sexta-feira, fevereiro 18, 2011

nada além de esconderijos

nossos tempos..., todo o mundo pensa as mesmas trivialidades

O domínio do trivial

Hoje, cada vez mais, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos as mesmas trivialidades
por Contardo Calligaris
Aos vinte anos, leitor de Gramsci, eu entendia que o poder das classes dominantes se exercia de duas maneiras.
Havia a exploração econômica, com repressão eventualmente brutal das reivindicações dos trabalhadores (sem contar as guerras imperialistas).
E havia a outra face do domínio: o controle das idéias e das mentes, oculto e insidioso. Esse era o terreno de luta dos intelectuais: podíamos colaborar com a classe dominante ou, então, fazer o quê? Sermos porta-vozes de uma nova classe?
Não éramos totalmente ingênuos. Reconhecíamos os horrores do dito "socialismo real" e percebíamos que ele substituíra uma classe dominante por outra. A ditadura do proletariado não tinha por que ser melhor do que a ditadura da burguesia; talvez, aliás, ela fosse pior. Nosso sonho era outro: uma sociedade sem classes.
Pois bem, um espectador apressado poderia pensar que, enfim, realizamos a famosa sociedade sem classes - ao menos em parte.
Claro, desigualdades e exploração continuam; no entanto, é difícil distinguir a cultura da classe dominante das outras que lhe seriam opostas, porque, no fundo, mesmo quando parecemos discordar, pensamos todos igual.
Acabo de ler "L'Egemonia Sottoculturale", de Massimiliano Panarari (Einaudi, 2010). O autor, um intelectual de minha geração, faz uma crítica hilária da "subcultura da fofoca", que seria, segundo ele, a cultura dominante na Itália de hoje. Infelizmente, é difícil entender os exemplos no texto de Panarari sem ter sido espectador da televisão aberta italiana durante um bom tempo (e para isso é necessário dar prova de um certo heroismo). Mas o que Panarari diz não se aplica só ao caso da Itália.
Mundo afora, é cada vez mais difícil dizer algo que não faça parte de um senso comum que é feito de referências, ideias e, sobretudo, maneiras de pensar compartilhadas graças ao uso generalizado da mesma mídia.
Nesse quadro, pensar criticamente é árduo. Quem deseja convencer seus leitores ou espectadores de que ele pensa fora da trivialidade dominante tende a parecer-se com aquelas crianças que, de vez em quando, gritam "xixi e cocô" e, com isso, gabam-se de ter quebrado um grande tabú.
Nesse sentido, nos EUA, são cada vez mais populares radialistas, apresentadores e jornalistas supostamente "conservadores", que devem seu sucesso a uma vulgaridade e a uma truculência que parecem satisfazer a espera de todos por um pensamento novo, diferente. Um exemplo: um dos aspectos do senso comum é um respeito forçado das regras do politicamente correto. Diante disso, os ditos comentadores não inventam visões mais complexas e produtivas da diversidade social, mas, para criar a ilusão de que eles pensariam fora do senso comum, permitem-se, de vez em quando, dizer ou gritar "negro" ou "viado". Sua "ousadia" é tão inovadora quanto a das crianças do "xixi e cocô".
[...]
Segundo Panarari, a burguesia ganhou a luta pela egemonia jogando a carta do prazer: "Na década do hedonismo reaganiano, todos se convenceram, de repente, que estava na hora de divertir-se. Palavra de ordem: "Queremos folgar" e, por favor, evite-se empestar a existência, de qualquer maneira que seja, com política, cultura, economia e todas essas "coisas" assimiláveis a preocupações e aborrecimentos". Conclusão: a subcultura hedonista da fofoca é o novo ópio do povo.
Concordo (um pouco) com essa visão apocalíptica da cultura dominante. Mas discordo da ideia de que a subcultura da fofoca seja a invenção vitoriosa de uma classe específica.
Ela é, ao meu ver, uma consequência dos nossos tempos, pela razão que segue. Quando a midia é de massa, não há mais diferença entre manipuladores e manipulados, pois os próprios manipuladores, expostos à mídia, são manipulados por suas produções. Ou seja, progressivamente, todo o mundo pensa as mesmas trivialidades.
É o feitiço que enfeitiça o feiticeiro.
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 19/08/2010

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

tudo ao contrário então, faz da denúncia a confissão

o PT hoje. Um depoimento com conhecimento de causa

Éramos jovens e tínhamos cabelo

por Selvino Heck*
“Nada como iniciar o ano e descobrir que um dia cada um de nós foi jovem e tinha cabelo.” Assim comecei minha coluna semanal na Folha do Mate, jornal da minha terra, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, onde mantenho coluna semanal. No ‘Relembrando’, o jornal publicara notícia de janeiro de 1986, há 25 anos, quando o ex-governador e ministro Olívio Dutra, o hoje deputado estadual Raul Pont e eu visitávamos o município, num ato de filiação partidária. 
E arrematei: “No meu caso, a publicação histórica serviu para duas coisas pelo menos. Mostrar aos menos avisados, ou aos que não me conheciam então, que, sim, eu tinha cabelos (e barba comprida) e, sim, não tinha barriga. Fez-me lembrar também que fui vice-presidente estadual do PT junto com figuras ilustres como Olívio Dutra e Raul Pont. E que, de alguma maneira, os fatos históricos relatados e a trajetória de suas figuras maiores explicam o sucesso posterior do PT em Venâncio Aires e região, no Rio Grande do Sul e no Brasil.”
10 de fevereiro de 2011. Estou na Secretaria Geral da Presidência da República, depois de ter ficado oito anos na Assessoria do Gabinete do Presidente Lula. Olho ao redor e vejo Dilma Roussef, do PT, primeira mulher presidenta da República, Tarso Genro, governador do Estado do Rio Grande do Sul, vice-presidente estadual do PT gaúcho quando eu fui seu presidente, Marco Maia presidente da Câmara Federal, que conheci com 18 anos, metalúrgico e participante de grupo de jovens em Canoas, RS, Adão Villaverde, antigo companheiro de jornada, presidente da Assembléia do Rio Grande do Sul. 
Em 1986, o PT/RS elegeu a primeira bancada de 4 deputados estaduais, da qual eu fazia parte. Hoje tem 14 deputados estaduais. Elegeu 2 deputados federais, hoje tem 7, mais um senador. Elegeu 16 deputados federais no Brasil inteiro, hoje tem 88, nenhum senador, hoje tem 14. Elegeu os primeiros quatro prefeitos gaúchos em 1988. Hoje, só no Rio Grande tem cerca de 70 prefeitos, outros 70 vice-prefeitos em coligações e está presente em mais outros 70 governos municipais. E governa Venâncio Aires, com o PDT e outros aliados.
10 de fevereiro de 1980. Um grupo de abnegados militantes e lideranças sociais da Lomba do Pinheiro, conjunto de vilas entre Porto Alegre e Viamão, funda o núcleo do PT da Lomba. Concorre em 1982 com dois pedreiros a prefeito e vice em Viamão. Hoje governa o município de Viamão há 4 mandatos. 31 anos depois, o PT é governo em todos os níveis, é o maior partido brasileiro, o partido de esquerda mais importante do mundo.
Escrevo na Folha do Mate: “A vida passa, a história acontece. Se alguém em janeiro de 1986 (mais ainda em fevereiro de 1980) perguntasse a qualquer um dos participantes daquele ato em Venâncio Aires que o Partido dos Trabalhadores teria a trajetória que hoje, olhando para trás, ajudamos a construir, nenhum de nós imaginaria ou acreditaria, nem no melhor dos seus sonhos. É preciso ter ideais, perseguir sonhos e manter a coerência básica. Aí está a força do PT, de sua militância e o acerto da maioria dos seus governos.”
Mas será isso mesmo que aconteceu nestes 31 anos de história e luta? É possível dizer que o PT manteve a coerência básica, os ideais e os sonhos? Não é fácil construir um partido político no Brasil, um país onde a democracia ainda está em consolidação, onde partidos políticos pela primeira vez ultrapassam os 30 anos na legalidade, onde o povo sofrido começa a ter vez e voz no terceiro milênio e no século XXI, à base de muita luta, mobilização, ocupações, greves e protestos. 

Todos os que participamos dessa construção certamente podemos afirmar com orgulho algumas coisas (e outras nem tanto). O PT ajudou a construir a democracia, nas Diretas-Já, na Constituinte, na conquista e ocupação de espaços institucionais. O PT ajudou a construir os movimentos sociais, com todo seu enraizamento na sociedade e construção de direitos para todos e todas. Nos governos, o PT chamou a atenção para a desigualdade social e econômica e colocou como prioridade os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres, contribuiu na democratização do Estado e da sociedade com práticas como o Orçamento Participativo, a participação social, o diálogo e a parceria com a sociedade nas políticas públicas, apostou no desenvolvimento de um mercado interno de massas, afirmou a soberania nacional.
Mas se no seu início, anos oitenta, como dizia o saudoso deputado Adão Pretto, tinha um pé na luta social, outro pé na institucionalidade, com o passar dos anos o segundo pé foi ficando muitas vezes mais forte, às vezes até sufocando o pé da luta social e da construção coletiva. Nem sempre a ética, um dos princípios básicos de sua fundação, permaneceu como referência no trato com a coisa pública. Tampouco os sonhos de mudança e de transformação radical continuam todos vivos e presentes no dia a dia da ação política. Muitas vezes o pragmatismo tomou conta e sufocou a ousadia libertária e a construção democrática e coletiva. 
O mundo mudou, é certo, nestes 31 anos e qualquer partido político precisa saber ler a realidade. Chegar ao poder, ou pelo menos ao governo, leva a novos compromissos programáticos e novas formas de prática política. No essencial, contudo e apesar de tudo, eu que sou um de seus fundadores e nele permaneço, não me arrependo de ter contribuído na construção do Partido dos Trabalhadores, com milhares ou milhões de lideranças sociais, lutadores da boa causa, companheiros de mística, sonhos e utopia. O que, em termos de Brasil, não deixa de ser uma referência e algum sinal dos tempos. A melhor idade se aproxima, os cabelos são ralos, mas o desejo e a necessidade de mudança permanecem. 
(*) Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto, 10/02/2011

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

a matriz tecnológica não foi pensada para se relacionar com a natureza

‘Em nome da proteção à Amazônia, se ofereceu o Cerrado à devastação’*

Após a aprovação de modificações no Código Florestal, biomas como o Cerrado e a Caatinga, além da Amazônia, ficaram ainda mais ameaçados. Nesta entrevista, o geógrafo e professor da Universidade Federal Fluminense Carlos Walter Porto-Gonçalves explica que o agronegócio não é o único modelo possível para a agricultura. Para Porto-Gonçalves, muito mais importante do que discutir um código de florestas é pensar em um código de biodiversidade, que proponha a convivência fraterna os brasileiros e a rica natureza do país.
Para começarmos, quero te pedir uma análise sobre a política que o Brasil tem para o meio ambiente e o modelo de produção que vigora atualmente. Estes dois modelos são compatíveis?
Eu costumo chamar atenção que, se tomarmos como referência os últimos 30 ou 40 anos, é exatamente neste período que nós temos o debate sobre a problemática ambiental. E no mesmo período temos, paradoxalmente, o processo mais intenso de devastação que a humanidade já presenciou. Nunca se devastou tanto o meio ambiente, quanto mais se falou em salvá-lo. O Brasil neste caso é emblemático. Por exemplo, no início da década de 60, temos o início da construção de Brasília e aí se abre um conjunto de estradas a partir do Planalto central para ligar todo o país a Brasília, então, há a abertura dos cerrados à exploração. E ao mesmo tempo, com a rodovia Belém-Brasília, que é de 1962, há o avanço, sobretudo, da pecuária sobre a Amazônia. Então, se tomarmos como referência o que significaram para a Amazônia e o Cerrado estes últimos 30 ou 40 anos, já temos uma ideia do profundo processo devastador pelo qual o país passou neste período. E isso exige fatalmente que todos aqueles que estão preocupados com a questão ambiental revejam suas ações, porque a consciência ecológica não tem significado um passo em direção ao compromisso com a superação do problema ecológico. É como se a consciência fosse insuficiente, porque não está se traduzindo em práticas que apontem para uma sociedade mais sustentável, embora o que mais se fale hoje em dia seja exatamente sobre sustentabilidade, mas sem que se discuta quais são as razões para a insustentabilidade. Nos últimos 40 anos nós tivemos um avanço tecnológico no mundo que permitiu o aumento geral da produtividade em 30% em relação ao que se tinha antes, mas na verdade há o aumento do consumo de recursos naturais em 50%. Hoje há informações de que já temos um consumo anual de recursos naturais numa proporção que ultrapassa 30% da capacidade natural que o planeta tem de produzir biomassa anualmente. Estamos sacando em uma conta que não tem fundo. A questão do aquecimento global, do efeito estufa, é fruto do êxito do sistema e não de uma falha do sistema. A própria matriz tecnológica na qual vivemos não foi pensada para se relacionar com o planeta e com a natureza e isso é grave, porque se fosse a falha do sistema, consertaríamos o sistema, mas é o êxito, e precisamos avançar para além dele.
E como o senhor analisa a conjuntura atual para este avanço?
Estamos vivendo um momento extremamente difícil, sobretudo nestes últimos 40 anos. Eu me lembro do Lula em São Bernardo do Campo convocando aquelas assembléias em Vila Euclides com 80 mil operários. Hoje em dia, se você convocar todos os operários daquelas fábricas são muito menos que 80 mil. Além disso, houve o deslocamento de fábricas para outras regiões e com isso tirou-se muito do poder que a própria classe trabalhadora tinha de contestar o capital, até pela sua concentração espacial. Essa reorganização do espaço geográfico mudou a correlação de forças políticas entre o capital e o trabalho a favor do primeiro. E, ao mesmo tempo, há meios poderosíssimos de comunicação conformando as subjetividades. Hoje vemos a crise dos partidos políticos em geral que, de certa forma, estão sendo substituídos pela mídia, que praticamente hoje são os partidos políticos de fato. Na Venezuela, na Bolívia, no Equador, países que de certa forma tem governos que se colocam de alguma maneira, mesmo que com ambigüidades, contra o neoliberalismo, quando se liga a televisão você vê com muita clareza aquilo que no Brasil não aparece de forma tão clara, embora se faça exatamente a mesma coisa. Um autor chamado Félix Guattari costumava dizer que são máquinas de fabricação da subjetividade e têm um poder fantástico. Obviamente que não são unidirecionais, as pessoas não são passivas diante da mídia, mas a mídia tem um poder de pautar a vida cotidiana, de ocupar as casas das pessoas. E estamos vivendo esse momento inclusive de falta de alternativa e de um sistema que ao mesmo tempo está moribundo.
No modelo de produção agrícola hoje existem dois modelos em disputa, o do agronegócio e o da agricultura familiar. O senhor pode caracterizar estes modelos e  dizer que implicações têm a utilização de cada um?
O modelo do agronegócio é o dos grandes latifúndios empresariais, de monocultivos de exportação, altamente energívoros, aquívoros, com perdas de solo, contaminação das águas, além de uma poluição invisível, que é uma poluição genética. Tudo isso tem a ver com o mundo do agronegócio, que sabemos que no fundo é capaz de produzir muitos grãos, mas o faz com tamanha concentração de poder, sobretudo poder sobre a terra, que ao mesmo tempo em que produz muitos grãos também produz muitos trabalhadores sem terra. Os trabalhadores sem terra são um produto natural do agronegócio. E o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é uma tentativa de organização de um movimento social que politicamente procura se reapropriar da terra, e no escopo desses movimentos de resistência contra esse modelo tem surgido todo um modelo de agricultura familiar de base camponesa. Esse modelo tem na agroecologia e nas experiências da cultura tradicional camponesa os seus dois grandes pilares. E tende para a policultura, a diversidade de produção, voltado muito mais para o mercado local e regional, ao passo que o outro modelo está operando sempre em termos de mercados globais. Isso configura um debate interessante que está sendo colocado no Brasil, e de que infelizmente a sociedade brasileira tem ficado privada pela mídia do acesso ao contraditório. Até porque quem geralmente financia os jornais nacionais no horário nobre da televisão não é a agricultura familiar nem camponesa, geralmente são as grandes corporações aliadas do agronegócio. Aliás, no site da ABAG – Associação Brasileira do Agribusiness – constam como parceiros dos agronegociantes o Grupo O Estado de São Paulo e Globo de Comunicação, dois dos mais poderosos grupos empresariais ligados aos negócios de mídia. Só isso explica por que num caso como o que envolveu a empresa Cutrale o invasor de terras apareça como vítima e o movimento social que derrubava os monocultivos de laranja para exportação para plantar alimentos e denunciava a invasão de terras aparecesse na televisão como criminoso.
Como é que o senhor avalia a aprovação deste projeto de lei que modifica o Código Florestal?
Falar em código florestal hoje é um retrocesso. Por que não um código de biodiversidade? As oligarquias latifundiárias ligadas ao Cerrado estão muito preocupadas em tirar o Mato Grosso e o Tocantins da Amazônia. Com esses estados não sendo mais compreendidos como áreas de floresta, eles ficariam livres para explorar o Cerrado. É preciso ver o que está por trás da discussão deste código florestal. É interessantíssimo no Brasil como o velho consegue aparecer como novo. No século XVI, o que mais se exportava no mundo era o açúcar. E, ao contrário do que nos ensinaram nas escolas, o açúcar não é matéria prima. A cana de açúcar, sim, é matéria prima, mas o Brasil não exportava cana de açúcar, exportava o açúcar. À época o Brasil, Cuba e o Haiti eram os maiores produtores mundiais de produtos manufaturados com grandes latifúndios modernos empresariais de exportação – plantation. E continuamos a ter rigorosamente a mesma coisa hoje, com a tecnologia de ponta de nossa época, ou seja, com tratores e com computadores que são tão modernos hoje como o eram os engenhos de açúcar àquela época. Então, temos hoje uma pressão para alterar o código de floresta, que eu insisto: é um retrocesso. Porque o Cerrado é uma região extremamente importante, se você olhar o mapa do Brasil você vai ver que as grandes bacias hidrográficas brasileiras têm as suas grandes fontes no Cerrado brasileiro. Quem melhor entendeu isso foi talvez o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Guimarães Rosa. Ele dizia que as chapadas são verdadeiras caixas d’água, onde nascem vários rios. Ele era um homem inteligente, deu à sua mais brilhante obra o título Grande Sertão: Veredas – o grande sertão são aquelas chapadas enormes, e as veredas são os fundos dos vales onde vivem os camponeses. Ele conseguiu mergulhar naquela cultura com uma profundidade tal que conseguiu fazer com que ela fosse compreendida em todos os lugares do mundo.
O Código florestal, por ter inclusive essa denominação, acaba escondendo essa falta de atenção com os outros biomas, é isso?
Na verdade acaba sendo uma maneira indireta de você dizer lá fora que você está cuidando das florestas no Brasil. A questão da floresta, em certo sentido, é um dos pontos importantes do debate ambiental global. Mas esse é um dos lados do problema, o outro lado é a erosão genética da biodiversidade que se dá a partir do monocultivo. Esse lado eles não querem falar. Por isso que eles querem discutir o código de floresta e não o código de biodiversidade. De certa forma, em nome da proteção à Amazônia, se ofereceu o Cerrado à devastação e, com isso, nós estamos tendo problemas gravíssimos.
A partir da discussão desse projeto de lei os movimentos têm defendido a manutenção do código florestal de 1965. Qual a sua avaliação sobre essa defesa?
Tem que discutir, mas não é essa a transformação que se quer. Obviamente, se temos um código florestal de 1965, significa dizer que ele não foi pensado nesse novo quadro de debates contemporâneos, então, obviamente, deveria estar sendo discutido. Mas como incorporar a biodiversidade como um valor efetivo para a sociedade? Como fazer uma sociedade se desenvolvendo com a natureza e não contra a natureza? O código está sendo modificado para se ampliar as áreas de devastação, então, lamentavelmente, a defesa do código já mostra a posição que os movimentos sociais estão hoje no Brasil – numa posição defensiva. Eles [os movimentos] não estão sendo capazes de ser propositivos, porque a hegemonia dos setores que ganham dinheiro e acham que o crescimento ilimitado é a verdadeira solução da humanidade, está tão poderosa que consegue propor nessa altura do campeonato essa mudança do código florestal. O Equador é o primeiro país do mundo onde a natureza entra na Constituição como portadora de direitos, porque lá a força dos movimentos sociais conseguiu pautar isso. Em abril, tivemos em Cochabamba, na Bolívia, 35 mil pessoas de 142 países na Primeira Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas para discutir não o efeito estufa, o aquecimento global, mas quais são as causas disso. Mas quem ouviu falar pela mídia brasileira que 35 mil pessoas, entre 19 e 22 de abril, se reuniram em Cochabamba para se discutir uma alternativa ao que havia sido discutido lá em Copenhagen? A mídia brasileira não divulgou. Eu estive lá e fiquei maravilhado com a qualidade do debate e com as questões que foram levantadas, inclusive, a proposta de uma Declaração Universal dos Direitos da Madre Terra que deverá abrir espaço para criação de um Tribunal Mundial de Justiça Ambiental que puna os crimes contra a natureza. Está sendo encaminhado um Referendum Mundial sobre o aquecimento global e creio que essa questão se torna um tema comum a todos os movimentos sociais que lutam pela reapropriação social da natureza. Essa é a questão de fundo: afinal, o capitalismo expulsa os camponeses e os povos originários da terra e os transforma em dependentes do salário e do dinheiro para viver, assim como usa a terra para fazer negócio. Trata-se de nos reapropriarmos socialmente da natureza e tecermos novos horizontes de sentido para a vida. Eis o espírito de Cochabamba.
(*) Entrevista com Carlos Walter Porto-Gonçalves realizada por Raquel Júnia
Entrevista da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 14/02/2011

