(A propósito dos dois risos)
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“Eu também dancei em roda. Isso foi em 1948; os comunistas acabavam de triunfar em meu país, os ministros socialistas e democrata-cristãos tinham se refugiado no estrangeiro, e eu segurava pela mão ou pelos ombros outros estudantes comunistas; nós dávamos dois passos no lugar, um para frente e levantamos a perna direita de um lado, depois a esquerda do outro, e fazíamos isso quase todos os meses, porque tínhamos sempre alguma coisa para celebrar, um aniversário ou no acontecimento qualquer; as velhas injustiças foram reparadas, novas injustiças foram cometidas, as fábricas foram nacionalizadas, milhares de pessoas foram presas, os tratamentos médicos eram gratuitos, os donos de tabacaria tiveram seus negócios confiscados, os velhos operários iam pela primeira vez passar as férias nas casas de campo desapropriadas e nós tínhamos no rosto o sorriso da felicidade. Depois, um dia, eu disse algo que não devia dizer; fui expulso do partido e tive de sair da roda.
Foi então que compreendi a significação mágica do círculo. Quando nos afastamos da fila, ainda podemos voltar a ela. A fila é uma formação aberta. Mas o círculo torna a se fechar e nós o deixamos sem retorno. Não é por acaso que os planetas se movem em círculo e que pedra que se desprende de um deles afasta-se inexoravelmente levada pela força centrífuga. Semelhante a um meteorito arrancado de um planeta, eu saí do círculo e, até hoje, não parei de cair. Existem pessoas a quem é dado morrer no turbilhão e existem outras que se arrebentam no fim da queda. E estes outros (entre os quais estou) guardam sempre consigo uma tímida nostalgia da rota perdida, porque somos todos habitantes de um universo onde todas as coisas giram em círculo.” (KUNDERA, Milan. O livro do riso e do esquecimento. Círculo do Livro, 1978).
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