quinta-feira, março 17, 2011

a eletricidade do futuro será mais verde

O QUE ACONTECE SEM A ENERGIA NUCLEAR?
O mundo aposta nos possíveis substitutos do átomo. As fontes renováveis competem com as centrais em termos de custo. A eletricidade do futuro será mais verde, mas não mais barata.
por Maurizio Ricci - La Reppublica
E agora? Se o pós-Fukushima, assim como o pós-Chernobyl, inaugurasse uma segunda era pós-nuclear, o mundo estaria destinado a uma paralisia, além disso escura, fria e intoxicada por petróleo e carvão?
Na realidade, embora muitos defendam que o átomo é uma escolha conveniente, ninguém jamais disse que se trata de um caminho obrigatório. A cota da energia nuclear na oferta de energia mundial está relativamente contida. Hoje está em 16%. Na Itália, se a Enel[maior operadora de eletricidade do país] realizasse as quatro centrais que tem programada, passaríamos de zero para 12-13%. Mas, no mundo, de acordo com a maior parte das previsões, antes de Fukushima, a cota do átomo devia permanecer mais ou menos em 16%, a não ser que houvesse uma drástica reviravolta na luta contra o efeito estufa.
Outras energias
E o "renascimento nuclear" do qual se fala já há tanto tempo? Em grande medida, consiste, mais do que no alargamento do número total das centrais, na substituição das velhas instalações, construídos nos anos 60 e 70. A história da energia dos próximos anos, dizem também as companhias petrolíferas, será o boom das fontes renováveis. Painéis e turbinas já não são mais brinquedos, mas constituem megainstalações, capazes de rivalizar, em termos de eletricidade fornecida, com as centrais tradicionais.
Um gigante do petróleo como a BP prevê que, em 2030, a cota das renováveis, na oferta de energia, será igual à da nuclear. Porém, esse montante da energia mundial, hoje fornecido pelo átomo, é uma massa conspícua, e substituí-lo não parece ser simples. Ao contrário, nos últimos meses, acumularam-se estudos e relatórios que indicam o objetivo de uma energia, toda (ou quase toda) renovável, excluindo também a nuclear, como perfeitamente possível, sem interferir no nosso modo de vida. A afirmação é de ambientalistas como WWF e Greenpeace, mas também de sérios e reconhecidos institutos como o McKinsey, uma das maiores sociedades de consultoria do mundo.
O defeito desses relatórios é que colocam o objetivo para 2050, um pouco longe demais dos problemas de hoje. O problema, porém, não é técnico. Embora saltos tecnológicos (como a introdução das películas no lugar dos custosos painéis fotovoltaicos, ou de espelhos planos, ao invés de côncavos, nas centrais termossolares) dariam um novo estímulo às energias alternativas, esses relatórios fazem as suas contas com base na técnica atual. As escolhas decisivas são, principalmente, políticas e, portanto, poderiam ser aceleradas. Além disso, para ter eletricidade nuclear na Itália também teríamos que esperar até 2025-2030.
De quais renováveis estamos falando? Os experimentos em curso são múltiplos: ondas, marés, correntes, calor da terra, salinidade do mar. De fato, as tecnologias consolidadas são três: a solar (nas duas formas dos painéis fotovoltaicos e das centrais de concentração, que produzem vapor com o calor do sol) e a eólica.
Todas as três devem o seu desenvolvimento aos incentivos públicos. Mas também a energia nuclear (sob a forma de garantias nos empréstimos ou de preços garantidos), e, em muitos países, os próprios combustíveis fósseis gozam de facilidades de vários títulos: as polêmicas entre os dois alinhamentos com relação às respectivas ajudas públicas alcançam periodicamente graus elevadíssimos. Em todo o caso, uma gigantesca conversão de gás, carvão, petróleo e energia nuclear ao sol e ao vento não seria nada gratuita. O Energy Report da WWF calcula um gasto de um trilhão de euros por ano. Parecem ser mais do que são na realidade. Uma boa parte desse dinheiro deveria ir para a melhoria da eficiência no uso da energia. Particularmente, para realizar o isolamento térmico dos edifícios que, provavelmente, deveriam ser construídos. E a maior parte do restante para construir centrais que, também elas, deveriam ser construídas, tradicionais ou não.
Grande parte do parque de instalações, pelo menos no Ocidente, é constituído pelas centrais, de carvão ou nucleares, construídas nas primeiras décadas do pós-guerra, que estão alcançando o fim da vida ativa. Desse ponto de vista, as decisões que forem tomadas nos próximos três a cinco anos sobre o tipo de centrais a serem construídas (tradicionais, nucleares, alternativas) serão determinantes para o estabelecimento do futuro da energia mundial.
Custos
No debate, será determinante o problema dos custos. A gigantesca extensão de turbinas a vento, que o governo de Londres conta instalar ao longo das costas inglesas, tem um custo mais ou menos igual ao de centrais nucleares de potência semelhante. O motivo não é que as turbinas custam tanto quanto os reatores. Mas sim que uma central atômica produz energia 24 horas por dia, sete dias por semana, enquanto uma central eólica fornece energia, em média, durante um terço do tempo possível: depende do vento que há.
A volatilidade das provisões é, hoje, o maior obstáculo ao desenvolvimento das energias alternativas. As companhias elétricas têm dificuldade para abrir suas próprias redes a uma cota superior a 20-30% de renováveis, porque não têm certeza que teriam essa energia se dela precisassem. A taxa de incerteza está se reduzindo, na realidade. Hoje, as previsões meteorológicas permitem acertar, com 1.836 horas de antecipação, a situação do sol e do vento. Os desenvolvimentos técnicos, no caso das centrais solares de concentração, permitem, além disso, armazenar energia por sempre mais tempo, mesmo depois do pôr do sol. Mas, enquanto houver baterias a serem carregadas, quando houver muita energia de vento ou de sol, quando houver pouca, as fontes alternativas pareceriam destinadas a acrescentar sua própria eletricidade às fontes tradicionais ao invés de a substituí-las.
A menos que, como nos relatórios que circularam nestes meses, pense-se ainda maior. No fundo, se não há vento ou sol aqui, há provavelmente duas baías mais além. Ou na África ou na Escandinávia. O Desertec é um gigantesco projeto que prevê a união da eletricidade produzida por centrais solares na África e eólicas no Norte da Europa e distribuí-la, depois, em todo o continente. E também a ideia da Super-Rede, um pool europeu de energia para intercambiar as provisões das diversas energias alternativas. Mas é possível pensar também em um nível menor, contanto que se aceite algum compromisso. Quem fez isso foram ambientalistas pragmáticos, como os da Worldwatch. Segundo o seu presidente, Christopher Flavin, a verdadeira ponte para um futuro da energia totalmente de fontes alternativas é um combustível fóssil: o metano.
O gás, ao contrário da energia nuclear, produz gás carbônico – e, portanto, efeito estufa – embora em uma medida inferior do que o carvão e o petróleo. Nos últimos anos, uma série de modificações nas técnicas de extração o tornaram, surpreendentemente, econômico e abundante. Flavin destaca que uma central de gás custa cerca de um décimo da instalação nuclear equivalente. Pode ser de dimensões reduzidas. Principalmente, ao contrário de uma nuclear atômica, que deve estar permanentemente em funcionamento, possivelmente no máximo da capacidade, ela pode ser facilmente desligada, ligada ou atuar em um regime menor. O complemento perfeito, segundo Flavin, para uma central eólica ou solar, às quais se somaria, fornecendo energia nos momentos de queda da produção.
Nada de tudo isso, juram os autores dos relatórios sobre o futuro das fontes alternativas, incidirá sobre o nosso modo de vida.
De resto, ainda hoje, se reestruturarmos nossas casas, teremos que montar janelas isolantes. E, com a tarifa bi-horária [taxas diferenciadas da energia, dependendo do horário do consumo], é conveniente ligar a lavadora de noite ou no final de semana, quando a demanda de eletricidade é mais baixa.
Os relatórios, entretanto, estão menos dispostos a abordar o tamanho das contas a serem pagas. Mas, com ou sem a energia nuclear, é difícil não pensar que as contas irão aumentar: a era da energia de baixo custo, no futuro previsível, acabou.
Reportagem publicada no jornal La Reppublica, 16-03-2011.
Tradução: Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU, 17/3/2011

quarta-feira, março 16, 2011

a progressiva cegueira da civilização humana

TRAGÉDIAS NATURAIS EXPÕEM PERDA DA NOÇÃO DE LIMITE

Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido, se comparamos com o tipo de debate gerado pelo terremoto de Lisboa, no século XVIII, que envolveu alguns dos principais pensadores da época. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de riscos, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas, construindo inclusive usinas nucleares nestas áreas. A idéia de limite se perdeu e a maioria das pessoas não parece muito preocupada com isso. 
por Marco Aurélio Weissheimer

No dia 1° de novembro de 1755, Lisboa foi devastada por um terremoto seguido de um tsunami. A partir de estudos geológicos e arqueológicos, estima-se hoje que o sismo atingiu 9 graus na escala Richter e as ondas do tsunami chegaram a 20 metros de altura. De uma população de 275 mil habitantes, calcula-se que cerca de 20 mil morreram (há estimativas que falam em até 50 mil mortos). Além de atingir grande parte do litoral do Algarve, o terremoto e o tsunami também atingiram o norte da África. Apesar da precariedade dos meios de comunicação de então, a tragédia teve um grande impacto na Europa e foi objeto de reflexão por pensadores como Kant, Rousseau, Goethe e Voltaire. A sociedade europeia vivia então o florescimento do Iluminismo, da Revolução Industrial e do Capitalismo. Havia uma atmosfera de grande confiança nas possibilidades da razão e do progresso científico.

No Poème sur le desastre de Lisbonne, (“Poema sobre o desastre de Lisboa”), Voltaire satiriza a ideia de Leibniz, segundo a qual este seria “o melhor dos mundos possíveis”. “O terremoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia de Leibniz”, ironizou Theodor Adorno. “Filósofos iludidos que gritam, ‘Tudo está bem’, apressados, contemplam estas ruínas tremendas” – escreveu Voltaire, acrescentando: “Que crimes cometeram estas crianças, esmagadas e ensanguentadas no colo de suas mães?” 
Rousseau não gostou da leitura de Voltaire e responsabilizou a ação do homem que estaria “corrompendo a harmonia da criação”. "Há que convir... que a natureza não reuniu em Lisboa 20.000 casas de seis ou sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade se tivessem dispersado mais uniformemente e construído de modo mais ligeiro, os estragos teriam sido muito menores, talvez nulos", escreveu.
Já Kant procurou entender o fenômeno e suas causas no domínio da ordem natural. O terremoto de Lisboa, entre outras coisas, acabará inspirando seus estudos sobre a ideia do sublime. Para Kant, “o Homem ao tentar compreender a enormidade das grandes catástrofes, confronta-se com a Natureza numa escala de dimensão e força transumanas que embora tome mais evidente a sua fragilidade física, fortifica a consciência da superioridade do seu espírito face à Natureza, mesmo quando esta o ameaça”. 
A tragédia que se abateu sobre Lisboa, portanto, para além das perdas humanas, materiais e econômicas, impactou a imaginação do seu tempo e inspirou reflexões sobre a relação do homem com a natureza e sobre o estado do mundo na época. Uma época, cabe lembrar, onde os meios de comunicação resumiam-se basicamente a algumas poucas, e caras, publicações impressas, e à transmissão oral de informações, versões e opiniões sobre os acontecimentos. Nas catástrofes atuais, parece que vivemos um paradoxo: se, por um lado, temos um desenvolvimento vertiginoso dos meios de comunicação, por outro, a qualidade da reflexão sobre tais acontecimentos parece ter empobrecido, se comparamos com o tipo de debate gerado pelo terremoto de Lisboa.
A espetacularização das tragédias e a perda da noção de limite
Em maio de 2010, em uma entrevista à revista Adverso (da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o geólogo Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituo de Geociências da UFRGS, criticou o modo como a mídia cobre, de modo geral, esse tipo de fenômeno.
“Ela espetaculariza essas tragédias de uma maneira que não ajuda as pessoas entenderem que há uma manifestação das forças naturais aí e que nós precisamos saber nos precaver. A maneira como a grande imprensa trata estes acontecimentos (como vulcões, terremotos e enchentes), ao invés de provocar uma reflexão sobre o nosso lugar na natureza, traz apenas as imagens de algo que veio interromper o que não poderia ser interrompido, a saber, a nossa rotina urbana. Essa percepção de que nosso dia a dia não pode ser interrompido pelas manifestação das forças naturais está ligada à ideia de que somos sobrenaturais, de que estamos para além da natureza”.
Para Menegat, uma das principais lacunas nestas coberturas é a ausência de uma reflexão sobre a ideia de limite. É bem conhecida a imagem medieval de uma Terra plana, cujos mares acabariam em um abismo. Como ficou provado mais tarde, a imagem estava errada, mas ela trazia uma noção de limite que acabou se perdendo. “Embora a imagem estivesse errada na sua forma, ela estava correta no seu conteúdo. Nós temos limites evidentes de ocupação no planeta Terra. Não podemos ocupar o fundo dos mares, não podemos ocupar arcos vulcânicos, não podemos ocupar de forma intensiva bordas de placas tectônicas ativas, como o Japão, o Chile, a borda andina, a borda do oeste americano, como Anatólia, na Turquia”, observa o geólogo.
Não podemos, mas ocupamos, de maneira cada vez mais destemida. O que está acontecendo agora com as usinas nucleares japonesas atingidas pelo grande terremoto do dia 11 de março é mais um alarmante indicativo do tipo de tragédia que pode atingir o mundo globalmente. O que esses eventos nos mostram, enfatiza Menegat, é a progressiva cegueira da civilização humana contemporânea em relação à natureza. A humanidade está bordejando todos os limites perigosos do planeta Terra e se aproxima cada vez mais de áreas de riscos, como bordas de vulcões e regiões altamente sísmicas. “Estamos ocupando locais que, há 50 anos atrás, não ocupávamos. Como as nossas cidades estão ficando gigantes e cegas, elas não enxergam o tamanho do precipício, a proporção do perigo desses locais que elas ocupam”, diz ainda o geólogo, que resume assim a natureza do problema:
"Estamos falando de 6 bilhões e 700 milhões de habitantes, dos quais mais da metade, cerca de 3,7 bilhões, vive em cidades. Isso aumenta a percepção da tragédia como algo assustador. Como as nossas cidades estão ficando muito gigantes e as pessoas estão cegas, elas não se dão conta do tamanho do precipício e do tamanho do perigo desses locais onde estão instaladas. Isso faz também com que tenhamos uma visão dessas catástrofes como algo surpreendente". 
A fúria da lógica contra a irracionalidade
Como disse Rousseau, no século XVIII, não foi a natureza que reuniu, em Lisboa, 20.000 casas de seis ou sete andares. Diante de tragédias como a que vemos agora no Japão, não faltam aqueles que falam em “fúria da natureza” ou, pior, “vingança da natureza”. Se há alguma vingança se manifestando neste tipo de evento catastrófico, é a da lógica contra a irracionalidade. Como diz Menegat, a Terra e a natureza não são prioridades para a sociedade contemporânea. Propagandas de bancos, operadoras de cartões de crédito e empresas telefônicas fazem a apologia do mundo sem limites e sem fronteiras, do consumidor que pode tudo. 
As reflexões de Kant sobre o terremoto de Lisboa não são, é claro, o carro-chefe de sua obra. A maior contribuição do filósofo alemão ao pensamento humano foi impor uma espécie de regra de finitude ao conhecimento humano: somos seres corporais, cuja possibilidade de conhecimento se dá em limites espaço-temporais. Esses limites estabelecidos por Kant na Crítica da Razão Pura não diminuem em nada a razão humana. Pelo contrário, a engrandecem ao livrá-la de tentações megalomaníacas que sonham em levar o pensamento humano a alturas irrespiráveis. Assim como a razão, o mundo tem limites. Pensar o contrário e conceber um mundo ilimitado, onde podemos tudo, é alimentar uma espécie de metafísica da destruição que parece estar bem assentada no planeta. Feliz ou infelizmente, a natureza está aí sempre pronta a nos despertar deste sono dogmático.
Fonte: Carta Maior | Meio Ambiente, 12/03/2011

todo acidente nuclear é um desastre mundial

De Chernobyl até hoje, a tecnologia melhorou, mas os riscos continuam

As instalações nucleares são seguras? Pode-se responder a essa pergunta de dois modos: com uma análise técnica ou com um simples teste psicológico. Tomemos o teste. Dizem-lhe que uma refinaria explodiu a 40 quilômetros de casa. Você estende um doloroso pensamento às dezenas de vítimas da bola de fogo e volta para se ocupar com os seus afazeres. Dizem-lhe, ao contrário, que explodiu uma central nuclear do outro lado do mundo, no Japão. Você se apressa para fechar as janelas e retira leite e verduras da despensa.
por Maurizo Ricci - La Repubblica, 13-01-2011.
Existem 400 centrais nucleares no mundo, e o número de acidentes relatados é baixo. Mas, embora improvável, o risco, como se viu no Japão, existe. E, se o improvável acidente se verifica, as consequências são enormes: potencialmente, todo acidente nuclear é um desastre mundial, que coloca em perigo qualquer ser vivo e cujos efeitos se prolongam – como em Chernobyl – por décadas.
Quanto mais um reator é novo e moderno, mais é seguro, asseguram os técnicos. Na realidade, os progressos no campo da segurança referem-se sobretudo à introdução de um interruptor automático, que interrompe a fissão quando criam-se situações de perigo. Mas nem isso, no entanto, foi conquistado: os trabalhos de construção das centrais de Olkiluoto e Flamanville (onde funcionaram reatores idênticos aos previstos para a Itália) foram bloqueados pelas autoridades de vigilância, justamente por dúvidas sobre a eficiência do software que constitui o interruptor.
Em todo o caso, o problema japonês, em Fukushima, não se refere ao reator e ao seu apagamento. Não conta que se tratem de reatores de água leve, embora pressurizada (como os que serão importados da França para a Itália), nem que o reator japonês já tenha 40 anos. O reator parou disciplinadamente. O problema é que, depois, porém, é preciso esfriá-lo rapidamente. O drama japonês está aqui. É um problema de tubos, bombas, torneiras. Velhas tecnologias com um forte componente humano.
No incidente de Fukushima, há uma inquietante concatenação de casualidades, banais e nada remotas. O terremoto interrompeu a eletricidade: é preciso bombear água para esfriar as barras. Mas o motor a diesel da bomba de emergência se bloqueia. Enquanto isso, as barras de urânio continuam aquecendo-se, aproximando-se perigosamente do nível de mais de 500 graus, quando correm o risco de começar a se fundir e escoar para baixo. E a temperatura faz explodir (provavelmente) um dos tubos que levam a água, fazendo ruir o teto do edifício. O que explodiu exatamente?
“Explodiu o reservatório do reator”, explica Paddy Regan, físico nuclear inglês. “É fundamentalmente o que aconteceu em Chernobyl, e o vazamento de radioatividade é enorme”. Se, ao contrário, o dano está limitado à estrutura externa, “enquanto o reservatório interno de aço permanecer intacto – diz Robin Grimes, professor do Imperial College de Londres – a maior parte das radiações será contida”. Mas há uma terceira e angustiante possibilidade, que até agora jamais ocorreu: que o terremoto ou a explosão tenham danificado o pavimento do reservatório do reator e que o combustível fundido se propague pelo terreno, onde se tornaria impossível contê-lo ou recuperá-lo.
Mais do que Chernobyl, portanto, Fukushima lembraria Three Mile Island (zero vítimas). Mas o incidente revela quanto os eventos externos e incontroláveis podem ser determinantes. Em uma visita à central de Olkiluoto, na Finlândia, o diretor dos trabalhos, Martin Landtman, disse que o reator será protegido por uma dupla camada de cimento (contra ataques aéreos tipo 11 de setembro) e por um tanque de aço para evitar que, em caso de fusão, o combustível acabe no terreno.
“Naturalmente – acrescenta –, preparamo-nos para os eventos que podemos prever”. Mas a natureza oferece muitas vezes eventos imprevisíveis. A velha central de Trino Vercellese, por exemplo, está na beira do rio Po, sete metros acima do nível normal da água. Jamais houve no Po uma cheia superior a sete metros. Se, porém, houvesse uma de oito metros, a água poderia penetrar na central e levar embora consigo as sobras radiativas.
O outro exemplo é oferecido por Fukushima. Todas as centrais são construídas para resistir a um certo nível de abalo sísmico. Fukushima foi pensada para resistir a abalos de seis graus da escala Richter. Na sexta-feira, ela sofreu tremores mil vezes mais fortes. Se as estruturas principais permaneceram firmes, significa que os critérios de construção podem permitir que se superem eventos externos, até superiores ao previsível. Mas não as consequências. Se tudo vai bem, sempre é possível se resignar, como os habitantes de Fukushima, a uma dieta de iodo.
Tradução: Moisés Sbardelotto.
Fonte: Ecodebate, 15/03/2011. Publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

terça-feira, março 15, 2011

energia nuclear está ultrapassada é hora das energias e tecnologias do futuro

Energia nuclear é perigosa e ultrapassada

por Judith Hartl
Central Nuclear de Fukushima. Foto: Reuters/AE
A catástrofe nuclear no Japão vai mudar o mundo, e de forma permanente. Ela deixa claro o quão perigosa e incontrolável a energia atômica de fato é. Sim, conseguimos controlar a fissão nuclear. Sim, sabemos como os átomos se comportam e o que temos de fazer para que eles forneçam uma enorme quantidade de energia. Mas sabemos também que especialistas, físicos atômicos e políticos ficam assustadoramente perplexos quando uma usina nuclear resolve se comportar de forma não prevista. Aí o que predomina é a impotência, e a simples esperança de que a fusão do núcleo do reator pare por si mesma.
Argumentar que o Japão conhece o barril de pólvora sobre o qual está sentado, e que terremotos como o atual não acontecem na Alemanha, é simplificar as coisas. E se um avião cair sobre uma central? E quanto aos ataques terroristas, às múltiplas falhas técnicas ou humanas?
Além disso, o perigo não reside apenas nas panes – também o lixo radiativo, para o qual ninguém tem um destino adequado, vai um dia se tornar um obstáculo. Até hoje não existe em nenhum país do mundo um lugar adequado para depositar detritos atômicos, apesar de buscas intensas.
Queremos continuar correndo esses riscos? Apesar de termos alternativas mais promissoras, como a energia solar e a eólica? Essas são energias renováveis, que nos tornam independentes do petróleo, que não oferecem perigo, que são sustentáveis e que não comprometem as gerações futuras. É nessas energias que devemos investir. Elas não são um sonho ambientalista. Elas representam uma sociedade limpa, sustentável e moderna.
A energia nuclear, por outro lado, está ultrapassada. Ela é poluente e perigosa e consome recursos naturais. O urânio, combustível das usinas nucleares, está em declínio. Há urânio suficiente para no máximo 50, 60 anos, calculam especialistas. Isso é sustentável? Os únicos que asseguram que sim, são os lobistas da energia atômica e as empresas de energia, que se enriquecem com a fissão nuclear e exercem enorme influência sobre a política.
Tomara que a catástrofe no Japão sirva para acordar os políticos. Chegou a hora de eles mostrarem coragem. Coragem de virar as costas para o passado e investir nas energias e tecnologias do futuro.
Revisão: Augusto Valente
Original da Agência Deutsche Welle, publicada pelo EcoDebate, 15/03/2011

segunda-feira, março 14, 2011

descobrindo os defeitos do céu

Luz Quebrada
.
Ainda conto os planos dessa hora
Pouso sem chão pensando alto
Talvez ache uma passagem estreita
Pretendo ir mais longe contigo
.
Sentido próximo de curta satisfação
Caminho por uma rota de busca
Atravesso pontos ásperos e arestas cegas
....................................Sigo descobrindo os defeitos do céu
.
Cuido de manter aquela luz acessa
Abrindo por dentro novas trilhas
Nada que antes não pudesse ver
Só havendo amplidão e tentativas
.
Quando atingir o horizonte sereno
Juntando todo ar que possa conter
Caio do alto sem raios de receio
Mudanças me embriaguem o espírito
.
Flor despida no seio exposto do jardim
Continua me fitando longe silenciosa
Balança uma mensagem numa garrafa
Entre sopros e arpejos de tempestade
.
Dando motivos de explodir em arranjos
Quebra-se a luz expandida dos olhos
Em uma coleção de colares de lírios
Agora vaso de amores-quase-perfeitos

sábado, março 12, 2011

perigo claro e presente...

Como assassinar uma recuperação

por Paul Krugman

O perigo vem da exigência dos republicanos de que o governo americano corte gastos com nutrição infantil, entre outros

O noticiário econômico tem melhorado ultimamente. As novas solicitações de seguro-desemprego diminuíram e pesquisas com empresas e consumidores sugerem um crescimento sólido. Ainda estamos perto da base de um buraco muito fundo, mas ao menos estamos subindo.
Pena que tantas pessoas, sobretudo da direita política, queiram nos empurrar para baixo de novo.
Antes de tratar disso, falemos sobre a razão porque a recuperação econômica está demorando a chegar.
Alguns economistas esperavam uma recuperação rápida depois de passarmos a fase aguda da crise financeira – o que eu penso como o período de pessimismo absoluto -, que durou aproximadamente de setembro de 2008 a março de 2009.
Mas isso nunca esteve nas cartas. A economia de bolha dos anos George W. Bush deixou muitos americanos sobrecarregados de dívidas. Quando a bolha estourou, os consumidores foram obrigados a parar e inevitavelmente precisariam de tempo para reequilibrar suas finanças. E o investimento das empresas também estava fadado a diminuir. Por que aumentar a capacidade quando a demanda de consumo está fraca e não se está usando as fábricas e escritórios que se tem?
A única maneira para evitarmos uma recessão prolongada teria sido os gastos do governo fazerem o que devia ser feito. Mas isso não ocorreu: o crescimento dos gastos governamentais em geral desacelerou depois do começo da recessão, na medida em que um estímulo federal com pouco poder foi comprometido por cortes nos níveis estadual e local.
Assim, vivemos anos de desemprego alto e crescimento inadequado.
Melhoria. Apesar dos percalços, porém, as famílias americanas melhoraram gradualmente sua situação financeira. E, nos últimos meses, houve sinais de um círculo virtuoso emergente. À medida em que as famílias iam ajustando suas finanças, elas iam aumentado seus gastos; à medida em que a demanda de consumo começava a reviver, as empresas se mostravam mais dispostas a investir; e tudo isso levou a uma economia em expansão, o que melhora ainda mais a situação financeira das famílias.
Mas esse processo ainda é frágil, especialmente por conta dos efeitos da alta dos preços do petróleo e dos alimentos. Essas altas de preços têm pouco a ver com a política americana. Elas se devem basicamente à demanda crescente da China e de outros mercados emergentes, de um lado, e da interrupção do suprimento por tumultos políticos e condições climáticas adversas, de outro. Mas representam um golpe no poder de compra num momento especialmente difícil. E as coisas se agravarão se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e outros bancos centrais erroneamente responderem à inflação total mais alta elevando as taxas de juros.
O perigo claro e presente para a recuperação, no entanto, vem da política – especificamente, da exigência dos republicanos da Câmara de que o governo reduza imediatamente os gastos com nutrição infantil, controle de doenças, água limpa etc. Muito aparte de suas consequências negativas no longo prazo, esses cortes poderiam levar, direta e indiretamente, à eliminação de centenas de milhares de empregos – e isso poderia interromper o círculo virtuoso de aumento das rendas e melhoria das finanças.
Evidentemente, os republicanos acreditam (ou ao menos fingem acreditar) que os efeitos de sua proposta sobre empregos seriam mais que compensados por um aumento na confiança das empresas. Como eu gosto de dizer, eles acreditam que a fada da confiança ajeitará tudo. Mas não há nenhuma razão para o restante de nós partilhar dessa crença.
Antes de mais nada, é difícil de ver como um plano obviamente irresponsável – desde quando deixar a Receita Federal à míngua de recursos ajuda a reduzir o déficit? – pode melhorar a confiança.
Além disso, temos muitas evidências de outros países sobre as perspectivas de “austeridade expansionista” – e essas evidências são negativas. Em outubro, um estudo abrangente do Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu que “a ideia de que a austeridade fiscal estimula a atividade econômica no curto prazo tem pouca sustentação nos dados”.
E vocês se lembram dos pródigos elogios colhidos pelo governo conservador da Grã-Bretanha que anunciou medidas severas de austeridade após assumir o governo em maio? No que deu isso? Bem, a confiança das empresas não aumentou, de fato, quando o plano foi anunciado; ela despencou, e até agora não se refez.
E pesquisas recentes sugerem que a confiança caiu ainda mais tanto entre as empresas quanto entre os consumidores, indicando, como disse um relatório, que o setor privado está “despreparado para preencher o buraco deixado pelos cortes do setor público”.
O que nos traz de volta ao debate orçamentário americano.
Nas próximas semanas, os republicanos da Câmara tentarão chantagear o governo Obama a aceitar seus propostos cortes de gastos, usando a ameaça de uma paralisação do governo. Eles alegam que esses cortes seriam bons para os Estados Unidos no curto e no longo prazos.
Mas a verdade é exatamente o oposto: os republicanos conseguiram propor cortes de gastos que fariam um estrago duplo, minando o futuro dos Estados Unidos e ameaçando abortar a nascente recuperação econômica. 
Artigo publicado no The New York Times – O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão | Blogs, 07/03/2011

num toque único

Fogo Espontâneo

Sou um telhado sob uma nuvem de chuva ácida
Esperando sua ternura chegar em um toque único

Sem medidas de lucidez justa como uma luva

Dessa maneira avanço numa entrega anunciada
A pingos de necessidades de cruzamento de rios
Na correnteza de amor transpirando sem domínio

Guardo seu orvalho nas mãos quentes e inquietas
Pelos lábios selados escorre uma cantiga decorada
Tenho a sede que arrebata diante do que ofereces

O impossível se torna um fato em dias criados do nada
Faço tudo em nítida condição de quem ama sem pedir
Subo as velas da pele para receber o afeto desse encontro

Quero a perfeição nascida de raízes que amadureçam
Cuidadosamente acariciar sua terra rica de emoção
Vivenciar a sensível força desse sentimento que cresce


a estrutura de mercado dos produtos agrícolas é fortemente concentrada

A financeirização da fome

por Luiz Gonzaga Belluzzo - especial para a Carta Maior
.
Depois do crash de 1929, o Glass-Steagal Act proibiu o envolvimento direto dos bancos comerciais em operações nos mercados de capitais, mercados imobiliários e na especulação nos mercados de alta volatilidade, como é o caso das commodities. Nos últimos 30 anos, a desregulamentação e a liberalização da finança quebraram as barreiras impostas pelas reformas dos anos 30 do século passado, criaram os supermercados financeiros e promoveram a securitização dos créditos. Na verdade, as inovações financeiras alteraram as relações entre bancos de depósito, bancos de investimento e outras instituições financeiras que se aproximaram das funções cumpridas pelos bancos comerciais. Ao mesmo tempo, estes passaram a executar funções próprias dos bancos de investimento, ao criar os SIVS (Special Investment Vehicles) para carregar os papéis lastreados nas operações de crédito, não só os hipotecários. 
Entre outras consequências, as transformações impulsionaram a securitização dos créditos, estimularam a “alavancagem” (palavra horrível) abusiva - ou seja, a utilização do crédito barato para sustentar a posse de ativos em desproporção perigosa com o capital próprio. Na maioria dos casos, antes da crise, a relação era de 30 para 1. Não espanta que tais procedimentos da alta finança tenham promovido o inchaço das operações com derivativos nos mercados futuros de juros, câmbio, matérias-primas e alimentos. No vendaval das reformas neo-liberais, os governos abandonaram as políticas de estabilização de preços baseadas na formação e operação de estoques reguladores (ainda que os países desenvolvidos tivessem mantidos os subsídios a seus agricultores) e submeteram os mercados de commodities, instáveis por sua própria natureza, ao capricho e à sanha especulativa dos mercados futuros.
O Federal Reserve o Tesouro americano deixaram correr a farra da alavancagem e o festival da multiplicação de securities lastreadas em empréstimos hipotecários. Essa música também embalava a especulação altista com estoques de matérias-primas e alimentos, cuja oferta responde lentamente a um aumento de preços. Às vésperas da crise de 2007-2008, os principais índices de preços das commodities mostravam uma aceleração impressionante. 
Nos últimos anos, com o auxílio inestimável dos trabalhadores chineses e do Banco Central da China, a rápida queda de preços dos produtos manufaturados ajudou os bancos centrais dos países desenvolvidos conseguiram manter a inflação sob controle. Mas o “sucesso” das políticas de metas de inflação não impediu, senão incitou a recorrência de ciclos exuberantes de valorização dos ativos. A concorrência entre os possuidores de riqueza, associada ao crédito elástico e à crença nas intervenções de última instância dos bancos centrais, estimularam o surgimento de episódios especulativos. 
O colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008, cozido e fervido nos temperos e pruridos ideológicos de Paulson e Bernanke, interrompeu o ciclo de inflação de ativos. Os preços das commodities, aí incluído o petróleo, despencaram. Nesse momento, a corrida dos investidores para a “qualidade” suscitou a valorização do dólar e provocou surtos de desvalorização nas moedas dos países produtores de commodities, sem qualquer efeito sobre a inflação nos emergentes. Isto porque o choque da desvalorização foi compensado pelo colapso dos preços dos produtos básicos. 
A vacilada deflagrou as vendas de securities nos fundos mútuos e de hedge administrados por bancos de investimento que financiavam a posse desses ativos tomando recursos nos mercados monetários atacadistas (semelhantes aos fundos DI de curto prazo no Brasil). As aplicações nesses mercados sustentavam posições alavancadas em ativos originados nos empréstimos hipotecários e outras operações de crédito securitizadas. 
A clientela cuidou de retirar os depósitos das instituições menores para concentrar o rico dinheirinho nos títulos do governo americano, vistos como derradeiro refúgio da riqueza líquida das empresas e das famílias endinheiradas. Diante do encolhimento da confiança, os bancos tornaram mais rigorosos os critérios de concessão do crédito no mercado interbancário e, assim, fizeram periclitar instituições ilíquidas, mas solventes. Em situações como a aquela, passar da iliquidez à insolvência é um passo. 
Mas, os bancos centrais e as autoridades do Tesouro - imprudentes e cúmplices da especulação - não poderiam deixar a vaca ir para o brejo. Foram compelidos a intervir na cadeia de interrelações entre as instituições para domar a mula sem cabeça dos mercados infectados pela desconfiança. Deixar o bicho à solta seria grave irresponsabilidade. Nos países centrais, a crise de liquidez transformou-se numa crise de crédito, depois transfigurada num festival de insolvências, contida pela intervenção generosa das autoridades.
As generosas injeções de liquidez e os programas de compra de ativos podres não fizeram pouco. Ademais de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções suscitaram um movimento global no interior da circulação financeira. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma saída rápida da trajetória medíocre, mas indicam que os mercados de ativos começam a se restabelecer da derrocada de 2008.
Trata-se, na verdade de um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos, por parte dos investidores que lograram vencer o colapso da liquidez. Salvos das perdas e capturados os benefícios oferecidos pelas autoridades, os investidores eles se mobilizam para a realocação de carteiras. Esse movimento favoreceu a forte recuperação das bolsas, a valorização das moedas dos emergentes e o “aquecimento” dos mercados de commodities. O dólar devolve a valorização observada nos primeiros meses de crise e com isso ajuda a explosão dos preços das matérias-primas e alimentos. 
Semanas atrás, escrevi no jornal Valor que, em sua coluna no New York Times, Paul Krugman jogou a responsabilidade do aumento de preços às condições climáticas. Sem dúvida, as secas e enchentes em áreas de excelência na produção de alimentos desempenham um papel importante na contração da oferta de muitos produtos, dentre ele o trigo, o nosso pão de cada dia. Krugman, no entanto, rejeitou as hipóteses que, além dos fatores climáticos e do aumento da demanda de alimentos e de outras matérias primas nos emergentes, apontavam a expansão da liquidez global e suas taxas de juro ínfimas que botam fogo na especulação com as mercadorias transfiguradas em ativos. Krugman, assustado com os falcões da austeridade fiscal e monetária que rondam sinistramente a convalescente economia americana, chuta para escanteio a hipótese das “distorções” causadas pelas políticas anticíclicas e pelos derivativos na volatilidade e na elevação dos preços.
Os adversários da crítica ao papel dos derivativos afirmam que os operadores financeiros não intervêm diretamente nos “ativos subjacentes” negociados nos mercados a termo, ou seja, nos mercados físicos de matéria primas. Sustentam que o volume de transações nos mercados a termo é muito superior àquele transacionado nos mercados à vista, com fracas interações entre eles.
O economista Michel Aglietta argumenta que essa visão parte de uma interpretação errônea da transmissão do movimento de preços entre os mercados de derivativos de matérias-primas e os mercados “físicos”. O ponto de vista dos defensores da escassez tem alguns elos fracos: a estrutura de mercado dos produtos agrícolas é fortemente concentrada, governada por monopólios e monopsônios com enorme poder de administrar preços e quantidades. Portanto, se um mercado está em “desequilíbrio” por conta de um choque de oferta, o movimento inicial é amplificado pela formação de posições à termo “compradas” pelos caçadores de tendências. A transmissão para os mercados á vista é efetuada através das grandes empresas que tratam de acumular estoques tão logo antecipam a alta de preços deflagrada nos mercados a termo.  O G 20 se reúne em Paris assombrado pelo espectro da estagflação, fenômeno que os economistas e policy makers imaginavam ter sepultado no início dos anos 80 do século passado, sob o peso das taxas de juros de Paul Volker. O presidente Sarkozy propõe um arranjo internacional, com formação de estoques reguladores administrados por produtores e consumidores para estabilizar os preços das commodities.
Seria conveniente lembrar que, na posteridade da 2ª Guerra Mundial Keynes sugeriu a constituição de um comitê internacional encarregado de estabilizar os preços das matérias primas e alimentos. Esse comitê, composto por países produtores e consumidores, teria o apoio da Clearing Union, o sistema público de financiamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos, envolvendo responsabilidades dos países deficitários e superavitários. Nada mais atual.
Fonte: Carta Maior | Economia, 11/03/2011

sexta-feira, março 11, 2011

melhor nunca comparar desejos por sua suposta “nobreza”

Grandes e pequenos desejos

por Contardo Calligaris
Estamos tão acostumados a desejar pequeno que desejar grande nos parece ser uma patologia
Os adolescentes de hoje me parecem desejar de maneira tímida. Como já escrevi, surpreende-me que eles desejem pequeno.
De fato, poderia estender essa constatação aos adultos de hoje. Não que eles deixem de desejar (isso só acontece em raras depressões graves), mas há, aparentemente, uma preferência contemporânea generalizada pelos desejos pequenos. Cuidado: um desejo não é pequeno porque seu objeto seria pouco relevante.
Tomemos, por exemplo, “Maria está a fim de cerejas” e “Antônia quer o fim de todas as guerras”. Será que o desejo de Antônia é grande e o de Maria pequeno? Nada disso.
Melhor nunca comparar desejos por sua suposta “nobreza” -até porque essa tal “nobreza” pode esconder motivações bem mais torpes do que uma saudável vontade de cerejas. Então, como diferenciar desejos grandes e pequenos?
Pois bem, há desejos fluidos, suscetíveis de infinitos deslizamentos, como se, de alguma forma, o objeto desejado fosse indiferente. Esses são desejos pequenos.
Por exemplo, estou a fim de uma calça nova. Entro na loja e o tamanho 39 está em falta. Olho ao redor de mim e acabo comprando duas camisas que não têm nada a ver com a calça que eu desejava.
Quero rever “Cisne Negro”, mas a sessão está lotada; nenhum drama, compro ingresso para “Bruna Surfistinha” (incidentemente: me dei bem, amei o filme). Também posso querer o fim de todas as guerras e, ao ver na TV uma ação do Greenpeace, decidir que de agora em diante só me importa o destino das baleias. Nesse caso, por se revelar facilmente substituível, o fim de todas as guerras é um desejo pequeno.
Há um outro tipo de desejo, mais incômodo, que não admite a substituição. Quero circum-navegar a Terra de veleiro, quero vingar meu pai, quero produzir uma obra, construir um império, rezar em silêncio no deserto, comer cerejas a cada dia: se eles forem insubstituíveis, se sua insistência moldar nossa vida, esses desejos são grandes porque eles nos definem.
O desejo pequeno é ideal para uma sociedade que conta com o consumo para alimentar a produção e organizar as diferenças sociais. Desejos substituíveis garantem que a gente seja sempre levemente insatisfeito e levemente desejante, esvoaçando de objeto em objeto como uma abelha num campo de flores.
Quanto ao desejo grande, que já foi ideal dominante, ele é hoje raro na prática, mas (anúncio de uma mudança dos tempos?) a sedução que ele exerce está crescendo.
Como Mônica Waldvogel (no “Entre Aspas”, da Globo News, na última quinta) e o crítico da Folha Inácio Araújo (na Ilustrada de domingo), reparei que a safra do Oscar deste ano é peculiar: quase todos os filmes indicados ilustram desejos grandes.
Estamos tão acostumados a desejar pequeno que desejar grande (e pagar o preço disso) nos parece ser um comportamento patológico (o cara enlouqueceu, está obcecado) ou, então, sinal de crise (os EUA devem estar muito mal se eles precisam idealizar esses heróis que desejam grande).
Penso o contrário: patológico é desejar pequeno. E, se os Estados Unidos estão gostando de heróis que sonham grande, talvez eles estejam saindo da futilidade dos anos 90: o sinal não seria de crise, mas de saída da crise.
Recentemente, vários leitores e leitoras me perguntaram por que não escrevi sobre “Cisne Negro”, que (alguns notaram) é um prato cheio para um psicanalista. Pois é, amei o filme e concordo com a ideia do prato cheio, mas acontece que, no filme, o que me comoveu não foi tanto o desabrochar da loucura quanto o heroísmo do desejo de perfeição da protagonista -um desejo grande.
Falando em desejo grande, “Bruna Surfistinha”, que estreou na última sexta, é outro exemplo. O filme de Marcus Baldini não é uma apologia nem uma crítica moralista da prostituição: é um filme sobre o difícil e tortuoso caminho de alguém que quis ser livre. É a história de um desejo grande.
DESPEDIDA
Quase na hora em que Moacyr Scliar estava nos deixando, alguém postou no Twitter uma frase minha: “A literatura é o catálogo das vidas possíveis”. Pois bem, pensei, os escritores deveriam ter o direito de continuar vivendo em qualquer uma das histórias que estão sendo e serão escritas por outros até o fim dos tempos. Numa delas, um dia, aliás, espero me reencontrar com Moacyr, para rir, contar casos insólitos e evocar lembranças de Porto Alegre.
Fonte: Blog Oriente-se, 03/03/2011

quinta-feira, março 10, 2011

olha o bloco da pipoca chegando...

É CARNAVAL, ACELERA AÍ !
Bloco Olodum na Avenida Sete - Politeama
Foto: Ivan Ferreira
Como mudou o carnaval de Salvador! Se diz que foi para melhor, pode até ser, depende do ponto de vista do observador. Estava em casa vendo a passagem de blocos e trios pela TV, os Corujas despontava no Campo Grande e me animei para sair, queria ver a cantora Ivete Sangalo ao vivo! Calculei uns vinte minutos até chegar em tempo da chegada do trio na Praça da Piedade... se fosse combinado não daria tão certo, pude encontrar o bloco, o trio e Ivete. Antes disso, na minha caminhada, avistei o cantor Tomate que cantava o hit “eu te amo, porra!”, mas resolvi dar uma volta por trás da aglomeração da avenida, que estava pura muvuca. Contornei pela Direita da Piedade até a rua da Caixa Econômica das Mercês, já conseguia ouvir a voz da Ivete chegando, e me arrumei no meio do povo para escutar e “quebrar” com a música poderosa do trio, lá vinha a grande estrela do axé music, boa pagodeira de acordo com a repórter Wanda Chase; Sem ter uma boa visão dela, corri de volta para a praça da Piedade, querendo aproveitar melhor a ocasião, ter uma visão da estrela mais de perto. Mas Ivete passou como um foguete, ligeirinha... e passou com seu brilho, mais magra, acenou indo, indo, soltando beijinhos para a multidão. A sua voz continuava ao longe, gostosa, carregada pelo trio, dentro do bloco. Como chegou, se foi.
Ivete acelerou! O trio elétrico passou reto, não parou um segundo sequer, fez uma graça que só deu para vê-la rapidinho, o chão da praça não balançou direito, o trio pisou fundo, saiu embalado. Tinha de ser assim mesmo? Será que havia um compromisso urgente mais adiante? E então ficamos nós parados, boquiabertos. Faltou aquela pausa nas rodas do caminhão, a grande estrela esqueceu de conter o motor que não tinha tempo. Parar a máquina e aquecer o coração de quem esperou na praça lotada, cheia de muitos fãs. Também queria o prazer de escutá-la, mas com o veículo freado. Não vibrei como antes. Anos atrás, gravei uma música cantada por ela no celular, fiz um clip para o Youtube, não esqueço, ela brilhava mais, deu uma palhinha para o “pipoca” lhe acompanhar, momento que pareceu uma eternidade, minutos contados, presenteados, depois ela seguiu no pique dela, deixando o pessoal estropiado, de pular ao som do trio, alimentado pelos bordões mais cantados, e as mãos levantadas indicava um adeus, enquanto todos ainda tiravam o pé do chão. Seguiu Ivete, e a gente com os olhos de emoção, de suor, cerveja e felicidade, ela seguiu na direção do Relógio de São Pedro, radiante, para a Praça Castro Alves, voltando de novo a incendiar mais gente noutro canto da cidade.
Olha, foi pouco o carinho, quase uma decepção essa passagem, dela, pela Piedade, Ivete acelerou mesmo! Em pleno início da tarde de sábado (07/03). Pensei, seria uma consequência da mutação que sofre o carnaval de Salvador? Cidade da alegria, que em anos recentes vem recebendo recursos de grandes empresas como parceiros dessa inigualável festa, com influência clara desses patrocinadores? Também refleti: a grande indústria de produtos e serviços (de bebidas, eletro-eletrônicos, cosméticos, dos bancos etc) parece desconhecer ou não considerar a importância do crescente contingente da população que ano a ano vem ocupando os pontos centrais dessa festa, o que possibilitou somar, abrir, consequentemente um acentuado e variado volume de comércio, trabalho, temporários, mas de valor significativo para a economia local; pois, é responsável pelo escoamento de tudo que é consumido no interior dessa festa sem fronteiras.
O “pipoca”, em sua maioria é gente simples, a rigor, sem fantasia; sai de qualquer jeito, são tipos fantásticos, ambulantes (que também vivem da e na festa), trabalhadores aproveitando o feriadão, desempregados inclusive (10,7% em janeiro, dado do IBGE), crianças de colo, garotos super-heróis, meninas enfeitadas pelas mães, jovens ansiosos pelo namoro e o primeiro beijo (roubado), malhados espaçosos, pagodeiros remexendo a bunda, o povo da periferia, se acotovelando, todos gente cidadã da grande metrópole, e também a sabedoria dos idosos e aposentados conhecedores dos “antigos carnavais”. Se “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, também não vai quem vê o caminhão “acelerado”, ir embora sem “notar” a vontade dos foliões que esperam tanto ansiosos para curtir o seu ídolo, sentir o som do caminhão parado, escutar (ao vivo) por um tempo juntos, gritar bem alto, ao primeiro chamado.
Sabe, desisti da maratona carnavalesca, nessa hora, voltei pra casa preocupado, magoado, pelo “pipoca”, como um “pipoca”, apesar de não me considerar um ouvinte integral do axé, ou admirador incondicional da Ivete, só esperava algo melhor, na moral.
Já descansado, liguei a TV, lá estava o prefeito João falando algo para ser ouvido; o entrevistador obtinha como resposta os números da arrecadação (R$ 15 milhões) obtida por meio de parcerias com o setor privado, verba para ser alocada nas necessidades da organização e montagem do carnaval, recursos oriundos de patrocinadores para serem empregados no evento que atrai centenas de milhares de turistas e muito mais baianos que investem antecipadamente, e esperam por isto o ano inteiro. O carnaval vem se profissionalizando mais e mais a cada ano. Tudo isso seria muito bom caso a “pipoca” desfrutasse igualmente dessa festa tanto quanto os foliões do circuito Barra-Ondina, lugar onde parece receber cuidados distintos, maiores recursos, melhor estrutura (circuito de monitoramento digital com transmissão de dados e imagens por fibra ótica, iluminação especial, câmeras permanentemente ligadas em tudo que acontece etc), maior fluxo de trios, artistas nacionais de destaque, o foco das principais emissoras de televisão, uma vista de matéria global e internacional. Os helicópteros sobrevoam o circuito de ângulos inimagináveis, as câmeras revelam (quase) tudo por suas lentes. Há uma política de segurança mais inteligente atuando que impõe respeito. É, vemos se formar uma distribuição diferenciada dos foliões no novo traçado que forma o carnaval soteropolitano. Números e projeções antecipam dados sobre “o melhor carnaval dos últimos anos”, são ótimas as expectativas para os investidores e parceiros do Estado e da Prefeitura.
A busca de melhores oportunidades de negócio e de lucro amplia o brilho produzido pelo grande evento, que é mostrado e observado por gente de todo o planeta. Hoje mais que nacional, é internacional, e os esforços são redobrados para que ele fique com uma cara ainda mais profissional, empresarial, globalizado. Obviamente, o carnaval caiu nas mãos do poder do grande mercado, e nesse processo vai enriquecendo os grandes grupos econômicos, e é uma mina muito valiosa para os polpudos ganhos de estrelas globais, que arrastam a alegria dos foliões e dos patrocinadores com cacife e lastro para investimentos rentáveis.
É evidente, o carnaval depois de eletrizado (por Dodô, Osmar e Armandinho), está ficando elitizado. Há foliões com espaços privilegiados, benefícios da crescente profissionalização do carnaval, tudo de bom, pois pagam por uma “festa particular”, embora se realize bem no bojo de um caldeirão de energia popular. O sucesso da festa se comprova quando ressaltado através de breves informes institucionais, indicando menos violência na estatística oficial, apresentando resultados “extremamente positivos” do ponto de vista de determinadas variáveis de controle, principalmente as relacionadas com a segurança publica. Na verdade, o planejamento atual repete o dos carnavais passados, e além disso mostra que os problemas de transporte (coletivo, táxi) para atender a grande demanda, agravou-se ainda mais nesse período, inclusive com a migração acentuada de foliões para o circuito Barra-Ondina, que mesmo com toda boa intenção dos governos e o jogo de interesses dos produtores, se mostra realmente insustentável. Resta ver outras informações diretamente ligadas ao tratamento dado ao meio ambiente (as praias do circuito Dodô ao final do carnaval mostram danos ambientais sérios, causados pelo lixo acumulado e resíduos deixados pelos foliões que se vão), sobre o trabalho e a saúde da população envolvida no evento, dados de consumo geral e dos camarotes, o orçamento dos grandes trios, a distribuição de renda promovida nesse período, os reais impactos na economia local.
Paulatinamente, o carnaval vai deixando de ser, digamos, como era. Sem saudosismos. Isso sob um ponto de vista que é bom para alguns, no melhor sentido econômico. Vemos o crescimento de um carnaval que é reflexo de grandes marcas, de empresas multinacionais de peso, que leva os ídolos para demandas de outras regiões, países, com outra agenda, com contratos milionários, objetivando mais os interesses desses mercados, segmentos específicos, que “importam” foliões de qualquer lugar, que aumentam expectativas e os recursos necessários para o Estado e município aplicarem na grande festa, portanto, mais ganhos para as empresas e comerciantes.