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

em favor dos interesses da banca privada

A carga ideológica do conservadorismo

O gasto público mais estéril e de menor efeito benéfico para o conjunto da sociedade é o gasto de natureza financeira. Se a intenção do governo é realmente liberar recursos para infra-estrutura e gastos de natureza social, que se promova a redução da taxa de juros para diminuir o impacto de gastos financeiros no orçamento.
Cada vez mais eu me surpreendo com a força com que as idéias conservadoras e ortodoxas conseguem se impor e atravessar fronteiras ideológicas antes consideradas mais autênticas e preservadas das influências típicas dos que atuam, propõem e operam segundo os interesses das chamadas classes dominantes. Em suma, os que reproduzem a todo instante os desejos e as necessidades do capital, em especial daquele vinculado ao ramo das finanças.
Mais uma vez estava me preparando para escrever sobre um tema mais prospectivo, algo mais tranquilo. Mas a leitura dos jornais desse início de final de semana não me permitiram escapar de tratar das manchetes que certamente dominarão os debates dos dias a seguir. O núcleo duro da equipe da Presidenta Dilma acaba de anunciar - de forma dura, séria e solene - que o governo vai promover um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União para o ano de 2011.
Na verdade, os verdadeiros desdobramentos operacionais de tal decisão não estão completamente claros nem mesmo regulamentados por medidas de menor importância hierárquica. Afinal, quais serão mesmo as consequências práticas de tal ato governamental? Muitos políticos experientes, particularmente os parlamentares com muitos mandatos de atuação no interior do Congresso Nacional, não se preocupam muito com a matéria. Dizem que já viram tal cena montada uma enorme quantidade de vezes, com diferentes atores, múltiplos personagens, diretores de diversas tendências, produtores de origens variadas, mas com final quase sempre parecido. Ou seja, muita encenação e pouco resultado prático. Trata-se, de acordo com eles, de um jogo de cartas marcadas entre os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo. Uma espécie de “me engana que eu gosto” e que no frigir dos ovos pouco ou quase nada muda de forma substancial. O governo tenta demonstrar uma faceta de “austeridade e responsabilidade”, alguns congressistas reclamam da “dureza” das medidas e depois “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Um alto custo político inicial para quem anuncia e depois até dezembro tudo se ajeita.
Mas, afinal, a que vem o anúncio de tal medida, mal passados 40 dias sob a presidência de Dilma Roussef? Ao que tudo indica, trata-se de um novo passo na mesma direção da triste notícia de algumas semanas atrás, quando o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BC) resolveu elevar a taxa oficial de juro, a SELIC, de 10,75% para 11,25% ao ano. Em tese, um retrocesso em relação ao período de maior afastamento das condições menos rígidas da ortodoxia monetária, tal como verificado ao longo dos anos 2008 a 2010.
O discurso oficial se baseia em um tripé de argumentações. Em primeiro lugar, a voz fica empolada para discorrer a respeito da necessidade de uma condução responsável da política fiscal e monetária. Em segundo lugar, cria-se um cenário aterrorizante com o risco potencial do retorno da inflação a níveis mais elevados, como ocorria nos anos 1980 e 90. Finalmente, fala-se na necessidade de buscar o equilíbrio orçamentário e na geração do todo poderoso superávit primário. Pronto! Diante de um quadro tão catastrofista quanto esse, aí realmente ao governo não restaria mesmo outra alternativa a seguir.
Porém, o fato é que tal argumentação e os elementos para análise caberiam muito bem e adequadamente na boca dos assessores das entidades vinculadas ao setor financeiro, que estão formados e habituados a trabalhar e a raciocinar de acordo com os interesses do capital. Mas não oferecem a menor sinceridade ou autenticidade quando proferidas por representantes do governo capitaneado por um partido que diz defender os interesses dos trabalhadores! 
De acordo com autoridades envolvidas com a decisão, trata-se de uma medida que também tem por objetivo fazer com que o governo consiga atingir com maior facilidade a meta de superávit primário. E aqui, mais uma vez, revela-se com toda a evidência a maneira quase vergonhosa com que se rende à carga ideológica do conservadorismo tupiniquim. Ora, como explicar a existência dessa preocupação tão pungente com tais metas na forma de apurar a contabilidade entre receitas e despesas públicas? Ainda mais agora, nesse período pós crise econômico-financeira internacional, em que as próprias instituições multilaterais – a exemplo do FMI e do Banco Mundial, entre outras – iniciam um lento, complexo e difícil processo de avaliação e de auto-crítica (sim, podem acreditar! Pode parecer incrível, mas é verdade!) de todas as políticas de ajuste levadas a cabo ao longo das últimas décadas pelos continentes afora.
Mais uma vez, parece estarmos face ao comportamento típico do “bom mocismo”, que tão bem caracterizou o primeiro mandato do Presidente Lula, quando a cadeira do Ministro da Fazenda era ocupada pelo atual Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci. Lá no início de 2003, poucas semanas após a posse de Lula, sua equipe surpreendeu o Brasil e o mundo, ao oferecer - assim de mão beijada - sem nenhuma exigência oficial por parte de nenhuma instituição do mundo financeiro internacional, uma elevação unilateral da meta de superávit primário. Na verdade, uma demonstração inequívoca de uma postura: abrir mão da defesa dos interesses nacionais em favor dos interesses da banca privada internacional.
Quem quiser que faça sua pesquisa. Nada como uma “gugouzada” para recuperar a memória histórica. A sincronicidade chama a atenção para essa medida anunciada agora no dia 9 de fevereiro. É que no dia 7 de fevereiro de 2003, uma semana antes da chegada de uma equipe do FMI ao Brasil, para demonstrar quão sérios eram os propósitos do governo recém-empossado, Palocci anunciava que o Brasil iria realizar um esforço fiscal ainda maior, elevando o superávit primário de 3,75% para 4% do PIB. Uma loucura!
Mas por que tamanha preocupação dos sucessivos governos com tal conceito, o tão famoso superávit primário? Na verdade, trata-se de uma sofisticação de natureza retórica para um propósito nada nobre. 
Normalmente, quando se discute e se analisa a política econômica de um País, um dos aspectos a serem considerados é o equilíbrio nas contas públicas. Em síntese, como anda a relação entre tudo aquilo que o Estado arrecada e o que ele gasta. Se o nível de despesas vem se revelando estruturalmente mais elevado do que a capacidade de levantar recursos, isso pode significar que o nível da dívida pública poderia estar aumentando ou ainda (como acontecia mais no passado) o governo poderia estar lançando mão da emissão de moeda para fazer face às suas necessidades e isso poderia ter algum efeito inflacionário no futuro. Em princípio, nada contra. É sempre bom mesmo estar atento a esses indicadores e fazer os alertas necessários para as possíveis correções de rumo.
Porém (e sempre tem um porém), o pulo do gato surge com o conceito mesmo do “superávit primário”. Que vem a ser uma forma matreira e esperta de retirar um tipo muito especial de gasto público – os gastos de natureza financeira. Ou seja, os gastos que o Estado realiza que estão relacionados com o pagamento de juros e demais serviços da dívida pública. Assim, aqueles mesmos que defendem com todo o ardor a “seriedade e a austeridade na condução da política fiscal” – leia-se, contenção dos gastos públicos, são os mesmos que criaram o conceito de “superávit primário” e não mais apenas o tradicional de “superávit fiscal”. Ué, mas não se trata de apenas um outro adjetivo para designar o mesmo fenômeno? Não! Quando se calcula o superávit primário, não estão incluídas as despesas financeiras. Moral da estória: a autoridade econômica deve ter toda a liberdade e a obrigação para gastar e honrar todos os compromissos com o setor financeiro, associados ao pagamento do volume astronômico de juros previsto no Orçamento. Depois de calculadas e efetuadas essas despesas sem nenhum tipo constrangimento, aí sim. Vamos, então, começar a avaliar a necessidade de austeridade na condução das contas públicas, pois afinal o nível de despesas está muito exagerado, o País não suporta esse volume de gastos e blá-blá-blá.
E, assim, mais uma vez voltamos ao nosso trivial debate sobre a suposta impossibilidade de conceder o reajuste no salário mínimo tal como merecido pela grande maioria de nossa população, sobre a recusa em alterar o mecanismo de cálculo para se conceder aposentadorias sem o famigerado fator previdenciário, sobre o cancelamento de nomeações de novos servidores já aprovados em concursos públicos, entre tantos outros gastos públicos essenciais ao desenvolvimento nacional.
Se o governo está mesmo preocupado com os gastos públicos, que os encare como um conjunto e estabeleça a prioridade na forma da despesa a ser reduzida. Com toda a certeza, o gasto público mais estéril e de menor efeito benéfico para o conjunto da sociedade é o gasto de natureza financeira. Mas, como essa verdade dói e grita, a forma escamoteada de fugir de tal realidade é encher a boca e deitar falação a respeito do “superávit primário”. Uma forma travestida de transferir recurso público para o setor privado, que já superou a cifra de R$ 1 trilhão desde aquele anúncio de fevereiro de 2003. Em suma: o gasto com juros é nobre e intocável. Os demais devem ser cortados.
E uma lembrança para finalizar: se a intenção do governo é realmente liberar recursos para infra-estrutura e gastos de natureza social, que se promova a redução a taxa de juros para diminuir o impacto de gastos financeiros no orçamento. A próxima reunião do COPOM será realizada nos dias 1° e 2 de março. No caso, se houver mesmo vontade política, basta um telefonema da Presidenta Dilma ao Presidente do BC, Alexandre Tombini.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto, 10/02/2011

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

“precisamos apostar num outro modelo de sociedade"

Armadilhas da fome e a geração de lucros para o mercado

Para o geógrafo Antônio Thomaz Jr., a crise de alimentos que assola o planeta é consequncia de um modelo agrícola que tem como prioridade seguir as leis mercadológicas. Ao comentar a produção de biocombustíveis no Brasil, o pesquisador alerta, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line: “a expansão” desses produtos “anunciará a redução da área plantada e da produção propriamente dita de alimentos”. Para reverter esse quadro, sugere, “precisamos apostar num outro modelo de sociedade, edificado sob o compromisso da liberdade, autonomia e independência dos homens”.
Antônio Thomaz Jr. é formado em Geografia, pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Possui mestrado e doutorado na mesma área, pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é pesquisador da UNESP/Presidente Prudente e docente nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia. Entre suas obras, destacamos Por trás dos canaviais os nós da cana (São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002).
IHU On-Line – O senhor disse, em outra entrevista concedida à IHU On-Line (conferir box ao final desta entrevista), que qualquer possibilidade de transformar matérias-primas renováveis em combustível é interessante. Essa posição se mantém mesmo quando se trata de utilizar alimentos como milho, soja e cana-de-açúcar?
Antônio Thomaz Jr. - Eram contextos diferentes, mas, do ponto de vista estrutural, teórico, continuo pensando que a substituição das fontes de energia não renováveis (petróleo, gás natural, carvão mineral, atômica) tinha como motivação apostar num outro modelo de organização da sociedade, calcado na sustentabilidade ambiental/social da produção/fornecimento de energia, em bases sociais e organizativas que pudessem responder ao bem-estar de produtores e consumidores. Mas, diante de mais uma tomada de assalto do grande capital para a produção de energia, o que se tem é a hegemonização desse tema pelos interesses dos grandes conglomerados empresariais oligopolistas que travestiram o ideário inicial, a partir do momento que fizeram valer seus interesses econômicos de controlar a produção/distribuição/circulação de energia e, conseqüentemente, usufruir de mais uma possibilidade para a maximização dos seus lucros.
É nesse turbilhão que o abandono dos fundamentos conservacionistas, a garantia da biodiversidade e a participação social plena na formulação/execução de estratégias públicas para obtenção de alternativas de energia renovável, em especial a partir de biomassa, são radicalmente modificados e travestidos. Nesse cenário, há prevalência do modelo concentracionista e destrutivo do capital, renovado nos anos 1990 sob o império neoliberal. Esse intento está se viabilizando por dois caminhos bem definidos. O primeiro, por meio de campanhas publicitárias e com o apoio de políticos em geral, chefes de Estado e de governo, sindicalistas, pesquisadores etc. O segundo se soma ao primeiro, e se enraíza nas políticas públicas que aceitam e internalizam as pressões do grande capital, dos produtores de soja, para garantir privilégios.
Em 2007, o Brasil produziu 843 milhões de litros de biodiesel, e, para atender à determinação dos 3% a serem adicionados a óleo diesel, a partir de julho de 2008, será necessário que as 52 plantas processadoras produzam 1,2 bilhão de litros, e, seguindo as expectativas anunciadas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção deverá atingir 4,0 bilhões de litros até 2011, fortalecendo, ainda mais, a expansão da monocultura da soja.
IHU On-Line – O senhor relata que o problema da fome está relacionado às desigualdades de classe. Levando esse aspecto em consideração, é possível dizer que a produção de biocombustíveis pode contribuir para o agravamento da crise de alimentos, uma vez que para o cultivo do biocombustível são destinadas áreas da agricultura que poderiam ser utilizadas para a subsistência e produção de alimentos?
Antônio Thomaz Jr. – Numa sociedade que está fundada na exploração de trabalho e na apropriação individual da riqueza produzida socialmente, tem-se, portanto, elementos contraditórios estruturantes do funcionamento do processo social como um todo. Sabendo disso, nessa fase de mundialização do capital, a necessidade da alimentação requer que pensemos de forma articulada o sistema produtivo dos alimentos e, desse modo, no esquema, na organização e na estrutura de produção, bem como nos objetivos e nos pressupostos para produzir e consumir com base nas reais necessidades dos consumidores. Assim, torna-se necessário também abastecer os mercados consumidores próximos às áreas de produção.
Ilusões do mercado
O modelo de dominação do capital, mais propriamente a comercialização de alimentos no mercado mundial, influi muito negativamente no que diz respeito à estrutura produtiva familiar camponesa, sendo que a isso se liga a idéia difundida pelas transnacionais agro-químico-alimentares e financeiras de que a produção agropecuária tem que servir ao mercado.
Para complementar essa idéia, tomamos o quadro social e político que é negligenciado, esquecido, omitido, obrigando milhares de homens a participarem de conflitos e lutas. As mudanças macroestruturais no formato produtivo das matérias-primas de origem agropecuárias, em nível planetário, na agroindustrialização, a circulação/distribuição dos cereais nobres (soja, milho) nas mãos de seletos grupos de transnacionais, que também estão fazendo parte da equação da produção de biodiesel, fazem com que a fome preocupe a humanidade em pleno século XXI.
O medo que setores importantes da burguesia e do grande capital têm manifestado publicamente está fundamentado nos estrangulamentos das contradições sociais, expressos criminosamente pela quantidade crescente de famintos e das mobilizações que pipocam por vários cantos do planeta (Haiti, Egito, Filipinas, Brasil, Nicarágua, México, Índia). Se não bastasse o cinismo de que “é necessário barrar a imoralidade da produção de biocombustíveis em detrimento da produção de alimentos”, qualquer pessoa desavisada poderia ser ludibriada.
Nesse depoimento, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn,  expõe as fissuras e disputas internas dos setores dominantes, mas, por contar com o apoio e sustentação política em nível internacional dos grandes conglomerados transnacionais e dos Estados, defende nichos de mercado e não propriamente ações concretas que garantam acesso aos alimentos para as populações pobres.
É o caso recorrente que envolve o Estado brasileiro em defesa da inserção dos biocombustíveis produzidos no Brasil, nos países europeus, sem barreiras econômicas, fitossanitárias etc., sendo, pois, esse expediente valioso instrumento para combater a alta dos preços dos alimentos.
