"A sociedade precisa acompanhar atentamente a
discussão sobre a saúde pública, uma das que mais lhe interessam. Recursos
podem surgir - basta lembrar que o governo federal paga em juros da
dívida pública entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões/ano (por causa da mais alta
taxa de juros no mundo); em subsídios a vários setores econômicos, R$ 30
bilhões; em ajuda a mutuários, R$ 32 bilhões".
por Washington Novaes
Reacende-se
o debate sobre a situação calamitosa da saúde pública na maior parte do País -
e até já se prevê que será esse o tema principal na campanha eleitoral de 2012.
O governo federal, por intermédio de suas lideranças, admite que precisará
criar algum imposto que acrescente R$ 45 bilhões anuais ao setor (o ministro da
Saúde fala em mais R$ 41 bilhões para igualar o nível da saúde no País ao da
Argentina e do Chile). Em 2010 investiu o nosso governo central R$ 61,9 bilhões
- mas as despesas da União no setor, segundo Ricardo
Bergamini, caíram de 1,88% do PIB, entre 1995 e 2002, para 1,80%, entre
2003 e 2010; a tendência até aqui é de 1,56% do PIB em 2011.
Mas
a oposição e até parte dos governistas já dizem que não concordam com um novo
imposto, embora haja quem fale em taxar, para isso, grandes fortunas, legalizar
o jogo (cobrando altas taxas), aumentar os impostos sobre o fumo e reservas no
exterior, além de destinar à saúde parte dos royalties decorrentes da
exploração do petróleo.
Até
se registram alguns avanços importantes no Estado de São Paulo, como o da
redução da mortalidade infantil, que em 20 anos caiu 61,8%, passando de 31,2
mortes de crianças em 1.000 nascidas vivas para 11,9 - e isso se deveu em
grande parte aos avanços no setor de saneamento. Também influíram o aumento da
vacinação, os cuidados na fase pré-natal, a assistência às gestantes (Estado,
27/8). Em contrapartida, cresceram os índices de poluição do ar nas maiores
cidades, que já produzem 23,7 mil mortes por ano. O Rio de Janeiro está com
índice três vezes acima do máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS);
São Paulo e Campinas, com o dobro (o melhor índice é o de Curitiba). E o
Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (Unodc) alerta para o consumo abusivo de
medicamentos no Brasil, sobretudo emagrecedores (Envolverde, 27/6).
A
questão brasileira na área da saúde parece ainda mais preocupante quando
colocada diante de outros relatórios internacionais. Como o do World Cancer Research Fund(BBC
Brasil, 17/9), que aponta um aumento da incidência de câncer no mundo da ordem
de 20% na última década, quando se registraram 12 milhões de casos novos; 1,8
milhão estavam relacionados com má alimentação, deficiências de atividade
física e aumento de peso - e esse número "deve crescer dramaticamente na
atual década". Além do câncer, diz a ONU em outros documentos, também
crescem muito doenças não transmissíveis, como as cardiovasculares,
respiratórias crônicas e diabetes. No Brasil, segundo a OMS, os casos de câncer de
próstata (41,6 mil em um ano) e de pulmão (16,3 mil) são os mais frequentes
entre homens; na mulher, câncer de mama (42,5 mil) e de colo do útero (24,5
mil). Já o IBGE diz que 16% dos meninos
brasileiros e 12% das meninas de 5
a 9 anos sofrem com obesidade, sedentarismo e estresse
deles decorrente.
Outro
alerta da OMS é para a ameaça de recrudescimento
da gripe aviária (vírus H5N1), principalmente na Ásia e em regiões mais
próximas, embora possa expandir-se. Desde 2003, o combate à gripe exigiu o
sacrifício de 400 mil aves confinadas em 63 países, com prejuízos de US$ 20
bilhões. Em 2010-2011 já surgiram 800 casos e há vírus endêmicos em seis
países. Como grande exportador de carne de aves, o Brasil precisa se precaver.
Chega-se,
então, ao terreno dos medicamentos. Há progressos na cooperação da indústria
farmacêutica com a OMS e outros organismos, que permitirá a produção de
medicamentos antirretrovirais em versão genérica por um consórcio internacional
que os fornecerá a 111 países mais pobres, com economia de US$ 1 bilhão (o
Brasil já quebrou a patente em 2001). Também haverá redução dos royalties em
patentes de medicamentos para hepatite (Estado, 13/7). Na verdade, os ministros
da Saúde do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul - o Brics - querem mudanças na legislação
sobre medicamentos e patentes para ampliar o acesso das pessoas mais pobres e
baratear custos. A resistência é forte. Mas a própria presidente Dilma Rousseff
defendeu na recente reunião da ONU a que esteve presente a quebra de patentes
de remédios para doenças não terminais (Estado, 20/9), como diabetes, hipertensão
e outras. Segundo ela, trata-se de um "elemento da estratégia para
aumentar a inclusão social".
É
um tema antigo e difícil. Quando era secretário de Meio Ambiente, Ciência e
Tecnologia do Distrito Federal (1991-1992), o autor destas linhas e o então
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, tentaram evitar que o
Congresso Nacional incluísse na Lei
da Propriedade Industrial, que então discutia, o reconhecimento de
pipelines para medicamentos com patente já vencida no exterior - quando, na
verdade, deveriam passar a ser fabricados aqui sem pagar royalties, como já
ocorria em tantos países. Até ao então presidente Itamar Franco foi uma delegação com
representantes da SBPC em todos os Estados. O chefe do governo aderiu
imediatamente à reivindicação. Mas seus líderes no Congresso impediram qualquer
avanço. E os pipelines prevalecem até hoje, embora haja ações de
inconstitucionalidade tramitando no Supremo Tribunal Federal.
Prevenida
quanto ao avanço de certas reivindicações, a indústria farmacêutica
transnacional já domina 40% do mercado de medicamentos genéricos (Folha de
S.Paulo, 28/8), quando há três anos só tinha 12%: muitas patentes poderão cair
em domínio público em prazos curtos.
Com
tudo isso, a sociedade precisa acompanhar atentamente a discussão sobre a saúde
pública, uma das que mais lhe interessam. Recursos podem surgir - basta lembrar
o que já se citou num dos últimos textos nesta página: o governo federal paga
em juros da dívida pública entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões/ano (por causa
da mais alta taxa de juros no mundo); em subsídios a vários setores econômicos,
R$ 30 bilhões; em ajuda a mutuários, R$ 32 bilhões (Agência Estado, 8/8).
Recursos como esses terão o destino que a sociedade autorizar.
Fonte: IHU, 30/09/2011
Washington
Novaes, jornalista.
(*)
Artigo publicado no jornal O Estado de S.
Paulo, 30-09-2011.
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