A febre do gás nos EUA
por Alfonso Daniels | enviado especial à Pensilvânia
"Na segunda-feira, veio a névoa. Havia um caminhão junto ao poço de gás lá embaixo, no vale. Podíamos ver a névoa saindo dali. Ao entardecer, dirigimos pela estrada e parecia haver bolas de algodão no ar. O cheiro era insuportável", contou Carol Jean Moten, uma afro-americana de 52 anos que vive na pequena localidade rural de Rae, no sudoeste da Pensilvânia, nos Estados Unidos, comentando que a contaminação é tanta que é preciso usar água engarrafada até para tomar banho.
Assim como Moten, muitos habitantes da região denunciam a poluição do ar e dos aquíferos desde que a febre do gás tomou conta do lugar, no coração do Marcellus Shale – uma formação rochosa a mais de 1.000 metros de profundidade. Acredita-se que o lugar contenha a segunda maior reserva de gás natural do mundo, acessível apenas há poucos anos, graças a novas tecnologias de extração.
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Alfonso Daniels/Opera Mundi
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Moten, que mora em Rae, é contra a presença da empresa na região
Das colinas cobertas por bosques frondosos, pastos e fazendas pitorescas, agora podem-se ver por todo lado depósitos pintados de verde ao lado de poços de gás, tubulações e enormes torres perfuradoras. Mesmo assim, o tema só saltou ao primeiro plano há pouco tempo, quando se soube que o diretor estadual de Segurança, James Powers, contratou uma empresa particular para espionar grupos contrários à exploração, apoiados pelo ator hollywoodiano Mark Ruffalo. Powers, supostamente, passaria informações obtidas com espionagem a empresas de energia. O escândalo levou à sua demissão.
"Estamos recebendo queixas de saúde de pessoas que atribuem os problemas às perfurações de gás, como dores de cabeça, náuseas, agravamento de asma e, às vezes, sangramento do nariz. Alguns fazendeiros também denunciam a morte de animais. Podem ser milhares de pessoas afetadas, mas ainda desconhecemos a real extensão do problema", afirmou o especialista em saúde pública Conrad Dan Volz, da Universidade de Pittsburgh, ao Opera Mundi.
"Há dois anos, mal havia infraestrutura de gás nesta região. Desde então, foram perfurados mais de 2 mil poços de gás na Pensilvânia e, no futuro, espera-se que sejam perfurados até 7 mil por ano. Agora, isto é o Velho Oeste, a mentalidade do faroeste no leste dos EUA. O governo federal realmente precisa intervir para controlar o que está acontecendo", acrescentou.
Os ativistas contrários ao gás acusam as empresas de contaminar o ar e os aquíferos, a maior fonte de água potável do estado, por causa da infiltração de gás e substâncias tóxicas usadas na fratura hidráulica, ou fracking. Nesse processo de extração, são injetados milhões de litros de água a alta pressão com areia e produtos químicos tóxicos, provocando miniterremotos que liberam o gás. Nova York, por exemplo, decretou uma moratória de prospecções de gás Marcellus no estado até que seja esclarecido o impacto do fracking sobre a água.
As autoridades da Pensilvânia admitem ter descoberto cerca de 500 violações ambientais no estado, entre elas a infiltração de gás metano na água corrente de uma dezena de casas em uma localidade no noroeste do estado no ano passado. Mas reduzem a importância desses problemas lembrando que toda indústria pesada implica riscos e garantindo ter recursos suficientes para controlá-la.
Ron Gullas, ex-trabalhador do setor petrolífero de 55 anos, que comprou uma fazenda na década de 90 perto do lugar onde vive Moten, não está satisfeito. Há oito anos, ele firmou um acordo de arrendamento com a empresa Range Resources, pioneira na extração de gás, que depois perfurou quatro poços, incluindo o segundo poço Marcellus, em sua propriedade. Um acordo do qual ele se arrepende.