Essas ações, segundo o chanceler brasileiro Celso Amorim, seria a melhor demonstração, por parte do FMI, de garantir renda interna para que não se tenha a situação da fome agravada no país, sendo que a imoralidade da produção de biocombustíveis não se aplica ao Brasil porque a produção de álcool etílico não ameaça a produção de alimentos. Mas aqui reside um engodo, pois, seja no Brasil, seja em qualquer outra parte do planeta, a expansão dos agrocombustíveis anunciará a redução da área plantada e da produção propriamente dita de alimentos. Comecemos pelo exemplo norte-americano de expandir a área de plantio de milho para a produção de metanol, o que em dois anos, desde 2006, já foi capaz de mexer estruturalmente com a redução dos estoques internacionais e a conseqüente elevação dos preços dessa commoditie e de outros que a ele se vinculam para dar movimento à ciranda especulativa tão desejada pelos players das transnacionais que atuam nas Bolsas de mercadorias espalhadas pelo mundo.
Caso brasileiro
No Brasil, os estragos são evidentes, apesar de mascarados pelo próprio presidente da República, como os efeitos do expansionismo da cana-de-açúcar, particularmente em São Paulo. Nossos estudos estão sinalizando que a maior parte das terras férteis agricultáveis estão sob o controle dos empreendimentos do agronegócio, sendo que a cana-de-açúcar ocupa lugar de destaque, não só em São Paulo, mas nas porções do território objeto da expansão recente ou que se consolidam nesse circuito, tais como Mato Grosso do Sul, Triângulo Mineiro, Sul-Sudoeste de Goiás, Noroeste do Paraná, o que denominamos de quadrilátero do agronegócio no Brasil. Os efeitos podem ser sentidos na retração das áreas de produção de alimentos, a começar pelo feijão, pelo arroz e pela produção de leite, o que se não se constata também para o Pontal do Paranapanema, exceto para o feijão, devido à expectativa de continuidade da alta dos preços.
IHU On-Line – Se a produção de alimentos aumentou nos últimos anos, podemos dizer que essa crise é, em boa medida, especulativa? O preço dos alimentos aumentou porque as commodities se tornaram objeto de especulação?
Antônio Thomaz Jr. – Essa pergunta nos remete a um repensar estrutural do modelo atual da produção agropecuária no mundo. Basta lembrar que a capacidade produtiva e a produção propriamente dita de alimentos, particularmente cereais e carnes, têm aumentado ano a ano e o número de famintos cresce com maior intensidade.
Sustentados pelo modelo de organização em grandes extensões de terras sob a regência da propriedade privada, os conglomerados transnacionais também expropriam, subordinam e sujeitam a estrutura familiar/camponesa em todo o planeta, e, por meio das mega-plantas de processamento agroindustrial, controlam a produção/circulação de alimentos, exercendo, também, controle sobre a produção de sementes reengenheiradas e transgênicas. O que esquecem de informar é que nesse quadro há outros processos que (re)definem a escala de dominação e a amplitude da destrutividade da crise atual. Antes, porém, é necessário reafirmar que a estrutura bifronte que garante o controle e o poder do capital na dinâmica dos espaços produtivos agropecuários, em nível mundial, tem, de um lado, os desdobramentos da commoditização da produção de alimentos e, portanto, toda a dimensão especulativa, e, por outro, em decorrência do primeiro, a produção de alimentos continua sendo orientada somente com o objetivo mercadológico. Isto é, se serão ou não consumidos não é o mais importante, pois a regência do valor de troca subordina a utilidade e o acesso aos alimentos aos reais interesses do metabolismo do capital.
IHU On-Line – É possível relacionarmos essa crise de alimentos ao aquecimento global e as mudanças climáticas?
Antônio Thomaz Jr. – Todos esses elementos se interligam e, de alguma maneira, redefinem o quadro caótico do século XXI. Mas não é possível apostarmos que a escassez de alimentos motivada pelas seqüelas climáticas e ambientais (salinização, desertificação, secas prolongadas, inundações) seja o epicentro da atual crise. Até porque o que está em pauta não é a escassez, mas, sim, a dificuldade de acesso da população pobre à produção de alimentos por falta de renda. Se afinássemos nossas atenções para a cadeia alimentícia, notaríamos a existência de cartéis controlados por umas 10 empresas transnacionais, que estão aliadas formal ou informalmente a umas 40 empresas de tamanho médio, que compõem o cartel das seis transnacionais de grãos: Cargill, Continental CGC, Archer Danields Midland (ADM), Louis Dreyfus, André y Bunge and Born. Dominam praticamente os principais cereais/grãos (milho, trigo, soja, cevada etc.), passando para as carnes, os lácteos, óleos, vegetais, o açúcar e as frutas, mas também se ramificam por meio de outras empresas e holdings para o setor de agrocombustíveis/biocombustíveis.
IHU On-Line – Levando em consideração os recursos naturais existentes no Brasil, o senhor diria que o país tem chances de contribuir para a solução da crise alimentícia mundial? Como o país pode participar politicamente desse processo?
Antônio Thomaz Jr. – Haveríamos de refazer esse questionamento, para ter clareza do que exatamente estamos pensado em construir. Se a opção for para reforçar o que já se sustenta pela via da mercantilização, não há solução, sobretudo para os famintos e para as populações empobrecidas. Precisamos apostar num outro modelo de sociedade, edificado sob o compromisso da liberdade, autonomia e independência dos homens do jugo de outrem. A humanidade pode e deve caminhar para essa direção, porque se não seu fim é anunciado, diante do destrutivismo imanente do capital.
IHU On-Line – O senhor afirma que somente com os movimentos sociais e a classe trabalhadora a soberania alimentar poderá anunciar significados emancipatórios. Qual a participação desses grupos nesse projeto?
Antônio Thomaz Jr. – Penso que somente pela via da Reforma Agrária, substanciada sob os referenciais da Soberania Alimentar, podemos vislumbrar conquistas emancipatórias para os excluídos.
Para viabilizarmos a produção sustentável de alimentos, é necessário que sejam atreladas políticas e ações concretas e efetivas de manutenção dos camponeses e suas famílias na terra, em condições de viver e produzir dignamente e que tudo isso esteja vinculado: a) à adoção de técnicas e de tecnologias de acordo com as necessidades e desejos dos próprios trabalhadores, com o objetivo de garantir a alimentação e as necessidades da sociedade; b) à importância de manter a produção camponesa vinculada a circuitos curtos para privilegiar a produção em todos os lugares possíveis, mantendo qualidade e sanidade dos alimentos, conservando não somente seu fornecimento regular, mas também os laços culturais; c)a o acesso aos recursos terra e água, mas referenciado na idéia de serem bens comuns e que devem estar sob o controle dos trabalhadores, para que os verdadeiros fins sejam garantidos, evitando assim a desertificação, a salinização das terras e o uso indevido; d) à defesa da autonomia dos camponeses para a construção do socialismo como alternativa para toda a sociedade.
Por isso, nosso interesse em inserir a discussão sobre a classe trabalhadora no mesmo ambiente da Reforma Agrária, da Soberania Alimentar. Disso surge uma reflexão também central para nós, que está radicada nos significados a priori – não no sentido ontológico e objetivo – dos conceitos-chave que estamos abordando, o que nos remete à existência histórica e ao plano das lutas e dos enfrentamentos efetivamente travados e não o que se espera que poderia ocorrer de forma restrita à seara sindical. Talvez algumas indagações sejam oportunas para o momento: quem ameaça mais a hegemonia do capital? São os de dentro ou os de fora da classe trabalhadora?
Fonte: Ecodebate, 10/02/2011. Publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

assim mantém e aprofunda a política neoliberal

Confirma-se drástico ajuste fiscal
O Portal G1 mostra o corte gigantesco de R$ 50 bilhões do orçamento de 2011, anunciado pelos Ministros da Fazenda e Planejamento. Confirmam-se, assim, todos os alertas dados pela Auditoria Cidadã da Dívida em diversas edições anteriores deste boletim, a respeito de um enorme ajuste fiscal do governo Dilma, que assim mantém e aprofunda a política neoliberal dos governos anteriores.
por Auditoria Cidadã da Dívida em 09-02-2011.
A justificativa oficial para estes cortes é que isso reduziria a quantidade de dinheiro em circulação na economia, reduzindo a atividade econômica e a inflação, permitindo assim que o Banco Central não subisse os juros para combater a alta de preços. Porém, o país já aplica esta política de cortes de gastos sociais há mais de uma década e ainda praticamos a maior taxa de juros do mundo, que ainda vai subir mais!
Na realidade, todos estes cortes ceifam direitos sociais urgentes da população brasileira para priorizar o pagamento da questionável dívida pública, que deveria ser auditada, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
Outra consequência destes cortes é mostrada pelo Jornal Estado de São Paulo: o governo fechou questão sobre o valor do salário mínimo de R$ 545, e enquadrou a sua base parlamentar a votar a favor deste valor. Os deputados que votarem por um valor maior poderão ser punidos.
O argumento é sempre o mesmo: falta de recursos para o pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, ignorando que a Previdência está inserida na Seguridade Social, cujas receitas superaram as despesas em R$ 32,6 bilhões em 2009, conforme publicação da ANFIP (pág 19), valor este suficiente para elevar o salário mínimo para R$ 660.
O Jornal O Globo repercute a taxa de inflação de janeiro (IPCA, que atingiu 0,83%), citando a opinião de especialistas ligados ao mercado financeiro de que seria necessário se aumentar os juros (que já são os maiores do mundo) para segurar a alta de preços.
Porém, analisando-se a composição desta inflação, conforme divulgado pelo IBGE, verifica-se que nada menos que 67% desta inflação se deveu aos itens de transportes e alimentos, ou seja, decorreu principalmente dos aumentos nas tarifas de ônibus (definidos pelos municípios) e de queda na oferta de alimentos.
É importante comentar que um aumento na taxa de juros pelo Banco Central não faz com que os prefeitos deixem de aumentar as tarifas de ônibus, nem faz com que haja uma maior oferta de alimentos, e nem que as pessoas deixem de consumir estes alimentos, ou deixem de pegar ônibus.
Na realidade, as altas taxas de juros beneficiam os rentistas da dívida pública, às custas do povo.
Fonte: IHU, 10/2/2011

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

somos todos leigos e aventureiros

Todos os reis estão nus

Que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez, sejam eles reis ou não
por Contardo Calligaris
.
Já está em cartaz (pré-estreia) "O Discurso do Rei", de Tom Hooper. O filme foi indicado ao Oscar em doze categorias; a atuação de Colin Firth (o rei) é tão inesquecível quanto a de Geoffrey Rush (o  terapeuta).
Resumo. Quando George 5º morreu, o filho primogênito lhe sucedeu (com o nome de Eduardo 8º), mas por um breve período: logo ele abdicou, por querer uma vida diferente daquela que o ofício de rei lhe proporcionaria. Com isso, o cadete, duque de York, tornou-se rei -inesperadamente e num momento decisivo: era a véspera da Segunda Guerra Mundial.
O duque de York (e futuro George 6º) era tímido, temperamental e, sobretudo, gago -isso numa época em que, graças ao rádio, a oratória dos ditadores incendiava as praças do mundo: na hora do perigo, para que serve um rei se ele não consegue ser a voz que fala para o povo e por ele?
O filme, imperdível, conta a história (verídica) da relação entre o rei e seu terapeuta, Lionel Logue, um fonoaudiólogo australiano pouco ortodoxo. Eis algumas reflexões saindo do cinema.
1) Qualquer terapia começa com uma dificuldade prática: uma impotência, a necessidade de um conselho, uma estranha tensão nos ombros, uma gagueira. A relação terapêutica se constrói a partir dessa dificuldade: o terapeuta é quem saberá nos livrar do transtorno, seja ele fonoaudiólogo, terapeuta corporal, eutonista, psi (de qualquer orientação) etc.
Quer queira quer não, a ação do terapeuta é dupla: relaxaremos o ombro, exercitaremos a dicção ou endireitaremos o pensamento do paciente, mas, de uma maneira ou de outra, acabaremos mexendo nas fontes de um mal-estar mais geral que talvez se manifeste no transtorno.
2) Há, às vezes (mais vezes do que parece), escondidas no nosso âmago, ambições envergonhadas ou vergonhosas, que não confessamos nem a nós mesmos. Quando sua realização se aproxima, só podemos inventar jeitos de fracassar, porque, no caso, não nos autorizamos a querer o que desejamos.
Obviamente, detestamos a voz do terapeuta que se aventura a nos dizer o que queremos mas não nos permitimos. Essa voz atrevida é a única aliada de desejos que são nossos, mas que encontram um adversário até em nós mesmos.
3) No trabalho psicoterapêutico, o segredo de polichinelo é que, por mais que suspendamos diplomas em nossas salas de espera, somos todos leigos e aventureiros. Não sei se existem cursos ou estágios que ensinem a ouvir o que Logue ouve e entende do desejo escondido do duque de York. Certamente não há formações que ensinem a coragem maluca do terapeuta do rei, seu esforço para se colocar, sem medo, ao serviço do que o duque e futuro rei não quer saber sobre si mesmo.
4) Pensando bem, Logue (como Freud) tinha, sim, uma formação que o qualificava como conhecedor da alma humana e especialmente da dos reis: a leitura de Shakespeare.
5) Quase sempre, chega o dia em que um paciente descobre que seu terapeuta sabe muito menos do que ele (o paciente) imaginava. O paciente pode até pensar que o terapeuta, atrás de seu bricabraque de saberes práticos, é um impostor. É ótimo que isso aconteça, pois, geralmente, é sinal de que o paciente descobriu que ele também é um impostor. No caso, o terapeuta não é qualificado para ser terapeuta, exatamente como o rei não é qualificado para ser rei. (Parêntese: em geral, é assim que nasce uma amizade: os dois se tornam amigos por aceitarem estar ambos nus, como o rei da fábula - mesmo que seja só por um instante.)
Não há como ser terapeuta ou rei sem alguma impostura. Todos carregamos máscaras. Avançamos mascarados, enfeitados por mentiras que nos embelezam. Até aqui, tudo bem: essa impostura é uma condição trivial e necessária da vida social. Os melhores conhecem sua impostura e sabem que não estão à altura de sua máscara.
Os piores se identificam com sua máscara. Acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos. Não há diferença entre o rei que acreditasse ser rei, o terapeuta que acreditasse ser terapeuta e o anjo exterminador que saísse atirando e matando, perfeitamente convencido de ser uma figura do apocalipse. Os três teriam isto em comum: acreditariam ser a máscara que eles vestem.
Enfim, que Deus nos guarde de todos os que não enxergam sua própria nudez.
Fonte: Blog Contardo Calligaris, 02/02/2011

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

definindo o conceito de “soberania alimentar”: decidirmos o que comer!

