliar a segurança nacional após o 11 de Setembro fez uma descoberta notável: não era o compartilhamento de informações que ameaçava os EUA, mas o não-compartilhamento. A falta de cooperação entre agências governamentais e a retenção de informações por burocratas desperdiçaram muitas oportunidade para bloquear os ataques contra as Torres Gêmeas. Em resposta, a comissão ordenou uma restruturação dos serviços do governo e da inteligência, para que se adaptassem à própria web. A nova prática era de colaboração e compartilhamento de informações. Mas, ao contrário de milhões de membros do governo e empresas terceirizadas, o público não tinha acesso à Siprnet.
Porém, os dados têm o hábito de se espalhar. Eles escorregam entre a segurança militar e também podem vazar pelo Wikileaks, o meio pelo qual eu obtive as informações. Eles violaram até os prazos de fechamento do Guardian e de outros jornais envolvidos na divulgação da história, quando um cópia clandestina do semanário alemão Der Spiegel acidentalmente chegou às bancas em Basle, na Suíça, domingo passado. Alguém a comprou, entendeu o que ela continha e começou a escanear as páginas, traduzindo-as do alemão para o inglês e postando no Twitter. Parece que os dados digitalizados não respeitam autoridade alguma, esteja ela no Pentágono, no Wikilieaks ou num editor de jornais.
Cada um de nós já viveu, pessoalmente, as enormes mudanças que vêm com a digitalização. Fatos ou informação que considerávamos efêmeros e privados agora são permanetes, públicos e agregáveis. Se o volume dos atuais vazamentos parece grande, pense nos 500 milhões de usuários do Facebook, ou nos milhões de registros mantidos pelo Google. Os governos mantêm nossos dados pessoais em enormes bases. Era caro obter e distribuir informação. Agora, é caro retê-la.
Mas quando os devassa de dados atinge o público, os governantes parecem não se importar muito. Nossa privacidade é disponível. Não surpreende que a reação aos novos vazamentos seja, agora, diferente. O que transformou, num sentido revolucionário, a dinâmica do poder não é a escala das revelações – mas o fato de que indivíduos podem tornar pública uma cópia de documentos do Estado. Em papel, estes vazamentos equivalem, segundo estimativas do Guardian, a 213.969 paginas A4, que teriam, empilhadas, a altura de 43 quilômetros. Algo impossível de vazar com segurança, na era do papel.
Para alguns, a novidade significa uma crise. Para outros, uma oportunidade. A tecnologia está rompendo as barreiras tradicionais de classe, poder, riqueza e geografia – e substituindo-as por um ethos de colaboração e transparência.
Um ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia, James Collins, disse à CNN que a revelação dos registros pelo Wikileaks “impedirá que as coisas seja feitas de forma normal e civilizada”. Muito frequentemente, “normal” e “civilizado” significa, na linguagem diplomática, fazer vistas grossas para injustiças sociais flagrantes, corrupção e abuso de poder. Depois de ler centenas de documentos, constato que muito dos “danos” que eles provocam é revelação embaraçosa e constrangedora de verdades inconvenientes. Em nome da segurança de uma base militar num dado país, nossos líderes aceitam um ditador brutal que oprime seu povo. Isso pode ser conveniente a curto prazo para os políticos, mas as consequências a longo prazo para os cidadãos do planeta podem ser catastróficas.
Os vazamentos não são o problema, apenas o sintoma. Revelam a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam e precisam e o que realmente fazem. Quanto maior o segredo, mais prováveis os vazamentos. O caminho para superá-los é assegurar um mecanismos robustos para acesso público a informação relevante.
Graças à internet, esperamos um nível muito maior de conhecimento e participação, em muitos aspectos de nossas vidas. Mas os políticos resistem resolutamente aos novos tempos. Vêem-se como tutores de um público infantil – que não merece nem a verdade, nem o poder real que o conhecimento oferece.
Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada.
Estamos num momento crucial, em que alguns visionários, na vanguarda de uma era digital, enfrentam quem tenta, desesperadamente, controlar o que sabemos. O Wikileaks é o front de guerrilha, num movimento global por maior transparência e participação. Projetos como o Ushahidi usam redes sociais para criar mapas onde os cidadãos podem relatar violências e desafiar a versão oficial dos fatos. Há ativistas empenhados em liberar dados oficiais, para que as pessoas possam ver, por exemplo, os orçamentos públicos em detalhe.
Por ironia, o Departamento de Estado dos EUA foi um dos grandes incentivadores da inovação técnica, como meio para levar a democracia a países como o Irã e a China. O presidente Obama exortou regimes repressores a deixar de censurar a internet. No entanto, uma lei que tramita no Congresso permite ao Procurador-Geral em Washington criar uma “lista suja” de websites. É possível acreditar numa democracia forte apenas para assuntos externos?
Os governantes costumavam controlar os cidadãos por meio do fluxo restrito de informações. Agora, está se tornando impossível vigiar o que a sociedade lê, vê e ouve. A tecnologia permite desafiar coletivamente a autoridade. Os poderosos vigiaram por muito tempo as sociedades, para controlá-las. Agora, os cidadãos estão lançando um olhar coletivo sobre o poder.
É uma revolução, e todas as revoluções geram medos e incertezas. Caminhamos para um Novo Iluminismo da Informação? Ou a revanche daqueles quer querem manter controle a qualquer custo nos levará a um novo totalitarismo? O que ocorrer nos próximos cinco anos definirá o futuro da democracia no próximo século. Por isso, seria ótimo que os nossos líderes respondessem aos desafios de hoje com um olhar sobre o futuro.
*Heether Brooke é jornalista, escritora e ativista pelo Direito à Informação. Nascida nos Estados Unidos, vive em Londres e colabora com o The Guardian. Artigo publicado originalmente no The Guardian e reproduzido pelo blog Outras Palavras.
Fonte: Opera Mundi | Opinião, 10/12/2010
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- O Diabo de Cada Dia
- O Dilema das Redes
- O Dossiê de Odessa
- O Escritor Fantasma
- O Fabuloso Destino de Amelie Poulan
- O Feitiço da Lua
- O Fim da Escuridão
- O Fugitivo
- O Gangster
- O Gladiador
- O Grande Golpe
- O Guerreiro Genghis Khan
- O Homem de Lugar Nenhum
- O Iluminado
- O Ilusionista
- O Impossível
- O Irlandês
- O Jardineiro Fiel
- O Leitor
- O Livro de Eli
- O Menino do Pijama Listrado
- O Mestre da Vida
- O Mínimo Para Viver
- O Nome da Rosa
- O Paciente Inglês
- O Pagamento
- O Pagamento Final
- O Piano
- O Poço
- O Poder e a Lei
- O Porteiro
- O Preço da Coragem
- O Protetor
- O Que é Isso, Companheiro?
- O Solista
- O Som do Coração (August Rush)
- O Tempo e Horas
- O Troco
- O Último Vôo
- O Visitante
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- Olhos de Serpente
- Onde a Terra Acaba
- Onde os Fracos Não Têm Vez
- Operação Fronteira
- Operação Valquíria
- Os Agentes do Destino
- Os Esquecidos
- Os Falsários
- Os homens que não amavam as mulheres
- Os Outros
- Os Românticos
- Os Tres Dias do Condor
- Ovos de Ouro
- P.S. Eu te Amo
- Pão Preto
- Parejas
- Partoral Americana
- Password, uma mirada en la oscuridad
- Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
- Perdita Durango
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- Por Quem os Sinos Dobram
- Por Um Sentido na Vida
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- Quero Ficar com Polly
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