O MUNDO DO POVO DAS FADAS E A AGULHA
por Vânia Helena
Dalpizzol
Numa noite de Lua nova a Menininha sai saltitante
de sua casa para encontrar seus amigos. Displicente, vai pulando pelo caminho -
um passo, um pulinho, um passo, um pulinho, um passo, um pulinho. Vai sem
pretensão nenhuma, sem maldade ou malícia. Chega e fica feliz porque a grande
maioria dos amigos já está no local combinado; todos sentados em almofadinhas
fofinhas e coloridas. Ela, estabanada mais do que nunca, desaba num montinho
fofinho de uma almofada, mas... que dor! Alguma coisa a feriu muito
profundamente. Todos riem do seu jeito, da cara que fez, da sua estabanação.
Ela fica com as bochechas vermelhas porque não suporta que os amigos riam dela.
A partir da estabanação da Menininha, os amigos
começam a brincar: correm, andam, cantam, olham, batem palmas; mas ela está
muito estranha. Tem uma sinistra sensação de não pertencer àquele lugar, de
sentir todo o peso do mundo em sua cabeça. Começa a ter um leve desconforto no
peito, uma vertigem. A sensação é de ter uma agulha muito fina sendo fincada em
direção ao seu coração. Essa impressão de dor começa a passar do limite do
tolerável. Deixa de ser dor física, passa a perfurar a sua alma.
Sem que os outros percebam, a Menininha tem a
certeza absoluta de que seu corpo está sendo dilacerado, seus braços estão
sendo arrancados, seus pés estão pesados e já não conseguem andar, sua cabeça
começa a pender inerte pro lado. Ninguém vê o que está acontecendo? Será que
está acontecendo! Pensa ser loucura, ser tudo criação da sua cabeça doidinha e
estabanada...
Mas cada vez fica mais difícil acompanhar os
outros...
A agulha alcança a sua alma e a dor chega a sua
garganta na forma de um choro doído e sombrio. Sem se dar conta, a Menininha é
amparada por uma criaturinha muito pequena - UMA FADA! Ela olha e não acredita
que tamanha beleza seja possível numa criatura encantadoramente pequena. Apesar
dos braços inertes, com muito esforço, consegue abraçar a Fadinha minúscula e,
não agüentando mais tamanha dor, deixa o choro tomar conta do seu corpo. Quando
a Fadinha a abraça tem a sensação se estar sendo dividida ao meio pela força do
abraço da Fada. Ela não consegue cessar o choro e nem se manter em pé.
A Fada, muito astuta e sábia, percebendo que a
Menininha está morrendo de tanta dor, sabe que não conseguirá tirar a agulha da
sua alma neste mundo, assim, a transporta, num estalar de dedos, pro seu mundo
– o Mundo das Fadas – lá ela teria como salvá-la.
A Menininha sem se dar conta da mudança pro Mundo
das Fadas, é carinhosamente sentada no tronco de uma enorme árvore. A Fadinha a
cerca de algodão, coloca algodão embaixo dos seus pés, coloca algodão entre
suas pernas, na sua barriga, no seu peito. Ela acha que não vai sobreviver e
agradece, em pensamento, o esforço da minúscula Fada – não aguentando mais,
deixa o corpo desfalecer e cerra seus olhos, entra num mundo de dor e sonho.
A Fadinha, sabendo das necessidades da Menininha,
começa seu grande ritual para retirada da agulha da sua alma. Pega seus
ungüentos e começa uma leve massagem curadora, mas ela está temerosa, pois a
Menininha está muito ferida.
Do alto da árvore um Elfo observa a cena. Olha a
Menininha linda e frágil. Vê todo o ritual da Fada, e, temendo que a ela não
sobreviva, une seus poderes encantados com os da Fada, juntos começam, muito
delicadamente, a retirar a agulha da sua alma.
Depois de usar o poder do Mundo das Fadas e
conseguir arrancar a agulha da alma da Menininha, é hora de trazê-la à vida.
Precisam fazer isso com muito cuidado porque ela está muito fraca, muito
machucada.
O Elfo, por dominar os elementos ar, terra, fogo
e água começa um murmúrio, um canto élfico de renovação. Mesmo sabendo que
ficará enfraquecido, dá um pouco de seus elementos para a Menininha. Ele
precisa salvá-la. Sopra sua cabeça, beija seus olhos, toca pontos certeiros que
só os Elfos sabem tocar. A Fada, da mesma forma, junta seu canto com o canto
élfico, começa seu ritual de vida, com muito cuidado e carinho.
A Menininha, para alegria do Elfo e da Fada,
volta a respirar. Não tem mais lágrimas de dor. Eles regulam sua respiração,
sua temperatura, ajeitam seu cabelo, ajustam os seus contornos que estavam
deformados, dão uma parcela do amor incondicional que carregam no peito.
Muito devagarinho, ela abre os olhos. Ainda está
fraca, mas não sente mais a agulha na sua alma. Vê com espanto o Ser mais lindo
que já viu: cabelos com caracóis, orelhas pontudas, sorriso perfeito, é um Elfo
perfeito. Olha pro lado e vê a Fada que agora não é mais tão pequena, é quase
do seu tamanho, também com cachinhos nos cabelos, com sorriso perfeito e com o
olhar mais incrível que ela já viu.
Com a ajuda dos seus amigos encantados, ela
consegue ficar em pé e sente-se grata por tê-los como seus salvadores.
O Elfo e a Fada a levam para comemorar a retirada
da agulha da sua alma. Só então ela se dá conta do mundo encantado em que está.
Olha tudo com avidez. Vê muitos seres encantados dançando alegremente. Ganha um
lindo colar de lágrimas de cristal da Fada da Chuva, para nunca esquecer que as
lágrimas nem sempre representam dor, mas também podem ser de alegria. Vê o Elfo
Triavô num passo esquisito de dança. Esbarra no Elfo de 3 dedos, os dedos mais
enorme que já viu e percebe que deles sai luz colorida...
Passadas quase quatro décadas, ainda lembra com carinho
do Mundo das Fadas, pois, apesar do tempo, aquela experiência infantil não sai
do seu íntimo.
A Menininha, agora crescida, pega a bolsa e sai
pra rua decidida, corajosa e tranquila como deve ser. Pára e olha longamente
pro outro lado da rua. Olha profundamente pro Mago do Mundo das Fadas que
sempre acompanhou a sua evolução. Ele tem o olhar bondoso e a pose tranqüila de
quem sabe que o futuro, apesar de incerto, será de pura felicidade para ela.
Ela acena levemente com a cabeça, dá um sorriso
de canto de boca e continua o seu caminho com muita vontade de dar um passo e
um pulinho, um passo e um pulinho, um passo e um pulinho.
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