Belo Monte: Genocídio Anunciado
por J. Sulema Mendes de Budin
Cidadã brasileira.
Ambientalista, advogada e consultora em meio ambiente
Artigo publicado em Adital
Esse
texto é de minha inteira e exclusiva responsabilidade. Quaisquer formas de
reprodução e/ou veiculação, por quaisquer meios, não alteram nem minimizam essa
responsabilidade.
Srs.
presidentes do IBAMA e da Chesf - a minúscula é intencional, porque
proporcional as suas "dimensões” como instrumentos de terceiro escalão
desse "desgoverno”, que afronta os direitos mais básicos dos cidadãos.
Sr.
Curt, ao confirmar de viva voz para a jornalista australiana o que todos os que
conhecem as táticas e estratégias da indústria barrageira e seus acólitos já
sabem, anunciando o genocídio dos índios (e demais opositores a essa barragem
criminosa e desnecessária, como os ribeirinhos, os pescadores e as populações
tradicionais), que serão tratados "como os aborígenes” foram, na
Austrália, se posicionou claramente dentro das técnicas reacionárias e
neonazistas, que ignoram os direitos mais fundamentais do ser humano.
Com
tantos títulos no CV, o senhor passará direto sobre todo o sistema legal deste
país, tratando os índios com idêntico menosprezo que os colonizadores e a
ditadura militar. Se a OAB e o CNJ ainda mantiverem algum comprometimento com
suas origens e história, o mínimo que deve lhe acontecer é ser expulso da
primeira e penalizado pelo segundo, assim como os juízes pressionados que estão
alegando "incompetência”, para fugirem às responsabilidades para com o
sistema jurídico, que é o maior pilar do Estado de Direito.
O
senhor é uma vergonha para a parte consciente da classe dos advogados, para os
brasileiros e para os gaúchos, intrépidos defensores das suas tradições e
direitos –se não sabe, procure a história da Revolução Farroupilha– e o próprio
Judiciário do RS, sempre à frente em suas decisões, especialmente relativas ao
meio ambiente e ás causas sociais, assim como o MPF/RS, que vem enfrentando
interesses políticos e empresariais, na defesa dos direitos dos cidadãos e do
meio ambiente.
O
sr. (Phd) Curt, como todo instrumentinho de segunda classe, arrogante
prepotente e pretensioso, está confiante que as leis neste país não valem para
os asseclas desse "governo”. Engano seu. Enquanto houver um mínimo de
senso de justiça e anseio de verdadeira democracia num povo, cedo ou tarde, aqueles
que cometeram crimes, como o senhor ao assinar a LI de Belo Monte, para
defender interesses menores e escusos, contrariando os próprios técnicos do
IBAMA que foram contra essa usina e o Painel de 40 especialistas, de
reconhecida competência no Brasil e no exterior que provaram, técnica e
cientificamente, desde os impactos socioambientais em toda a Bacia do Xingu,
como a inviabilidade financeira da usina, um dia serão punidos. Para cada Al
Capone, há sempre um Elliot Ness!
Por
favor, não nos envergonhe ainda mais com a sua desinformação sobre o órgão que
está presidindo, afirmando para a imprensa o "papel do IBAMA não é proteger
o meio ambiente, mas minimizar os impactos”, o que demonstra sua completa
ignorância sobre as finalidades e objetivos do IBAMA. Dê uma lida na Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6931/81) art. 6º, IV, art. 10 § 4º,
na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97) na lei que criou
o IBAMA e, de passagem, no art. 213 e art. 5º da CF/88.
Aproveite
para se inteirar sobre a Convenção 169 da OIT (com efeito vinculante) e demais
Tratados Convenções e Declarações Internacionais que o Brasil assinou, se
comprometendo a zelar pela integridade dos povos indígenas e das populações
tradicionais, assim como a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos
Indígenas (que trata dos direitos das comunidades indígenas de todo o mundo)
aprovada pela Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas, em 13 de
setembro de 2007, contando com o apoio de 144 países, dentre os quais o Brasil.
O descaso com essa Declaração, apesar de não ter efeito vinculante, mais uma
vez, compromete a imagem do país por decisões ditatoriais e irresponsáveis de
governo, que ignoram os direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente os
mais frágeis.
Para
seu conhecimento, a função primordial do IBAMA, como órgão executivo da PNMA
não é "minimizar impactos”, mas sim "desenvolver atividades para a
preservação e conservação do patrimônio natural...”. E, entre os 14 objetivos
finalísticos "definidos para sua missão institucional” estão:
"Intervir nos processos de desenvolvimento geradores de significativo
impacto ambiental, nos âmbitos regional e nacional (04); Executar ações de
gestão, proteção e controle da qualidade dos recursos hídricos (06); Manter a
integridade das áreas de preservação permanentes e das reservas legais (07).