E a “pipoca” como fica? Tem opção, tem lugar, tem praça, é o que nisso tudo? Certamente tem a emoção, e o coração batendo forte. A cantora Daniela, rainha do axé, num certo instante, de cima do trio, desabafou: “quando cheguei aqui, não queriam preto aqui, não queriam gay, nem lésbica... hoje pode tudo aqui... somos tudo isso, podemos ser o que quiser, somos gente”. Um discurso emblemático, de uma mulher guerreira, sem demagogia, espontânea e sem hipocrisia. Achei um desafio e tanto se dirigir ao povo, ao “pipoca”, colocando essa questão publicamente, assim na lata, expondo-se em cima do palco ambulante, o trio elétrico.
O compositor e cantor, Moraes Moreira, em entrevista cedida a tv Record, após o “encontro de trios” (vi mais trios no Arrastão da Barra-Ondina na quarta-feira de cinzas), também declarou: “no carnaval da Bahia pode tudo, só não pode se esquecer do povo, do “pipoca”, que não pode ficar marginalizado fora das cordas...”. Também sou “pipoca”, sim! Apertado entre as cordas esticadas dos blocos e as paredes das casas de comércio e os edifícios da avenida, porque? Sou parte dessa maioria da população que incrivelmente faz acontecer o carnaval popular. Somado aos vários fatores sócio-econômicos que influem, aqui não pontuados, somos empurrados para a margem mesmo, socados por cordeiros mal preparados, cutucados ostensivamente e intimidados pela passagem da tropa policial, porque quando o pau come a repressão sempre baixa o pau no “pipoca” -sabe-se lá, “são todos pretos, quase brancos, quase pretos...” -, talvez pobres vagabundos, sem noção de autoridade, a violência solta, quem sabe; uns ignorantes da lei, uns sem educação. Muitos vagam pela arquitetura anárquica do centro da cidade e pelas imediações do circuito Osmar, “sem lenço, sem documento”, sem direção, são assemelhados a “penetras” na grande festa do “novo circuito” do carnaval.
O calor no asfalto aumenta, o verão desaba do céu, esquenta ainda mais. O “pipoca” compra quatro “piriguetes” por cinco reais na promoção, bebe uma “batida do diabo” numa barraca improvisada perto dos sanitários químicos, mastiga uma comida exposta à poeira e ao tempo, belisca um “churrasco de gato” na farofa, abatido não se sabe onde, contrariando os avisos da Saúde pública, que preventivamente cuida das DST e AIDS, distribuindo camisinhas para o folião desprevenido para o sexo seguro. O “pipoca” carrega a lôra fria no latão por dois reais, bebidas de tipos variados, tem de todo preço, que são comercializadas livremente – “aquela verde é de menta”-, excessos. Levam à boca a garrafa d’água, as bolhas frescas do refrigerante, embalagens depositadas no “líquido gelado” do isopor encardido e remendado, onde bóiam outras latas, outras “coisas”, tudo junto ao mesmo tempo agora. O trocado que traz escondido do “dono” é para matar a sede insaciável, minimizar a fome de um estômago que ronca o dia todo sob um sol que arde, esturricante. Todos circulam obrigatoriamente pra lá e pra cá esperando um trio, o seu ídolo, que demora demais, e na espera se batem uns com os outros sem qualquer intenção, e riem à toa, mesmo que seja curtíssimo o tempo que passem em companhia da alegria tão aguardada; o folião “pipoca” se acha muito bem preparado para o carnaval, feliz no meio desse inferno na terra, chapa fervente, purgatório de processos e patologias humanas. Quer extravasar, brincar até cair, cansado, grogue, inconsciente da realidade, tontos com toda essa infalível droga, que pode conduzir, tanto ao drama, à overdose, quanto ao devaneio, ao delírio de estar no paraíso. Há quem percorra o caminho do meio.
Ivete no circuito Barra-Ondina
Foto: Dilson Silva/AgNews
Essa alegria de ver e ouvir o ídolo na avenida, estar na praça pública como parte socialmente incluída, como cidadãos, sem discriminação por ser gente do subúrbio, segue sem dúvida como parte intrínseca da esperança de todos, de que tudo o que se faz pelo carnaval leve em consideração a participação do povo, do folião “pipoca”, como uma questão importante na organização da festa, um evento que é de natureza popular. O “pipoca” não pode nem deve ficar no esquecimento dos planejadores, dos promotores, dos patrocinadores e dos artistas que pensam e fazem o carnaval. Por exemplo, no circuito da Avenida Oceânica (Dodô) e no Campo Grande, vemos foliões que dispõem de shows de grandes artistas, exclusividade de espaço para turistas, e blocos protegidos pelas cordas, frutos de um “certo investimento” anual, consumidores de abadás caros, de camarotes vip caros, onde se serve do melhor, boa comida e tratamento sofisticado que custam os olhos da cara. São contribuintes diferenciados, com uma pronta e discreta segurança oficial ao seu dispor, que recebem de uma produção fabulosa tudo que uma grande festa pode oferecer, além dos trios que desfilam pausadamente, e param, diante dos stands das emissoras de TV. São verdadeiros shows, levantam os foliões que abraçam a atração da hora, coroam sua festa contando com personalidades políticas e famosos do meio artístico brasileiro. Uma festa reservada, uma verdadeira corte, que se finge não ver, mas na verdade, existe e é tratada como tal.
Percebe-se claramente a velha política da boa vizinhança de alguns políticos, dançam no meio do povo dando seu recado, no Campo Grande é muito comum, fazem o agá no lugar e hora certos, e são elogiados pelos artistas saídos do povo, novos ganhadores da loteria dos patrocínios, aquela verba, que dá expressão a muitos talentos do gosto popular, fazedores da alegria “aqui e agora” do “bloco da pipoca”. A Praça Castro Alves quase nem aparece mais na televisão, insiste-se em revitalizá-la (Saulo Fernandes deu uma força a alguns artistas que ficaram fora da mídia), pensa-se em retomá-la como parte do grande circuito (“ano que vem, Daniela Mercury voltará para a Avenida Sete, circuito Osmar, depois de dois anos afastada”) será, ou é só boato? A Praça tem uma importância histórica, é a origem do carnaval, os braços do poeta, mas parece que o encontro de trios ficou para o apagar das luzes, só para o bloco da “pipoca”.
O Pelourinho, também, é parte desse circuito histórico, resgata o “carnaval da magia”, das marchinhas, e tem a presença de artistas como Mariene de Castro, Sarajane, Gerônimo, Pepeu, Moraes Moreira e grupos que, estiveram mais presentes em carnavais passados, hoje animam com o samba de roda, afoxé, samba reggae, frevo e com repertórios que marcaram época. Lá tem shows sobre palco fixo, muita gente bonita de todo lugar, o “pipoca” brinca livremente, arrasta a sandália, interage no encontro com artistas reconhecidos, compositores e cantores da boa música baiana, brasileira. A TVE (órgão oficial que tem um papel importante na manutenção desse circuito) é a única que se destaca nessa divulgação, as demais, fazem matérias relâmpagos, dão um tapinha e logo voltam para o circuito Dodô ou para o Campo Grande. Até onde irá a magia do Pelourinho? Da Praça do Poeta? Também, devo ressaltar, não mostram (muito) do carnaval de bairro na grande mídia. Certo é, que o mapa da folia mudou, fez-se outro, a geografia econômica do carnaval foi redesenhada.
Ironicamente, justamente o povo que compra as centenas de milhares de cd’s e dvd’s (e os artistas reconhecem isto), mal pode ver o seu ídolo. Um comércio fantástico que premia produtores, cantores e autores, empresários agentes econômicos vitoriosos desse mercado “oligopolizado”, de estrelas globalizadas, um excelente negócio. Infelizmente, os consumidores representados pelo “bloco da pipoca” (acredito que a maioria presente nas ruas durante o carnaval) ficam sem o devido retorno do seu ídolo, dos organizadores, das instituições, e ainda assim continuam sendo admiradores, fãs não atendidos, mesmo com o direito legítimo de ser feliz, brincar uma festa melhor, que poderia ser realmente melhor. Afinal, a divulgação de uma vendagem superior a 500 mil discos é boa para quem? Na passagem, Ivete agradeceu ao público da praça por todo seu sucesso de vendas, mas ficou devendo aquela paradinha, um simples agrado para o seu público fiel da Piedade.
Embora isso tudo esteja acontecendo, o carnaval dos baianos ainda se mantém popular, pois existem os blocos afro (Ilê Ayê, Filhos de Gandhy, Olodum, Araketu, Muzenza, Male Debalê etc) que “mesmo desfilando quando as câmeras estão desligadas", eles constituem o melhor dessa festa maravilhosa. Sem esquecer da presença significativa, também importante, dos demais blocos tradicionais (Mudança do Garcia, Os Corujas, Pinel, As Muquiranas, Inter, Traz a Massa etc), pois, eles oferecem uma participação popular decisiva na construção do carnaval baiano, com sua base cultural, presente na beleza musical, percussiva, rítmica, das melodias e na expressão corporal, que são riquezas da criatividade das composições e danças populares. A força do carnaval é essencialmente de natureza coletiva, surge das comunidades. Felizmente temos esse outro lado, da face original da festa, com seus talentos artísticos, que exige prioridade, atenção, das autoridades, uma maior preocupação e importância dos recursos obtidos através de parcerias interessadas no grande evento. Esses componentes de características arraigadas no trabalho social, cultural, plural e inclusivo, simultaneamente popular e universal, são sustentados na matriz da alma popular e suas relações de generosa distribuição da alegria, sem o que não seria "o melhor carnaval do mundo".

na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
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