CHUTANDO A HISTÓRIA
Carta Maior – 08/12/2012
Ninguém sabe ao certo o que vai predominar em
2012: se a lenta recuperação norte-americana, refletida numa queda de
9,6% para 8,5% do desemprego em 2011, ou o mergulho sem fim do sistema
econômico europeu. O certo é que a busca por chão firme terá no comércio
internacional um espaço de luta cada vez mais impiedoso. O
Brasil que sobreviveu bem à primeira etapa da crise precisa se
preparar para não morrer na praia.
A indústria brasileira acumula um déficit comercial
da ordem de U$S 80 bilhões nos últimos dois anos. Saudada pela ortodoxia
como incentivo à competitividade, a importação desabrida de
manufaturas ajuda a controlar a inflação. Mas tem um custo alto menos
visível: a produção nacional perde força e espaço no seu próprio mercado e
isso acarreta um ônus em emprego e renda preocupante. Em novembro de
2011 --último dado-- o desempenho do setor fabril foi 2,5% inferior ao de igual
mês em 2010. Cadeias industriais estão sendo corroídas pela concorrência
externa, sobretudo a chinesa.
O câmbio é o principal vilão. A enxurrada de
dólares atraída pelo juro alto barateia importações a ponto
de sufocar a manufatura local. Há também defasagem tecnológica.
Mas ela não explica, por exemplo, a asfixia do setor têxtil, que
tem padrão técnico equivalente à ponta internacional. Ou, como lembra
o palmeirense Luiz Gonzaga Belluzzo, não justifica que uma bola de futebol
chinesa seja oferecida aos clubes brasileiros por R$ 1,39 contra o custo
médio local de R$ 35. O Brasil pode ter perdido o tônus nos gramados,
mas sabe fabricar bolas. A ortodoxia e seu dispositivo
midiático criticam tarifas protecionistas e
incentivos transitórios de fomento industrial.
Acredita-se que a sociedade virtuosa brotará da
inundação saneadora de importações e livre fluxo de capitais. Fosse assim
o Brasil pré-Getúlio seria um paraíso. A ignorância deliberada abstrai o
trajeto das suas próprias referências. Reivindica o padrão chinês de
competitividade, mas sem o arcabouço chinês de proteção industrial e cambial,
com juro definido pelo comitê central do PC. Gostaria, talvez, de
pinçar daí as condições desumanas de trabalho.
Fomento à tecnologia, protecionismo,
subsídios, câmbio e juros administrados foram utilizados durante 300
anos pela Inglaterra para montar seu poderio no século XIX; são armas de
guerra econômica largamente acionadas pelos EUA, Japão, China e Coréia do
Sul, cujos governos protestam na OMC quando os emergentes disparam
igual arsenal. Ou, com lembra o economista Ha-Joon Chang, 'chutam a
escada' em que subiram. Faz parte.
O pior são aliados internos que não hesitam em
chutar a história para defender um laissez-faire que nunca teve o
protagonismo que lhe atribuem na riqueza das nações.
Fonte:
Carta Maior, 08/01/2012
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