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terça-feira, janeiro 04, 2011

"bolas de algodão no ar... e cheiro insuportável"

A febre do gás nos EUA

por Alfonso Daniels | enviado especial à Pensilvânia
"Na segunda-feira, veio a névoa. Havia um caminhão junto ao poço de gás lá embaixo, no vale. Podíamos ver a névoa saindo dali. Ao entardecer, dirigimos pela estrada e parecia haver bolas de algodão no ar. O cheiro era insuportável", contou Carol Jean Moten, uma afro-americana de 52 anos que vive na pequena localidade rural de Rae, no sudoeste da Pensilvânia, nos Estados Unidos, comentando que a contaminação é tanta que é preciso usar água engarrafada até para tomar banho.
Assim como Moten, muitos habitantes da região denunciam a poluição do ar e dos aquíferos desde que a febre do gás tomou conta do lugar, no coração do Marcellus Shale – uma formação rochosa a mais de 1.000 metros de profundidade. Acredita-se que o lugar contenha a segunda maior reserva de gás natural do mundo, acessível apenas há poucos anos, graças a novas tecnologias de extração. 
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Alfonso Daniels/Opera Mundi 
Moten, que mora em Rae, é contra a presença da empresa na região
Das colinas cobertas por bosques frondosos, pastos e fazendas pitorescas, agora podem-se ver por todo lado depósitos pintados de verde ao lado de poços de gás, tubulações e enormes torres perfuradoras. Mesmo assim, o tema só saltou ao primeiro plano há pouco tempo, quando se soube que o diretor estadual de Segurança, James Powers, contratou uma empresa particular para espionar grupos contrários à exploração, apoiados pelo ator hollywoodiano Mark Ruffalo. Powers, supostamente, passaria informações obtidas com espionagem a empresas de energia. O escândalo levou à sua demissão.
"Estamos recebendo queixas de saúde de pessoas que atribuem os problemas às perfurações de gás, como dores de cabeça, náuseas, agravamento de asma e, às vezes, sangramento do nariz. Alguns fazendeiros também denunciam a morte de animais. Podem ser milhares de pessoas afetadas, mas ainda desconhecemos a real extensão do problema", afirmou o especialista em saúde pública Conrad Dan Volz, da Universidade de Pittsburgh, ao Opera Mundi.
"Há dois anos, mal havia infraestrutura de gás nesta região. Desde então, foram perfurados mais de 2 mil poços de gás na Pensilvânia e, no futuro, espera-se que sejam perfurados até 7 mil por ano. Agora, isto é o Velho Oeste, a mentalidade do faroeste no leste dos EUA. O governo federal realmente precisa intervir para controlar o que está acontecendo", acrescentou.
Os ativistas contrários ao gás acusam as empresas de contaminar o ar e os aquíferos, a maior fonte de água potável do estado, por causa da infiltração de gás e substâncias tóxicas usadas na fratura hidráulica, ou fracking. Nesse processo de extração, são injetados milhões de litros de água a alta pressão com areia e produtos químicos tóxicos, provocando miniterremotos que liberam o gás. Nova York, por exemplo, decretou uma moratória de prospecções de gás Marcellus no estado até que seja esclarecido o impacto do fracking sobre a água.
As autoridades da Pensilvânia admitem ter descoberto cerca de 500 violações ambientais no estado, entre elas a infiltração de gás metano na água corrente de uma dezena de casas em uma localidade no noroeste do estado no ano passado. Mas reduzem a importância desses problemas lembrando que toda indústria pesada implica riscos e garantindo ter recursos suficientes para controlá-la.
Ron Gullas, ex-trabalhador do setor petrolífero de 55 anos, que comprou uma fazenda na década de 90 perto do lugar onde vive Moten, não está satisfeito. Há oito anos, ele firmou um acordo de arrendamento com a empresa Range Resources, pioneira na extração de gás, que depois perfurou quatro poços, incluindo o segundo poço Marcellus, em sua propriedade. Um acordo do qual ele se arrepende. 
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Alfonso Daniels/Opera Mundi 
Para Gullas, o acordo de arrendamento com a Range Resourses não valeu a pena

"Tenho tido problemas desde quando eles chegaram. Tenho um pequeno lago onde pescava, mas de repente a água escureceu e tudo morreu. A água da torneira também mudou, quando você escova os dentes, a boca fica com um sabor metálico. Até hoje a água cheira mal, isso não acontecia antes", comentou Gullas, furioso, ao lado dos depósitos de gás situados em uma colina que domina sua fazenda, denunciando as autoridades estaduais por ignorarem seu caso. 
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Quando nos despedíamos, apareceu seu vizinho, Emile Alexander, que vive há 35 anos na fazenda do outro lado da estrada. "O que está acontecendo é um escândalo, estão contaminando toda a água. A água de um poço aqui ao lado se encheu de gás metano", afirmou ele assim que se aproximou, negando que isso possa se explicar por causas naturais. "Os problemas começaram com o início das perfurações de gás, em 2007. Havia tanto gás que a água do poço chegava a ferver. Era possível escutar a vários metros de distância."
Matt Pitzarella, representante da Range Resources, empresa pioneira na região e que opera na propriedade de Ron Gullas, reconheceu que ocorreram acidentes, mas garantiu que são casos excepcionais. "O problema é que estamos no lugar onde nasceu a indústria do carvão, e aqui as pessoas temem que sejamos o segundo advento do carvão de um século atrás. A Pensilvânia tinha problemas de qualidade da água de seus poços muito antes de chegarmos, mas agora nos culpam por tudo", disse ao Opera Mundi.
Pitzarella afirmou que apenas uma parte ínfima dos poços de gás teve um impacto negativo sobre a qualidade da água potável e citou uma pesquisa estadual realizada no ano passado afirmando que 43% dos poços de água da região não cumpriam os requisitos de qualidade recomendados, graças em parte à construção fora dos padrões. "Isso não quer dizer que sejamos perfeitos. Trata-se de um processo industrial e há acidentes, mas, em comparação com outras indústrias, estamos nos saindo muito bem." 
Alfonso Daniels/Opera Mundi 
Apesar de impulsionar a economia da região, a indústria impactou negativamente a região
O impacto positivo dessa indústria na região é claro. Os hotéis e restaurantes estão lotados por milhares de trabalhadores especializados vindos de outras partes do país, e alguns fazendeiros até criaram pequenas empresas para prestar serviços às companhias exploradoras, incluindo a reparação de estradas. Entre eles está Ron Romanetti, de 65 anos, dono de uma bela fazenda de 60 hectares onde cultiva milho e cria gado. Ele tem dois poços de gás em sua propriedade e criou uma empresa que já tem nove empregados para alugar maquinaria pesada às companhias de gás.
"Os direitos começam em 12,5%. Quando chegaram, aluguei o terreno por 100 dólares o hectare, mas tem gente que chega a cobrar 5 mil dólares por ano. É como ganhar na loteria", afirmou Romanetti, diante de sua enorme casa rústica que domina a propriedade. Quando lhe perguntei sobre as queixas de alguns vizinhos, ele negou com a cabeça: "Quem reclama não faz ideia do que está falando. Muitos compraram propriedades, mas depois descobriram que não tinham os direitos minerais sobre elas, e por isso agora estão irritados. Estão perfurando centenas de metros sob a terra, não creio que a água injetada volte para cima. Eu, pelo menos, não fui afetado." 
Fonte: Opera Mundi, 03/01/2011

