Em busca da autoridade perdida
Na
busca da autoridade perdida, estamos nos deixando guiar pela importância dos
nossos companheiros de viagem. O que também é difícil de definir, mas é
imediatamente perceptível, por exemplo, quando você está cara a cara com Alain
Touraine, estrela de primeira grandeza da sociologia
contemporânea, um imponente octogenário com dois belíssimos olhos azuis e um
rosto adunco, vagamente beckettiano.(*)
"Deixe-me
dizer: falar de desaparecimento da autoridade, sic et simpliciter, é muito
vago e confuso. Em vez disso, é muito mais claro e preciso dizer que
desapareceu aquela autoridade, exercida nas escolas ou nos tribunais, nas
empresas ou na vida política, com base em uma lei absoluta. De natureza
religiosa. Essa lei, que se conforma à palavra de Deus ou à lei natural
entendida como prolongamento da religião, não funciona mais. Portanto, são as
bases transcendentes para autoridade que não têm mais aderência. E isso pela
simples razão de que vivemos em um mundo que já não é mais governado por
princípios absolutos, mas móveis, em transformação: como ocorre na ciência, na
tecnologia, na comunicação".
Entrevista com Alain Touraine
Mas
toda a autoridade, enquanto tal, precisa de um fundamento.
Vivendo em
um mundo regido pelos princípios da secularização, da racionalização, da
laicização, os fundamentos não positivos da autoridade e do poder estão em
processo de desaparecimento. E o que resta no fronte do direito natural é
bastante vago. Poderíamos dizer que, com o ingresso na modernidade, 90% da experiência
humana estão ligados às invenções humanas, enquanto só os restantes 10%
descendem da natureza. E é exatamente por isso que o retorno a uma autoridade
tradicional não faz nenhum sentido.
Com isso,
não subestimo a influência religiosa. Simplesmente observo que caímos
irreversivelmente em um mundo secularizado, fundado na ciência e na técnica. E,
pelo menos em certa medida, na pluralidade das culturas. Portanto, na
impossibilidade de regras morais, e acima de tudo religiosas, válidas para
todos. Os católicos pensam de um modo, os protestantes de outro, os muçulmanos
de outro ainda. Assim, tiramos do meio do caminho o primeiro equívoco: a
nostalgia de um excesso de autoridade, ou pior, de repressão.
Mas autoridade não é sinônimo
de autoritarismo.
Certamente,
mas também é verdade que, na ideia tradicional, sempre há um fundamento
transcendente: de ordem política, religiosa. Ou da filosofia da história, como
no caso do progresso pregado na época soviética.
Restam, no entanto, as
crescentes lacunas da autoridade secularizada e democrática. Basta observar a
política.
Talvez não
os aplicamos com a necessária constância, mas dispomos de dois princípios
fundamentais. O primeiro é a ciência, a razão: não se pode dizer que um litro
de água pesa 50 gramas .
Não se pode dizer isso porque não é verdade. E o princípio racional e
científica tem efeitos imediatos sobre a moral e a política: pense-se na
questão da raça, sobre a qual não faz nem sentido falar, visto que não tem uma
base científica.
O segundo
princípio, e ainda mais importante, que herdamos ao mesmo do cristianismo e do
século das Luzes é o dos direitos humanos fundamentais. Esse é o único e
verdadeiro fundamento da autoridade moderna. Cada um tem o direito de ser um
indivíduo reconhecido como tal, assim como todos os outros. E, nas situações
políticas, econômicas, sociais e educacionais dadas, ele se beneficia, ao mesmo
tempo, com direitos tanto individuais quanto coletivos. A autoridade, portanto,
não deriva mais do alto, mas amadurece embaixo, em cada indivíduo.
Vejamos: nesse esquema, como se
concretiza o exercício da autoridade por parte de um magistrado, de um
professor, de um pai de família.
A
autoridade de cada uma dessas figuras se ligará à sua capacidade de combinar
leis, códigos e normas com os direitos individuais. No mundo do trabalho, por
exemplo, consistirá em combinar as regras gerais da organização com as
condições de aceitabilidade que essas regras tem para quem, individualmente, as
deve colocar em ação depois. Ou, com relação à escola: um professor terá
autoridade na medida em que consiga obter, com a persuasão, o respeito das
regras, até mesmo daqueles que se mostram refratários.
O caso da escola é um dos que é
mais usado como exemplo por aqueles que lamentam uma crise de autoridade.
Sabe-se
que o resultado escolar tem muito a ver com a origem social. Mas algumas
pesquisas sociológicas têm mostrado que a qualidade da relação professor-aluno
é ainda mais importante. Digamos que a origem social influencia em 30%; os
outros 70% referem-se a essa relação. Na minha opinião, um bom professor é o
que consegue se relacionar tanto com a classe, entendida como grupo, quanto com
a soma dos casos individuais singulares. Enquanto que um mau professor é aquele
que se preocupa apenas com a sua própria disciplina: eu sou um professor de
história, de química ou de física, e ponto final. Sim, mas essas diversas
disciplinas devem ser ensinadas em condições dadas.
Ensinar
uma certa matéria a um jovem imigrante que não domina bem a língua do país
anfitrião implica um reconhecimento do seu caso específico, a menos que não se
queria encontrá-lo, 20 depois, em um hospital psiquiátrico. Esse é um caso
típico em que se revelam tanto a diferença entre as culturas, quanto a questão
dos direitos universais. O bom professor, o professor com autoridade, deve ser
capaz de realizar este pequeno milagre: as regras são iguais e comum, mas a
diferença deve ser respeitada, porque cada um tem a sua própria história.
Outro problema ligado ao
desaparecimento da velha autoridade é a relação com o passado: cada vez mais
instável, cada vez mais flébil.
Sou
historiador de formação e, portanto, sou muito sensível a essa questão. Meu
coração sangra quando vejo pessoas que não sabem quem veio antes: Napoleão ou Joana d"Arc. Poder-se-ia dizer que hoje a
história foi substituída pela geografia. Ignora-se cada vez mais o passado,
enquanto, graças à Internet e a deslocamentos cada vez mais frequentes, tem-se
uma familiaridade diferente com o que acontece em escala planetária.
O passado, porém, não é apenas
história pública: também é história privada.
E aqui as
coisas estão indo melhor do que se pensa. Por exemplo, se compararmos a Europa
com os EstadosUnidos. Há um teste muito simples: a
vitalidade dos nossos cemitérios, a relação com os nossos mortos. Talvez haja
um pano de fundo animista, mas, mesmo assim, é um indicativo de relações
fortes, de laços profundos. Neste caso, deveríamos pensar por que o vínculo
entre passado e futuro é muito mais intenso no plano privado do que no público.
A tendência que o senhor vê é
em termos de interiorização da autoridade?
Tudo o que
interioriza a autoridade é positivo; tudo o que a exterioriza é condenável. Um
indivíduo que não reconhece nenhuma autoridade está totalmente desorientado, é
incapaz de distinguir o bem do mal. Mas, como afirmava Arendt justamente,
o que define o ser humano é o direito a ter direitos. E isso corresponde, de
fato, à absoluta interiorização da autoridade.
(*) A reportagem é de Franco Marcoaldi, publicada no jornal La Repubblica, 07-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte:
IHU | Notícias, 13/11/2011
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