por Afranio Campos
“Os homens criam as ferramentas
as ferramentas recriam os homens.” McLuhan
Mexo
as pernas me afastando de um inconveniente mosquito zombeteiro. A tarde se
estende cortada pelos meus deveres e passo o tempo recriando coisas nos
pensamentos, o dia vai dando lugar às trocas de luzes do entardecer. Me
acompanha um forte calor, clima estranho, que faz transpirar mais e mais, dando
a pele uma sensação de umidade viscosa, colante, anfíbia. Toda água do banho se
evapora num minuto de mormaço, fico nu, o ar é quente, nem preciso usar a
toalha para me enxugar. Arre égua!
O
silêncio bordeja como uma companhia, inerente, contribuindo na dinâmica
criativa, ele está comigo sem ser convidado. Só o que impressiona meus martelos
e bigornas é o tal mosquito, me sinto quase um surdo no espaço que compartilho
com o chatonildo, faço gestos indecifráveis sobre o teclado do desktop e num
impulso começo a dançar no meio da sala. Um vôo sopitado, dá até para ouvir o
zim zim do maldito mosquito que perturba em tréguas meu silêncio interior.
Reticente, ando devagar até o banheiro, molho as mãos numa sabida técnica
infalível aprendida há poucos dias, não por acaso, retorno com as mãos cobertas
de água, permitindo superfícies adequadas, aderentes, assim colidindo no
extermínio, tornando mais rápida a ação de espremer o irritante inseto sugador
de meu sangue, logo, lá está, então, ele entre os dedos, num rápido bote
manual, o sucesso da captura, visivelmente eficaz, sem qualquer chance para o
escape, nem pela usual mimetização com as variadas entranhas do ambiente, ou
pelos vôos no invisível, nas entrelinhas das sombras, rasgos dos objetos ou
passagens de cantos, escurinhos camuflantes. Essa foi uma descoberta de uma
ferramenta para exterminar os meus mosquitos, só os que convivem no meu espaço.
Agora continuo meu olhar na leitura e escrevendo escuto algo. Água e Vinho de
Egberto Gismonti até a última nota.
Estancada
a caça ao pernilongo um lindo canto desperta a minha atenção, é clássico,
acompanhado por uma música ao piano. Faz parte de um fundo musical de um
documentário sobre o século XX. Que século! Diz-se que aconteceu por
importância nos últimos 20 anos de uma só vez... Uma bomba tecnológica,
incrível transformação do mundo, e ainda em expansão, com efeitos colaterais
duradouros sem horizonte palpável de conclusão, pelas profundas alterações no
meio ambiente e as incoerentes razões de continuidade dos padrões e
contradições que mantém em seu movimento criador-destrutivo.
Exegese,
busca de paradigmas diferentes, descoberta de outro padrão de transformação da
natureza, reaprendizado do viver entre si e para si, de novas formas de
relações sociais essenciais à existência de todos os seres vivos, de
preservação da natureza vital? Ora, esqueci a água do café no fogo, espere que
eu volto. Continue lendo...
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