O gasto com saúde no Brasil é inferior a 4% do seu PIB. Países que
possuem um sistema de saúde semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6%
do PIB. Tais países, como o Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população
menor que a do Brasil. A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos
acrescentar ao orçamento público da saúde?
por João Sicsu
A justiça social, ou seja, a redução de
desigualdades, também deve ser promovida por intermédio do gasto do orçamento
público. Além disso, o gasto público pode ser utilizado para promover a
melhoria da qualidade de vida ao gerar crescimento e estabilidade
macroeconômica. Os objetivos da justiça social, do crescimento e da
estabilidade não são contraditórios.
O gasto público pode promover justiça social e
melhoria da qualidade de vida da população quando é distributivo de renda, de
bens e de serviços para aqueles que não teriam condições de adquiri-los quando
disponíveis em mercados comandados pela lei da oferta e da procura. Esperar que
a justiça social seja encontrada em competição no livre jogo de mercado é
equivalente a esperar pelo “dia de são nunca”.
Pode-se, então, analisar os gastos públicos
federais no Brasil sob a ótica distributivista e de justiça social descritas. Objetiva-se
analisar, mais especificamente, as possibilidades de financiamento e o gasto
com a saúde pública. Em 2010, o Governo Federal gastou apenas R$ 54,5 bilhões
nessa rubrica. Gastou, no mesmo ano, em educação, R$ 40,2 bi e com o pagamento
de juros referentes ao serviço da dívida pública, R$ 195 bi. Em 2008, último
ano em que os dados sobre municípios e estados estão disponíveis, o gasto total
das três esferas de governo em saúde, foi de R$ 109 bilhões.
O gasto total com saúde no Brasil é, portanto,
inferior a 4% do seu PIB. Países que possuem um sistema de saúde gratuito
semelhante ao SUS brasileiro gastam pelo menos 6% do PIB. Tais países, como o
Reino Unido e a Alemanha, ademais, possuem uma população menor que a do Brasil.
Maior orçamento público da saúde em relação ao PIB, economias maiores e
populações menores são fatores que explicam a qualidade desses sistemas de
saúde.
A economia tem crescido nos últimos anos, a
população brasileira está aumentando a taxas mais reduzidas, mas o orçamento
público para a saúde é limitado. Portanto, o desafio é aumentar o gasto com a
saúde pública.
A pergunta é: quantos bilhões de reais devemos
acrescentar ao orçamento público da saúde? Um amigo sugeriu uma “conta de
padaria”: um plano de saúde privado voltado para a classe média C cobra
mensalidade de R$ 90 (e promete um “paraíso” aos seus potenciais clientes),
multiplique-se este valor pela população (194 milhões de habitantes),
multiplique-se por 12, e encontra-se o gasto total anual necessário mínimo –
(mínimo porque a população sabe que promessas de planos de saúde privados não
são críveis). Feita a “conta de padaria”, chega-se ao valor aproximado de R$ 90
bilhões adicionais.
Não é possível transferir esse montante das
demais rubricas do orçamento para a saúde. Somente uma delas é passível e
necessária de ser reduzida: serviço da dívida pública mobiliária federal (ou
seja, o pagamento de juros por parte do governo federal). Mas, outras fontes de
financiamento para a saúde devem ser acionadas: a carga tributária sobre os
pobres e a classe média é alta quando comparada com a carga da altíssima classe
média, dos ricos e das grandes corporações financeiras e não-financeiras.
Portanto, o óbvio pode ser feito: reduzir a
remuneração dos títulos da dívida pública e tributar, elevar alíquotas e
estabelecer novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco
sacrifício contributivo.
Seguem abaixo algumas sugestões, que poderiam
ser combinadas e utilizadas em conjunto:
(a) aumentar a alíquota de Contribuição Sobre
o Lucro Líquido (CSLL) paga por instituições financeiras; em 2008, o Governo
aumentou esta alíquota de 9 para 15%; quando o governo fez a majoração através
de uma Medida Provisória, o DEM (partido político) apresentou ao STF uma ação
direta de inconstitucionalidade (ADI); o governo para rebater a ADI informou ao
STF que “... não pode haver dúvidas de que, se há um setor econômico, no
Brasil, que caberia ser o destinatário de alíquota majorada da CSLL (...), este
setor é o setor financeiro, que, a cada ano, bate novos recordes, a nível
mundial em relação a esse setor econômico, em matéria de lucros”; mais ainda,
em 2007, o senador tucano Álvaro Dias apresentou projeto de lei para
estabelecer alíquota de 18% para a CSLL paga pelos bancos e demais instituições
financeiras;
(b) tributar lucros remetidos ao exterior por
parte de multinacionais (bancos e empresas), que pela legislação em vigor são
isentos de imposto de renda; o valor dos recursos remetidos às matrizes nos
doze meses compreendidos entre agosto de 2010 e julho de 2011 alcançou US$
34,19 bilhões; no mês de agosto, o setor financeiro multinacional remeteu quase
US$ 1 bilhão ao exterior; a remessa total nesse mês foi superior a US$ 5
bilhões;
(c) tributar a propriedade de jatinhos,
helicópteros, iates e lanchas, que pela legislação atual não pagam imposto;
diferentemente da propriedade de carros populares, que pagam IPVA;
(d) apurar as formas de fiscalização do
pagamento do imposto territorial rural (ITR), que contribuiu somente com 0,07%
do total arrecadado pela União em 2010, ou seja, apenas R$ 526 milhões; uma
forma de aumentar a arrecadação desse imposto seria estabelecer em lei que o
valor declarado da terra pelo proprietário para efeito de pagamento do ITR
deveria ser utilizado pela União em processos de desapropriação;
(e) Criar um IGMF, imposto sobre as grandes
movimentações financeiras, que tributaria aqueles (pessoa física ou jurídica)
que movimentassem mensalmente valores superiores a R$ 2 milhões.
Por último, é importante reconhecer que a
gestão do orçamento da saúde deve ser aprimorada para que sejam evitados
desperdícios e desvios de recursos. Entretanto, também é importante reconhecer
que os recursos atuais são nitidamente insuficientes. O caminho ideal seria
iniciar, de forma simultânea, um processo de auditoria, melhoria de gestão e
ampliação das fontes de financiamento para a saúde pública no Brasil.
(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia
do Rio de Janeiro.
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto, 28/09/2011
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