por João Sicsu
Recursos públicos são arrecadados
por intermédio do funcionamento de um sistema tributário que cobra impostos,
taxas e contribuições. Um sistema tributário socialmente justo deve ter caráter
distributivo, portanto, deve impor maior sacrifício àqueles que têm mais
condições de suportá-lo e, ao mesmo tempo, estabelecer menores alíquotas, taxas
e contribuições para aqueles que auferem rendas mais baixas e, em consequência,
possuem menores estoques de riqueza.
Para tanto, é necessário que o
Estado seja forte, isto é, seja bem aparelhado, com pessoal suficiente e de
elevada qualidade técnica, possua equipamentos de alta tecnologia e estabeleça
regras que facilitem a utilização do seu aparato de inteligência e arrecadação.
Também deve possuir legislação que evite que grandes riquezas e as maiores
rendas possam se evadir do país legal ou ilegalmente com o objetivo de se
eximir de seu dever contributivo.
Um sistema tributário socialmente
justo é aquele que possibilita, também, reduzir as desigualdades de
riqueza/renda que são socialmente inaceitáveis, assim como possibilita ao
Estado oferecer um sistema de gastos públicos que promova a igualdade de acesso
e oportunidades.
No Brasil, se por um lado, os
programas sociais de transferência de renda, o pagamento de benefícios da
Previdência Social pública, a política de valorização real do salário mínimo e
a geração de empregos têm tido um caráter fortemente distributivo; por outro, o
sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo. Em outras palavras, boa
parte do gasto público é distributivo; já o sistema tributário sacrifica mais
os “de abaixo” e alivia “os de cima”.
Uma análise da carga tributária
por base de incidência revela a estrutura concentradora do sistema tributário
brasileiro. Segundo dados da Receita Federal, mais que 47% da carga tributária
advêm do “consumo”. E menos que 5% advêm de “transações financeiras” e da
“propriedade”. E, da “renda”? Tem-se menos que 20% do total arrecadado. (ver
abaixo)
CARGA TRIBUTÁRIA POR BASE DE
INCIDÊNCIA, ANO 2009
Tipo de Base............Participação
Relativa na Carga Tributária Total (%)
Consumo..............................................47,36
Renda.................................................19,88
Folha de salários....................................26,05
Propriedade e Transações Financeiras............ 4,91
Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal.
Renda.................................................19,88
Folha de salários....................................26,05
Propriedade e Transações Financeiras............ 4,91
Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal.
O imposto sobre o “consumo” é
injusto porque trata os diferentes como se fossem iguais. Um bem de consumo
adquirido por um rico ou por um pobre possui a mesma carga monetária de
impostos. Logo, o esforço tributário do rico para pagar o imposto contido no
seu ato de consumo é infinitamente menor que o esforço despendido pelo pobre
para realizar o mesmo ato. Veja-se como uma cartilha intitulada “A
progressividade na tributação brasileira: por maior justiça tributária e
fiscal” (de 2011) lançada pelo Ipea, Dieese e Sindifisco sintetizam o problema:
“Quando um trabalhador assalariado, que
ganha um salário mínimo, compra um pãozinho, ele paga os impostos indiretos que
estão embutidos no preço do produto. O patrão dele, cuja renda é muito maior,
também vai pagar o mesmo imposto! Com a agravante que o trabalhador gasta todo
o salário com o consumo dos bens e serviços necessários à sobrevivência –
pagando impostos em cada um deles; enquanto o patrão ainda tem dinheiro para
investir em diversas modalidades financeiras com tributação baixa, ou mesmo
isentas de impostos!”
Cidadãos somente são diferenciados
em termos da renda que auferem e do patrimônio que acumularam quando pagam
impostos sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” que
realizam – é exatamente o que não acontece no Brasil. Uma comparação
internacional é ilustrativa da injustiça brasileira. Segunda a OCDE, nos
Estados Unidos, Suiça e Canadá mais que 50% da carga tributária advêm dos
impostos sobre a “renda” e a “propriedade”. No Brasil, a soma da arrecadação
sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” não ultrapassa
25% do total. Nesses mesmos países, o imposto sobre o “consumo” não alcança
sequer 20% da arrecadação total.
É dito que a carga tributária no
Brasil é alta e que “é preciso reduzi-la!”. Já inventaram até o impostômetro.
Mas, deveriam ter inventado, também, o impostômetro dos pobres [e o jurômetro
dos ricos? – para indicar quanto os ricos recebem de juros do Governo – algum
milionário quer financiar essa invenção?]. A carga tributária brasileira está
em torno de 35% do PIB. É verdade, a carga tributária brasileira não é baixa
quando comparada com a carga de países em desenvolvimento. É uma carga
assemelhada a dos países desenvolvidos. Entretanto, cabe uma análise mais
precisa sobre a distribuição da carga tributária.
Estudo realizado pelo Ipea
intitulado “Equidade
fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social” (de maio de 2011)
mostrou que a carga tributária das famílias mais pobres do Brasil é de 32% da
sua renda; enquanto, a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. Os
mais pobres pagam (desses 32%) 28% de impostos indiretos quando adquirem bens
ou pagam por serviços. Os mais ricos pagam em impostos apenas 10% da sua renda
para comprar mercadorias ou contratar serviços.
Para finalizar, valem a pena ser
destacados os seguintes pontos (aliás, esquecidos por aqueles que bradam contra
a cobrança de impostos no Brasil):
(a) No ano de 2010, do total da
receita federal de R$ 826.065 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR)
contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total;
(b) O Imposto de Transmissão Causa
Mortis e Doação (ITCD), ou seja, o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em
torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%;
(c) Lanchas, jatinhos e
helicópteros são isentos de pagamento de impostos; um carro popular usado paga
anualmente Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
(*) João Sicsu é Professor-Doutor do Instituto de
Economia do Rio de Janeiro.
Fonte:
Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 13/09/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário