O mundo do dinheiro e seus heróis
Até um certo momento os ricos ou escondiam sua
riqueza ou tratavam de passar despercebidos, como se não ficasse bem exibir
riqueza em sociedades pobres e desiguais. Ou até também para escapar da
Receita.
De repente, o mundo neoliberal - esse em que tudo vale
pelo preço que tem, em que tudo tem preço, em que tudo se vende, tudo se compra
– passou a exibir a riqueza como atestado de competência. Nos EUA se deixou de
falar de pobres, para falar de “fracassados”. Numa sociedade que se jacta de
dar oportunidade para todos, numa “sociedade livre, aberta”, quem não deu certo
economicamente, é por incompetência ou por preguiça.
Ser rico é ter dado certo, é demonstrar capacidade
para resolver problemas, ter criatividade, se dar bem na vida, etc., etc. Até
um certo momento as biografias que se publicavam eram de grandes personagens da
historia universal – governantes, lideres populares, gênios musicais,
detentores de grandes saberes. A partir do neoliberalismo as biografias de
maior sucesso passaram as ser as dos milhardários, que supostamente ensinam o
caminho das pedras para os até ali menos afortunados.
Todos dizem que nasceram pobres, subiram na vida
graças à tenacidade, à criatividade, ao trabalho duro, ao espírito de
sacrifício. Tiveram tropeços, mas nao desistiram, leram algum guru de
auto-ajuda que os fez aumentarem sua auto estima, acreditarem mais em si
mesmos, recomeçarem do zero, até chegarem ao sucesso indiscutível.
Seus livros se transformam em best-sellers, vendem
rapidamente – até que vários deles caem em desgraça, porque flagrados em algum
escândalo -, eles viajam o mundo dando entrevistas e vendendo seu saber que, se
fosse seguido por seus leitores, produziria um mundo de ricos e de pessoas
realizadas e felizes como eles.
Quem vai publicar um livro de um “fracassado”? Só
mesmo se fosse para que as pessoas soubessem quais os caminhos errados, aqueles
que não deveriam seguir, se querem ser ricos, bonitos e felizes. O mundo do
trabalho, da fábrica, do sindicato, dos movimentos de bairro, das comunidades –
mundo marginal e marginalizado.
Programas de televisão exaltam os ricos, os bem
sucedidos, as mulheres que exibem sua elegância, sua falta de pudor de gastar
milhões na Daslu e nas viagens a Nova York e a Paris. Ninguém quer ver gente
feia, pobre, desamparada, que só frequenta os noticiários policiais e de
calamidades naturais. As telenovelas tem como cenários os luxuosos apartamentos
da zona sul do Rio e dos jardins de Sáo Paulo, com belas mulheres e homens que
não trabalham, no máximo administram empresas de sucesso. Os pobres giram em
torno deles – empregadas domésticas, entregadores de pizza, donos de botecos -,
sempre como coadjuvantes do mundo dos ricos, que propõem o tipo de vida que as
pessoas deveriam ter, se quiserem ser ricos, bonitos, felizes.
Esse mundo fictício esconde os verdadeiros
mecanismos que geram a riqueza e a pobreza, os meios sociais – os bancos por um
lado, as fábricas por outro – em que se geram a riqueza e a fortuna, a
especulação e a expropriação do trabalho alheio. Em que estão os vilões e os
heróis das nossas sociedades.
Fonte: Carta Maior | Blog do Emir, 03/01/2012
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