sexta-feira, março 27, 2009

derretendo os sólidos

Consumo e (pós) modernidade: A vitória de Eros em Caio Fernando Abreu (*)

Por Marcos Alexandre Ramos 

I

 

Adelina, desnorteada protagonista de Os Sapatinhos Vermelhos, de Caio FernandoAbreu[1], movida pela cólera produzida ao término de um relacionamento afetivo, decide sair de sua casa para satisfazer seus desejos e preencher suas ausências subjetivas. Um espaço de variedades múltiplas, atraentes cardápios, opções de degustação, gôndolas de afeto, uma composição de fumaça, uísque, pouca iluminação: a transeunte protagonista de Caio Fernando Abreu elege a boate urbana como espaço de trânsito e vitrine de consumo. Lá, Adelina está livre para encontrar diversos parceiros, aleatórios e anônimos, acolher e produzir espasmos sexuais. Entre Adelina e seus possíveis parceiros, não há diálogo propriamente dito, não há troca de idéias, experiências ou memórias. Existe, apenas, uma breve troca de olhares que antecede um ligeiro reconhecimento. Como garante o narrador: “pacientes, divertidos, excitados:  cumpriram o ritual até chegar o ponto”. A protagonista, inserida no anonimato ofertado pela cidade[2], parece leve e pronta.

 

II

 

Ser leve e líquido. Segundo Zygmunt Bauman, o estado de fluidez é a representação adequada para captar o modo como se configura a presente fase da modernidade[3] - momento em que se insere a narrativa de Caio Fernando Abreu. A metáfora sobre o fluido (ou o líquido) tem raízes na famosa frase do “derretimento dos sólidos” cunhada pelos autores do Manifesto comunista. Em 1848, como nos lembra o pensador polonês, a frase “referia-se ao tratamento que o autoconfiante e exuberante espírito moderno dava à sociedade, que considerava estagnada demais para seu gosto e também resistente em demasia para mudar em seus caminhos habituais”. Se o “espírito” era “moderno”, como recapitula Bauman, ele o era na medida em que a sociedade deveria ser emancipada da inércia de sua própria história, e isso só poderia ser feito derretendo os sólidos, isto é, “dissolvendo o que quer que persistisse no tempo e fosse infenso à sua passagem ou imune a seu fluxo.”

“‘Derreter os sólidos’, na modernidade, significava, antes e acima de tudo, eliminar as obrigações ‘irrelevantes’, era necessário, além disso, livrar-se de todo e qualquer entulho e obrigação que impedisse as iniciativas: “libertar a empresa de negócios dos grilhões dos deveres para com a família e o lar e da densa trama de obrigações éticas; ou, como preferiria Tomas Carlyle, dentre os vários laços subjacentes às responsabilidades humanas mútuas, deixar restar somente o “nexo dinheiro”. [4] De forma progressiva, o espírito moderno tornou-se um espírito contábil e preencheu o dia de inúmeros seres humanos com “comparações, cálculos, determinações numéricas” e a “redução de valores qualitativos a valores quantitativos”[5].

Além de clamar pela libertação de todos os vínculos que resultaram historicamente no estado e na religião, na moral e na economia, o sujeito moderno, resistente ao nivelamento subjetivo enunciado pelo estreitamento entre as relações de alteridade e a economia monetária, reivindicou, como garante o sociólogo Simmel, “a particularidade humana” [6] - “os indivíduos, liberados dos vínculos históricos tradicionais, agora desejavam se distinguir um do outro[7]. Progressivamente, a modernidade se tornou o local da enunciação dos mecanismos de individuação e experimentou os grandes centros urbanos como palco dos conflitos que circunscrevem este processo.

 Georg Simmel aponta elementos fundamentais da constituição e do modo como se organizam as sociedades urbanas. Segundo o pensador alemão, a metrópole tem uma função essencial no desenvolvimento da modernidade, pois com a velocidade e as diversas formas da vida econômica, profissional e social que proporciona, fornece a arena para o incessante movimento de seus habitantes, visto que se define como “o lugar da divisão econômica do trabalho, da especialização, da fragmentação e do rompimento com vínculos históricos tradicionais.”

No entanto, como sublinha Bruno Souza Leal, “ao longo do século XX, muitas transformações interpuseram uma distância entre o mundo do flâneur e o do habitante da metrópole contemporânea” [8]. Se a metrópole moderna nasce sob o signo da ruptura, da cisão dos padrões e da fragmentação da tradição, a metrópole contemporânea (ou pós-moderna), local de enunciação das narrativas de Caio Fernando Abreu, se distingue, pois nela o “passado não é mais apagado”, ao contrário, “é recuperado, incorporado, sendo compartilhado inclusive com outras versões de si e, assim, torna-se mais um território escrito/inscrito/escritor da malha urbana.”[9]

Falar hoje em “derretimento dos sólidos”, modernidade líquida ou ainda em metrópole pós-modernasignifica referir-se a uma sociedade constituída de diversas possibilidades de existência e configuração subjetiva e modos de vida. Significa, ainda, reportar-se a um lugar em que seus habitantes não possuem a liberdade como uma opção ou como um processo de constituição subjetiva, tem, paradoxalmente, a obrigação e a necessidade deliberdade de escolha[10]. No entanto, livrar-se do peso dos mundos sólidos da modernidade, ou seja, ser leve e líquido, como recomenda a racionalidade pós-moderna (nas palavras de Bauman, a líquida racionalidade moderna), ao contrário do que escreveu Freud em sua análise sobre a modernidade, na modernidade líquida, não garante modos de vida que impliquem seguranças, certezas e garantias (unsicherheit[11]) subjetivas e materiais.

As mudanças estruturais nas bases da modernidade[12] tornaram-se, dessa maneira, fonte de um novo mal-estar – naturalmente, diverso daquele a que aludia o pensador vienense em seu famoso texto[13]  e passaram a corresponder ao que poderíamos denominar uma afirmação problemática dos mecanismos de subjetivação.

sujeito líquido (ou pós-moderno) e aquele do fim da modernidade, personagens de Caio Fernando Abreu, estão em condições para transitar, mas parecem destinados a uma condição subjetiva entre a melancolia latente e a fragilidade dos laços, pois habitam espaços efêmeros (urbanos e subjetivos) e tateiam, no fluxo, possibilidades, apenas, fugazes. Como veremos em Os sapatinhos vermelhos, impelidos por estímulos artificiais a fim de preencher a lacuna que os separa das relações de alteridade e, portanto, da sociabilidade efetiva, os indivíduos, dominados por intensa angústia, estão fadados “a perambular pelas ruas numa infindável e eterna vã procura de abrigo”[14].

III

 

O texto Os Sapatinhos vermelhos, de Os Dragões não conhecem o paraíso[15], é divido em três partes, o primeiro momento é reservado para o anúncio do término de uma relação afetiva entre a protagonista e um personagem anônimo, descrito como um professor, “um-senhor-de-família-da-Vila-Mariana”. Em seguida, ainda na primeira parte do texto, verifica-se a reconstrução da identidade da protagonista e a reorganização dos possíveis sentidos implicados na constituição dessa nova identidade.

O narrador conduz a história, no início, em um espaço hegemonicamente subjetivo em que a protagonista, imersa em reflexões regadas a doses de uísques e tragadas de cigarro, repensa, não sem um acre sabor de ironia, momentos em que, segundo a própria personagem, esteve submissa aos desejos do seu amante. Vejamos no texto de Caio Fernando Abreu:


Uma japa, uma gueixa, isso que eu fui. A putinha submissa a coreografar jantares à luz de velas – Glenn Miller ou Charles Aznavour? –, vertendo trêfega os sais – camomila ou alfazema? – na água da banheira, preparando uísques – uma ou duas pedras hoje, meu bem?