quinta-feira, dezembro 23, 2010

cultura da valorização de toda a vida

Somos as mundanças que queremos no planeta

por Leonardo Boff
Esta frase que parece arrogante é, na verdade, o testemunho do que significa o projeto “Cultivando Agua Boa” implementado pela grande hidrelétrica Itaipu Binacional nos limites entre o Brasil e o Paraguai envolvendo cerca de um milhão de pessoas. Os diretores da empresa – Jorge Samek e Nelton Friedrich – com suas equipes sabiamente entenderam o desafio global que nos vem do aquecimento global e resolveram dar uma resposta local, o mais inclusiva e holística possível. Esta se mostrou tão bem sucedida que fez-se uma referência internacional.
Seus diretores-inspiradores dizem-no claramente: ”A hidrelétrica Itaipu adotou para si o papel de indutora de um verdadeiro movimento cultural rumo à sustentabilidade, articulando, compartilhando, somando esforços com os diversos atores da Bacia Paraná 3 em torno de uma série de programas e projetos interconectados de forma sistêmica e holística e que compõem o Cultivando Agua Boa; eles foram criados à luz de documentos planetários como a Carta da Terra, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, a Agenda 21 e os Objetivos do Milênio”.
Operaram, o que é extremamente difícil, uma verdadeira revolução cultural, vale dizer, introduziram um complexo de princípios, valores, hábitos, estilos de educação, formas de relacionamento com a sociedade e com a natureza, modos de produção e de consumo que justifica o lema, escrito em todas as camisetas dos quatro mil participantes do último grande encontro em meados de novembro: ”somos as mudanças que queremos no planeta”.
Com efeito, a gravidade da crise do sistema-vida e do sistema-Terra é de tal magnitude que não bastam mais as iniciativas dos Estados, geralmente, tardias e pouco eficazes. A Humanidade inteira, todos os saberes, as instâncias sociais e as pessoas individuais, devem dar a sua contribuição e tomar o destino comum em suas mãos. Caso contrário, dificilmente, sobreviveremos coletivamente.
Christian de Duve, prêmio Nobel de Fisiologia de 1974, nos adverte em seu conhecido livro “Poeira Vital: a vida como imperativo cósmico” (1997) que “nosso tempo lembra uma daquelas importantes rupturas na evolução, assinaladas por extinções em massa”. Efetivamente, o ser humano tornou-se uma força geofísica destruidora. Outrora eram os meteoros rasantes que ameaçavam a Terra, hoje o meteoro rasante devastador se chama o ser humano sapiens e demens, duplamente demens.
Dai a importância de “Cultivando Água Boa”: mostrar que a tragédia não é fatal. Podemos operar as mudanças que vão desde a organização de centenas de cursos de educação ambiental e capacitação, do surgimento de uma consciência coletiva de corresponsabilidade e cuidado pelo ambiente, da gestão compartilhada das bacias hidrográficas, de incentivo à agricultura familiar, da criação de um refúgio biológico de espécies regionais, de corredores de biodiversidade unindo várias reservas florestais, de mais de 800 km de cercas de proteção das matas ciliares, do resgate de todos os rios, do cultivo de plantas medicinais, da geração de energia mediante os dejetos de suínos e aves, da construção de um canal de 10 km para vencer um desnível de 120 metros e permitir a passagem de peixes de piracema até a criação de um Centro Tecnológico, Centro de Saberes e Cuidados Ambientais e da Universidade da Integração Latino-Americana entre outras não citadas aqui.
A sustentabilidade, o cuidado e a participação/cooperação da sociedade civil são as pilastras que sustentam este projeto. A sustentabilidade introduz uma racionalidade responsável pelo uso solidário dos recursos escassos. O cuidado funda uma ética de relação respeitosa para com a natureza, curando feridas passadas e evitando futuras e a participação da sociedade cria o sujeito coletivo que implementa todas as iniciativas. Tais valores são sempre revisados e pactados. O resultado final é a emergência de um tipo novo de sociedade, integrada com o ambiente, com uma cultura da valorização de toda a vida, com uma produção limpa e dentro dos limites do ecossistema e com profunda solidariedade entre todos. Uma aura espiritual benfazeja perpassa os encontros como se todos se sentissem um só coração e uma só alma.
Não é assim que começa o resgate da natureza e o nascimento de um novo paradigma de civilização?
* Leonardo Boff é Teólogo
** Artigo socializado pela ALAI, América Latina en Movimiento e publicado pelo EcoDebate, 20/12/2010
Fonte: Portal EcoDebate, 20/12/2010

terça-feira, dezembro 14, 2010

a paisagem deixando de ser amazônica

Água no coração

por Lúcio Flávio Pinto

De uma coisa não tenho dúvida: sou um homem das águas, um ser anfíbio. Nasci no lugar do Pará em que o rio Tapajós, o mais bonito do mundo, encerra sua jornada de mil quilômetros, incluindo um dos seus formadores, o Teles Pires, onde o governo federal quer construir cinco hidrelétricas de grande porte. Na foz, que tem quilômetros de largura entre labirintos de ilhas, o Tapajós lança suas águas verdes contra o barrento Amazonas, em frente a Santarém, que era a segunda e hoje é a terceira maior cidade do Estado.
Em 1949, quando vim ao mundo, Santarém não tinha 15 mil habitantes (hoje está com quase 180 mil, mais 90 mil na zona rural do município). Com meses, eu era levado para tomar banho no rio. Aprendi a nadar antes de ter consciência de mim. Sofri os pavores de um método que só muito depois ganharia ares de cientificidade: era largado na água e só resgatado quando começava a me afogar. Logo passei a flutuar. Daí a deslizar foi questão de braçadas.
Nossa vida era demarcada pelo ciclo das águas: seis meses subindo, seis meses descendo, com todos os efeitos do avanço ou do recuo da massa aquática sobre terras que caíam pela erosão ou cresciam pela sedimentação. Em Santarém, tudo era função do encontro de rios de coloração tão contrastante, com uma peculiaridade: quando chegávamos à alva e extensa praia na orla da cidade (hoje poluída e deteriorada) e o Amazonas vencera seu constante cabo-de-guerra com o Tapajós, ninguém se atrevia a mergulhar. Acostumados à cristalinidade do Tapajós, que permitia até pesca submarina só com óculos, vendo-se o fundo lá embaixo, sentíamos nojo da cor de sujeira do “rio-mar”. Ficávamos na praia jogando futebol ou fazendo qualquer coisa. Não era dia de banho.
Eu ainda não havia completado quatro anos quando, em 1953, houve a maior das cheias do século 20. Lembro-me dela por imagens desfocadas na memória engatinhante, pelos testemunhos dos mais velhos e por álbuns de fotografias. A mais impressionante delas exibia a rua principal do comércio tomada por tábuas de madeira, que substituíam o calçamento, todo submerso, para permitir a passagem dos moradores.
Outra grande cheia, talvez mesmo a maior de todas, foi em 1976. Já como repórter, aos 26 anos, esta eu fui verificar pessoalmente os acontecimentos. Naveguei durante 13 dias pelo Amazonas, conferindo os lugares mais atingidos pelas águas.
Mais impressionado ainda fiquei em 1984, ao chegar a Tucuruí, onde foi construída a quarta maior hidrelétrica do mundo. Vi o rio Tocantins, ainda maior que o Tapajós, completamente barrado, pela primeira vez na sua história de milhões de anos, por uma monumental parede de concreto, com quase 80 metros de altura.
De uma parte alta do terreno próximo, vendo aquele espetáculo, ao mesmo tempo da espantosa engenharia humana e de sua presença inoportuna nos domínios da natureza, o moleque aquático emergiu dentro de mim sem controle. Chorei convulsivamente, antes de poder me controlar e tentar cumprir meu ofício de jornalista, objetivo por dever de ofício. A partir de então, o homem das águas passou a predominar sobre o profissional da escrita. A indignação diante da destruição cresceu mais do que a constatação da realidade.
Pensei que não teria mais impacto igual em matéria de água. Mas em 2005 fiquei ainda mais chocado quando vi rios, paranás e igarapés secos como nunca imaginei que um dia eles pudessem ficar. O nosso referencial mental esteve sempre voltado para a abundância das águas – estrondosas, destruidoras e ao mesmo tempo fecundadoras. Era da sua subida que a nossa vida dependia. Agora tínhamos que conviver com a sua ausência. A paisagem deixava de ser amazônica. Sugeria uma África em ameaça, o prenúncio de savanas, a cena seguinte à da passagem do homem, deus ex-machina.
Se é efeito da presença cada vez mais agressiva do homem ou de algum novo ciclo da própria natureza, não interessa inquirir neste artigo, o mais pessoal que já escrevi nesta seção. Escrevo-o depois de alguns dias de uma viagem à terra natal. Um vôo quase panorâmico sobre Santarém me deu a convicção de nunca ter visto uma seca do Tapajós como a deste ano. Nem a de 2005.
É impressão forte de quem já viu muitas vezes o rio subir e descer. Não só o Tapajós, mas também o Amazonas. O nível que ele atingiu no encontro com o Negro, defronte de Manaus, é o mais baixo desde que as medições começaram a ser feitas naquele ponto, em 1902.
Isto é fato, mesmo se sujeito a algum ajuste. Não há muitos a fazer nem eles são tão amplos, como se esperaria do uso de tantas ferramentas científicas e tecnológicas disponíveis atualmente, sobretudo os satélites. Mas é inegável: as secas se tornam mais rigorosas e frequentes. Vão se constituindo em acontecimento de presença tão marcante como eram as cheias.
O encolhimento das águas do Tapajós deixou à mostra suas longas e belas praias, como talvez não existam iguais em nenhum outro rio do Brasil (e do mundo?). Mas também mostrou as marcas da agressão humana, preocupantes mesmo em Alter-do-Chão, que foi considerada por um jornal inglês a melhor praia do mundo. É enorme e preocupante o volume de lixo, que as águas antes escondiam. Alguns começam a temer pela integridade futura de Alter-do-Chão. Sua fama talvez não seja suficiente para garantir sua perenidade. O mundo das águas está mudando. Provavelmente não para melhor.
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* Lúcio Flávio Pinto é paraense de Santarém; tem 61 anos e é jornalista há 44. Passou por algumas das principais publicações brasileiras, e hoje é editor do Jornal Pessoal, newsletter quinzenal que circula em Belém desde 1987. Já recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, além do International Press Freedom Award. Tem 15 livros publicados, a maioria sobre a Amazônia. Escreve a coluna Cartas da Amazônia quinzenalmente, às quartas-feiras.
Fonte: Yahoo! Notícias | Opinião | Meio Ambiente, 01/12/2010

