por Paulo Kliass
A reunião do Comitê de Política Monetária
(COPOM) de 30 e 31 de agosto decidiu pela redução da taxa de juros oficial do
governo, a SELIC. Assim, a remuneração mínima de ativos financeiros no Brasil
passou de 12,5% para 12,0% ao ano. A reação divulgada pelos grandes órgãos de
comunicação ao anúncio da nova taxa foi diversificada. Desde a crítica pesada e
o chororô frustrado da crítica da ortodoxia financista ao ufanismo
chapa-branquista de quem já estava com o grito de comemoração de gol entalado
na garganta, antes mesmo da cobrança do pênalti. A análise mais equilibrada
pode parecer difícil, mas tentaremos chegar lá, aos poucos.
Antes de mais nada, vamos recuperar um pouco
de nossa memória - essa mesma que tende a ficar tão rarefeita e esquecida em
nosso inconsciente social coletivo de Nação. Observar bem a realidade concreta,
para então tirar as conclusões. Desde a posse da Presidenta Dilma, essa foi a
sexta vez que a diretoria do Banco Central (BC) se reuniu sob a denominação de
COPOM – são os mesmos 8 integrantes da Diretoria Colegiada do BC: o Presidente
Tombini e os demais 7 diretores. Ao longo das 5 reuniões anteriores, a sequência
havia sido altista. Em janeiro, a SELIC foi elevada de 10,75% para 11,25%. Em
março, mais um aumento de 0,5%. Em abril, ela passa de 11,75% para 12,0%. Em
junho, o COPOM eleva em 0,25%. E, julho, ela sobe de 12,25% para 12,5%. Ufa! E
durma-se com os juros tão altos assim!
A última vez que o COPOM havia decidido por
uma redução da SELIC foi ainda sob a gestão de Lula na Presidência da República
e Henrique Meirelles no BC. Lá se vão mais de 2 anos, quando em julho de 2009, a taxa foi reduzida
de 9,25% para 8,75%. Naquele momento, a decisão fazia parte do menu mais amplo
de medidas para atenuar os efeitos da crise internacional sobre nossa economia.
Mas a bonança durou pouco, pois logo depois, em abril de 2010, a SELIC voltou a
subir. A desculpa de sempre era a tal “exigência do mercado”...
A verdade é uma só: na semana passada, a
equipe econômica não optou por nada de extraordinário. O Brasil apenas reduziu
a taxa oficial de remuneração dos títulos do Tesouro Nacional de minúsculos
0,5% ao ano! Como diz o outro, um quase-nada. E tudo isso em um contexto
internacional onde a maioria dos países do mundo mais desenvolvido desenvolve
políticas monetárias de taxa de juros real negativa ou próxima de zero.
A preocupação em não alterar muito os ânimos
dos representantes do mercado financeiro se expressa melhor por outras
variáveis, por outras informações. É lógico que eles reclamam, estão na função
deles. Afinal, prefeririam que a SELIC fosse mantida ou mesmo elevada. Mas o
fato é que a Presidenta Dilma já havia anunciado na semana anterior que o
governo tinha decidido aumentar a meta de superávit primário em 0,5% do PIB. Ou
seja, assegurar que o governo fará o possível e o impossível para transferir
ainda mais recursos orçamentários para fins de pagamento de juros da dívida
pública. A conclusão é evidente: com uma mão abaixa a taxa SELIC. Mas com a
outra, de forma nada sutil, o governo se dispõe a deslocar ainda mais recursos
para o setor que menos contribui para o desenvolvimento, a produção e a geração
de emprego e renda em
nosso País. O parasitismo financeiro continua intocável,
nadando tranquilo no ganho fácil proporcionado pelos títulos emitidos pelo
Tesouro Nacional.