 

A narração, em Os sapatinhos vermelhos, operada como uma câmera sem suporte, oscila entre o olhar da protagonista narrado em primeira pessoa e em terceira pessoa, e aquele de um narrador heterodiegético. No espaço subjetivo encenado na narrativa, o narrador, apresentando-se predominantemente de forma heterodiegética, é peça decisiva na construção da identidade da protagonista. Enquanto a narradora-personagem descreve experiências e insatisfações referentes ao rompimento do laço afetivo, o narrador heterodiegético revela, já desde o início, a necessidade de mudança do processo de efetivação do desejo que será desenvolvido problematicamente no decorrer do texto.

Ao longo da primeira parte do texto, a protagonista Adelina, que “evitava cores, saltos, pinturas, decotes, dourados ou qualquer outro detalhe capaz sequer de sugerir sua secreta identidade de mulher solteira-e-independente-que-tem-um-amante-casado”, em decorrência do abandono afetivo[16] (leia-se: interrupção do desejo), caminha em direção a uma prática contrária aos elementos repressivos contidos nos símbolos moralizantes da cultura. Isso fica mais evidente quando o narrador situa a história no período da Sexta-feira Santa para o Sábado de Aleluia - momento, segundo a tradição judaico-cristã, da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ironicamente, o que prevalece na narrativa não é o amor cristão (Ágape), mas o desejo do corpo, a atração carnal (Eros). O conto Os Sapatinho Vermelhos é, sobretudo, uma história sobre a vitória de Eros[17].

 Adelina, após o término da relação com o professor, depara-se com um esvaziamento absoluto de sua identidade. Aqui, observamos uma alusão ao ritual cristão, onde a morte representaria o término do laço e a ressurreição, por sua vez, o início da reconstrução dos fragmentos de identidade e a renovação de um eu dividido[18]. Os sapatinhos vermelhos, presente dado a Adelina pelo amante, simbolizam, no texto, o momento da reconfiguração da identidade. Se outrora a protagonista julgara o objeto ofertado ousado, agora, lhe parecia apropriado.

Após um longo e detalhado ritual de transformação inaugurado pelos sapatinhos vermelhos, Adelina se livra de qualquer atributo moralizante que organizava seu comportamento.  Vejamos, no texto de Caio F.:

(...) sublinhou os olhos de negro, escureceu os cílios, espalhou perfume no rego dos seios, nos pulsos, na jugular, atrás das orelhas, para exalar quando você arfar, minha filha, então as meias de seda negra transparente, costura atrás, tigresa noir(...)

 

Apagou a luz do quarto, olhou-se no espelho de corpo inteiro do corredor. Gostou do que viu. Bebeu o último gole de uísque e, antes de sair, jogou na gota dourada do fundo do copo o filtro brando manchado de batom.

 

         Como vemos neste fragmento, a mudança na configuração identitária tornam-se evidentes. Se, inicialmente, a narrativa elucida a representação de uma mulher “passiva" e queixosa, logo a seguir, essas características se liquefazem, pois a protagonista inicia um longo processo de defesa. A fim de proteger o eu das agressões contra suas exigências pulsionais, este processo desloca não só a identidade mas também o próprio desejo.[19]

Como um produto pronto para consumo, Adelina muni-se de todos os atributos femininos de sedução: “sublinhou os olhos”, “escureceu os cílios”, “espalhou perfume no rego dos seios”, vestiu “meias de seda negra transparente”, etc. Pronta, a personagem quer, agora, preencher a lacuna que a separa das relações de alteridade, de laços afetivos e de identidade. Para isso, Adelina busca certo distanciamento das instâncias legitimadoras sociais e dos espaços de controle, deixa sua casa e adentra os limites da metrópole pós-moderna.

A personagem vê suas possibilidades de reconstrução identitária na dinâmica do espaço, na possibilidade de anonimato e não-mapeamento que a metrópole propicia. Na boate, a protagonista se sente à vontade para assumir um outro nome. Adelina, agora, é Gilda. E Gilda está livre para transitar e multiplica relações efêmeras, ou seja, relações de curta duração que sustentam a reconfortante consciência de que você não precisa sair do seu caminho nem se desdobrar para mantê-las intactas por um tempo maior[20]. Como é de se esperar, nesse tipo de relação, as possíveis configurações fixas, sólidas, com seu cortejo de vetustas representações efetivas recém-formadas envelhecem antes de poderem cristalizar-se. Nenhum fluxo se orienta para o laço, o sexo é a síntese, mas efetua-se como espasmos e não como consolidação do laço e da alteridade.

O segundo momento da narrativa é reservado para o clima de sedução que se instala na boate e antecede o apogeu da narrativa. O ambiente de fascínio é evidenciado e fortalecido pela troca de olhares, contatos íntimos e, principalmente, pela narração de características corporais denotando excessiva sensualidade. Como se depreende, produtos prontos para serem consumidos, os personagens desfilam atributos sedutores.

No jogo de sedução, os anônimos personagens vão se aproximando da protagonista, primeiro “o negro”, depois o “moço dourado com jeito de tenista” e, finalmente, “o mais baixo”. Não há, entre eles, troca de memórias, menção a continuidades ou diálogo efetivo. O breve momento de reconhecimento, como é comum na obra de Caio Fernando Abreu, é seguido da efetivação sexual. Após o rápido ritual de sedução entre os atores sociais, o narrador heterodiegético conduz uma performática cena de sexo em que os três personagens se misturam à protagonista num revezamento exacerbado de consumo de possibilidades das práticas sexuais.

Na cena seguinte, “em frente ao espelho de corpo inteiro”, a protagonista, como garante o narrador,

não era mais Gilda, nem Adelina nem nada. Era um corpo sem nome, varado de prazer, coberto de marcas de dentes e unhas, lanhados de tocos de barbas amanhecidas, lambuzadas de leite sem dono dos machos das ruas. Completamente satisfeita.”

 

Esperava-se que o sexo preenchesse a lacuna da alteridade, não admira que, como garante o sociólogo inglês Anthony Giddens[21], tenha crescido sua capacidade de gerar frustrações e de exacerbar a própria sensação de estrangulamento que se esperava que curasse. O que ocorre em Os sapatinhos vermelhos é, novamente, um esvaziamento identitário da protagonista. A vitória de Eros na grande guerra da satisfação é, na melhor das hipóteses, segundo Zygmunt Bauman, uma vitória de Pirro. Pois, a satisfação imediata garantida não é sinal do fim, mas de recomeçar.

Como afeto dissonante, o espasmo de Adelina parece reescrever o ideal pós-moderno, ou seja, recomeçar, reorganizar, ressemantizar sem rupturas drásticas, enfim rever e redirecionar a identidade, o passado e o desejo. Entretanto, apesar do espasmo, da exuberância das práticas sexuais e dos consumos urbanos, bem como da plasticidade de todas as práticas simbólicas e de produção do sentido, a frustração ainda parece dominar a cena textualmente inscrita e, digamos, ousadamente, também o sujeito pós-moderno que transita caminhando por espaços e espasmos de demolição.


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[1] ABREU, Caio Fernando. Os Dragões não Conhecem o Paraíso. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

[2] SIMMEL, George. Metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

[3] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001

[4] Ibidem.

[5] SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. In: CHOAY, Françoise (org.). O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1997.

[6] SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. In: CHOAY, Françoise (org.). O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1997.

[7] Idem. Metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976, p. 12-25.

[8] LEAL, Bruno Souza. Caio Fernando Abreu, a metrópole e a paixão do estrangeiro: contos, identidade e sexualidade em trânsito. São Paulo: Annablume, 2002.

[9] Ibidem.

[10] JAMESON, Fredric. O pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 2000.

[11] BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Trad.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
[12] Idem. Modernidade liquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

[13] FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros trabalhos. In Obras completas, vol. XXI Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

[14] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

 

[15] ABREU, Caio Fernando. Os Dragões não Conhecem o Paraíso. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

[16] KAUFMANN. Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O legado de Freud e Lacan. Trad. Vera Ribeiro, Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 1996

[17] Ibidem.

[18] LAING, R. D. eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Trad. ÁureaBrito Weissenberg. Petrópolis: Vozes, 1982.  .

[19] KAUFMANN. Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O legado de Freud e Lacan. Trad. Vera Ribeiro, Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 1996

[20] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

[21] GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo. Editora UNESP, 1991.

 

Marcos Alexandre Ramos é graduando em Letras-português pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em psicologia pelas Faculdades Integradas Espírito-Santenses (FAESA) e integra desde 2006 o grupo de pesquisa Literatura e outros sistemas de significação com o projeto de pesquisa Leves e líquidos – a urgência do sujeito e a constituição dos laços afetivos em narrativas de Caio Fernando Abreu. E-mail:marcos@marcosramos.com.br 


(*) texto extraído do Portal Literatura e Arte Cronópios, postado em 23/1/2009 17:57:00 


domingo, março 22, 2009

só ouvidos

Nos 30 graus do outono

Minha nuca dói, pode ser que seja a pressão (16 por 9!!!!), talvez baixe logo ao normal, me deixe retomar as tarefas do dia que virou noite. Fico escutando, baixinho, a Diana Krall em “Maybe you’ll be there”, as tensões parecem que se desarmam nos meus ombros, escorregando devagar numa rota corporal descendente, por estruturas, dobraduras, pelos pontos de energia, até sumirem desatando os nós dos músculos aliviando um tanto meu temor já medido no aparelho digital.

Sigo na esperança de atualizar os estudos dessa semana passada. “Maybe...” me ajuda nesse momento no relax, regula pouco a pouco minha febre pela boa música, que está presente em quase todas as horas do dia-a-dia. Apenas procuro um dial não comercial. Pego a guitarra e complemento o calor da emoção em harmonia, “levo” o coração na mão com algumas canções minhas, são composições recentemente criadas. Logo dou uma pausa.

Volto a escutar a Lastfm, a Nina Simone cantando “Feeling Good”. Madeleine Peiroux vem chegando sensível e bate à porta da veia musical. A primeira vez que ouvi o seu CD “The Half Perfect World” foi uma sensação gostosa, resgatando coisas que imaginava ter esquecido há tempos, uma descoberta do verão passado com ela cantando “The Heart of Saturday Night” e “Little Bit”, me fez “ganhar” uma viajem até os anos ’60. Outra voz que cai bem na minha sintonia é a da Norah Jones, escute “Shoot the Moon”.

Então, vem a Billie Holiday, subitamente me arrepia “chorando” suavemente a linda “Lady Sings the Blues” e “I’ll Beeing See You”. Fico leve, me sinto melhor. Em uma seqüência incrível a Anita O’day canta “That Old Feeling” e a noite segue com “Quiet Fire” com a Melody Gardot, “Cry Me a River” pela divina voz de Dinah Washington, e é a vez de Natalie Colie (“You Gotta Be”), se ficar listando toda “constelação” vou sobrar na madrugada, vou nessa... Paro de escrever derretendo no calor de 30 graus do outono soteropolitano, e sou só ouvidos.


sábado, março 21, 2009

relendo

É vero. Quanto mais vezes eu leio, tanto mais outras maneiras de reparar o que vejo. É interessante como um poema surge, quando é possivel fazer uma re-leitura de outros poemas que fiz me dá vontade de fazer outro. Esse poema abaixo resultou de um sentimento novo depois das vivências (da biodança) da última quarta-feira, e após uma leitura mais recente do meu livro "A Dança da Vida"; posso dizer que..., um momento significativo de "danças transformadoras". Algumas vezes os sentimentos explodem, outras se acanham e morrem. Existem muitas maneiras fáceis de desistir da vida, viver bem é uma arte. Acho que escrever mostra as muitas maneiras de ver e "reparar" na vida. O José Saramago ao escrever o "Ensaio sobre a cegueira" nos disse: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".
Escrever é uma forma de libertar o espírito.

Linhas das mãos

Aprendemos a mudar e abrir o nosso sorriso
Olhos internos nos lança ao céu caçando pipas
Nos abraços vemos segredos velados por anjos
Um convite solta da alma o néctar do nosso mel

Transformação bem-vinda numa carta escolhida
Uma hora chega o desejo de dançar essa entrega
Estimado espírito que se desenvolve enquanto caos
Indomada energia na vibração da esperança certa

Passeamos pela música encontrando outras notas
Ao som do coração que nos encanta ao nos tocarmos
Contornando a mesma pele na dimensão dos sonhos
Dando ao corpo movimentos de algo com asas

Novos sentidos soletram nossas linhas das mãos
Toda fibra que temos retoca em todos um relevo
Espaços que se prestam a chão mudando o esteio
Embaraçando os fios da vida em um único novelo

domingo, março 15, 2009

o sentido

Imenso

Chego às margens de olhares em gotas
Mais surpresas molham a boca do céu
Tenho imperfeições íntimas desde o início
Essas estações chegam de alegrias à-toa

Outro gesto sensível me atinge no meio
O amor e a terra me ajudam a sair das nuvens
Um novo clima dá lugar as transparências
A hora da entrega é sem jeito pra ninguém

sábado, março 14, 2009

sem Dalila

Pêndulos e Máscaras

Como irei continuar, assim? Estou com uma sensação de quem não dormiu nada. Tem mais outra emoção, vaga. A minha alma está de roupa nova, está como a manhã que vemos o sol e a lua juntos, será pelo mesmo motivo? Acabo de esquecer a minha máscara mais perfeita no armário em casa; me sinto uma outra pessoa sem ela, nem sentiria a timidez que empoa minhas bochechas nem nada, estou vermelha, com ela continuaria forte em qualquer situação, ela me faz igual em tudo, basta tê-la na posição certa, bem aqui... Mais nada.

Acredito que ela tem um guia, sabe qual a carreira onde ponho o nariz, parece que possui um pêndulo, até sinto como se ela fosse descendo devagarzinho para o lado esquerdo, ou para o lado direito. Não saberia dizer qual a posição que ela tomaria, mais rápido ou menos ácida, diante das circunstâncias, dos outros. Agora percebo que qualquer caminho seria igualmente indiferente, o que fosse mais fácil e agradável, que trouxesse algo de ganho, que evitasse algum deslize ou a solidão, aí caberia direitinho uma expressão oportuna, que me deixasse “legal”, assim ganharia um “amigo” ou quem sabe um sorriso momentâneo. O erro era colocá-la de jeito estranho, num ângulo reto, era um barulho do nada. Ao falar com as pessoas faltava sensibilidade, em certas circunstancias até causava um extravio de etiqueta, mau comportamento, falsas emoções, criava algum escândalo por pouca coisa. De fato, era muito inoportuna. Mas, como diz o ditado, pensava: “os incomodados que se mudem”. Que outro que nada, eu, eu e eu.

Um dia, nem liguei ao passar com meus sapatos sujos de barro pelo carpete branco acetinado da recepção da empresa, fui discretamente caminhando, calmamente. O moderno espaço metalizado ficou enfeado, a faxineira limparia, e eu nem aí; atravessei diante dos que trabalhavam e dos clientes presentes, sem culpa nenhuma. A ficha não caiu, só ao chegar até a minha mesa de trabalho dando de encontro com minha outra “máscara”: a funcionária do mês. Mas, me sentei cheia de grilos, pouco antes a máscara que agora caia camuflou tudo isso, essa clareza, me escondeu ao longo dos cem passos marcados em preto e branco, passos que carregaram outra pessoa coberta de pinturas, mostrando uma máscara perfeita de não se deixar em casa. "Não saia de casa sem ela"!

Uma pessoa sem “máscara” nunca entraria porta adentro de outra maneira, de pés descalços, porque andar sem meus os sapatos, ainda que sujos, não suportaria a vergonha, entrar de pés no chão, sapatos na mão, expondo minhas intocáveis fraquezas, ou sensibilidades outras, as delicadezas de dedos sinuosos molduras de unhas sem cor, ou o que mais fosse, abrir-se na frente de todos, jamais. Se houver, alguma máscara serve a um dado momento!

Até então, não lembrava ter esquecido nenhuma das que possuía. Desespero. Socorro aqui! O que está acontecendo? Meus anéis, meus sapatos, minha bolsa prateada, meus cartões de crédito, minhas idéias de ontem, meus preconceitos, minhas máscaras, aonde os depositei? Devem estar em algum lugar. Acho que desencontrei meus maiores pertences, minhas coisas materiais, meu cash que tanto confio, cadê você? Tudo que me conservava, acho. O que sou agora? Sem eles acho-me nua no tempo, um eu sem máscaras.

Por enquanto é bem difícil falar disso, estou suando frio, nervosa, pensando bem meus olhos até vêem melhor sem os óculos, encontrei no espelho alguém que me ajude, o que aconteceu com meu rosto, céus, com alguma certeza tenho um brilho diferente. Já duvidei de muita coisa, do mundo mudar por eu existir, não em cem ou duzentos anos, mas numa única vida, minha simples vida. Eu mesmo que mudei?

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

economia e meio ambiente (I)

A “reificação” [1] do bem ambiental: a precificação da água.

Afranio Campos

A busca da caracterização do bem ambiental “água” como um recurso de valor econômico (considerado como o ‘ouro azul’ do século XXI), ao mesmo tempo carregou para o Estado e para as políticas públicas tanto a responsabilidade da tutela como da sua regulação econômica, passo este em via contrária aos ventos da desregulamentação decantada pelo neoliberalismo adotado pela globalização[2]; a esses critérios de valoração econômica juntam-se os de "internalização das externalidades", que para o processo produtivo capitalista não se configura somente como uma necessidade de atender ao consumo desse recurso e sua necessária regulação, em função de sua natureza de bem comum, ambiental e escasso, por meio de mecanismos de comando/controle, da racionalidade econômica acomodar sua natureza aos desígnios das leis do mercado, mas, sobretudo de tentar solucionar um problema sistêmico, “uma segunda contradição do capital” (James O’Connor, 1991), oriunda das relações do modo de produção capitalista e o meio ambiente. 

A nova geopolítica da globalização econômica e do desenvolvimento sustentável e as estratégias de apropriação da natureza a ela inerentes não estão mais fundadas em uma teoria do valor, mas numa estratégia simbólica que tem por objetivo recodificar todas as ordens do ser em termos de valores econômicos. Da coisificação da natureza como condição de sua apropriação produtiva pelo capital, passamos a uma hipereconomização do mundo.[3] 

O tratamento destrutivo dado à natureza pelo sistema tornou-se cada vez mais evidente com o recrudescimento das mudanças climáticas, na poluição do ar, rios, mares, e mais seriamente no efeito estufa para o planeta, bem como na extinção de espécies e a escassez de bens da natureza. A "internalização das externalidades” [4] é, tão somente, uma exigência da necessária adequação dos bens ambientais renováveis / não renováveis aos pressupostos da racionalização “reducionista” tecnoeconômica, e aos fundamentos balizadores do mercado globalizante das empresas transnacionais. Em tempo de globalização os capitais transnacionais interagem e interferem nas políticas dos Estados nacionais que tornam-se fortes “aliados” em seus papel de suporte legal aos capitais voláteis e especuladores. A criação do mercado da água é uma condição essencial para a completa dominação da natureza e a apropriação do lucro resultante.

Considera-se no gerenciamento dos recursos hídricos o uso de instrumentos econômicos para definir a cobrança da água um meio para se chegar a uma aproximação pela sua caracterização como bem de valor econômico, a sua adequação aos fundamentos da teoria economia tradicional, buscando através de modelos[5] baseados em critérios estritamente “racionais” neoclássicos uma forma de estabelecer a partir do consumo e da oferta do mercado, em condições de coerência com os princípios de racionalidade, do “ótimo” paretiano, dos custos de produção "revelados", do “melhor preço" de mercado, e, sobretudo do lucro essencial esperado; é incontestável que sem esses parâmetros, artificializados, no caso do “mercado da água”, o arcabouço teórico-metodológico neoclássico, esforça-se pela “criação” de mercados[6] “fazedores” de preço pelo uso dos recursos hídricos, e, portanto, se coloca numa difícil situação na tarefa de chegar a uma “precificação”[7] dos recursos hídricos que atenda a uma consciência, ética, de um equilíbrio ecossistêmico, e aos requisitos do desenvolvimento sustentável, paradigmas de um momento que põe em cheque mais uma contradição do capital.

Embora as bases teóricas tradicionais sejam, em sua maioria, aceitas universalmente, convém apreciá-las em suas fragilidades internas de princípios, embora se constituam em soluções propositivas de valoração do bem ambiental, inclusive a partir de uma visão sensível à questão da economia como aliada da ecosustentabilidade, conforme destaca Tolmasquim (1994):

Convém aprofundar a análise para compreender como um princípio corrente de análise econômica pode chegar a uma conclusão que se pode julgar inaceitável do ponto de vista de suas conseqüências. Para isto Godard deixa aqui a discussão técnica do modelo de Pearse, que coloca em dúvida sua coerência interna em razão da mistura de um quadro estático e de um quadro dinâmico multiperíodo, para se deter no que parece ser essencial.

Segundo Godard, o ponto sensível é que a norma ambiental ótima é deduzida da interação de duas curvas de custos tratadas simetricamente (os custos externos do meio ambiente e os custos econômicos internos, aqui representados pela perda dos benefícios privados que resultam de uma limitação da produção), apesar de que estes dois tipos de custos apresentam uma assimetria crítica que impede de os considerar como diretamente comparáveis. Esta assimetria reside em que os custos econômicos internos correspondem a custos que são compensados, num movimento de reprodução das condições de produção econômica, pela criação de um valor comercial cuja realização na troca permite renovar o ciclo produtivo: a venda de um produto pelo produtor deve se fazer a um nível que deve lhe permitir cobrir a totalidade de seus gastos de produção e, portanto, de continuar sua atividade. Num equilíbrio estacionário, cada agente encontra em fim de período as condições lhe permitindo recomeçar o ciclo no período seguinte. 

Ao inverso, o que se designa por custo externo do meio ambiente corresponde precisamente ao que se pode chamar de destruições líquidas, fenômenos traduzindo a ruptura de mecanismos de reprodução biofísica. O conceito de externalidades somente toma em conta as conseqüências segundas dessas destruições líquidas sobre as funções de utilidade atribuídas aos agentes. Inscrita desde o início como postulado de raciocínio, a destruição líquida do meio ambiente se encontra evidentemente em sua conclusão sem, contudo, ser mais validada. 

Segundo Godard, para se aceitar o raciocínio neoclássico, seria necessário ao menos lhe impor uma restrição de reprodução ecológica permitindo se restabelecer a comparabilidade com os custos econômicos internos, em que uma restrição análoga é tomada em conta por construção. Contrariamente ao que dizem por vezes os economistas, a definição de norma ambiental deve, por necessidade lógica, ser imposta ao raciocínio econômico do exterior, sem poder resultar de seu seio se esta norma deve refletir uma exigência global de reprodução do meio biofísico do homem. 

Certo, é difícil utilizar o conceito de reprodução a partir do momento em que se lhe deseja dar um conteúdo empírico: os ecossistemas evoluem; a questão de limites de perturbação abaixo dos quais eles se reproduzem e acima dos quais eles se degradam resta largamente uma questão controversa, dependendo, aliás, da natureza das perturbações; os recursos não-renováveis não podem ser reproduzidos no horizonte humano etc. Apesar disso, esse conceito aporta ao raciocínio um elemento insubstituível cujo esquecimento se paga com o erro; não se colocar o problema da reprodução é implicitamente considerar o meio ambiente como um contexto dado inalterável.

O sentido da referência recente ao conceito de desenvolvimento sustentável é precisamente marcar a necessidade de se inserir a análise econômica das escolhas num quadro mais amplo de exigências refletindo a preocupação pela reprodução a longo prazo do meio ambiente em termos de patrimônio essencial, a transmitir-se às gerações futuras.

Aqui temos uma completa dependência do modo de produção do homem em relação ao meio ambiente, ao recurso ambiental, um vínculo direto da economia para ecologia, o metabolism (Stoffwessel ou intercâmbio orgânico)[8], uma interdependência vital entre o meio ambiente e a economia, e, historicamente explícita na expressão de apropriação e exploração da natureza pelos padrões produtivos capitalistas, isto é, dos limites (sem fim) do modo social de produção do capital na superexploração do homem pelo homem e da natureza (“uma dupla exploração”), que estão dados inegavelmente frente às exigências colocadas para a preservação dos recursos hídricos e sustentabilidade dos ecossistemas, biomas, etc – a precificação da água cristaliza o desígnio de uma racionalidade econômica[9] da reificação do bem ambiental como “produto de mercado” na sua forma (única) de mercadoria com valor de troca[10], “criada” e “aceita”, enquadrada pelo sistema de mercado.

A teoria neoclássica evidencia que há o recurso escasso, constatado o seu uso inadequado ou perdulário pela sociedade, assim como, esclarece ser um bem sem clara “definição de direito de propriedade ou de uso” (público ou privado), e, subtende a existência decorrente de agentes econômicos, que devem pagar o tributo estabelecido “técnicamente” para o comando/controle/regulação do mercado do recurso econômico e ambiental, fazendo sua regulação através de instrumentos da economia tradicional; ainda que na criação do mercado de água seja necessário a obtenção de dados estatísticos do seu movimento, das informações de custos de produção privados determinados e revelados, estabelecidos por estarem aliados aos custos sociais imprevisíveis, como parâmetros de um verdadeiro mercado, mesmo que para o bem ambiental apareçam como uma incógnita basilar. Para toda e qualquer atividade econômica, mais precisamente as transformadoras da natureza existem os custos privados e, com relevância, os custos sociais. Então, os agentes econômicos nesse quadro estarão produzindo ou consumindo tendo a água como insumo ou mercadoria (bem de uso) fazendo a utilização desse recurso pela oferta/procura no mercado, e em se tratando de um bem ambiental, em mercado que não existia efetivamente, seja por suas externalidades negativas estruturais, forças de impasse a sua internalização às regras de mercado, bem como uma contradição própria das relações sociais de produção e o modo de exploração da natureza, que prospecta a sua completa realização pelo ethos capitalista. São estas as dificuldades de um modelo de “mercado” que persiste em existir e que procura “tecnoeconomicamente” estabelecer suas mãos invisíveis. Na citação tomada de Damásio et ali (2004), observamos os caminhos da teoria quanto aos estudos econômicos para a precificação da água:

Ainda não há um consenso sobre o referencial metodológico a ser utilizado para formação de preços pelo uso da água. [...]

Em conseqüência da inexistência de mercados de águas, não se dispõem de dados estatísticos que possibilitem estimar diretamente o valor que os seus usuários estariam dispostos a pagar por cada metro cúbico de água bruta utilizada. Ademais, na ausência de um mercado onde os direitos de uso pudessem ser transacionados e seus preços revelados, não é possível ajustar diretamente através de algum procedimento econométrico uma função de demanda por água em cada modalidade de uso. O problema que se apresenta é, então, como determinar o valor da água bruta para cada modalidade de uso, em uma situação onde inexiste o mercado desse produto.

Um outro fator preocupante, que reforça consideravelmente os teóricos do neomalthusianismo é o crescimento da população humana e, não-humana (não relevante para essa corrente claramente antropocêntrica), e que tem sido um fator determinante para a piora da qualidade dos recursos hídricos, e sua conseqüente escassez (categorização econômica) que nos remete a uma classificação ambígua de recurso econômico a despeito da sua natureza (bem comum, difuso, ambiental). Outro fator que tem afetado essa situação é o da superexploração desse bem: o modo de sua utilização pelas forças produtivas capitalistas e seu uso múltiplo indiscriminado pela sociedade, que revela ter sido completamente destacado de uma consciência ética ambiental e de uma responsabilidade social intergeracional, necessárias, por todas as conseqüências negativas vistas que impactam dramaticamente a saúde do meio ambiente, do qual o homem faz parte.  Os impactos dessa “superexploração” dos recursos naturais  são assim expostos por Acserald (1994, p.128,129):

A intensidade e extensão em que é feita a exploração econômica dos recursos naturais pode comprometer o equilíbrio dos ecossistemas, alterando regimes hidrológicos e climáticos, empobrecendo solos, diminuindo a capacidade de absorção de CO2 por maciços florestais etc. Trata-se aqui, efetivamente, do que a teoria econômica chamou de externalidade danos causados por alguma atividade a terceiros, sem que esses danos sejam incorporados no sistema de preços. Ao dizer que os preços não computam o dano causado por empreendimentos privados sobre bens coletivos, certos autores utilizam a imagem de que tais atividades apresentam custos sociais superiores aos seus  custos privados. Nesse caso, os custos privados são custos efetivos, expressos em transações mercantis entre agentes econômicos individualizáveis que atuam no espaço dos direitos jurídicos de propriedade.

Mas quando se fala em custo social, está-se tratando na verdade de um custo fictício, no sentido econômico, e para o qual não existe expressão monetária mediante transações voluntárias estabelecidas entre agentes que atuam no espaço dos direitos de propriedade. O problema, nesse caso, é o de estabelecer uma regulação da intensidade e extensão da exploração dos recursos naturais de modo a preservar o equilíbrio geral dos ecossistemas. A questão extrapola, portanto, a esfera dos empreendimentos individuais privados e se coloca na esfera global da ação humana sobre o meio ambiente. A regulação dos níveis de intervenção humana global sobre o meio ambiente, por outro lado, escapa à esfera dos empreendimentos privados, mesmo que eles sejam desenvolvidos, em escala individual, com métodos sustentáveis. Ou seja, a sustentabilidade ecológica global não é idêntica à soma das intervenções sustentáveis da multiplicidade de agentes econômicos. Se essa proposição for considerada verdadeira, a regulação da extensão e intensidade globais em que se dá a exploração dos recursos naturais não pode se dar pela via do sistema de preços, que sanciona apenas projetos individualizados, dotados de custos privados. A preservação do equilíbrio dos ecossistemas se constitui assim como um bem público que só poderia ser regulado na esfera política, à luz do interesse coletivo, caracterizado por processos democráticos de legitimação.

Nas duas primeiras situações acima descritas, trata-se, na realidade, de movimentos operados no interior do espaço das mercadorias. É na terceira situação, porém, que se configura a problemática a partir da qual emergiu a noção de externalidade, a saber, o movimento na linha de fronteira entre o espaço das mercadorias e o não-mercado.

Nesse contexto, da teoria econômica e a sua abordagem das externalidades, vejamos como o desenvolvimento sustentável é colocado por alguns autores de acordo com Tolmasquim (1994):

A noção de desenvolvimento sustentável implica, primeiro, a gestão e manutenção de um estoque de recursos e de fatores a uma produtividade ao menos constante, numa ótica de eqüidade entre gerações e entre países. Ora, este estoque compreende dois elementos diferentes: o estoque de capital artificial, que inclui o conjunto de bens de fatores de produção produzidos pelo homem; o capital natural, isto é, os recursos naturais renováveis e não-renováveis (águas, solos, fauna, flora, recursos do subsolo etc.). A abordagem ou a dimensão ecológica do desenvolvimento sustentável, a manutenção e a transmissão de um potencial de crescimento e de bem-estar exigem a aplicação de princípios de gestão específicos a estes componentes do capital global. Com o capital natural sendo indispensável e insubstituível, a produção de bens artificiais somente traria um fluxo de renda ao menos constante, se estes bens pudessem assegurar as mesmas funções que os recursos naturais e se se supõe uma perfeita substituição entre os componentes artificiais e naturais, como, por exemplo, substituir-se a madeira por plásticos, substâncias naturais por produtos químicos de síntese. Isto implicaria, de fato, uma ausência de limites técnicos a essa substituição. Numerosos recursos naturais, porém, não têm nenhum substituto artificial. 