quinta-feira, outubro 21, 2010

um verdadeiro deserto verde

Deserto verde ameaça terras piauienses
A promessa de desenvolvimento com a instalação da Suzano Papel e Celulose no Piauí contradiz as reais necessidades da população.
por Leonardo Maia
Não é possível enxergar no horizonte onde termina a plantação de eucalipto. A fazenda Calumbra, município de Elesbão Veloso, 159 km de Teresina, capital do Piauí, abriga nove mil hectares de extensos corredores de pés de eucalipto, o chamado "Projeto Florestal" da Empresa Suzano Papel e Celulose. Apenas algumas áreas das Matas dos Cocais, protegidas por lei ambiental, devido ao extrativismo do pequi, buriti, babaçu e carnaúba, foram preservadas.
Enquanto 41% da população piauiense ainda é afetada pela fome, de acordo com pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Suzano, ao todo, já possui 160 mil hectares do território do Piauí, o mesmo que 1.600 km², o que corresponde a 1,57% de terras piauienses transformadas em “florestas” de eucalipto. O eucalipto não serve de alimento nem para o ser humano, nem para os animais. As plantações formam um verdadeiro deserto verde, utilizado para a produção de toneladas de papel e celulose, voltados, sobretudo, ao mercado internacional.
Além disso, de acordo com estudo realizado pelo Departamento de Ciências Naturais – DCN – da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB – árvores de crescimento acelerado, como o eucalipto, dependem de grande quantidade de água para se desenvolver e por isso provocam o secamento do solo, diminuem os mananciais e aumentam a possibilidade de desertificação dessas regiões. Sendo assim, a instalação da Suzano mais uma vez contradiz as reais necessidades da população do Piauí, já que o estado sofre, praticamente todos os anos, com os efeitos da estiagem. Só no início deste ano, mais de 155 municípios declararam estado de emergência por causa da seca, alguns deles tiveram a safra comprometida em 90% por falta de água.
Outro grande problema está relacionado às várias trilhas de devastação que separam os módulos da plantação do eucalipto. O apodrecimento dessa madeira oriunda do desmatamento, exposta no campo, produz metano, um gás tóxico, perigoso ao homem e ao meio ambiente, além de degradar o solo. Porém, a empresa se nega a encontrar um destino menos poluente para essa madeira.
Essa é uma das exigências apresentadas pela Rede Ambiental do Piauí (REAPI), que vem tentando negociar com a Suzano desde que ela chegou ao estado. Na tentativa de evitar grandes impactos ao meio ambiente e à sociedade, diante do descaso do Governo do Estado, os ambientalistas abriram um campo de diálogo, diretamente com os representantes da empresa, com a intenção de convencê-los a cumprir 11 pontos de pauta que amenizassem o cenário de devastação.
Quem deveria cumprir esse papel era o Governo do Estado, e não as Organizações Não-Governamentais. Entretanto, o governo de Wellington Dias (PT) e Wilson Martins (PSB) não foi só omisso, como abriu as portas do estado e ofereceu todos os benefícios, como a isenção de imposto de renda, para que a Suzano explorasse, da forma como quisesse, os “recursos” naturais e humanos do Piauí.
 “Tivemos três reuniões e colocamos 11 pautas de reivindicações. Acontece que não fechamos esse acordo porque a Suzano ainda não quis negociar dois importantes itens, quanto ao destino dado à madeira do desmatamento e a análise periódica da água do Rio Parnaíba que eles utilizarão no projeto. Essa análise seria feita pela REAPI e mandada para o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, com despesas pagas pela empresa. Nós, da REAPI, não vamos abrir mão desses itens, e se eles não cumprirem apelaremos para a Justiça”, enfatiza Tânia Martins, representante da rede.
Com relação à madeira, a Suzano alega que está com dificuldades para encontrar quem a compre. Quanto à água, eles argumentam que não podem negociar ainda, porque ela será consumida apenas quando for instalada a indústria, em 2014. Essa análise constante da água se faz necessária, já que as fábricas de celulose promovem um uso abusivo de água potável, além de lançar resíduos nos rios.
Os detritos lançados nos rios contribuem para a contaminação do lençol freático. Ocorre também a contaminação do solo pelo uso intensivo de agrotóxicos, que se transfere para córregos, riachos e rios. De acordo com relatos de trabalhadores rurais do município de Elesbão Veloso, que prestam serviços terceirizados para a empresa, alguns animais já morreram com o veneno colocado junto com a aplicação do adubo.
Mesmo com todos esses impactos, a população que mora próxima às grandes plantações de eucalipto estão contentes com a chegada da Suzano Papel e Celulose. Um jovem, de nome Fábio, do assentamento Bebedouro, do município de Elesbão Veloso, todos os anos viajava a São Paulo para trabalhar no corte de cana, na época da colheita. Além de ter que se afastar da família, o pagamento era feito de acordo com a produtividade de cada trabalhador.
Agora Fábio está satisfeito com o novo trabalho. Ele presta serviço à Suzano, através da J.F. Sousa Serviços. No final do mês recebe um salário mínimo, o que ainda não é o suficiente, e trabalha perto de casa, das sete da manhã às quatro da tarde, fazendo pique, trabalho braçal pesado de demarcação das áreas a serem desmatadas.
Assim como Fábio, todos os trabalhadores contratados são terceirizados. Dessa forma não possuem vínculo direto com a empresa, ela não precisa se preocupar com a garantia dos direitos trabalhistas e os trabalhadores não têm nenhuma perspectiva de contratação futura, após a finalização da fase de desmatamento, adubação e plantio, já que a colheita é feita com o uso de máquinas.
Ainda assim, as famílias, tanto do assentamento Bebedouro quanto do Caraíba, deixam bem claro que elas não estão muito preocupadas com o futuro, pois antes não possuíam nenhuma fonte de renda, a não ser o que conseguiam através do extrativismo. Pensam apenas no agora, na sobrevivência do dia-a-dia.
Devido à inexistência de uma política realmente comprometida com a população do campo, essas famílias vêem a instalação dessas empresas como uma alternativa, sem qualquer preocupação com o impacto da monocultura e com as gerações futuras.
Isso se reflete na fala do presidente da Associação do Assentamento Caraíba, Antônio Avelino. “Já tem bastante gente daqui empregada, são três assentamentos, quase todo mundo trabalhando. Tem tudo, é direitim, o negócio é bem-feito, está todo mundo gostando. Muita gente disse que era ruim pra gente, porque as árvores que tem perto iam tudo embora, mas nem isso eu acredito que seja ruim. Eles ainda fizeram a proposta de alugar as terras por sete anos, arrendar 50% da área, 608 hectares. Eles fazem todo o serviço, quando fizerem a colheita pagam todas as contas, aí o lucro é dividido”, relata.
A Suzano pretende arrendar 50% das terras dos assentados, sob a alegação de que os trabalhadores rurais não gostam de trabalhar com a agricultura familiar e apenas querem saber do extrativismo. Entretanto, as famílias da região plantam arroz, feijão, mandioca e milho para a subsistência. Só não ampliam a produção pela falta da aplicação de políticas voltadas para a agricultura familiar, que deveriam ser desenvolvidas pelo Governo do Estado.
Por isso Antônio Avelino considera que a proposta feita pela Suzano poderá ser um bom negócio, mesmo sem a certeza de quais substâncias são utilizadas para adubar o solo, e se aquela terra, depois de sete anos sendo utilizada para o plantio de eucalipto, não estará improdutiva. “Eu num sei se mais tarde vai ter algum problema. Melhor do que ficar parado. Sete anos eles tiram a primeira safra, depois vão plantar de novo. A gente num pensa pro futuro, só no presente”, destaca.
Por outro lado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Elesbão Veloso, Sebastião do Nascimento, explica que isso também acontece porque ainda não foi possível a população sentir os impactos ambientais e sociais com a instalação da Suzano. “O campo de plantação é muito bonito, mas só com o tempo é que a gente vai sentir. Algum impacto já dá pra sentir agora. Por conta do desmatamento, os bichos não estão mais ocupando aquela área. Eles estão comprando tudo em volta o que for bom pra eles. Eles tão deixando umas reservas de mata nativa, mas fora da reserva eles tão levando tudo”, relata.
De acordo com o representante do sindicato, nem Suzano nem o governo cumpriram com as promessas de desenvolvimento. “Eles prometeram que iam voltar aqui para mostrar o resultado, mas ainda hoje a gente aguarda. Hoje a gente se pergunta e não tem resposta. A promessa da empregabilidade não foi garantida. Eu não queria ouvir só as promessas, mas a resposta em cima das dúvidas. Trabalhar é um direito de cada um de nós. Alguns trabalhadores já foram dispensados, os que esperaram perderam tempo, todos ficaram com as mãos na cabeça. Hoje está todo mundo subindo e descendo, sem ter um lugar certo para trabalhar”.
Fonte: Caros Amigos | Matéria, 13/10/2010

