Rio+20: os equívocos da economia verde e das tecnologias
“Está claro para a maioria das
pessoas que chamar algo de ‘verde’ não significa que ele de fato o seja”,
declara a pesquisadora do Grupo ETC.
Confira a entrevista.
A economia verde e “seu eixo
central”, a tecnologia, estarão no centro das discussões ambientais a serem
debatidas na Rio+20, em junho deste ano, no Rio de Janeiro. Entretanto, Kathy Jo Wetter, pesquisadora do Grupo ETC,
alerta para a falta de clareza em torno do conceito, e para as apostas nas
soluções tecnológicas. “A ausência de uma definição consensual de ‘economia
verde’ no processo da Rio+20 é estratégico na medida em que
assegura que ela pode significar qualquer coisa – ou nada! (...) Na ausência de
fortes políticas sociais e de novas estruturas de governança, as mesmas
companhias gigantes e transnacionais que controlam a nossa economia atual irão
permanecer no controle de qualquer economia que
possa haver no nosso futuro –
seja qual for a sua cor. O pior cenário é que a economia verde simplesmente
forneça camuflagem para a perpetuação da atual economia gananciosa”, esclarece
em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
As tecnologias, segundo ela, estão
sendo apontadas pelos governos como uma alternativa para sanar os problemas
climáticos e resolver, consequentemente, as questões sociais, especialmente em
relação à fome e à distribuição de alimentos. “Meio século depois do nascimento
do movimento ambiental moderno, todos os problemas sociais parecem exigir não
políticas, mas sim soluções tecnológicas. De acordo com a sabedoria
predominante, o antídoto para a doença é a medicina personalizada (via
genômica); a fome pode ser saciada com a biotecnologia – a resposta ao Pico do Petróleo é a
biologia sintética (isto é, a transformação da biomassa); a cura para Kyoto é a
geoengenharia; a resposta ao “déficit de democracia” é a internet; e o fim da
pobreza há de vir quando os governos adotarem a
economia verde”, ironiza.
Entre as tecnologias testadas pelos
países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE, Kathy destaca
os investimentos na geoengenharia, uma tecnologia que garante a “intervenção
intencional e de larga escala em sistemas planetários com a intenção de afetar
o clima”, explica. Crítica dessa política, a pesquisadora argumenta que a
“geoengenharia permite que os governos que desejam fazer pouco ou nada com
relação às mudanças climáticas finjam que uma ‘solução’ tecnológica significa que eles podem agir
unilateralmente para resfriar o planeta, mantendo estilos de vida
exorbitantes”. E reitera: “A geoengenharia não pode fazer parte de um
desenvolvimento e/ou economia socialmente justos e ecologicamente sustentáveis.
A geoengenharia deveria ser banida completamente pelas Nações Unidas na Rio+20” .
Kathy Jo Wetter é pesquisadora do Grupo ETC, uma organização da sociedade civil
internacional com sede em Ottawa, Canadá. Kathy dedica-se ao estudo das
nanotecnologias, tecnologias convergentes, biologia sintética e concentração
empresarial.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que
significa economia verde? Qual é o princípio desta economia e quem a controla?
Kathy
Jo Wetter – A “economia verde” pode significar, é
claro, coisas muito diferentes, dependendo da sua perspectiva. A ausência de uma definição
consensual de
“economia verde” no processo da Rio +20 é estratégica na medida em que assegura
que ela pode significar qualquer coisa – ou nada!
Embora seja popular nestes dias
afirmar que a "operação padrão" não é uma opção, nossa pesquisa (ao
preparar nosso recente relatório Who Will Control the Green
Economy? (Quem vai controlar a Economia
Verde?)) levou-nos a concluir que, na ausência de fortes
políticas sociais e de novas estruturas de governança, as mesmas companhias
gigantes e transnacionais que controlam a nossa economia atual irão permanecer
no controle de qualquer economia que possa haver no nosso futuro – seja qual
for a sua cor. O pior cenário é que a economia verde simplesmente forneça
camuflagem para a perpetuação da atual economia gananciosa.
No período que antecedeu a Rio+20, a noção de uma “grande transformação tecnológica verde” que possibilite a economia verde está
sendo amplamente promovida como a chave para a sobrevivência do nosso planeta.
A ideia é que iremos substituir a extração de petróleo pela
exploração de biomassa (safras
de alimentos e de fibras, pastos, resíduos florestais, óleos vegetais, algas
etc.). Os propositores preveem um futuro pós-petróleo em que a produção
industrial (de plásticos, de produtos químicos, de combustíveis, de
medicamentos, de energia etc.) dependerá não de combustíveis fósseis, mas
sim de matérias-primas biológicas transformadas através de plataformas de
bioengenharia de alta tecnologia. Muitas das maiores corporações e dos governos
mais poderosos do mundo estão promovendo o uso de novas tecnologias para
transformar a biomassa em produtos de alto valor.
A biologia sintética está
possibilitando a mudança de deslocar genes individuais de uma espécie para
outra (plantações biotecnológicas ou geneticamente modificadas, por exemplo)
para a construção de DNA artificial e a incorporação de DNA em células para
criar algas e micróbios únicos, que são capazes de converter quase qualquer
biomassa em quase qualquer bioproduto. Com bilhões de dólares de investimentos
públicos e privados ao longo dos últimos anos (incluindo das maiores companhias
de energia e produtos químicos do mundo), a biologia sintética vê a
biodiversidade da natureza como biomassa, que pode ser convertida por micróbios
sintéticos em combustíveis, produtos químicos, plásticos, fibras, produtos
farmacêuticos ou até mesmo alimentos – dependendo da demanda do mercado na
época da colheita.
Os maiores celeiros de biomassa
terrestre e aquática estão localizados no Sul global e estão protegidos
principalmente por camponeses, cuidadores de animais, pescadores e moradores
das florestas cujos meios de vida dependem deles. A “economia verde” biobaseada poderia estimular uma
convergência do poder corporativo ainda maior e desencadear a posse de recursos
mais massivos em mais de 500 anos.
IHU On-Line – Por que a
economia verde está em destaque nos debates sobre sustentabilidade?
Kathy Jo Wetter – Porque a orientação da maioria dos governos, liderados pelos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, deslocou-se fortemente em favor de
mecanismos baseados no mercado como uma forma de provocar todo resultado
desejado – por exemplo, reduções de gases do efeito estufa, proteção da
biodiversidade e, agora, desenvolvimento sustentável – apesar dos óbvios
fracassos desses mecanismos nestes e em outros contextos.
O papel da tecnologia na economia
verde é central aqui: meio século depois do nascimento do movimento
ambiental moderno, todos os problemas sociais parecem exigir não políticas, mas
sim soluções tecnológicas. De acordo com a sabedoria predominante, o antídoto
para a doença é a medicina personalizada (via genômica); a fome pode ser
saciada com a biotecnologia – a
resposta ao Pico do Petróleo é a biologia sintética (isto é, a transformação da
biomassa); a cura para Kyoto é a geoengenharia; a resposta ao “déficit de
democracia” é a internet; e o fim da pobreza há de vir quando os governos
adotarem a economia verde.
Assim como na Cúpula da Terra no Rio em 1992, a tecnologia também será
importante na Rio+20. Na luta pelo acesso, alguns governos não
estão questionando se as tecnologias que eles querem são seguras, úteis, em
última análise, ou trazem amarras consigo.
IHU On-Line – A economia
verde dialoga com as políticas sociais?
Kathy Jo Wetter – Não até agora. No ETC Group, costumamos dizer que, se a
“operação padrão” não é uma opção, a “governança padrão” também não. Novos
modelos de economia mais sociais e ecologicamente sustentáveis são necessários
para salvaguardar a integridade dos sistemas planetários para a nossa e para as
futuras gerações. Mecanismos antitruste de autoridade e inovadores (que
atualmente não existem) devem ser criados para reter o poder corporativo.
Legisladores internacionais devem superar a atual desconexão entre segurança
alimentar, agricultura e política climática – especialmente apoiando a
soberania alimentar como o marco global para abordar essas questões. Todas as
negociações devem ser moldadas pela forte participação dos movimentos sociais e
da sociedade civil.
IHU On-Line – Que
características deveriam fazer parte de uma economia sustentável?
Kathy Jo Wetter – Além das políticas mencionadas na resposta anterior, os governos
devem apoiar economias verdes diversificadas, centradas no local, sendo social,
cultural e ecologicamente apropriadas e justase que estejam baseadas no uso
adequado da biodiversidade para ir ao encontro das necessidades humanas e
salvaguardar os sistemas planetários.
IHU On-Line – A economia
verde será um dos temas centrais das discussões da Rio+20 no próximo ano. Como
vê esta discussão em uma conferência para o desenvolvimento sustentável?
Kathy Jo Wetter – A discussão não é surpreendente, dada a atual orientação dos
governos aos mercados, o posicionamento das corporações transnacionais para
permanecer no assento do motorista e a falta de precisão no próprio conceito de
economia verde. No entanto, está claro para a maioria das pessoas que chamar algo de “verde”
não significa que ele de fato o seja, e que devemos pressionar
por resultados concretos na Rio+20, resultados que nos levem na direção do
desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line – Que
avaliação você faz da COP-17, que aconteceu em Durban? O que os acordos
políticos desta conferência demonstram sobre a preocupação mundial com as
mudanças climáticas?
Kathy Jo Wetter – Tanto o processo confuso como o instrumento legal sem força
escolhido para substituir o Protocolo de Kyoto em 2020 não são necessariamente sinais
de que os governos mundiais não estão preocupados com as mudanças climáticas.
Em nossa opinião, eles poderiam sinalizar algo ainda mais preocupante: ao não
fazer nada de construtivo com relação às mudanças climáticas, os governos estão,
com efeito, lançando as bases para uma “emergência climática” que
providenciaria a sua justificação para a implantação de tecnologias de
geoengenharia.
A geoengenharia é a intervenção
intencional e de larga escala em sistemas planetários com a intenção de afetar
o clima, e diversos governos da OCDE estão explorando as opções da
geoengenharia. A geoengenharia permite que os governos que desejam fazer pouco
ou nada com relação às mudanças climáticas finjam que uma “solução” tecnológica
significa que eles podem agir unilateralmente (sem um acordo multilateral) para
resfriar o planeta, mantendo estilos de vida exorbitantes. A geoengenharia,
para esses governos, poderia ser politicamente popular dentro de casa e
permitir-lhes economizar dinheiro no exterior. A geoengenharia está sendo
proposta agora como uma solução rápida para as nossas outras crises ecológicas,
como a acidificação dos oceanos, o nitrogênio e os desequilíbrios no ciclo da
água. A geoengenharia não pode fazer parte de um desenvolvimento e/ou economia
socialmente justos e ecologicamente sustentáveis. A geoengenharia deveria ser
banida completamente pelas Nações Unidas na Rio+20.
IHU On-Line – Qual sua
expectativa para a Rio+20, dez anos depois da Eco-92? Que temas são urgentes
neste encontro?
Kathy Jo Wetter – A nossa expectativa não é alta, e a divulgação nesta semana do primeiro esboço “zero” do
documento final da Rio+20 fizeram
pouco para aumentar a nossa expectativa. No entanto, nenhum de nós pode se dar
o luxo de descartar a Rio+20 como uma causa perdida neste momento. Em nossa
opinião, a questão candente é a tecnologia – incluindo a sua propriedade e o
seu controle –, porque a ela é amplamente vista como o eixo central da economia
verde. A Rio+20 deve rever os compromissos assumidos na primeira Cúpula do Rio, incluindo os capítulos 34 e 35 da Agenda 21, que convocam os governos a adotar
iniciativas de análise de tecnologia globais e nacionais. Nesses anos, desde a
Rio-92, a
capacidade dos governos e da comunidade internacional de realizar a análise e a
avaliação de tecnologia diminuiu. Imediatamente depois da Rio-92, a capacidade da Comissão
de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento das Nações Unidas – UNCSTD foi
drasticamente reduzida, e a Comissão de Empresas Transnacionais das Nações
Unidas – UNCTC, que monitorava as principais indústrias que desenvolvem novas
tecnologias, foi eliminada totalmente.
O colapso na capacidade dos governos
de analisar novas tecnologias – incluindo seus impactos socioeconômicos –
ocorreu exatamente enquanto o mundo experimentava a mais rápida – e mais ampla
– expansão de novas tecnologias da história. A preocupação pública pela
segurança das novas tecnologias e a falta de confiança na capacidade dos
governos de proteger seus interesses aumentaram com a descoberta, primeiro, da
doença da “vaca louca”, depois, pela febre aftosa (principalmente nos países
industrializados) e, mais tarde, pela rápida expansão de plantações
geneticamente modificadas.
O sistema multilateral das Nações
Unidas não tem capacidade confiável para avaliar as tecnologias ou para
aconselhar os governos. Diversos países experimentam condições de saúde,
ambientais e socioeconômicas extraordinariamente diferentes dentro das quais as
tecnologias operam. Tendo em conta isso, há uma necessidade urgente de um
monitoramento e de
uma capacidade de compartilhar informações nacionais e globais que incluam a
sociedade civil – especialmente aquelas comunidades indígenas e locais que
possam ser direta ou indiretamente afetadas pela utilização de tecnologias.
A importância da
agricultura e,
dentro disso, a importância dos pequenos produtores – e a melhor forma de
apoiá-los – também são uma questão candente para a Rio+20. De acordo com um
relatório da Unep (intitulado Rumo a uma Economia Verde:
Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza),
há 525 milhões de pequenos agricultores, dos quais 404 milhões têm menos de
dois hectares. Os pequenos agricultores não apenas são responsáveis por pelo
menos 70% da produção agrícola global, mas suas ações coletivas também
representam a nossa maior esperança para adaptar e mitigar a crise climática.
Os legisladores internacionais devem superar a atual desconexão entre segurança
alimentar, agricultura e políticas climáticas, especialmente apoiando a
Soberania Alimentar como o marco global para abordar essas questões. (Em
contraste ao atual sistema agroindustrial, que permite que regimes de comércio
e forças de mercado internacionais ditem as políticas alimentares e agrícolas,
a soberania alimentar implica os direitos das nações e dos povos de determinar
democraticamente as suas próprias políticas alimentares e agrícolas.)
(Por Patricia
Fachin. Tradução de Moisés Sbardelotto)
Fonte: IHU | Entrevistas, 16/01/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário