"O "neo-desenvolvimentista"
acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de
medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia
nacional-desenvolvimentista dos anos 50", escreve José Luís Fiori, professor
titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da
UFRJ, em artigo publicado no jornal Valor,
30-11-2011.
Segundo Fiori,
"os desenvolvimentistas latino-americanos sempre compartilharam com os liberais
a concepção econômica do Estado do paradigma comum da economia política
clássica, marxista e neo-clássica. Esse paradoxo explica, aliás, a facilidade
teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma
líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar".
Eis o artigo.
"O capitalismo só
triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado".
Fernand Braudel, "O Tempo do Mundo", Editora Martins Fontes, SP, p: 34.
Fernand Braudel, "O Tempo do Mundo", Editora Martins Fontes, SP, p: 34.
O "debate desenvolvimentista" latino-americano
não teria nenhuma especificidade se tivesse se reduzido à uma discussão
macroeconômica entre "ortodoxos", neo-clássicos ou liberais, e
"heterodoxos", keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não
teria existido se não fosse por causa do Estado, e da discussão sobre a
eficácia ou não da intervenção estatal para acelerar o crescimento econômico,
por cima das "leis do mercado". Até porque, na América Latina como na
Ásia, os governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas, segundo
a ocasião e as circunstâncias, e o inverso também se pode dizer de muitos
governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou conservadores que
utilizaram em muitos casos, políticas econômicas de corte keynesiano ou
heterodoxo. O pivô de toda a discussão e o grande pomo da discórdia sempre foi
o Estado e a definição do seu papel no processo do desenvolvimento econômico.
Apesar disto, depois de mais de meio século de
discussão, o balanço teórico é decepcionante. De uma forma ou outra a
"questão do Estado" sempre esteve presente, nos dois lados desta
disputa, que acabou sendo mais ideológica do que teórica. Mas o seu conceito
foi sempre impreciso, atemporal e ahistórico, uma espécie de "ente"
lógico e funcional criado intelectualmente para resolver problemas de
crescimento ou de regulação econômica. Desenvolvimentistas e liberais sempre
compartilharam a crença no poder demiúrgico do Estado, como criador ou
destruidor da boa ordem econômica, mas atuando em todos os casos, como um
agente externo à atividade econômica.
Um agente racional, funcional e homogêneo,
capaz de construir instituições e formular planos de curto e longo prazo
orientados por uma idealização do modelo dos "capitalismos tardios"
ou do estado e desenvolvimento anglo-saxão. E todos olhavam negativamente para
os processos de monopolização e de associação do poder com o capital, que eram
vistos como desvios graves de um "tipo ideal" de mercado competitivo
que estava por trás da visão teórico dos desenvolvimentistas tanto quanto dos
liberais. Além disso, todos trataram os Estados latino-americanos como se
fossem iguais e não fizessem parte de um sistema regional e internacional
único, desigual, hierarquizado, competitivo e em permanente processo de
transformação. E mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de Estados
centrais e periféricos, e de Estados dependentes, falavam sobretudo de sistema
econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático, onde as
lutas de poder entre os Estados e as nações ocupavam um lugar bastante
secundário.
No fim do século XX, a agenda neoliberal
reforçou um viés da discussão que já vinha crescendo desde o período
desenvolvimentista: o deslocamento do debate para o campo da macroeconomia.
Como volta a acontecer com o chamado "neo-desenvolvimentismo" que se
propõe inovar e construir uma terceira via (uma vez mais), "entre o
populismo e a ortodoxia". Como se tratasse de uma gangorra que ora aponta
para o fortalecimento do mercado, ora para o fortalecimento do Estado.
Na prática, o "neo-desenvolvimentista"
acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de
medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia
nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um
pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se propõem
fortalecer, simultaneamente, o Estado e o mercado; a centralização e a
descentralização; a concorrência e os grandes "campeões nacionais"; o
público e o privado; a política industrial e a abertura; e uma política fiscal
e monetária, que seja ao mesmo tempo ativa e austera. E finalmente, com relação
ao papel do estado, o "neo-desenvolvimentismo" propõe que ele seja
recuperado e fortalecido mas não esclarece em nome de quem, para quem e para
quê, deixando de lado a questão central do poder, e dos interesses
contraditórios das classes e das nações.
Neste sentido, fica ainda mais claro que o
desenvolvimentismo latino-americano sempre teve um parentesco maior com o
keynesianismo e com "economia do desenvolvimento" anglo-saxônica, do
que com o nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que são a mola mestra
do desenvolvimento asiático. E que, além disto, os desenvolvimentistas
latino-americanos sempre compartilharam com os liberais a concepção econômica do
Estado do paradigma comum da economia política clássica, marxista e
neo-clássica. Esse paradoxo explica, aliás, a facilidade teórica com que se
pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma
líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar.
Fonte: IHU | Notícias, 30/11/2011
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