sexta-feira, setembro 10, 2010

a cobrança pelo uso da água

A Cobrança pela Água no São Francisco

por Roberto Malvezzi
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Como estava previsto na lei nacional de Recursos Hídricos 9433/97, a cobrança pelo uso da água começa a se difundir pelo Brasil. Ela se torna possível quando é criado um comitê de bacia e esse comitê cria sua agência de águas, isto é, um corpo técnico que se torna responsável pela implementação da cobrança. Entretanto, a cobrança é uma decisão do comitê.
O São Francisco começa nesse mês a cobrar pela água, o que tem deixado muita gente preocupada. De fato, a cobrança pela água é muito mais complexa do que se pode imaginar a primeira vista. Os chamados usuários – qualquer ente físico ou jurídico que utilize águas de um determinado corpo d’água, como irrigantes, indústria, serviços de saneamento, etc. – terão que pagar por ela, desde que esteja acima do chamado “uso insignificante”, que no São Francisco foi determinado em 4 litros por segundo. Acima disso, qualquer usuário terá que receber uma outorga e terá que pagar por cada metro cúbico utilizado.
Mas, não paga apenas pelo que capta, pagará também pelo que devolve ao corpo d’água em forma de efluentes. Quanto mais limpa for a água captada, mais caro se paga. Quanto mais suja for a água devolvida, mais caro se paga. Quando o uso é “consuntivo”, isto é, a água retirada não volta mais àquele corpo d’água, como é o caso da Transposição, ainda mais caro se deve pagar.
O critério é o enquadramento dos corpos d’água, que de forma sintética, classifica a qualidade da água. Aí entra outro fator complexo, já que a classificação é pelo DBO – demanda biológica por oxigênio – que indica a demanda de oxigênio que aquele efluente vai demandar do corpo d’água para processar seu material orgânico. Portanto, não são avaliadas questões chaves, como a contaminação por metais pesados.
A água do São Francisco a ser captada pela Transposição está classificada no nível 2, portanto, nem a melhor das águas, nem a pior. Além do mais, é um uso cem por cento consuntivo, já que nenhuma gota voltará ao São Francisco. O problema é que sua adução até os demais estados demanda muita energia e manutenção dos canais e maquinários. Então, o governo, que sempre garantiu que essa água seria barata, agora quer impor redução no preço da água transposta. Resultado, os beradeiros do São Francisco poderão pagar mais caro pela água do rio que os receptores nos estados do setentrional.
Discute-se também se para pôr um barco na água, para pescar, etc., esses pequenos usuários deveriam pagar. Pelo menos no comitê do São Francisco, ainda não. Porém, os pequenos agricultores mineiros estão apavorados porque agora tem que registrar suas minações, olhos d’água e outras formas de captação, mesmo que o uso seja insignificante e não tenham que pagar pelo seu uso.
Enfim, agora água é mercadoria, tem valor econômico e será vendida como qualquer produto. Há quem defenda a cobrança pela água como uma medida pedagógica e disciplinar. Nós achamos que o mecanismo da cobrança não estabelece o uso equitativo da água – quem tiver outorga e dinheiro para comprar leva -, e que outros mecanismos seriam mais eficientes para disciplinar e fazer justiça no uso da água. Mas, prevaleceram os interesses e a lógica do capital, embutidos em nossa lei de recursos hídricos.
No futuro, quando toda água estiver mercantilizada, novas formas de fazer da água um negócio deverão aparecer. Previmos esses desdobramentos desde a Campanha da Fraternidade da Água, em 2004. Agora estamos colhendo os frutos da implementação dessa lei e da política que ela nos trouxe.
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Roberto Malvezzi, Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, é articulista do Portal EcoDebate.
Fonte: EcoDebate, 10/09/2010

