Do inesperado ponto cego (retalhos da ausência de sentido)
Recuso a agonia de achar defeito em tudo e julgar em um ato, de chofre, o que vejo ou leio. Nas atitudes alheias não ignoro observar que ainda há verdade para acreditar. Parte de mim acha graça, outra parte enxerga a armadilha. Em última instância, perceber que se aquecer no amor é não adoecer, independente do tempo de convivência com a companhia.
Tentei e saí da ilha frágil, viajando nos livros, não levando dicas de ideias com sinais trocados, sublinhando frases com grafite e caneta que nunca pode ser de uma cor, navegar nas palavras-chave, ascender nas experiências como pintor de muitas pontes ainda não construídas, em pura ousadia.
Passaram-se mais de vinte e cinco anos.
Antever o que iria acontecer na vida, até que visse o ontem, sentir que os desejos aparecem num trilho e irem da maneira simples mais adiante. Entender o porquê de nossas contas no vermelho serem peças contínuas de um quebra-cabeças, o risco infernal que sobe e desce, as rugas que se mostram no espelho, o sonho deixado ao lado como querendo ser o mesmo, e perder o prumo no desequilíbrio sem os instrumentos necessários para se manter no jogo. Nossos desorganizados desejos que a realidade não corresponde, assim eles beiram as tentações irresistíveis que mais nos traem, inconsequentes, repetitivos, doze mil vezes ao ano.
Como responder ao senão, às queixas e os inadiáveis compromissos, às vezes indesejados, porque capazes ou não, invadem… como pesadelos, nos mudam. Indistintamente à nossa origem, o sorriso quer ser aberto, latente, o sofrimento recorrente, pesam os esqueletos varridos para baixo do tapete, e a hipocrisia dos que são íntimos quando ouvem o som unânime abaixo do assoalho das redes.
Continente de vícios, epidemia de gêneros com suas paixões virtuais, midiáticos, pautam inexistências que desarmam seus corpos, fodem o social, querem ser eternos, dementes que dançam e seguem um líder imaginário, intocável em seu descanso cósmico que gargalha dos embaraços de dependentes, dos que recebem benefícios, condescendente aos anseios do investidor, a indiferença da troca, o consumismo inútil e predador, dos que rezam as dores e seus paliativos em doses de alegria e tristeza, crenças, que plantam terapias infinitas, com pílulas douradas, em pó e placebos.
No significado da vida vem o susto do aloprado, os resultados ingratos, a irritação do devir, as revoltas sazonais, a retomada insustentável dos bons de espírito, tudo vai respirar no pífio sucesso, escrever textos rejeitados, na demora do mel gotejado do paraíso. E gasta-se o oxigênio em ser revelado o prêmio da sorte, o inesperado bilhete, os que fogem da iluminação, os bichos da meia-noite.
Abrem-se as escolas do naufrágio. A política sai do meio para ser estreita por outros fins e o estado fenece, no negócio transnacional, remete ao papel do financista, do plano em teste fracassado. Querem esquecer o fôlego do pensamento, o ciclo acabado, o inevitável reverso do pêndulo histórico, revendo os movimentos tardios do liberal, o escrito e não lido do capital, a prática do mercado líquido, o reino do lucro obtuso, a gana a qualquer custo, concentrados, seguir na resistência do que não é perfeito, o mal do passado tornando-se forçosamente prolongado.
Considerando os problemas daqueles projetos malfadados, do enganoso contrato, as falsas narrativas de todos os dias, as perplexidades e perpétuas contradições que espreguiçam, a gastança que mata a periferia, a esperança tardia dos filhos desenhada a giz, como fractais de vidro jogados ao vento, com prazo de validade nanicos e dedos sedentos de abuso.
Querem chegar ao futuro recorrendo a um mal menor, escondidos na complexa representação democrática, na contagem de uma maioria, a metade mais um de garantia, sem perdão aos demais que sobraram na disputa infernal. A democracia custa caro, mais ainda ao populista, mesmo saindo como o melhor de todos os modelos na pós modernidade.
O que se faz no século presente é desacreditar de tudo, tudo que foi criado na idade iluminista,
a consciência fechou os olhos, envelhecemos feito móveis de antiquário, pensando sem entender a questão, olhando o ponto cego da razão.
Nunca entrar no sagrado, separado no espaço da imensidão do trabalho a recriar valor, um valor vazio de humanidade.
E nesse momento fundamental da falta de princípios perde-se a noção do tempo e a sua dimensão sem qualquer finalidade, tentando dar sentido, procurando fabricar espaço para as coisas sem sentido, dar significado ao que não tem mais conserto nem merecer a força de um suspiro.
Sem orientação, perdidos no caminho, faltam a experiência de significado, ocupam sem qualquer compromisso de permanência, há movimentos totalitários e falha de identidade, sem saber fazer as perguntas vagam na ressaca da razão, e em sua mecânica canina vai mordendo o próprio rabo. Não descansam, semi técnicos, praticam no ranso sem parar, sem enxergar vagas estacionam nem refletir, afundam em retóricas, mentem caindo no buraco onde oculta a luz, restam na matéria e nos pensamentos dos maus.
Os maus por si se destroem.
É logo ali que os maus se encontram, nos extremos. Seus pensamentos são movidos em círculos até uma posição de confronto, acesos por uma lucidez infernal, alienados por uma interpretação que lhes chega ininterrupta e tóxica, negativa, e desperta o ódio na fala e com uma organização atabalhoada, torpe, carregada das armas dos que já foram derrotados.
A última utopia pulou do lado esquerdo para o lado avesso ao direito, à lei, travestiu-se de hipocrisias, antes imaginários dos fins, perdidos nos meios, agora, reacionários que correm vendados sem modos, destilando impulsos insanos até o poço dos pesadelos autoritários. Querem de volta o trono, rastejam para encontrar-se sem paladar em um banquete de venenos.
A última utopia pula do lado esquerdo para o lado direito, corremos vendados, insanos, sem paladar em um banquete de venenos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário