Programado para morrer
por Tatiana de Mello Dias
A
obsolescência programada reduz a durabilidade de produtos para estimular o
consumo, mas um documentário vem mostrar o lado sombrio desta prática raramente
admitida pela indústria
Cenas do
fim. O filme foi
lançado em 2010. Cosima está nos EUA apresentando-o
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SÃO PAULO – A
cineasta Cosima Dannoritzer usa o mesmo celular há 13 anos. “Ele nem tira
fotos, mas eu tenho uma câmera para isso”, diz. Depois de ouvir lendas urbanas
sobre obsolescência programada – a prática da indústria de determinar uma vida
útil curta em seus produtos para vender mais –, ela decidiu investigar o tema.
E a realidade se tornou ainda mais estranha para ela.
Em seu
documentário, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada, em inglês),
Cosima mostra que a indústria tem práticas escusas para determinar a validade
dos seus produtos. E isso ocorre especialmente na indústria da tecnologia.
O caso da
primeira geração do iPod é emblemático. Casey Neistat, um artista de Nova York,
pagou US$ 500 por um iPod cuja bateria parou de funcionar 8 meses depois. Ele reclamou.
A resposta da Apple foi “vale mais a pena comprar um iPod novo”. O caso virou
uma ação de rua nos cartazes publicitários da Apple, retratada no vídeo iPod’s
Dirty Secret. O filme foi visto por Elizabeth Pritzker, uma advogada de São
Francisco. Ela entrou com uma ação coletiva em nome dos consumidores – naquela
altura, a Apple já havia vendido três milhões de iPods pelos EUA.
No caso do
primeiro iPod, a empresa fez um acordo com os consumidores. Elaborou um
programa de substituição das baterias e estendeu a garantia dos iPods por US$ 59. A Apple disse ao Link que
“a vida útil dos produtos varia muito com o seu uso”.
“Eu acredito
que o desenvolvimento do iPod foi intencionalmente uma obsolescência
programada”, diz a advogada no documentário.
De diretora,
Cosima abraçou a causa e virou ativista contra o consumismo. “Na indústria da
tecnologia, muitos consumidores estão sempre procurando pela última versão,
para ter novas funções, mas também para seguir a moda”, afirma. “Muitas formas
de obsolescência programada estão juntas. Na forma tecnológica pura, mas também
na forma psicológica em que um consumidor voluntariamente substitui algo que
ainda funciona só porque quer ter o último modelo.”
Uma dessas
travas eletrônicas é a que está em impressoras a jato de tinta. No filme, um
rapaz vai à assistência para consertar sua impressora. Os técnicos dizem que
não há conserto. O rapaz então procura pela web maneiras de resolver o
problema. Ele descobre um chip, chamado Eeprom, que determina a duração do
produto. Quando um determinado número de páginas impressas é atingido, a
impressora trava.
A Epson nega.
A assessoria de imprensa afirma que não há nenhum prazo para seus produtos.
“Rejeitamos totalmente a afirmação de que eles são fabricados para apresentar
defeitos depois de algum tempo”, disse. “A almofada de tinta e o Eeprom
mencionados no programa são instalados para manter a alta qualidade da
impressora e não para controlar a vida útil do produto.”
Crescimento. A prática, porém, não é de agora. A história da
obsolescência programada confunde-se com a história da indústria no século 20.
E tudo começou com lâmpadas.
Na década de
1920, um cartel que reunia fabricantes de todo o mundo decidiu que as lâmpadas
teriam uma validade: 1.000 horas (embora a tecnologia da época já pudesse
produzir lâmpadas mais duráveis, e uma lâmpada de 100 anos que ainda permanece
acesa é citada logo no início do documentário). Assim, as empresas conseguiriam
garantir que sempre haveria consumidores para seus produtos.
Com a crise
de 1929 o consumo caiu. E a obsolescência programada se consolidou como uma
estratégia da indústria para retomar o crescimento.
O economista Bernard London foi o primeiro a teorizar sobre a prática. Em 1932, publicou o livro The New Prosperity. O primeiro capítulo deixa claro: “Acabando com a depressão através da obsolescência programada”. Ele sugere que, se as pessoas continuassem comprando, a indústria continuaria crescendo e todos teriam emprego.
Em teoria,
diz Cosima, não há nada de errado na obsolescência programada. “Nós não
queremos um computador com 20 anos de idade”, exemplifica. “Mas a vida útil dos
produtos está se tornando mais curta e não dá para atualizar nada sem jogar o
objeto inteiro no lixo”, diz a cineasta.
E é aí que
vem a conta. Cosima visitou lixões em Gana, na África, para chegar o final da
cadeia produtiva dos eletrônicos de consumo rápido. Viu pessoas serem
exploradas em busca dos metais valiosos dos produtos.
“Se eu uso
meu celular por dois anos em vez de um, não é um grande sacrifício, mas se
todos fizerem isso, significaria que apenas metade dos celulares em desuso
seriam enviados para lixões ilegais.”
Para a
diretora, a crise mundial mais uma vez pode refletir no comportamento da
indústria. Só que, desta vez, ao contrário. Na Consumer Eletronics Show, a CES,
maior feira de tecnologia dos EUA, que ocorreu no início do ano, a pirotecnia
de lançamentos de aparelhos dividiu espaço com outra tendência: a durabilidade
dos produtos. Passou quase despercebido, mas algumas empresas já estão partindo
para a “desobsolescência programada”, como escreveu Lance Ulanoff, editor-chefe
do site de tecnologia Mashable.
Programado. Chip
EEPROM, encontrado dentro das impressoras
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Ele cita as
smart TVs “à prova de futuro” da Samsung, que têm um kit para se manterem
atualizadas. “Claramente a Samsung descobriu que os consumidores não estão tão
interessados em TVs de alta definição que ficam desatualizadas ou saem de moda
em poucos anos de uso”, escreveu. Ele também falou do Motorola Droid Razr Max,
smartphone Android, cuja bateria roda até 15 horas de vídeo com uma carga.
“Há empresas
que estão vendendo produtos mais duráveis convencendo seus consumidores de que
isso é um bom investimento”, diz Cosima. Ela cita no documentário as lâmpadas
ultra-duráveis da Philips que ficam acesas por até 25 mil horas. Segundo a assessoria
da Philips, os produtos verdes representaram 31% do total das vendas da
companhia. Foram mais de 800 lançamentos nessa área nos últimos dois anos.
“A
obsolescência programada sempre faz sentido enquanto você pensa em como manter
o crescimento da indústria e a criação de empregos a curto prazo”, diz Cosima.
“O problema é a longo prazo. Estamos usando nossos recursos naturais e criando
montanhas de lixo. A obsolescência programada funcionou bem no passado, mas
estamos começando a ver as consequências. É um sistema que não pode ser usado
para sempre.”
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