O intervalo superior da meta de inflação para
os próximos 12 meses continua sendo de 6,5%. Com a taxa de juros em vigor, a
menor rentabilidade possível, aquela para iniciante de aprendiz de operador de
mercado financeiro, oferecida pelo governo brasileiro é superior a 5%. Não
existe país nenhum no mundo que ofereça tal ganho! Se imaginarmos ainda que os
especialistas do mundo das finanças operam com expectativas de valorização da
nossa moeda nacional “y otras cositas más”, aplicar recursos em nossas praias
financeiras ainda é certeza de ganho insuperável. Título do tesouro
norte-americano mal supera o 0% de rentabilidade. Títulos de países europeus
não costumam ser maiores que 1% anual. Mas conosco é diferente! Nós garantimos
o interesse do especulador financeiro internacional.
E para que não paire a menor dúvida a respeito
das verdadeiras intenções do governo, lá está previsto na Lei Orçamentária da
União: a rubrica “juros e encargos da dívida pública” apresenta a generosa
dotação inicial de R$ 170 bilhões, equivalente a quase 1/3 do total das
despesas correntes da União para 2011 [1]. Na
verdade, o valor final será bem mais elevado, pois o estoque da dívida pública
está em torno de R$ 1,8 trilhão. A um custo anual mínimo de 12% da SELIC, a
despesa que o Brasil fará em 2011 com os juros de sua dívida se aproxima dos R$
220 bilhões.
Pois bem, dito tudo isso, o que sobra de ânimo
para falar a respeito da queda de 0,5% decidida pelo COPOM? Como se pode ver,
muito pouco! É óbvio que dentre os cenários excludentes de: i) alta; ii)
manutenção; ou iii) queda da SELIC, o último é que menos desgaste provoca na
economia. Mas, considerando as circunstâncias mais gerais, o quadro está mais
para o “bode saindo da sala” do que outra coisa. As decisões anteriores,
durante anos, têm sido tão prejudiciais, que agora tentam nos vender essa
reduçãozinha quase ridícula como uma decisão de peso e significativa.
A dinâmica de reuniões do COPOM obedece a um
calendário pré-fixado de um encontro a cada 45 dias. Caso seja esse ritmo de
redução da taxa de juros, seu impacto efetivo para provocar conseqüências
positivas para a economia e a sociedade deverá durar muito tempo. Até lá, mais
uma vez, como que para comprovar a triste sina dessa terra, teremos mais uma
vez perdido o bonde da História, que insiste em nos chamar lá na plataforma da
estação. E ainda há aqueles que tentam nos segurar, impedindo que rompamos o
círculo vicioso dessa verdadeira dependência química em relação aos juros
elevados.
Ora, Paulo – perguntarão alguns, com toda
razão – mas então por qual motivo as instituições financeiras estão criticando
a recente decisão do COPOM? Nesse caso, a resposta é simples. Os chamados
“especialistas do mercado financeiro” estão atolando as colunas “dinheiro”,
“economia”, “mercado” e que-tais com críticas à redução de 0,5% pois gostariam
que o COPOM houvesse decidido na direção contrária. É claro! Afinal, esse é o
ganha-pão mais seguro e menos dispendioso dos bancos. Além disso, há uma outra
razão - essa sim - mais esperta e perigosa. Começam a circular matérias e
editoriais criticando a suposta perda de independência do Banco Central com a
decisão, pois teria havido uma pressão “política” da Presidenta sobre os
sacrossantos conteúdos da “neutralidade técnica” dos integrantes do BC.
Conclusão digna de nota dez no quesito malandragem: essa mudança levaria a
maior grau de incerteza sobre a condução da política econômica nos meses a
seguir, maior insegurança no interior do “todo poderoso deus mercado” e
expectativas de elevação da SELIC no futuro próximo!
No entanto, não custa recordar que o Banco
Central deve ser um dos agentes de execução da política monetária do governo.