Todos os esquemas de compensação entre gerações repousam sobre uma ou outra destas duas possibilidades: seja uma equivalência do ponto de vista do bem-estar entre bens do meio ambiente e produtos industriais de consumo, seja uma substituição recursos/capital, permitindo compensar as perdas de recursos naturais infligida às gerações futuras por uma dotação suplementar de capital. 

A partir do momento em que se vê atribuído ao meio ambiente um valor em si mesmo (noção de valor de existência) ou condições naturais mínimas, a definir, são consideradas como bens primários essenciais para gerações sucessivas, indispensáveis para se dispor de uma vida humana merecedora de ser vivida, os princípios de substituição e de compensação não podem ser mais aceitos. Para cada geração, não existem, portanto, outras alternativas, a fim de assegurar a igualdade intergeracional, do que garantir a manutenção do meio ambiente num estado global que não seja degradado de maneira essencial em relação ao estado em que este meio ambiente foi recebido pelas gerações precedentes. 

Tomando em conta esse tipo de restrição de reprodução, chega-se a modelos do tipo do proposto por E. Barbier e A. Markandya (1990), onde o objetivo de sustentabilidade se exprime sob a forma de três restrições que vêm enquadrar a função utilidade intertemporal: a extração de recursos esgotáveis deve se fazer a uma taxa permitindo sua substituição por recursos equivalentes; a exploração de recursos renováveis deve se fazer a uma taxa compatível com sua renovação; a emissão de rejeitos deve ser compatível com a capacidade ecológica de assimilação. 

O desenvolvimento sustentável deve, portanto, antes de tudo, assegurar a preservação e transmissão às gerações futuras deste insubstituível capital natural. Isto exige regras de gestão específicas, por diversas razões (Barde, 1992): 

- o capital natural constitui um fator insubstituível do crescimento econômico; 

- os recursos naturais são em si uma fonte de bem-estar, devido ao seu aporte de amenidades: belezas de um local, lazer, fator de saúde etc.;

- certos recursos não são renováveis e seu esgotamento ou desaparecimento são irreversíveis: desaparecimento de uma espécie animal ou vegetal, de um sítio natural. Encontramo-nos aqui confrontados com a irreversibilidade de certas ações;

- vários recursos não têm nenhum substituto artificial; por exemplo, os ecossistemas reguladores, tais como as florestas tropicais, os manguezais, os oceanos ou as espécies animais e vegetais, que são numerosas a desaparecerem a cada ano. 

Conforme afirma Godard (1992), a exigência de sustentabilidade não se inscreve dentro de um procedimento de otimização e corresponde mais a uma norma mínima de satisfação. Isto lhe é freqüentemente criticado: ela não forneceria um critério permanente de operar de maneira precisa todas as decisões necessárias. Tratar-se-ia no melhor dos casos de um critério parcial, se se pudesse chegar a tornar esta exigência operatória. Mas, segundo ainda Godard, esta fraqueza é também sua força. A idéia de uma otimização das trajetórias de desenvolvimento a longo prazo pode ser considerada como uma má idéia, pois ela exige hipóteses por demais inverificáveis tanto sobre a evolução das técnicas quanto sobre as preferências das gerações futuras. O quadro analítico de crescimento ótimo a longo prazo pode ser muito fecundo sob um plano lógico para testar as implicações ou a coerência de certas proposições éticas, mas não diretamente como guia de decisões de política econômica. Em outros termos, o procedimento de otimização, que tem um sentido sobre o curto e médio prazos, representa, quando se aplica ao longo prazo, seja um paradigma enganador, seja a expressão de uma ditadura da geração presente sobre as gerações seguintes.

A natureza não tem recursos ilimitados[11], a exigência de recursos produtivos (energia) e de riquezas cada vez mais em quantidades maiores e de fácil exploração, sejam renováveis ou não-renováveis, a partir das necessidades das economias desenvolvidas mostram que o planeta já chegou ao seu limite (ainda que seja considerada uma previsão, alguns cientistas estimam ter ultrapassado em quase 30%[12] dessa “fronteira da vida”), pois, os países em desenvolvimento nunca poderiam chegar ao mesmo nível de consumo desses recursos dos países do primeiro mundo, e caso chegassem seriam necessários mais cinco planetas iguais para esse nível de satisfação de consumo[13], “fruto de moldes educativos e comunicacionais que reafirmam este ethos capitalista”.

Conforme citações e dados de Lima Santin (2006):

Atualmente, 83% do Planeta é ocupado pelo homem e a depredação do ecossistema já supera em 20% sua capacidade de regeneração. Em outras palavras, pode-se dizer que o mundo consome mais recursos naturais do que a própria capacidade de regeneração (Boff, 2003).

Quando a utilização de recursos naturais ultrapassa o limite de regeneração dos mesmos tem-se o overshoot, que implica em crescimento econômico mediante a depleção do florestamento expandiu em ritmo inferior ao desmatamento, implicando em maiores perdas florestais. A Europa foi o único continente que apresentou aumento de área, incrementando sua extensão florestal em algo próximo a um milhão de hectares plantados. capital natural e comprometimento da manutenção da vida futura. O overshoot refere-se ao estágio em que o meio ambiente não mais consegue se regenerar e prover recursos futuros (CIDIM; Silva, 2004). Este ponto foi atingido no início da década de 1980, quando as atividades humanas excederam a capacidade da biosfera (WWF, 2004).

Neste contexto, é pertinente explicitar que o uso de tecnologias avançadas, por si só, não garante uma menor degradação ambiental. Este pensamento vai contra o pensamento econômico ambiental, que segue o mainstream neoclássico.

A economia ambiental neoclássica trabalha com o axioma de que o capital, o trabalho e os recursos naturais são substitutos perfeitos entre si, quando em uma função de produção. Segundo tal teoria, os limites impostos pela degradação ambiental quanto à utilização de recursos naturais seriam totalmente compensados pelo uso de tecnologia. Assim, a degradação ambiental é tida apenas como uma restrição relativa à produção e não como absoluta, uma vez que com o uso de determinada tecnologia permitir-se-ia a utilização de recursos substitutos, de acordo com a escassez dos atualmente utilizados, havendo a possibilidade de substituição de recursos. Esta concepção é denominada de sustentabilidade fraca e o ponto de discordância que mais aflora é justamente o não reconhecimento de características peculiares a cada recurso natural, o que impossibilitaria a migração e a substituição do uso entre os mesmos (Cánepa, 2003).

Como contraponto à teoria econômica ambiental neoclássica surgiu a economia ecológica, que estrutura seu pensamento com base em conceitos tomados da física. Estes derivaram mais precisamente da termodinâmica, como o conceito de entropia; este conceito, interpretado sob a ótica econômica, refere-se ao fato de que o processo produtivo implica na utilização e na transformação de energia. Ao ser transformada a energia passa de uma forma organizada para outra desorganizada, conhecida por energia térmica. O processo excessivo de transformação energética resulta em escassez absoluta (Loyola, 2001). Aqui, não mais se considera a perfeita substituibilidade entre os fatores de produção, sendo a tecnologia e os recursos naturais fatores complementares em um processo produtivo sustentável. Esta visão é denominada de sustentabilidade forte, em oposição à sustentabilidade fraca (Romeiro, 2003).

Tomando como princípio a noção de sustentabilidade forte, pode-se afirmar que os padrões de desenvolvimento atual, de caráter estritamente degradante, não são sustentáveis no longo prazo, haja vista as vulnerabilidades ambientais. A continuidade do ritmo de degradação atual implicará em um fator restritivo ao desenvolvimento econômico, principalmente nos países que ainda possuem reservas ambientais.

A Educação[14], os instrumentos econômicos e normativos se mostraram insuficientes para um solução dos conflitos e a valoração econômica dos recursos hídricos pondo uma dúvida quanto a uma adequação do bem ambiental aos fundamentos econômicos[15] do mercado. Conforme Pelizzoli, “A Educação, enquanto refletente do processo civilizatório impregnado pela filosofia do desenvolvimentismo, da competição, busca da emancipação individualista mas massificante e a noção de progresso a todo custo, foi e está, com tudo isto, impregnada de antivalores, de uma visão antiecológica de mundo. Num contexto cooptado, tendeu à formação de elementos para uma (des)socialização privatista, para a apropriação e acumulação de bens e poderes como sentido maior do ser humano, na esteira do processo de produtividade tecnoeconômica” (PELIZZOLI, 1999, p. 97).

Há os que defendem que os efeitos benéficos sobre o ambiente podem ser resultantes do livre mercado, desde que haja uma consciência ambiental dos indivíduos; este é um pressuposto da chamada “economia verde”:

A substituição de capital natural pelo capital tecnológico e humano é possível mas existem limites. Por exemplo, existem limites máximos para a capacidade do ambiente assimilar resíduos produzidos pelas atividades humanas. O capital natural deve ser mantido em um estoque mínimo abaixo do qual ele se torna crítico para manter a sustentabilidade. Esse posicionamento introduz a noção de Padrão Mínimo de Segurança (PMS).

De acordo com TURNER (1993), "dada a irreversibilidade e a incerteza sobre os impactos da atividade econômica sobre o funcionamento dos ecossistemas, o PMS estabelece uma linha divisória, socialmente negociada, entre os imperativos morais da sustentabilidade e a livre transação de recursos. Para satisfazer o contrato social intergeracional, a geração atual deve antecipadamente restringir (dependendo dos custos de oportunidade sociais envolvidos) ações que possam resultar em impactos adversos além de certos níveis de custo e irreversibilidade.". Ou seja, sem negar a possibilidade de intercâmbio entre os três tipos mencionados de capital, é argumentado que existirão limites que deverão ser impostos por negociação social, levando em conta os interesses das futuras gerações, a irreversibilidade de certas conseqüências e a incerteza sobre certos impactos ambientais.

O valor do ambiente é avaliado por sua utilidade para o ser humano, mas devem ser consideradas as falhas do livre mercado na promoção da eqüidade na geração contemporânea, ou seja, as diferenças de bem-estar entre pobres e ricos, e os compromissos com as futuras gerações. Portanto, assume-se sempre uma perspectiva humana nas questões de valoração e, por isto, tal posicionamento é denominado de antropocêntrico. Posicionamento mais estrito de sustentabilidade nota a dificuldade inerente da quantificação, nos mesmos termos, dos capitais natural, humano, tecnológico e moral/cultural, o que dificultaria atingir-se um quantitativo ideal para o estoque global. Além disto, existe a possibilidade de subestimativa do valor primário do ecossistema, definido como o serviço agregado de suporte à vida prestado pelo ambiente, que deve preponderar sobre o valor secundário, relacionado às funções e serviços prestados ao ser humano. Isso levaria ao risco de que a diminuição do capital natural resultaria no comprometimento gradual dos processos e funções que suportam a diversidade biológica, aumentando a vulnerabilidade, pela redução da estabilidade e da resiliência ambientais, a futuros choques e stress. Devido a isto, o capital natural, Kn, deveria ser mantido constante por que, pelo menos parcialmente, ele é insubstituível. A escala de desenvolvimento não deveria declinar, mas tampouco aumentar, e o aumento populacional também deveria ser zerado, de forma a poder ser atingida a economia de estado estacionário. A hipótese Gaia, com suas implicações é aceita por esta corrente. De acordo com ela, a vida e o ambiente terrestre são partes de um mesmo sistema auto-regulador e reparador, no sentido de que atividades humanas que afetem perigosamente o equilíbrio ambiental poderiam ser acomodadas pelo próprio sistema. Entretanto, esta capacidade garante apenas a sobrevivência deste sistema e não o de todas suas formas de vida, inclusive a humana. Logo, há necessidade de uma visão sistêmica do ambiente, cuja noção inclui o homem, e a imposição de padrões ambientais normativos para espécies e processos relevantes, bem como de áreas de conservação ambiental e práticas adequadas de disposição de resíduos no ambiente. Devido a tais características esta posição é denominada ecocêntrica.

A posição mais radical quanto aos limites ambientais baseia-se também na hipótese Gaia e sustenta adicionalmente que o efeito-estufa, a depleção da camada de ozônio e as chuvas ácidas indicam que a humanidade já ultrapassou uma linha divisória prudente para a escala de desenvolvimento. Isso requer uma economia baseada em limites termodinâmicos, com mínima taxa de fluxo de matéria e energia ingressando e saindo do sistema econômico. A escala de crescimento econômico deveria ser reduzida bem como a população. Seus seguidores não entendem que isto levará à diminuição do desenvolvimento, entendido de forma ampla, pois as preferências sociais, os valores comunitários e as obrigações com as futuras gerações poderão encontrar ampla expressão, contribuindo para o aumento do capital moral e cultural Kc. Sob o ponto de vista ético, esse posicionamento sustenta a validade de interesses e direitos não-humanos, abrangendo animais, plantas e ecossistemas, pois eles podem ser inerentemente valiosos (valor intrínseco). Esse posicionamento é também ecocêntrico.[16]


[1] “A fabricação, que é o trabalho do homo faber, consiste em reificação. A solidez, inerente a todas as coisas, até mesmo às mais frágeis, resulta do material que foi trabalhado; mas esse mesmo material não é simplesmente dado e disponível, como os frutos do campo e das árvores, que podemos colher ou deixar em paz sem que com isso alteremos o reino da natureza. O material já é um produto das mãos humanas que o retiraram de sua natural localização, seja matando um processo vital, como no caso da árvore que tem que ser destruída para que se obtenha a madeira [...] O trabalho de fabricação propriamente dito é orientado por um modelo segundo o qual se constrói o objeto. [...] A reificação, termo costumeiramente usado por Arendt (2001, p.156), destaca o fato de que o homem dissocia o produzir, que lhe é próprio, do produto, de tal modo que o pode conhecer, tornando-o objeto da sua consciência.” (ARENDT, 2001, p. 152-153, citado em FARIAS, Paulo J. L. A cobrança pelo uso da água no Brasil: Integração Normativa das Dimensões Protetivas Ética e Econômica do Meio Ambiente, Brasília, 2003, p.135).

[2] Globalismo designa a concepção de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação política; trata-se, portanto da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo. O procedimento é monocausal, restrito ao aspecto econômico, e reduz a pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão – a econômica -, que por sua vez, ainda é pensada de forma linear e deixa as outras dimensões – relativas à ecologia, à cultura, à política e à sociedade civil – sob o domínio subordinador do mercado mundial.” (BACK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do globalismo, respostas à globalização. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p.27).

[3] LEFF, Henrique. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de Luís Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p.66.

[4]Segundo Godard, a solução de internalização das externalidades atenua certamente a pressão exercida sobre o meio ambiente e neste sentido marca um progresso indiscutível, mas ela participa por construção do processo pelo qual um sistema econômico degrada e esgota seu meio ambiente até arruinar toda possibilidade de produção. Designa-se pelo termo externalização o processo pelo qual um sistema ignora e altera as condições de reprodução de seu meio ambiente; então pode-se dizer que o modo de internalização proposto pela teoria neoclássica inscreve a externalização no coração mesmo da internalização proposta. Longe de ser a base de definição de um processo de desenvolvimento sustentável compatível com o meio ambiente, esta linha de conduta é parte mesmo do problema.” (TOLMASQUIM, Economia do Meio Ambiente: Forças e Fraquezas in Desenvolvimento e Natureza: estudos para uma sociedade sustentável, INPSO/FUNDAJ, 1994, p.323-334).

[5]Do lado da produção, a tradição neoclássica tem por costume colocar uma hipótese de substituição entre os recursos naturais e capital.” (TOLMASQUIM, op. cit., 1994).

[6] “A água como um bem econômico tem um valor de uso e um valor de troca. O valor de uso da água é caracteristicamente variável, pois depende fundamentalmente da utilidade ou satisfação que os diversos usuários atribuem à água, pela múltipla capacidade desta em satisfazer suas necessidades. O valor de troca depende das condições da oferta e demanda. Na ausência de mercados de águas, não se dispõem de dados estatísticos que possibilitem estimar diretamente o valor que os seus usuários estariam dispostos a pagar por cada unidade de água utilizada. O problema que se apresenta é, então, como determinar o valor da água para cada modalidade de uso.” (CARRERA-FERNANDEZ e GARRIDO, 2002, p.156, citado em ARANHA, Vivian de Azevedo. Estudo de condições necessárias para a eficácia da cobrança na gestão dos recursos hídricos. UnB, Brasília, 2006, p.27).

[7]E, sem duvida, mesmo que o signo monetário pareça liberar-se de todo referente como valor de uso e flutuar no gozo pleno de uma espetacular especulação sem uma ancoragem real, não consegue desprender-se de seu vinculo com a natureza.” (LEFF, 2006, op. cit., p.64).

[8] “Para Schmidt, a chave do processo de intercâmbio em Marx estaria no conceito de Stoffwessel; [...] Schmidt ‘descobre’ na noção de Stoffwessel um conceito central de O Capital – que, na realidade, apenas sinaliza o aspecto geral de transformação da matéria no processo de trabalho – para adjudicar a Marx uma concepção ecológica da sociedade.” (LEFF, 2006, op. cit., p.52-53).

[9]Do lado do consumo, as hipóteses-padrão sobre as funções de utilidade supõem uma equivalência geral de todos os bens: não importa qual a variação de quantidade sobre um bem; ela pode ser compensada, do ponto de vista do bem-estar, por uma variação apropriada da quantidade de um outro bem. A aplicação de um tal quadro às decisões sobre o meio ambiente conduz a procurar o nível de consumo suplementar de produtos de consumo que poderiam compensar uma degradação do meio ambiente: uma água de mar poluída, mas mais piscinas; um ar menos respirável, mas mais automóveis... Esta lógica procura maximizar as compensações comerciais para uma destruição do meio ambiente, e não assegurar que o modo de desenvolvimento se inscreva prudentemente na biosfera, o que muitos crêem ser a essência do desenvolvimento sustentável.” (TOLMASQUIM, op.cit.,1994).

[10]É patente que o fato de se atribuir um valor monetário a bens não comerciais, notadamente a fauna, a flora, as amenidades, seja mesmo a vida humana, suscita violentas oposições de ordem ética e filosófica. Kapp (1970) ataca o reducionismo monetário como fundamentalmente inapropriado para considerar os riscos com a saúde e sobrevivência dos homens. Sagoff (1981) considera que o valor monetário mede apenas a intensidade de nossos desejos ou necessidades, mas não a sua justificação política ou social; ele introduz uma distinção entre preferências do consumidor e as aspirações do cidadão: só as primeiras podem ser objeto de avaliação econômica. Outras objeções se dirigem à incompatibilidade entre o processo econômico e a realidade ecológica, aos problemas dos efeitos de irreversibilidade e das gerações futuras.” (TOLMASQUIM, op.cit.,1994).

[11] “O que as pesquisas socioambientais ou ecológicas mostram ao mundo hoje são dados altamente sintomáticos: para que todos tenham um padrão de vida como o europeu, seria necessário 23 vezes mais energia, 10 vezes mais produção de combustíveis fósseis, 90 vezes mais riquezas minerais, duas vezes a quantidade de terra agricultável – ou seja, outro planeta Terra, outra camada de ozônio, outra atmosfera!.” (PELIZZOLI, op. cit., p.96).

[12] DALY, Herman E. Beyond Growth: The economics of sustainable development. Boston: Beacon, 1996, p. 1-23.

[13] “[...] a descontextualização política, a desarticulação do discurso com a prática, o utilitarismo, a incompreensão das interações com o meio ambiente, os quais se ligam ao habitus da sociedade de cosumo,...” (PELIZZOLI, op. cit., 2003).

[14]A criação cientifica e a inovação tecnológica não se convertem em novos princípios determinantes do desenvolvimento sustentável nem fundam uma ética do conhecimento capaz de dirimir e solucionar os conflitos em torno da apropriação produtiva da natureza. O que foi dito anteriormente implica a necessidade de pensar e de construir uma nova racionalidade produtiva sustentada pelos princípios da entropia e da complexidade ambiental, integrando as formações ideológicas, a produção cientifica, os saberes pessoais e coletivos, os significados culturais e as condições ‘reais’ da sustentabilidade ecológica. A economia fundada no tempo de trabalho foi substituída pela economia baseada no poder do conhecimento científico como meio de produção e instrumento de apropriação da natureza.” (LEFF, op. cit., p. 60-61).

[15]A própria dialética do modo de produção capitalista, objeto da economia política, chega ao limite de seu poder explicativo; seus conceitos se desatam e evapora-se seu poder explicativo. O vinculo entre o valor de uso e a demanda, assentados na necessidade e na utilidade, e o valor de troca, fundado na equivalência dos trabalhos e das utilidades, se dissolve, ao mesmo tempo que a “lógica do valor de troca” se torna autônoma, configura um código geral no qual se subsume ao ser de todas as coisas, e vai transmutando as necessidades, os desejos e as utilidades em uma mesma substância etérea de valor, fora de todo referente e de todo sentido. O código econômico gira vertiginosamente acima de toda lógica e de toda razão. É o império da lei estrutural do valor sobre o valor de uso cingido a uma significação cultural.” (LEFF, op. cit., p.63).

[16] LANNA, A. E. Economia dos Recursos Hídricos. Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental – IPH/UFRGS, 2000.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

em Belém

Nessa hora

Marco meus passos em frente ao Bosque
Uma grande árvore caiu antes dessa hora
Restam os seus galhos por entre as grades
Os círculos da história nos anéis da sua tora

Sigo de rosto e pele suados pela Vinte Cinco
E percebo o momento de meu ser no tempo
Que sendo parte da natureza me sinto chuva
Antes um elo que caminha pelo entardecer

Pouco antes o pesado caule desabou um século
Sobre a avenida e seus novos instrumentos
No chão os sons de insetos, rãs e gente
Folhas cobriam o silêncio sem raízes que sobrou

sábado, janeiro 03, 2009

tecendo

Dobras suaves

Vai convidar a felicidade
A passear do seu lado
Em um único pedido
Cair em terreno suave

Convide a si mesmo
A lugares desconhecidos
Notar seu brilho no olhar
Chegar ao canto preferido

Vai se aproximar do calor
Ao se vestir de mar
A receber suas chances
Ouvir o sim sem medrar

Vai convidar o seu amor
A te pegar quase frágil e breve
Tanto como a gravidade
Densa em sentimentos leves

sexta-feira, janeiro 02, 2009

caminho

«Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e só um caminho, e está sempre em desvantagem».
Robert Musil in O Homem sem Qualidades

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  • 12 Horas até o Amanhecer
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  • 30 Minutos ou Menos
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  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
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  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
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  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
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  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
  • Antes do Anoitecer
  • Antes que o Diabo Saiba que Voce está Morto
  • Apenas uma vez
  • Apocalipto
  • Arkansas
  • As Horas
  • As Idades de Lulu
  • As Invasões Bárbaras
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  • Assassinato em Gosford Park
  • Ausência de Malícia
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  • Código 46
  • Coincidências do Amor
  • Coisas Belas e Sujas
  • Colateral
  • Com os Olhos Bem Fechados
  • Comer, Rezar, Amar
  • Como Enlouquecer Seu Chefe
  • Condessa de Sangue
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  • Coração Selvagem
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  • Crash - no Limite
  • Crime de Amor
  • Dança com Lobos
  • Déjà Vu
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  • Destacamento Blood
  • Deus e o Diabo na Terra do Sol
  • Dia de Treinamento
  • Diamante 13
  • Diamante de Sangue
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  • Django
  • Dois Papas
  • Dois Vendedores Numa Fria
  • Dr. Jivago
  • Duplicidade
  • Durante a Tormenta
  • Eduardo Mãos de Tesoura
  • Ele não está tão a fim de você
  • Em Nome do Jogo
  • Encontrando Forrester
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  • Entre Dois Amores
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