Apesar de otimista, Conceição alerta para perigo de desindustrialização*
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A economista mais conhecida do Brasil, a portuguesa Maria da Conceição Tavares, espera uma administração Dilma Rousseff bem diferente da de Lula. "Dilma não se parece com o Lula. Ela tem perfil de gerente, enquanto Lula usa a habilidade política para fazer ziguezagues. Ela deve ter uma linha mais reta de tocar o governo". Na visão de Conceição, o caráter gerencial da presidente da República não é uma qualidade negativa, pelo contrário. "Ela não brinca em serviço e não vai deixar ninguém pisar em ramo verde", diz, usando uma expressão bem lusitana.
Conceição, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acha difícil prever como Dilma se comportará politicamente, mas crê que a presidente não terá dificuldades em lidar com o ministério e nem mesmo com o Congresso, onde a oposição perdeu terreno. "Ela vai saber 'apertar os cravos' [dos ministros e dos políticos] devagarinho e na hora certa."
Ela não está pessimista em relação ao novo governo, mas ressalta duas preocupações que constituem desafios no curto e longo prazos, na sua opinião.
No curto prazo, ela chama a atenção para a concorrência internacional desvairada no pós-crise, com forte impacto sobre a balança comercial do país. "A questão envolve a necessidade da adoção de uma nova política de substituição de importação para frear a desindustrialização de setores da economia nacional", recomenda. A nova política passaria a exigir das multinacionais maiores índices de nacionalização na indústria de partes, peças e componentes, principalmente dos setores automotivo e eletroeletrônico.
No plano social, de mais longo prazo, Conceição torce para a presidente criar um fundo com recursos do pré-sal para federalizar as políticas públicas universais mais importantes de educação e saúde. "Não basta procurar erradicar a miséria. Sem avanço na educação e na saúde continuaremos subdesenvolvidos", adverte.
A economista acredita que 2011 será um ano difícil, dada a situação europeia, que representa um terço do comércio exterior brasileiro. "Não temos só o dólar desvalorizando. Há várias moedas com tendência a desvalorização, do euro ao yuan, o que aumenta brutalmente a concorrência externa, principalmente quanto temos o real sobrevalorizado."
Nesse contexto, a estagnação da economia americana não deve afetar tanto o Brasil, mas prejudica o país, porque pode levá-lo a ficar muito dependente da Ásia. "Se continuarmos dependentes da Ásia [com destaque para a China], vamos continuar com a balança comercial ligada ao primário exportador. Não é legal ficar dependente de um único continente, sobretudo um país global como o nosso", avalia Conceição.
"O novo governo tem que preparar a indústria para enfrentar os dumpings que protegem as indústrias dos países desenvolvidos, além da formação de uma cadeia asiática de integração das indústrias da China, Japão, Índia e Coreia do Sul, todas dominando alta tecnologia e dispostas a invadir o planeta com seus produtos. A América Latina não dispõe de tecnologia para enfrentar os asiáticos. É preciso avançar também na inovação."
A chegada de multinacionais de todas as origens e procedências no Brasil, inclusive chinesas, tem disseminado a instalação no país de verdadeiras linhas de montagem dependentes de importação de peças, partes e componentes, denuncia Conceição. O Ministério do Desenvolvimento, Comércio e Indústria (Mdic), pasta para a qual foi nomeado Fernando Pimentel ["um economista muito capaz"], deve agir para conter esse processo agravado com o câmbio atual. "Não basta os juros caírem para reduzir a entrada de dólares especulativos. A coisa é mais complexa."
Ela vê necessidade de o governo regular alguns procedimentos das multinacionais no balanço de pagamentos, onde o elo mais fraco é a balança comercial. "A remessa exagerada de lucros e dividendos [que cresce brutalmente] fragiliza muito o balanço de pagamentos. O governo deveria elevar a tributação do Imposto de Renda sobre essas operações para coibir abusos das empresas estrangeiras", sugere.
O controle de capitais é um instrumento que deve continuar a ser usado para pôr fim à entrada desenfreada do dinheiro especulativo, afirma a economista. "Temos dólar sobrando e as reservas têm custo. O próprio FMI reconhece hoje as benesses dessas medidas de controle, seja taxando o dinheiro na entrada ou adotando a quarentena." Ela prega ação conjunta da Fazenda e do Mdic para colocar as contas externas no rumo do equilíbrio e restaurar a competitividade dos produtos nacionais.
Ela não espera que Dilma promova um arrocho fiscal. Também não vê a política monetária afrouxando do dia para a noite. "É possível que o juro básico não baixe muito este ano, por causa da pressão inflacionária. Não vejo, porém, a inflação disparando, pois há deflação na maioria dos países. O choque de preços de alimentos é sazonal. E é de custo. O Brasil não tem inflação de demanda." No médio prazo, ela aposta que a Selic vai recuperar a trajetória de queda, como é a vontade da presidente.
Conceição faz coro à maioria dos economistas, que espera um Brasil crescendo menos em 2011. "Se a Dilma conseguir manter a economia crescendo 5% ao ano, está muito bom", diz ela.
(*) Reportagem de Vera Saavedra Durão e publicada pelo jornal Valor, 05-01-2011.
Fonte: IHU, 05/01/2011
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