Uma esquerda à medida do ser humano
A globalização destruiu todas as
instituições sociais. O fundamento dos juízos e da ação se torna apenas moral.
"É preciso se ocupar da vida concreta dos indivíduos", afirma o
sociólogo francês Alain Touraine.
O teorema há muito tempo aceito
segundo o qual o centro da vida social é o sistema econômico, ou seja, a
estreita correspondência das categorias da vida econômica com as da vida
social, não é mais aceitável. A economia se separou da vida social: esse é o
significado mais profundo da globalização. O mundo das instituições sociais,
políticas e jurídicas está ruindo. A construção de juízos sociais não pode mais
ter outros fundamentais senão morais.
Qual é o lugar do trabalho na vida
individual e coletiva: esse é o tema que melhor define o espírito de uma
concepção "moral" da vida social; a união de uma política desse tipo
com a repressão das condições econômicas ilegais transformaria de modo
fundamental a vida social de todos. Seria preciso atribuir muito mais
importância do que atribuímos hoje a todos os problemas que se referem às
minorias de todos os tipos, quer se trate dos muito jovens, quer dos idosos,
quer dos deficientes ou das minorias culturais, linguísticas, sexuais,
religiosas ou outras ainda.
O problema é que estamos acostumados
a ouvir a direita falar a linguagem da moral, e a esquerda, a das relações de
poder e da luta do lucro contra os assalariados. Mas ainda é possível ouvir
esse discurso quando a especulação reina em toda parte e quando vemos a
impossibilidade de reconstruir a economia? E quando, no vazio ou na fraqueza
dos discursos feitos por partidos e governos de esquerda, as vozes que ouvimos
e que representam mais ativamente a esquerda são, ao contrário, cheias de
indignação, de apelos à justiça, de reivindicação do acesso real – e não apenas
legal – à satisfação das necessidades mais fortemente sentidas – não é claro
que os temas "morais" mobilizam mais do que os estritamente
econômicos?
Não existe mais esquerda senão aquela
que toma a palavra ou dela se apodera, como já haviam feito os movimentos
pioneiros dos anos 1960, sobretudo nos Estados Unidos e na França.
Esquerda ou direita são, acima de
tudo, concepções da sociedade, definições do Bem a ser defendido e do Mal a ser
combatido. A esquerda ou a direita também podem ser definidas em nível social
do ponto de vista das categorias sociais às quais pertencem os eleitores ou os
simpatizantes, mas o que está em jogo e a natureza do conflito não podem mais
ser definidos em termos sociais. Não são mais os agricultores pobres ou os
operários da grande indústria que constituem a esquerda. Vemos isso todos os
dias, mais ou menos claramente, dependendo do país que observamos e das
categorias que analisamos.
Mas precisamos identificar as novas
categorias que compartilham a visão recém-evocada. Precisamos localizar nos
principais âmbitos da vida social – produção, distribuição, finanças, educação,
saúde, ocupação do território, política cultural etc. – as escolhas que
permitem colocar a direita e a esquerda e contrapor uma a outra, tarefa imensa,
mas que ao menos é indispensável começar a realizar.
O elemento de definição que vem
primeiro à mente é que a direita pensa em termos de objetos e de relações entre
objetos, e que define os atores por meio das suas situações objetivas. Chama
ainda mais a atenção, portanto, que essa tentativa tenha sido, em um passado já
distante identificado com a esquerda. O que impõe que se rompa com as
ideologias que sobrevivem às realidades históricas que elas tentaram
interpretar. O que define, ao contrário, a esquerda, é que ela pensa e age em
termos de direitos.
O populismo de direita, que lamenta
as deploráveis condições da infância, dos pobres, das mulheres e dos presos,
sempre existiu. Mas o pensamento e a ação só se tornam de esquerda quando o
pensamento se interroga sobre as razões da desigualdade, ou da dependência e da
violência, buscando nas vítimas os possíveis protagonistas de vontade e desejo
de ação.
O setor em que é mais fácil definir a
esquerda é o juízo expresso sobre os direitos e sobre a situação das mulheres;
talvez porque os progressos rumo à paridade entre homens e mulheres são tão
lentos, quando não totalmente ausentes. As nossas sociedades ainda são, nesse
contexto, de direita, em imensa maioria. Se o que melhor define a esquerda é o
juízo sobre a condição da mulher, a direita se define melhor pela importância
atribuída à identidade, que se traduz no medo das minorias, sobretudo as de
recente formação. As políticas da identidade são políticas de direita. O que
não significa que algumas orientações de esquerda não possam se identificar com
um ideal nacional ou religioso, o que é obviamente inegável.
Este é o caminho que é preciso seguir
para dar um conteúdo real às ideias de direita e de esquerda. Só quando um
grande número de indivíduos, de grupos e de organizações se compromete com
decisão em tais tarefas podemos nos preocupar com os problemas de organização
política. Com isso, certamente não se quer defender que devamos recomeçar do
zero, mas sim que a construção de uma tendência política deve acertar as contas
com uma herança de partido que é um obstáculo, mais do que uma ajuda, ao
desenvolvimento de novas ideias, de novas práticas, de novas mobilizações.
A partir nossa reflexão
contemporânea, essas são as interrogações que deveremos continuar nos pondo: em
quais os pontos decisivos a esquerda e a direita se opõem? E quais diferenças
devem existir entre as formas de ação política e das pessoas de direita e das
pessoas de esquerda?
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU | Notícias, 03/01/2012
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