A ressurreição da história
por Emerson Gabardo
Lendo a entrevista de Francis Fukuyama na Folha de
domingo, veio à mente uma reflexão. Uma vantagem de sermos juristas, ou se o
leitor preferir algo menos pomposo, “estudiosos do Direito”, é que não
precisamos o tempo todo demonstrar o quanto somos capazes de prever o futuro.
Economistas e cientistas políticos, desafortunadamente, parecem não escapar
desta tarefa inglória. Não que os juristas também não façam isso vez ou outra. Mas
isso ocorre não como um dever, mas como uma excentricidade.
Já para os economistas e cientistas políticos quem
sabe isso seja quase um dever, notadamente quando instados pela mídia a se
manifestar sobre o porvir. Quando o cientista político se dedica de forma mais
intensa à economia, então, os prognósticos tornam-se uma robusta análise
pragmática e objetiva a respeito do que irá, fatalmente, acontecer. O problema
é que em geral não acontece.
Assim parece que ocorreu com Fukuyama. Seu artigo
intitulado “O fim da
história?”, publicado em 1989, foi depois transformado em um livro de
grande sucesso. “O fim da
história e o último homem” é
uma obra interessante e intelectualmente bem construída, em que pese de uma
linearidade e de um elitismo por vezes desconcertantes. A própria concepção de
história do autor é assustadoramente limitada e antiquada.
Ele mesmo faz questão de informar aos seus leitores
que não havia sugerido o fim da “ocorrência de acontecimentos” (como se alguém,
seriamente, tivesse considerado seus argumentos como o prenúncio do armagedon).
Piora sua situação ao explicar-se dizendo que entende a história como “um
processo singular, coerente e evolutivo”. E em assim sendo, conseguiria
visualizar “uma história da humanidade, coerente e direcionada, que
eventualmente conduzirá a maior parte da humanidade para a democracia liberal”.
Afinal, tal modelo continuaria a ser “a única aspiração política coerente que
se espalha por diferentes regiões e culturas em todo o mundo”.
E para finalizar com chave de ouro asseverou que
“os princípios liberais da economia – o mercado livre – alastraram e
conseguiram produzir níveis de prosperidade material sem precedentes, tanto nos
países industrializados como naqueles que, no final da segunda guerra mundial,
faziam parte do empobrecido Terceiro Mundo.” Não é necessário entrar em maiores
detalhes da sua tese, embora existam outras afirmações realmente muito
peculiares e talvez até, digamos, “constrangedoras”.
O fato que é nada disso é verdade. Várias críticas
foram apontadas ao seu discurso na época (a comunidade acadêmica de esquerda
não perdoou o professor), mas é preciso reconhecer que o autor estava correto
no tocante ao consenso que havia se formado na transição da década de 1980 para
a de 90 a
respeito das vantagens do “neoliberalismo democrático”.
Todavia, dois erros sobrepostos acabaram por
desmerecer o acerto: primeiro, tal consenso não duraria a eternidade (aliás,
mal durou duas décadas); segundo, o consenso estava fundado em uma falsificação
da realidade (infelizmente para os liberais, as experiências históricas
conhecidas pelo homem demonstram de forma clara que alcançamos uma maior
realização da dignidade e da felicidade em ambientes de forte intervenção
política na economia e não o contrário). As experiências ruins do Estado
moderno não desabonam suas conquistas.
Mas assim como Fernando Henrique Cardoso, e outros
tantos defensores ligados ao conservadorismo liberal privatizante da década de
90 (assumidos ou não) o fato é que Fukuyama, agora, reviu seu vaticínio. Em
entrevista à Folha confirmou sua recente virada rumo a certo intervencionismo,
que denomina (desgraçadamente convenhamos) de “novo populismo”, segundo o qual
defende uma “maior regulação estatal”. Até aí, nada de extravagante.
O fato que é ele faz isso negando que tenha dado
uma volta de 180 graus em seus escritos anteriores. Afinal, responde ao
entrevistador, “ainda acredita que a democracia liberal é o melhor sistema
político”. Ora, esta crença banal não o tornaria tão famoso! A grande tese defendida
pelo autor não foi a de que o liberalismo seria o “melhor” sistema, mas que ele
era o último. Haja vista o fim das ideologias, o prognóstico levado a efeito em
sua tese era a perene continuidade do consenso global em torno das idéias então
hegemônicas.
Com sua renitência o professor Fukuyama perde uma
grande oportunidade para dizer simplesmente que errou. Que a história não
acabou. Que ainda está para nascer “o último homem”. Que estamos longe de saber
o que fazer para vivermos, cada um e ao mesmo tempo todos, de forma digna e
feliz. Ao contrário do que defendeu, nosso futuro não só precisa de mais de
história, como terá.
Emerson Gabardo, Doutor em
Direito do Estado, pós-doutorando na Fordham Law School, Professor de Direito
Administrativo da UFPR e Coordenador Adjunto do Programa de Mestrado e
Doutorado em Direito da PUCPR. (e.gab@uol.com.br)
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto,
16/01/2012
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