Choque fiscal
por Paul Krugman
Vejo que a equipe de editorialistas do Washington Post está chocada e indignada por descobrir que os republicanos recém-eleitos não estavam falando sério a respeito da redução do déficit. Quem teria suspeitado?
Minha ideia era ser irônico no texto todo, mas falando sério: a ingenuidade de boa parte da grande mídia em relação a todo este episódio corresponde a um verdadeiro atentado contra a ética jornalística…
Afinal, desde 1980 os republicanos têm sido o partido da irresponsabilidade fiscal; o governo de GW Bush confirmou, se é que ainda havia quem duvidasse, que cortes injustificados nos impostos fazem agora parte do DNA do partido.
Então surgiu um presidente democrata que comandou o país durante dois anos de grandes déficits na sequência imediata de uma grave crise financeira – que consiste na verdade num período em que os déficits são esperados. Os republicanos começaram sua campanha contra o gasto deficitário – e, por incrível que pareça, foram levados a sério.
E, mesmo para aqueles que não conhecem a história, bastava prestar atenção naquilo que os líderes republicanos diziam para perceber como era óbvia a falta de seriedade. Tivemos o plano Ryan, que se dizia capaz de reduzir o déficit, mas que, diante de uma análise mais minuciosa, dependia completamente de asteriscos mágicos; houve líderes republicanos declarando que os déficits são terríveis, mas não há necessidade de compensar o efeito de cortes nos impostos.
A ideia de termos permitido que tais pessoas posassem como campeões da responsabilidade fiscal é chocante.
Ah, e para aqueles dizendo que os republicanos sempre afirmaram que o problema estava nos gastos e não nos déficits: em primeiro lugar, isso não passa de uma versão revisionista da história; não se pode denunciar a dívida federal e então dizer que nunca se importou com o lado da arrecadação.
Além disso, ultimamente as táticas de terror psicológico envolvendo a questão do déficit giraram em torno da solvência e não dos efeitos nocivos do gasto estatal sobre o setor privado; arrependam-se, disseram eles, ou vocês se transformarão na Gréééééééécia. Trata-se de um conto de bruxas sobre a solvência dentro do qual aquilo que realmente importa é o déficit e não os gastos.
Qual o motivo de tamanha cegueira? Suspeito que o desejo de transmitir uma aparência de equilíbrio tenha sido importante. Os jornalistas acharam que tinham de encontrar heróis republicanos na questão fiscal, nem que fosse apenas para mostrar como eram profissionais imparciais e abertos a outras ideias. Dizer que toda a questão do déficit era apenas uma artimanha política, desprovida de substância, teria soado demasiadamente chocante.
Mas, com frequência, a verdade choca.
Fonte: Estadão, 05/01/2011
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