segunda-feira, setembro 06, 2010

acesso à água, um direito

O direito humano à água
No dia 28 de julho, a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou “o direito à água potável, limpa e segura, e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos.” (1)
Isso veio de surpresa; não por a resolução ter sido adotada, mas porque significa que até agora o acesso à água doce, limpa e segura, NÃO tinha sido reconhecido como um dos mais básicos direitos de cada ser humano!
Dito o anterior, é claro que nós damos as boas vindas a essa declaração, que consideramos um marco para abordar os problemas que atualmente enfrentam quase 900 milhões de pessoas no mundo todo, que não têm acesso à água limpa – e muitas mais que poderiam enfrentar o mesmo destino no futuro próximo.
Também damos as boas vindas ao fato de a resolução apelar para os Estados e as organizações internacionais “a fim de intensificarem os esforços para providenciar água potável segura, limpa, física e economicamente acessível, e saneamento para todos”.
Um terceiro motivo para dar as boas vindas à declaração é o fato de ela abrir as portas para um debate muito necessário sobre uma série de problemáticas cruciais, que abrangem desde a posse da água até as medidas que garantam que a água permaneça segura, limpa, física e economicamente acessível.
A respeito da posse da água, a questão mais óbvia parece ser a incompatibilidade entre a água como direito humano básico e sua apropriação por parte de companhias privadas com fins lucrativos. Para a maior parte das pessoas, a luta está, portanto, focalizada contra a privatização da água doce e em prol de ser devolvida às companhias estatais ou de permanecer em suas mãos.
Apesar de concordarmos com o acima mencionado, há outras formas de apropriação menos visíveis que gostaríamos de focalizar, que estão ligadas com várias de nossas áreas de trabalho.
A primeira questão é o papel primordial que as florestas têm na conservação do ciclo hídrico. Quando vastas áreas de florestas são destruídas pela extração industrial de madeira ou pela conversão à agricultura e à criação de gado em grande escala, isso impacta sobre todo o regime hídrico - de mudanças nos padrões das chuvas ao assoreamento dos cursos de água - que resulta em diminuição da disponibilidade e qualidade da água. A destruição das florestas pode, portanto, também ser considerada como uma forma de apropriação - através da destruição - da água.
Outra forma oculta de apropriação da água diz respeito às atividades que poluem os recursos hídricos tais como a mineração, a exploração de petróleo e a agricultura industrial. Os produtos químicos usados ou liberados por essas atividades desprovêem as comunidades locais da até então água doce, segura e limpa. Para eles, sua água foi apropriada por esses poluidores.
Uma forma de apropriação mais direta resulta das plantações de árvores de rápido crescimento em longa escala que consomem milhões de litros de água diários, privando os usuários locais e rio abaixo da água que necessitam.
Os poucos exemplos acima mencionados mostram que a intensificação dos esforços para providenciar água doce segura, limpa, física e economicamente acessível não é apenas uma questão de providenciar “recursos financeiros, capacitação e tecnologia através de ajuda e cooperação internacional, em particular aos países em desenvolvimento” (como expressa o artigo 2 da resolução das Nações Unidas). Mesmo necessárias, tais ações não são suficientes.
Afinal, o que mais importa é abordar as causas da depleção da água e da poluição e priorizar a conservação da água - em quantidade e qualidade - em todos os investimentos econômicos. Isso significa que nenhuma atividade que venha exaurir ou poluir os recursos hídricos já não deveria ser aceitável.
Devido ao direito à água potável, segura e limpa ter sido finalmente reconhecido como um “direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos”, agora os cidadãos têm o direito e os governos a obrigação de torná-lo realidade.
(1) A resolução recebeu 122 votos a favor e nenhum voto contra, enquanto 41 países se abstiveram do voto. As abstenções foram: Armênia, Austrália, Áustria, Bósnia e Herzegovina, Botswana, Bulgária, Canadá, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Etiópia, Grécia, Guiana, Islândia, Irlanda, Israel, Japão, Kazakhstan, Quênia, Látvia, Lesoto, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Nova Zelândia, Polônia, República da Coréia, República da Moldova, Romênia, Eslováquia, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, República Unida da Tanzânia, Estados Unidos, Zâmbia.
Fonte: EcoDebate, 06/09/2010