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Para Gullas, o acordo de arrendamento com a Range Resourses não valeu a pena
"Tenho tido problemas desde quando eles chegaram. Tenho um pequeno lago onde pescava, mas de repente a água escureceu e tudo morreu. A água da torneira também mudou, quando você escova os dentes, a boca fica com um sabor metálico. Até hoje a água cheira mal, isso não acontecia antes", comentou Gullas, furioso, ao lado dos depósitos de gás situados em uma colina que domina sua fazenda, denunciando as autoridades estaduais por ignorarem seu caso.
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Quando nos despedíamos, apareceu seu vizinho, Emile Alexander, que vive há 35 anos na fazenda do outro lado da estrada. "O que está acontecendo é um escândalo, estão contaminando toda a água. A água de um poço aqui ao lado se encheu de gás metano", afirmou ele assim que se aproximou, negando que isso possa se explicar por causas naturais. "Os problemas começaram com o início das perfurações de gás, em 2007. Havia tanto gás que a água do poço chegava a ferver. Era possível escutar a vários metros de distância."
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Quando nos despedíamos, apareceu seu vizinho, Emile Alexander, que vive há 35 anos na fazenda do outro lado da estrada. "O que está acontecendo é um escândalo, estão contaminando toda a água. A água de um poço aqui ao lado se encheu de gás metano", afirmou ele assim que se aproximou, negando que isso possa se explicar por causas naturais. "Os problemas começaram com o início das perfurações de gás, em 2007. Havia tanto gás que a água do poço chegava a ferver. Era possível escutar a vários metros de distância."
Matt Pitzarella, representante da Range Resources, empresa pioneira na região e que opera na propriedade de Ron Gullas, reconheceu que ocorreram acidentes, mas garantiu que são casos excepcionais. "O problema é que estamos no lugar onde nasceu a indústria do carvão, e aqui as pessoas temem que sejamos o segundo advento do carvão de um século atrás. A Pensilvânia tinha problemas de qualidade da água de seus poços muito antes de chegarmos, mas agora nos culpam por tudo", disse ao Opera Mundi.
Pitzarella afirmou que apenas uma parte ínfima dos poços de gás teve um impacto negativo sobre a qualidade da água potável e citou uma pesquisa estadual realizada no ano passado afirmando que 43% dos poços de água da região não cumpriam os requisitos de qualidade recomendados, graças em parte à construção fora dos padrões. "Isso não quer dizer que sejamos perfeitos. Trata-se de um processo industrial e há acidentes, mas, em comparação com outras indústrias, estamos nos saindo muito bem."
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Apesar de impulsionar a economia da região, a indústria impactou negativamente a região
O impacto positivo dessa indústria na região é claro. Os hotéis e restaurantes estão lotados por milhares de trabalhadores especializados vindos de outras partes do país, e alguns fazendeiros até criaram pequenas empresas para prestar serviços às companhias exploradoras, incluindo a reparação de estradas. Entre eles está Ron Romanetti, de 65 anos, dono de uma bela fazenda de 60 hectares onde cultiva milho e cria gado. Ele tem dois poços de gás em sua propriedade e criou uma empresa que já tem nove empregados para alugar maquinaria pesada às companhias de gás.
"Os direitos começam em 12,5%. Quando chegaram, aluguei o terreno por 100 dólares o hectare, mas tem gente que chega a cobrar 5 mil dólares por ano. É como ganhar na loteria", afirmou Romanetti, diante de sua enorme casa rústica que domina a propriedade. Quando lhe perguntei sobre as queixas de alguns vizinhos, ele negou com a cabeça: "Quem reclama não faz ideia do que está falando. Muitos compraram propriedades, mas depois descobriram que não tinham os direitos minerais sobre elas, e por isso agora estão irritados. Estão perfurando centenas de metros sob a terra, não creio que a água injetada volte para cima. Eu, pelo menos, não fui afetado."
Fonte: Opera Mundi, 03/01/2011
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