‘Comemos o que nos dizem as grandes empresas agroalimentares’

Entrevista com Esther Vivas*
Comprar em grande medida um quilo de açúcar, um litro de leite ou um pacote de bolachas pode parecer um ato dos mais comuns. Mas, sob esta aparência inócua subjaz a relevância política de nossas ações, inclusive as mais inocentes.
Você é co-autora do livro “Del Campo al Plato” (Ed. Icaria, 2009). Sua opinião é que estão nos envenenando?
O modelo de produção de alimentos antepõe interesses privados e empresariais às necessidades alimentares das pessoas, a sua saúde e a respeito ao meio ambiente. Comemos o que as grandes empresas do setor querem. Hoje há o mesmo número de pessoas no mundo que passam fome que pessoas com problemas de sobrepeso, afetando, em ambos casos, aos setores mais pobres da população tanto nos países do norte como do sul. Os problemas agrícolas e alimentares são globais e são o resultado de converter os alimentos em uma mercadoria.
925 milhões de pessoas no mundo ainda passam  fome. Esta é uma prova do fracasso do  capitalismo agro-industrial?
Sim. A agricultura industrial, quilométrica, intensiva e petrodependente demonstrou ser  incapaz de alimentar a população, uma vez que tem um forte impacto no meio ambiente reduzindo a agro-diversidade, gerando mudança climática e destruindo terras férteis. Para acabar com a fome no mundo não se trata de produzir mais, como afirmam os governos e as instituições internacionais. Pelo contrário, faz falta democratizar os processos produtivos e propiciar que os alimentos estejam disponíveis para o conjunto da população.
As empresas multinacionais, a ONU e o FMI propõe uma nova “revolução verde”, alimentos transgênicos e livre comércio. Que alternativa pode  ser  proposta desde os movimentos sociais?
Faz falta recuperar o controle social da agricultura e da alimentação. Não é possível que umas poucas multinacionais, que monopolizam cada uma das etapas da cadeia agroalimentar, acabem decidindo o que comemos. A terra, a água e as sementes devem estar nas mãos dos campesinos, daqueles que trabalham na terra. Estes bens naturais não devem servir para fazer negócio, para especulação. Os consumidores devem ter o poder de decidir o que comer, se queremos consumir produtos livres de transgênicos. Em definitivo, temos que  apostar na soberania alimentar.
Poderia definir o conceito de “soberania alimentar”?
Consiste em ter a capacidade de decidir sobre tudo aquilo que esteja relacionado com a  produção, distribuição e  consumo de alimentos. Apostar no cultivo de variedades autóctones, de temporada, saldáveis. Promover os circuitos curtos de comercialização, os mercados locais. Combater a concorrência desleal, os mecanismos de dumping, os incentivos  a exportação. Conseguir este objetivo implica uma estratégia de ruptura com as políticas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas reivindicar a soberania alimentar não implica um retorno romântico ao passado, pelo contrário,  se trata de recuperar o conhecimento das práticas tradicionais e combiná-las com as novas tecnologias e saberes. Assim mesmo, não consiste em uma proposição localista e sim de  promover a produção e o comércio local, na qual o comércio internacional funcione como um complemento do anterior.
A Vía Campesina afirma que hoje comer se converteu em um “ato político”. Está de acordo?
Completamente. O que comemos é resultado da mercantilização do  sistema alimentar e dos interesses do agronegócio. A mercantilização que se está levando a cabo na  produção agroalimentar é a mesma que afeta a outros muitos âmbitos de nossa vida: privatização dos serviços públicos, precarização dos direitos trabalhistas, especulação com a habitação e o  território. É necessário antepor outra lógica e organizar-se contra o modelo agroalimentar atual nos marcos de um combate mais geral contra o capitalismo global.
Estamos nas mãos das grandes cadeias de distribuição? O que  implica isso e que efeitos tem este modelo de consumo?
Hoje, sete empresas no  Estado Espanhol controlam 75% da distribuição dos alimentos. E esta  tendência representa mais. De tal maneira que o consumidor cada vez tem menos portas de acesso a comida e o mesmo acontece com o produtor na hora de chegar ao consumidor. Este monopólio garante um controle total aos supermercados na hora de decidir sobre nossa alimentação, o preço que pagamos pelo que comemos e como foi elaborado.
Servem as soluções  individualistas para romper com estas pautas de consumo?
A ação individual tem um valor demonstrativo e  aporta coerência, mas não gera mudanças estruturais. Faz falta uma ação  política coletiva, organizar-nos no âmbito do consumo, por exemplo, a partir de grupos e cooperativas de consumo agroecológico; criar alternativas e promover alianças amplas a partir da participação em campanhas contra a crise, em defesa de território, fóruns sociais, etc…
Também é necessário sair às ruas e atuar politicamente, como em determinado momento se fez com a campanha da Iniciativa Legislativa Popular contra os transgênicos impulsionada por  “Somos lo que sembramos”, porque, como já se viu em muitas ocasiões, aqueles que estão nas instituições não representam nossos interesses, mas sim os privados.
Kyoto, Copenhague, Cancun. Qual o balanço geral que se pode fazer das  diferentes cúpulas sobre mudança climática?
O balanço é muito negativo. Em todas estas cúpulas pesaram muito mais os interesses  privados e o curto prazo e não a  vontade política real para acabar com a mudança climática. Não foram feitos acordos  vinculantes que permitam uma redução efetiva dos gases de efeito estufa. Ao contrário, os critérios mercantis têm sido uma vez mais a  moeda de troca, e o mecanismo de comércio de emissões são, neste sentido, a máxima expressão disso.
Em Cancun foi muito utilizada a ideia de “adaptação” a mudança climática. Se escondem detrás os interesses das companhias multinacionais e de um suposto “capitalismo verde”?
Isso mesmo. Em lugar de dar soluções reais, se opta por falsas soluções como a energia nuclear, a captação de carvão da atmosfera para seu armazenamento ou os agro-combustíveis. Se trata de medidas no qual o único que fazem é agudizar ainda mais a atual crise social e ecológica e, isto sim, proporcionar uma grande quantidade de benefícios para umas poucas empresas.
O Movimento pela Justiça Climática trata de oferecer alternativas. Como nasce e quais são seus princípios?
O Movimento Pela Justiça Climática faz uma crítica às causas de fundo da mudança climática, questionando o sistema capitalista e, como muito bem diz seu lema, se trata de “mudar o sistema, não o clima”. Deste modo expressa esta relação difusa que existe entre justiça social e climática, entre crise social ecológica.
O movimento vem tendo um forte impacto internacional, sobretudo esteve na raiz dos protestos na cúpula do  clima de Copenhague e, mais recentemente, nas mobilizações de Cancun. Isto  contribuiu para visualizar a urgência de atuar contra a mudança climática. O desafio é  ampliar sua base social, vinculando as  lutas cotidianas e buscar alianças com o sindicalismo alternativo.
A solução é mudar o clima ou mudar o sistema capitalista?
Faz falta uma mudança radical de modelo. O capitalismo não pode solucionar uma crise ecológica que o sistema mesmo criou. A crise atual coloca a necessidade urgente de mudar o  mundo de base e fazê-lo desde uma  perspectiva anticapitalista e ecologista radical. Anticapitalismo e justiça climática são dois combates que devem estar estreitamente unidos.
(*) Esther Vivas é ativista social, pela soberania alimentar e militante do movimento antiglobalização, alerta sobre a primazia do capital privado na hora de impor gostos, marcas e produtos; é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais de la Universitat Pompeu Fabra en Barcelona, ativista e co-autora (com Xavier Montagut) de livros como Del campo al plato (Icaria editorial, 2009) o Supermercados, no gracias (Icaria editorial, 2007), entre outros.
Entrevista realizada por Enric Llopis para Rebelión.
Tradução de Paulo Marques para o site Brasil Autogestionário
Tradução Português: Paulo Marques (BA)
Entrevista originalmente publicada por Brasil Autogestionário e republicada pelo EcoDebate
Fonte: EcoDebate, 07/01/2011

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