quinta-feira, agosto 05, 2010

água: fronteira de paradigmas

A apropriação da água*

por Luisa Tovar**

A sutíl propriedade da água

A relação do homem com a água expressa-se, como a relação com a terra, na organização das sociedades desde os tempos mais remotos.  As relações sociais, o exercício do poder, o desenvolvimento humano, científico e tecnológico, o próprio clima e ocupação da terra, a concepção do mundo - em suma, a história dos povos, reflete-se na "história da água".
Uma componente muito relevante desta relação é o estatuto de "propriedade" e "direito de uso" que tomou formas muito diversas nas diferentes civilizações da antiguidade e se exprime actualmente de formas muito distintas na cultura, no "sentido de direito" e nas legislações dos diversos países[i].
O poder sobre a água esteve sempre associado à forma de poder sobre as pessoas e sobre o território. É assim "normal" que o assalto à água tenha um papel significativo na investida capitalista para o poder absoluto.
Mas o ataque directo e aberto, a "privatização" e mercantilização pura e simples dos recursos hídricos e serviços associados, encontra mais resistências que outros ataques semelhantes - aos recursos minerais, à energia e à poluição do ar, por exemplo.
O sentido cultural de "direito" à água, de "bem comum", os sistemas instituídos e com raízes antiquíssimas de direito da água nos diversos países, a própria ligação, ainda muito viva, entre as pessoas e a água "da natureza", constituem obstáculos a contornar.
Assim, o ataque é feito evitando a todo o custo o termo "propriedade" e transformando o conteúdo de designações em uso ("gestão", "direito de uso", "concessão", "prestação de serviços", por exemplo) para uma apropriação de fato da água.
Em simultâneo, devido à muito diferenciada organização jurídico-administrativa dos Estados em relação à água e, sobretudo, à diversidade de conceitos culturais (e éticos) de "direito da água", esta incursão depara-se com obstáculos, diferentes de país para país, que condicionam a celeridade de penetração e, por vezes, as táticas e prioridades específicas.
Coexistem assim e conjugam-se várias formas de apropriação heterogéneas, algumas das quais camufladas, mas não menos eficazes.
A água está em constante movimento, transita entre as fases sólida, líquida e gasosa, tornando-se de fácil acesso por períodos mais ou menos curtos para seguidamente se tornar inacessível e voltar a reaparecer noutro local. E é, não exatamente "renovável", mas reutilizável, isto é, em períodos de tempo mais ou menos longos a água que foi utilizada uma vez volta de novo ao sistema global.
Terão sido estas características, e não qualquer conceito ético ou de equidade, que inviabilizaram historicamente a aplicação à água do regime de propriedade que foi aplicado à terra por quase todo o mundo, em séculos de conquistas territoriais, de invasões, de domínio senhorial, de subjugação de povos, de ocupação colonial e de construção de impérios.
A terra, sem água, é estéril. E a propriedade da terra de nada serve sem água. O domínio da terra e dos povos implica o domínio da água. Não há autodeterminação nem liberdade - ou sequer vida - sem garantia de acesso quotidiano à água.
Ao longo dos séculos o homem aplicou uma criatividade e um trabalho imenso à interação com a água. Inventou - e inventa ainda - processos cada vez mais eficientes de reter a sua acessibilidade fugaz, de chegar às formas mais inacessíveis, de transportá-la a longas distâncias, de armazená-la, de purificá-la. A história das ciências da terra e do clima, da agricultura, das engenharias, da matemática, está profundamente ligada à história da relação do homem com a água.
A forma de "regular" o acesso à água estabeleceu-se em paralelo com o domínio sobre a terra.  Mas, na incapacidade física de tomar pela força e vedar o acesso à água da mesma forma que se fazia com a terra, as organizações sociais baseadas no regime de propriedade foram estabelecendo sistemas legais e de controle de acesso á água que, de alguma forma, se lhe assemelhavam.
Todos os sistemas de direito da água que chegaram aos nossos dias incorporam uma componente (mais ou menos vaga) relativa às relações entre Estados, diretamente associada ao território.
E outra componente, muito mais extensa e intrincada, aplicável essencialmente à água "doce" - de rios, lagos, aquíferos subterrâneos ou nascentes, que regula a separação entre "águas privadas" e "águas públicas" (comuns, administradas pelo Estado) e a apropriação" de "partes" da água "comum".
Naturalmente, uma parcela de água individualizada e destacada da "massa" ou "corpo" em que circularia no ciclo hidrológico - natural ou modificado - é um "objeto " passível de ser apropriado; em caso limite, um copo de água é um bem que não só é passível de ser apropriado, como obviamente de utilização privada e particular.
No outro extremo estaria a "propriedade" de "toda a água" - os oceanos e glaciares, as nuvens e a humidade atmosférica, os rios e os lagos, os aquíferos subterrâneos, a humidade do solo, toda a enorme energia desse constante movimento, as substâncias dissolvidas e suspensas em constante transformação, toda a fauna e a flora que a habitam ...
As "fronteiras idealizadas" entre "toda a água" e a "água passível de ser apropriada" divergem de sistema para sistema, contrariando mesmo nalguns casos as leis da física.  É o caso do direito português, que mantém a absurda herança romana de estabelecer que a água subterrânea e as nascentes são propriedade privada associada à posse da terra, como se a geohidrologia, a recarga e o nível piezométrico dos aquíferos, o escoamento no sub-solo, se regulassem por "marcos", "extremas" ou registos notariais.
O direito moderno da água, próprio de cada país, estabelece a delimitação entre as "águas públicas" e as "águas privadas", regras de utilização das "águas privadas" e um conceito muito relevante no processo de apropriação, que é o "direito de uso" das "águas públicas".
O "direito de uso" tem a forma de um contrato entre o Estado e um privado, permitindo a esse privado o "usufruto" de "águas públicas" em condições estabelecidas, e que o Estado se compromete a fiscalizar.
O objectivo do processo de apropriação capitalista da água é a obtenção do "domínio" da água e a sua rentabilização (transformação em capital produtor de renda) na forma de títulos passíveis de comercialização e especulação financeira.
Tem formas múltiplas, simultâneas e conjugadas, mas focam-se aqui apenas alguns aspectos essencialmente relacionados com:
- a apropriação das "águas públicas";
- a apropriação das infraestruturas públicas;
- a apropriação dos serviços essenciais da água.
A apropriação das "águas públicas"
O processo de apropriação privada das águas públicas é de uma importância tão crucial que se torna uma pedra chave na apropriação da água e na conquista do poder político resultante.
Decorre no campo legal, atuando simultaneamente nos múltiplos órgãos supranacionais que, a pretexto de regulamentação, interferem ativamente nos diversos sistemas de direito nacional[ii], muito especialmente no direito econômico e no direito "ambiental", bem como no intricado e opaco articulado legislativo que forma o tecido jurídico-institucional da administração da água de cada país.
Apontam-se aqui apenas duas vertentes simultâneas desta atuação:
- a alteração do estatuto do "direito de uso", transformando-o em "cotas de propriedade".
- a substituição da administração pública, estatal, das "águas públicas" por órgãos controlados pelo poder do capital.
O "direito de uso", que consiste na permissão de alteração do estado e do comportamento das "águas públicas" pode tomar a forma, entre outras menos significativas, de "direito de poluição"[iii], que não se trata aqui apesar da sua importância, ou de "direito de captação". O "direito de captação" permite retirar continuamente uma "parte" da água pública - determinado volume -  para utilização privada numa atividade. Isto é, o "direito de captação" consiste na forma legal de apropriação de determinada parte das "águas públicas".
O "estatuto legal" da água altera-se no processo de captação: deixa de ser "domínio público" para se tornar "domínio privado".
Na ausência de restrições legais específicas, este "direito" é independente da variabilidade hidrológica da ocorrência da água. Isto é, no verão, ou durante uma seca, os concessionários dos "direitos de captação" servem-se da "sua parte", deixando no rio, ou no aquífero, "o que sobrar" - "se sobrar".
Como é evidente, a instalação de múltiplos utilizadores com os seus "direitos de uso" em qualquer massa de água pública é conflituosa num período de escassez ou de "menor abundância"; e esta competição, ultrapassando determinados limites, provoca danos no funcionamento da "massa de água pública" - na sua função como suporte de vida aquática, nos equilíbrios hidráulicos e sedimentares, nos processos físicos químicos e biológicos e em toda a fruição "não consuntiva", isto é, "sem captação", da massa de água.
O usufruto de "direitos de uso" tem, por isso, de ser condicionado.
A limitação e hierarquização dos "direitos" é estabelecida, em Portugal como noutros países com raízes no direito romano, por um critério da "importância pública" da finalidade da água. Por esse critério o abastecimento público é legalmente priorizado, "cessando" temporariamente os "direitos" de outros utentes conflituosos com este. A lei define uma hierarquização entre os restantes usos, incluindo o "espaço ambiental", numa filosofia que tenta conciliar a "importância social" do objetivo com a "gravidade da falha" para o utilizador.  O Estado é árbitro "e decide" em caso de omissão ou dúvida de interpretação da lei.
Na legislação dos EUA prevalece o direito do "primeiro a chegar", isto é, a hierarquia é estabelecida por data de aquisição do "direito". O primeiro instalado é dono de todas as gotas de água disponíveis até perfazer a sua quota. Pode usá-las, desperdiçá-las ou vendê-las.
Este exemplo apenas ilustra um dos muitos "detalhes" que distinguem dois conceitos de "direito de uso", e que representam, de facto, hierarquizações muito diversas entre "direitos de cidadania" e "direitos de propriedade".
O primeiro pilar da apropriação da "água pública" incide nesta zona legislativa, e tem como objetivo a transformação dos "direitos de uso" da água em "quotas" de propriedade da "água pública".
Para além da remoção dos condicionamentos hierárquicos entre usos pretendem-se substituir os critérios legislativos de "interesse público" e "direito de cidadania" por mecanismos de mercado - "pagamento de uso" e "leilão de direito de uso".
E ainda:
 - tornar o "direito de uso" permanente, independente da finalidade a que se destina, hereditário e comerciável;
- responsabilizar o Estado pela garantia de usufruto do "direito de uso" pelos seus detentores, e por indenizações caso não haja condições materiais do seu pleno gozo.
Isto é, transformar as "águas públicas" numa propriedade por cotas de um ou mais investidores, que se ocuparão "eficientemente" da sua "venda a retalho".  Ficando o Estado como "guarda-portão" e "segurador" dessa propriedade .
Em alguns países, destacando-se os EUA, o mercado de "cotas de propriedade" das águas públicas, ou "direitos da água" - "water rights" - é já uma realidade instituída[iv].
O segundo pilar desta estratégia de apropriação é a transferência da administração pública da água, baseada num sistema de direito público e com objectivo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, para sociedades privadas reguladas pelo direito privado e mecanismos de mercado, orientadas para a maximização da renda de capital dos acionistas.
Neste sentido são conjugadas duas linhas simultâneas:
-    a transição gradual das funções de administração do Estado para a "gestão" de sociedades anônimas, com o que se consuma a transição de funções do âmbito do direito público para o do direito privado e a mutação de objetivos concomitante. Esta transição processa-se através da "concessão" da gestão de empreendimentos[v] ou de "massas de água"[vi].
-    a "gestão" das bacias hidrográficas e/ou grandes empreendimentos públicos por órgãos exteriores à administração direta do Estado, com administração  "participada" pelos "interessados".
Mais sutil que a técnica das sociedades anônimas, este formato é muito desenvolvido nas recomendações dos organismos internacionais influenciados pelos interesses de capital.
Trata-se, de fato, de constituir "entidades gestoras" de fachada pública cujos órgãos decisores são conselhos de administração de fato dominados pelos interesses privados da zona de influência.
O eufemismo utilizado para entregar formalmente as decisões públicas aos interesses privados é a "participação dos interessados". A teoria é amplamente desenvolvida em documentação da UE, do Banco Mundial e outros órgãos, representando uma transição do público ao privado alternativa à solução das sociedades anônimas.[vii]
Estas duas formas de "alijamento" de funções do Estado representam fases de transição para um modelo mais ou menos disfarçado de grupo econômico privado.  Sublinha-se que todos os processos ficam facilitados, porque deixando de ser abrangidos pela legislação que obriga à transparência da administração pública, se tornam opacos e inacessíveis ao acompanhamento pelo sistema político e pelos cidadãos.
Em suma:
- As "águas públicas" são transformadas em propriedade de uma sociedade por cotas.  São comercializadas a retalho pelos acionistas como "matéria prima transformada", "mercadoria embalada" ou "depósito de lixo".
- A administração pública é substituída por um órgão que funciona como conselho de administração dos proprietários.
- Reserva-se ao Estado a "responsabilidade" pelo bom exercício do direito de propriedade e pela garantia do permanente lucro dos investidores.
Isto é, a função do Estado passa a ser a proteção da renda das "cotas" de propriedade da massa de água, ao invés do papel de garantidor e promotor do bem-estar da População, da sustentabilidade, da preservação e desenvolvimento da natureza, do território e dos recursos comuns.
O processo de privatização das águas públicas é bem real, está em curso pela forma que se delineou. Viola o espírito e pode passar ao lado da letra das Constituições - sobretudo, quando é promovido e incentivado por fortíssimas maiorias parlamentares.
.
(*)Trecho do artigo A Fronteira da Água, escrito para a Revista "Poder Local",Número com o tema central "Desenvolvimento Sustentável e Cúpula de Joanesburgo"
** Luisa Tovar, Engenheira Civil, Mestre em Engenharia do Ambiente.

[i] Não é possível expor adequadamente neste espaço a complexidade do tema. Ver, sobre a "história" antiga e muito recente: Caponera, Dante A., Principles of Water Law and Administration (Rotterdam: Balkema Publishers, 1992); Realça-se a diferenciação entre as sociedades sedentárias, em territórios abundantes de água", fonte de riqueza agrícola, como a egípcia e a babilônica, em que é predominante a componente da hierarquia de poder sobre o "recurso estratégico" e as infraestruturas, e as civilizações de escassez, parcialmente nômades, como a islâmica e a israelita, em que o direito se centra na garantia de acesso à água potável - uma expressão de "direito humano" fundamental, que assume características por vezes religiosas. O "direito romano", associado ao império e á propriedade da terra, ainda fortemente patente nas legislações atuais de muitos países, como Portugal, Holanda e França. O "direito de garimpeiro", de conquista pela força, proveniente das tribos germânicas, que ainda hoje marca o sistema inglês e, muito fortemente, o dos EUA. A única legislação moderna "de raiz", a Lei da Água da URSS de 1972, incorporando conceitos completamente inovadores, como a noção de "corpo de água" e a integração no sistema de planeamento, hoje "formalmente" assumidas na discussão sobre a gestão da água. E também as múltiplas formas de "protecção" legal contra a poluição.
[ii] Ver: Luís Sá, 1995, "A crise das Fronteiras - Estado, Administração Pública e CE", Tese de doutoramento defendida ISCSP, UTL; Volume II - "O caso do Ambiente"; não publicado; ver especialmente as pags 1028-1062, dedicadas à política da água.
[iii] Sobre "direito de poluição" e interferência da UE ver Luís Sá, obra referida na nota anterior.
[iv] A dimensão do mercado de "cotas" da água levou já ao surgimento de empresas que atuam como intermediárias nestas transações; Ver "waterbank" (o banco da água) em http://www.waterbank.com
[v] Em Portugal é o que se passa em relação aos grandes aproveitamentos hidroelétricos, com particular destaque para o Cávado e o Lima; com a gestão de alguns aproveitamentos hidroagrícolas por associações de regantes; e, mais significativamente, com a concessão à EDIA (em preparação) da gestão do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva.
Em todos os casos se trata de entidades de direito privado que gerem, fatualmente, os rios.   Poderá não ser "ainda" a privatização completa e formal da água, mas a orientação é clara.
[vi] Tem vindo a ser aventada a hipótese da gestão das bacias hidrográficas por "sociedades anônimas".  O caso da EDIA, referido em nota anterior, parece mostrar uma inclinação por essa opção.
[vii] Várias propostas que vieram à luz, incluindo o articulado das versões para consulta pública dos planos de bacia hidrográfica e do plano nacional da água, indicavam esta modalidade, eventualmente combinada com o estatuto de Sociedade anônima.

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