(Fonte IBAMA).
Títulos
à parte, já ouviu falar no princípio da precaução, inscrito no art. 255 da
CF/88, que é a base do Direito Ambiental? Em síntese, a regra é que na dúvida
prevalece a proteção ao meio ambiente. E na Lei de Crimes Ambientais? E na
Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (artigos I, II c)
III, c), d), e), IV E VI) ratificada pelo Brasil em 15 de abril de 1952,
através do Decreto 30.822/1956, e regulamentada pela Lei 2889/1956 (art. 1º, a)
e c), além da Lei de Crimes Hediondos – Lei 8.072/ 1990 (art. 1º e § único).
Esses crimes são imprescritíveis e a responsabilização é abrangente e
solidária!
Sr.
José Ailton de Lima (com, sem ou apesar de títulos) sua posição é ainda mais
penalizável que a do presidente do IBAMA, pelo acúmulo de funções, no Conselho
do Consórcio Norte Energia. Contrate desde já um excelente advogado e peça ele
que esclareça suas responsabilidades, inclusive face à legislação acima citada,
entre outras. E, por favor, nos poupe de asneiras como a declaração recente que
"os índios sairão por bem ou por direito”, porque o único "direito”
que pode arrancar os índios e demais populações tradicionais das regiões a
serem alagadas é o da força bruta, sem respaldo legal que, aliás, a indústria
barrageira que o senhor serve, assim como esse governo anti-democrático e
autoritário, não hesita em utilizar.
Sua
formação profissional como engenheiro e seu carguinho de terceiro escalão na
CHESF não o desobrigam de um conhecimento mínimo das leis ambientais que estão
sendo infringidas, assim como do conceito de genocídio, implícito na sua
declaração pública e dos direitos dos povos indígenas violados covardemente
pelos represamentos de rios para geração de energia elétrica, a serviço de
interesses internacionais, respaldado no velho esquema de corrupção.
O
senhor sabia que, entre tantas outras implicações, assim como os demais
responsáveis pelo Consórcio pela construção, Licenças Ambientais, o diretor-presidente,
Carlos Nascimento etc., pode ser submetido a julgamento por uma Corte
Internacional, também por violação de direitos humanos e da Convenção 169 da
OIT? Não fique tão tranqüilo por contar com a impunidade que vem manchando o
sistema legal deste país, porque ela é transitória, assim como essa
"chefia” que está exercendo, para "facilitar” as coisas. E por lá a
situação é bem diferente porque o Brasil, como participante da sociedade
internacional, obrigou-se a cumprir a Convenção 169, da OIT, o que lhe acarreta
também responsabilidades específicas diante do Direito Internacional. (Para sua
informação, o Brasil já acumula duas condenações internacionais pelas usinas do
Rio Madeira).
Belo
Monte é um crime ambiental do porte de Balbina; um crime social ainda maior
contra comunidades indefesas e um crime econômico-financeiro contra o país, que
vai despender trilhões (incluindo dinheiro público do BNDES) numa usina
desnecessária, economicamente inviável, quando não há recursos para a saúde
(pessoas morrem nas filas do SUS, hospitais estão caindo aos pedaços e não há
médicos suficientes) para a educação (milhões de crianças ficam sem escolas,
sem professores, sem merenda escolar) para a segurança dos cidadãos (as
polícias, além de mal pagas, não contam com equipamentos, nem sistemas
nacionais de cadastros de criminosos).
Entre
os princípios básicos para a interpretação das disposições da Convenção 169 da
OIT, além da consulta e da participação dos indígenas, está o seu direito de
decidir sobre suas próprias prioridades nas questões que afetem suas vidas,
crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou
utilizam.
Todas
as vezes que os índios e demais populações tradicionais (que podem também ser
consideradas como povos tribais para fins de aplicação da Convenção OIT 169 - o
artigo 3º do Decreto nº 6.040, de fevereiro de 2007 define povos e comunidades
tradicionais com todos os elementos e critérios estabelecidos no artigo 1º da
Convenção 169 da OIT) se manifestaram em simulacros de "consulta”, foi
contra Belo Monte. E o senhor tem a desfaçatez de afirmar que sairão "por
direito”? O seu "direito” vai fazer correr muito sangue sobre o Rio Xingu.
Mas é claro que o senhor, e os outros "responsáveis” pela obra não estarão
lá! A sua "coragem” e a dos demais implicados, não dá para tanto! Façam
bom uso, o senhor o presidente do IBAMA os responsáveis pelo Consórcio para a
construção, do seu "direito” de ficar bem longe. EU VOU ESTAR LÁ, junto
com os Kayapó e os outros índios, se eles me aceitarem, porque sirvo a uma
causa justa e a minha coragem vai além de escrever este artigo.
Fonte:
Direitos Humanos – Senador Cristovam Buarque, 31/08/2011
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