No regime presidencialista cabe a Dilma Roussef conduzir, com os instrumentos
de contraponto do Congresso Nacional, a política econômica do País. Para o bem
ou para o mal. Se ela e sua equipe considerarem que é necessário baixar os
juros, não será um núcleo de tecnocratas sem legitimidade política que poderá
decidir em sentido contrário. Essa balela de independência do BC vem rolando
desde os últimos 4 mandados de FHC a Lula, travestido do discurso enganador a
respeito de suposta tecnicalidade das decisões de política monetária. Ora, com
um ex-presidente internacional de um dos maiores bancos do mundo por 8 longos
anos à frente do nosso BC - como foi o caso de Henrique Meirelles – onde fica a
neutralidade de suas decisões? Lula gostava de papagaiar essa ladainha durante
o tempo em que ficou no Planalto. Definitivamente, não há espaço para
neutralidade técnica! A questão é sempre de natureza política: seja pela
omissão do chefe do executivo, seja pela decisão de assumir o comando dos rumos
da economia. Afinal, omitir-se também é uma decisão política - inteligente,
dirão alguns - pois joga nos ombros apenas dos responsáveis pela economia a
responsabilidade por eventuais falhas, dificuldades ou fracassos das opções
adotadas. E o ocupante da Presidência da República poderá sempre sair pela
tangente, ileso do possível desgaste provocado.
Assim, é importante reconhecer que a decisão
de Dilma muda uma tendência anterior. Mas, por enquanto, não muito mais do que
isso. Há bastante espaço e urgência para avançar na redução da taxa SELIC. E as
decisões dessa natureza têm que ser impactantes, caso contrário perder-se-ão
nas contas das planilhas dos operadores das instituições financeiras. Quem se
lembra de como foram saudadas as oportunidades em que o Ministro Mantega
anunciou a disposição em tributar o recurso externo especulativo? Mas as taxas
eram tão ridiculamente diminutas que nada mudou a disposição do capital
especulativo de para cá se dirigir. A festança continua, às custas do
sacrifício de toda a sociedade. O mesmo raciocínio se aplica a essa decisão de
0,5% na SELIC.
O governo precisa, de uma vez por todas, se
desvencilhar das amarras que o prendem aos interesses do setor financeiro. E,
para tanto, é necessária a coragem política para a mudança. A grande maioria da
sociedade tem demonstrado, por mais de uma década, que não concorda com o
arrocho monetário e muito menos com a transferência de recursos para uma
atividade comprovadamente estéril. O Brasil deve reduzir, de forma urgente, o
nível da SELIC para algo próximo 6% ao ano, de forma que a taxa real fique em
torno de 1,5% ao ano.
Com isso, o fluxo do capital especulativo
externo seria sensivelmente diminuído. Ótimo! Nossas contas externas seriam
menos pressionadas e a taxa de câmbio encontraria um patamar mais realista, sem
a atual artificialidade do real sobrevalorizado. E o quadro atual de crise
externa é bem propício para tais mudanças. Poderemos voltar mais nossa
preocupação para o fortalecimento do mercado interno, para cuidar da reversão
da tendência perigosa de desindustrialização e, principalmente, termos mais
recursos orçamentários para investir em saúde, educação e infra-estrutura, uma
vez que as despesas com juros da dívida pública serão substancialmente
reduzidos.
Nesse caso - aí, sim! - estaríamos tratando
das causas estruturais das dificuldades da casa da nossa parábola inicial e não
apenas sugerindo ao chefe da família que colocasse o bode para dentro da sala.
(*) Analogia com o dito popular segundo o qual o
chefe de uma família se dirige ao líder espiritual da comunidade para reclamar
das enormes dificuldades que os seus entes queridos estão passando. Crianças
doentes, pouco dinheiro, casa pequena, todos dormindo empilhados na sala, etc.
E o líder recomenda que ele coloque um bode dentro da sala. Assustado, tenta
reclamar do absurdo, que aquilo só iria piorar a situação e coisa e tal, mas a
recomendação se mantém. Uma semana depois, com a crise insustentável, volta ao
chefe religioso, ainda mais desesperado. E este lhe diz: “Meu filho, agora tire
o bode da sala. Tenho certeza de que todos vão sentir como a situação terá
melhorado!”.
[1] Ver aqui na página da Comissão Mista do Orçamento
Paulo
Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate
Aberto, 08/09/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário